Recentemente elaborei artigo sobre a necessidade do exame da OAB para a proteção da sociedade em detrimento do interesse daqueles que, na maioria das vezes, não se prepara para o exercício da advocacia durante o curso de Direito e enfileiram a lista dos reprovados no exame da OAB.
Recebi algumas críticas com relação ao artigo, como era de se esperar, mas infelizmente foram poucas as críticas que se pautaram num juízo de razoabilidade e desvirtuadas de sentimentalismo exarcebado, fato este que empobrece o debate fático da questão inerente ao exame aplicado pela OAB.
Prefacialmente, respondendo alguns, cumpre salientar que o professor não é responsável, individual e exclusivamente, pela aprovação do acadêmico no exame da OAB, haja vista que diversos fatores fazem parte da formação científica do bacharel oriundo do curso de Direito, incluindo aí a vontade do próprio acadêmico de se dedicar ao aprendizado do mínimo necessário para o exercício da advocacia, pois a sociedade não é e jamais poderá ser ´´cobaia´´ daqueles que passaram cinco anos nos bancos de uma faculdade pensando em churrascos, festas, diversões dentre várias outras atividades alheias à atividade científica essencial para a formação condizente do bacharel.
Novamente ressalto que advocacia não é para aventureiros e muito menos para mercenários!
Aqueles que são contrários ao exame aplicado pela OAB não sabem explicar as razões para que a função pública de advogado fosse guinada ao nível constitucional, balizado nos princípios da essencialidade e da indispensabilidade do advogado na administração da Justiça, fato este que por si só já afasta o argumento de que a advocacia é uma simples profissão.
Nesse sentido, importante transcrever o que leciona o eminente José Afonso da Silva, para quem a advocacia ´´é a única profissão que constitui pressuposto essencial à formação de um dos poderes do Estado: o Poder Judiciário. (...) Na mais natural, portanto, que a Constituição o consagrasse e prestigiasse, se se reconhece no exercício de seu mister a prestação de serviço público´´.[1]
Já que o exame é inconstitucional, qual o motivo que leva todos os bacharéis a se submeterem ao exame e só depois de reprovados se insurgirem contra a sua aplicação?
Novamente cabe destacar que advocacia não é profissão e muito menos campo para aventureiros, pois a sociedade não é e jamais deverá ser ´´cobaia´´ daqueles que não se preocupam em adquirir o mínimo de conhecimento durante o curso de Direito para lograrem aprovação no exame aplicado pela OAB.
Num artigo conciso, porém bastante esclarecedor e nobre ao ponto de merecer citação, o ilustre Procurador do Estado de São Paulo, Vitorino Francisco Antunes Neto, discorre de forma peculiar acerca do tema, veja-se:
´´Se, de um lado, o constituinte reconheceu a missão pública da Advocacia, dando-lhe no mundo jurídico a maior das dimensões, ao lhe conferir a estatura constitucional por meio de preceito escrito, colocando-a em foro de igualdade com a Magistratura e a Promotoria, de outro lado, e na mesma medida da atuação e responsabilidade atribuídas, impôs requisitos, ainda que implícitos, para que alguém a possa exercer.
É certo que a Constituição, porque não cuida de profissões mas de funções públicas, não poderia descer a pormenor, de forma explícita, a ponto de tratar dos pressupostos para o exercício da Advocacia.
Porém, não é menos certo que a interpretação sistemática do texto constitucional, conjugada com a análise da estrutura do poder nele adotada, leva à inarredável conclusão de que, afora a formação jurídica como condição essencial, o Exame de Ordem é requisito constitucional para o exercício da função pública da Advocacia.
A propósito, note-se essa peculiar distinção: o curso jurídico é o único que não habilita automaticamente o formado em nenhuma profissão. Confere-lhe, isso sim, apenas um pré-requisito indispensável a pretendente de uma série de profissões.
Dessarte, percebe-se que o sistema constitucional brasileiro, a par de haver inserido na Lei Maior as função essenciais à administração da Justiça, adotou mecanismo de aferição da aptidão daqueles que pretendam exercê-la: o concurso público.
E o Exame de Ordem configura espécie do gênero concurso público, com a especial diferença de que não há limitação de vagas a serem preenchidas, logrando aprovação todos aqueles que demonstrarem aptidão. No mais, pautado nos princípios da moralidade, da seriedade, da transparência e da igualdade, o procedimento cumpre ser rigorosamente idêntico: publicidade do edital; inscrição aberta a todos os que preencherem determinados pré-requisitos; prova elaborado segundo o programa e aplicada em condições idênticas a todos os candidatos; correção imparcial, publicação dos resultados; possibilidade de recursos, etc.
Não fosse o Exame de Ordem assim compreendido, haveria inominável privilégio, porquanto só do Advogado, de todas as funções públicas relativas ao Judiciário ou a ele essenciais, não se exigiria aprovação em prévio concurso público para o exercício do múnus.[2]
Insta salientar que a falta de condições para o exercício da advocacia se torna evidente no momento em que muitos bacharéis lançam insultos e críticas insustentáveis contra a Ordem dos Advogados do Brasil, demonstrando nítido desconhecimento e até mesmo descaso com o órgão que, contraditoriamente, pretendem integrar
Quando o presidente da OAB vem a público defender o exame, ele não defende qualquer interesse pessoal e sequer o interesse dos advogados inscritos nos quadros da OAB, mas defende a sociedade, haja vista que a atividade que desenvolve é típica de Estado e voltada para disciplinar e fiscalizar o exercício da advocacia.
Para afastar qualquer ilação infundada e descabida por parte daqueles que são contrários ao exame aplicado pela OAB, importante transcrever os dizeres do mestre Adilson Abreu Dallari, segundo o qual: Exercem, portanto, função pública, uma vez que a fiscalização do exercício profissional está acima dos interesses da corporação e configura interesse da coletividade, constituindo-se, portanto, interesse público. Por isso mesmo, ou seja, por exercerem função de natureza pública é que os conselhos são dotados de prerrogativas públicas, tais como: o poder de verificar a aptidão dos interessados em ingressar nos seus quadros para que possam adquirir a situação jurídica de profissional de um determinado ofício e seu exercício; o poder de disciplinar sobre os seus membros e o de aplicar-lhes sanções que podem levá-los até à sua exclusão do conselho; o poder de cobrar contribuições, taxas pela prestação de serviços e exercício do poder de polícia e, ainda, cobrar multas´´[3]
Assim, é singular o fato de que cai por terra mais um argumento levantado por aqueles que tentam atingir a imagem da Ordem dos Advogados do Brasil e imputar ao referido órgão a pecha de um simples sindicato ou associação.
Ademais, não exige grande esforço de raciocínio a conclusão de que a liberdade do exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão previsto no artigo 5º, inciso XIII da Constituição Federal não deve ser colocada em termos absolutos, uma vez que, conforme nos ensina Pinto Ferreira, a liberdade preceituada na Constituição Federal deve entendida em três níveis, quais sejam: a) o da escolha; b) o da admissão; c) o do exercício da profissão propriamente dito.
A liberdade de escolha é inviolável e o exame aplicado pela OAB não atinge essa liberdade de forma alguma, sendo que o exame só adentra legitimamente no campo da admissão e exercício da advocacia. Nesse sentido é o que discorre de forma salutar o eminente Pinto Ferreria, veja-se:
´´Determinadas profissões exigem habilitações especiais para o seu exercício (advocacia, medicina, engenharia etc.); outras atividades prevêem condições materiais adequadas (p. ex., estabelecimentos de ensino) para seu funcionamento. Não somente as atividades liberais estão sujeitas à vigilância do poder de polícia, mas também outras, por razões de segurança pública (hospedagem, hotéis, indústrias pirotécnicas), como por motivo de saúde (produção de produtos farmacêuticos), como afinal por motivos de polícia penal, vedando a prática de crimes e contravenções.´´[4]
Outro reconhecido e respeitável doutrinador discorre claramente sobre a necessidade de mitigação da liberdade prevista no artigo 5º, XIII da Constituição Federal, nefastamente interpretada por alguns como absoluta:
´´Para que uma determinada atividade exija qualificações profissionais para o seu desempenho, duas condições são necessárias: uma, consistente no fato de a atividade em pauta implicar conhecimentos técnicos e científicos avançados. É lógico que toda profissão implica algum grau de conhecimento. Mas muitas delas, muito provavelmente a maioria, contentam-se com um aprendizado mediante algo parecido com um estágio profissional. A iniciação destas profissões pode-se dar pela assunção de atividades junto às pessoas que as exercem, as quais, de maneira informal, vão transmitindo os novos conhecimentos.
Outras, contudo, demandam conhecimento anterior de caráter formal em instituições reconhecidas. As dimensões extremamente agigantadas dos conhecimentos aprofundados para o exercício de certos misteres, assim como o embasamento teórico que eles pressupõem, obrigam na verdade a este aprendizado formal.
Outro requisito a ser atendido para regulamentação é que a profissão a ser regulamentada possa trazer um sério dano social.
É obvio que determinadas atividades ligadas à medicina, à engenharia, nas suas diversas modalidades, ao direito, poderão ser geradoras de grandes malefícios, quer quanto aos danos materiais, quer quanto à liberdade e quer ainda quanto à saúde do ente humano. Nestes casos, a exigência de cumprimentos de cursos específicos se impõe como uma garantia oferecida à sociedade.[5]
Portanto, indubitável e inconteste o fato de que o exercício da advocacia está intimamente ligado à vida, saúde, liberdade e segurança das pessoas, decorrendo daí a legitimidade da aplicação do exame pela Ordem dos Advogados do Brasil para todos aqueles que pretendem exercer a função social que subjuga o múnus privado do advogado ao serviço público sempre presentes nos atos que pratica para a perfeita correlação do tripé jurisdicional do Estado.
Para a tristeza daqueles que deixam de lado o debate para o aprimoramento do exame aplicado pela OAB para defender a drástica medida de abolição do exame impende destacar que os Tribunais Superiores já superaram a discussão acerca da natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil e, também, à função constitucionalmente privilegiada exercida pelo advogado. (ADIN nº 3026/DF, Relator: Min. Eros Grau e RE nº 214.761-STJ, Relator: Min. Humberto Gomes de Barros)
É singular citar os dizeres do ilustre Ministro Humberto Gomes de Barros, do Superior Tribunal de Justiça, quando relatou o RE nº 214.761:
´´Credenciado pela Ordem dos Advogados do Brasil, o advogado vocacionado para o exercício de seu múnus público, presta contribuição fundamental ao Estado de Direito. Em contrapartida, o causídico tecnicamente incapaz, mal preparado ou limitado pela timidez pode causar imensos prejuízos. Na realidade, os danos causados pelo mau advogado tendem a ser mais graves do que aqueles provocados por maus juízes: prazo perdido, o conselho errado, o manejo imperfeito de algum recurso não têm conserto. Já o ato infeliz do magistrado é passível de recurso. Por isso, a inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil não constitui mero título honorífico, necessariamente agregado ao diploma de bacharel. Nele se consuma ato-condição que transforma o bacharel em advogado. Se assim ocorre, a seleção de bacharéis para o exercício da advocacia deve ser tão rigorosa como o procedimento de escolha de magistrados e agentes do Ministério Público. Não é de bom aviso liberalizá-la
Portanto, com todo o respeito à todas profissões, não tentem transformar a advocacia numa porta de entrada de mercenários, aventureiros e daqueles que continuam a ver a advocacia como uma profissão qualquer, pois conforme já ressaltado, advocacia não é para qualquer um e muito menos se presta a transformar a sociedade numa ´´cobaia´´ permanente.
A Constituição Federal reconheceu a missão pública da advocacia não foi em vão, mas para colocá-la em foro de igualdade com a magistratura e o ministério público, haja vista que esse equilíbrio é importante e essencial para o exercício da função jurisdicional do Estado.
Assim, o exame aplicado pela OAB decorre do dever que tem esse órgão de zelar pela sociedade diante da função social prevista na Constituição Federal e, ainda mais, de exigir daqueles que pretendem exercer a advocacia o mínimo de conhecimento para tanto.
[1] Curso de Direito Constitucional Positivo, RT.
[2] ANTUNES NETO, Vitorino Francisco. O exame de ordem é, sim, constitucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1041, 8 maio 2006. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/8364>. Acesso em: 30 dez. 2010.
[3] ADILSON ABREU DALLARI, Ordem dos Advogados do Brasil - Natureza Jurídica - Regime de seu Pessoal, in Revista de Informação Legislativa, n° 116, out./dez. de 1992, pp. 259-260
[4] Comentários à Constituição Brasileira, 1° volume, 1989, p. 89
[5] Comentários à Constituição do Brasil, Vol. II, São Paulo, 1989, pp. 77-78
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOPES, LUIZ CESAR BARBOSA. O exame da OAB e sua adequação aos anseios da sociedade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 jan 2011, 07:55. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/796/o-exame-da-oab-e-sua-adequacao-aos-anseios-da-sociedade. Acesso em: 25 nov 2024.
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