Notas Introdutórias
No âmbito penal, a teoria da imputação objetiva apresenta-se como método teleológico-funcional de imputação de uma conduta ao resultado, com o desiderato político-criminal de suprir as insuficiências não colmatadas pelas sistemáticas anteriores de índole clássico-causalista ou finalista, que apresentaram inúmeras falhas na aplicação do nexo de causalidade, inserido no contexto do fato típico do conceito analítico de crime.
No entanto, a teoria da imputação objetiva não apresenta aspecto de unicidade, pois se segmenta sob duas correntes doutrinárias, a teoria de Gunther Jakobs, lastreada sob as origens do funcionalismo sistêmico de Niklas Luhmann e a teoria de Claus Roxin, constituída sob as bases do funcionalismo moderado de Talcott Parsons. Todavia, nenhuma delas prescindem da mera relação naturalística de causa e efeito desenvolvida pela conditio sine qua non, nem dos traços finalistas inseridos no âmbito do tipo subjetivo para a análise do nexo objetivo.
A Teoria da Imputação Objetiva de Roxin
A teoria da imputação objetiva de Claus Roxin, em síntese, se resume à criação de um risco juridicamente relevante e proibido, que se realiza no resultado, sob o alcance do tipo penal (ROXIN, 2002, p.310).
Na criação de um risco juridicamente relevante e proibido, insere-se o elemento constitutivo do aumento do risco, ou como denomina parte da doutrina, o “incremento do risco”, que pressupõe a relevância substancial de um risco. Para avaliar tal relevância, Roxin se utiliza da prognose póstuma objetiva (vide http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.31017). Ademais, há excludentes do risco proibido, quais sejam, a diminuição do risco – que ocorre quando o risco inicial afigura-se reduzido em razão de conduta posterior – e o risco permitido, que configura todos aqueles riscos que a sociedade reputa como aceitáveis sob o prisma social, como, v.g., o tráfego de veículos automotores.
Na realização do risco no resultado, Roxin traz dois elementos aferidores de sua existência, o fim de proteção da norma, que elide a imputação ao tipo objetivo quando a conduta violadora não se encontrava dentro das hipóteses que a norma de cuidado visava evitar o resultado normativo, como também apresenta o método comparativo das condutas conforme o direito, em que há a confrontação entre a conduta desvalida e a conduta adequada, em que se esta for perpetrada e o resultado não fosse modificado, o risco oriundo da conduta desvalida não seria aquele realizado no resultado, ensejando a não imputação da conduta ao resultado.
Por último, há o elemento denominado de alcance do tipo que apresenta três institutos, em que, embora o risco não permitido tenha se realizado no resultado, não fazia parte das hipóteses que o tipo penal visava reprimir. As hipóteses mencionadas, denominadas de “ações a próprio risco”, são a contribuição à autocolocação em perigo, que a própria vítima se coloca em perigo, a heterocolocação em perigo consentida, que a vítima deixa-se colocar em perigo pelo agente criador de uma conduta criadora do risco que se realiza no resultado. Também no âmbito do alcance do tipo, desenvolveu-se o instituto do âmbito de responsabilidade alheio, em que há a transferência da responsabilidade para outrem, em razão da omissão de outrem ou da perpetração de outra conduta ulteriormente.
A Teoria da Imputação Objetiva de Jakobs
A teoria de Gunther Jakobs orbita em torno do conceito de papel social, definido por ele como “[...] um sistema de posições definidas de modo normativo, ocupado por indivíduos intercambiáveis; trata-se, portanto, de uma instituição que se orienta com base nas pessoas.” (JAKOBS, 2007, p.22)
Outrossim, teoriza o que pode ser entendido como a corporificação da ideia de papel social, cognominada de instituições dogmáticas. Ramifica-se em princípio de confiança, risco permitido, proibição de regresso e competência (capacidade) da vítima.
O princípio de confiança denota que os indivíduos confiam que os outros cumprirão seu papel socialmente instituído, formando uma relação de confiança mútua entre todos os componentes da sociedade, exempli gratia, o pedestre que atravessa a rua quando o sinal está vermelho confia que os motoristas permanecerão parados, até abrir o sinal, havendo tempo para a travessia.
Quanto ao risco permitido, corresponde à aceitação por parte da sociedade de certos riscos, que embora possam vir a ensejar lesão a bens jurídicos, convencionou-se que tais riscos podem ser assumidos, por serem aceitos como naturais no âmago social, a exemplo do trânsito, clássica hipótese de risco permitido, como mencionado acima no tocante à projeção doutrinária de Roxin, em que o instituto é o mesmo.
Em relação à proibição de regresso pugna que o terceiro que se mantém nos limites do seu papel social não lhe poderá ser atribuído o resultado, quando sua conduta lícita for utilizada de forma degenerada pela ação delitiva de outrem, como o padeiro que vende o pão para aquele que o utiliza para envenenar seu desafeto.
Por derradeiro, há a competência (capacidade) da vítima, que exime de responsabilidade o agente se a vítima contribuiu diretamente para a consecução do resultado naturalístico, como por exemplo, quando alguém sendo carregado irregularmente na caçamba de um automóvel, resolve querer ”surfar”, se equilibrando em pé enquanto o veículo está em movimento, vindo a cair do carro, provocando sua própria morte.
Considerações Finais
Conforme apresentado acima, a teoria da imputação objetiva apresenta duas correntes doutrinárias que ora ou outra divergem quanto ao posicionamento adotado, como também se interpenetram em determinados institutos, apresentando similitude estreita.
No entanto, são construções teóricas claramente distintas e carecedoras de ampla aceitação doutrinária e jurisprudencial, principalmente em razão do desconhecimento dos seus limites e âmbito de sua incidência, no que toca à averiguação da atribuição do resultado a determinado comportamento.
Cabe salientar que a imputação objetiva não se encontra positivada em nosso ordenamento jurídico, mas afigura-se como dogmática válida e aplicável às hipóteses casuísticas trazidas ao julgador, como método incisivo de busca de justiça ao caso concreto, e, por conseguinte, como instrumento de alcance da paz social.
Referências Bibliográficas
GRECO, Luiz. Um panorama da teoria da imputação objetiva. Rio de Janeiro: Lúmen Iuris, 2007.
JAKOBS, Günther. A imputação objetiva no Direito Penal, tradução de André Luís Callegari, São Paulo: RT, 2007.
JESUS, Damásio E. de. Imputação Objetiva. São Paulo: Saraiva, 2000.
ROXIN, Claus. Funcionalismo e Imputação Objetiva no Direito Penal – Tradução e Introdução de Luiz Greco. São Paulo: Renovar, 2003.
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