Recentemente iniciou-se a discussão em torno da prescrição para apreciação e julgamento das contas de governantes. Não há posição definida na doutrina e na jurisprudência quanto ao prazo prescricional aplicável: se o de direito civil ou do direito administrativo.
Como se sabe, a Constituição Federal, em seu art. 71 confere ao TCU a competência para apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República mediante parecer prévio (inciso I). Compete também ao TCU julgar as contas dos administradores e demais responsáveis dos dinheiros públicos (inciso II). Outros incisos, notadamente, os incisos III, V, VI, VIII demonstram que o TCU, a par de órgão auxiliar do Congresso Nacional, recebeu competências próprias diretamente do texto constitucional conferindo-lhe o poder de agir com independência.
No que tange às contas do Presidente da República convém distinguir as contas anuais das despesas do exercício, que serão apreciadas pelo TCU, das contas do Presidente da República enquanto ordenador de despesas, que deverão ser julgadas pelo TCU. Ninguém ignora que o Presidente da República é um dos administradores e responsável por dinheiros públicos.
Qual o prazo para apreciação ou julgamento dessas contas?
A doutrina se divide entre a aplicação do prazo de direito civil; aplicação do prazo qüinqüenal; aplicação da tese da imprescritibilidade; e aplicação da tese da imprescritibilidade para preservação do princípio da legalidade do ato administrativo, porém, com certo temperamento para que não contrarie os princípios da segurança jurídica e o do interesse público.
A tarefa é bem árdua, porque no direito administrativo não há um marco divisor entre decadência e prescrição como há no campo do direito tributário. Antes do lançamento tributário, o prazo é de decadência do direito de a Fazenda constituir o crédito tributário dentro de 5 anos (art. 173 e § 4º do art. 150, do CTN). Depois do lançamento começa a fluir o prazo prescricional de 5 anos para cobrança do crédito tributário (art. 174 do CTN).
Outrossim, tanto a decadência, quanto a prescrição extinguem o crédito tributário, isto é, atingem o direito material (art. 156, V do CTN).
Sabemos que no direito comum a prescrição é perda do direito à ação, ao passo que, a decadência é caso de perda do direito por não ter sido exercitado no prazo determinado, não comportando interrupção nem suspensão.
A decadência está sempre ligada ao exercício de um direito potestativo pressupondo a fixação do prazo legal para sua consumação.
Daí os diversos posicionamentos doutrinários:
a) aplicação do prazo qüinqüenal do Decreto nº 20.910/32, que cuida da prescrição das dívidas passivas dos entes políticos, bem como da prescrição de qualquer ação contra as Fazendas Públicas, no prazo de 5 anos;
b) aplicação da prescrição vintenária do Código Civil, hoje, de dez anos;
c) aplicação do prazo de 5 anos do art. 54 da Lei nº 9.784/99, que cuida do Processo Administrativo em geral na esfera da União;
d) aplicação do prazo de 5 anos previsto no art. 1º da Lei nº 9.873/99, que estabelece prazo de prescrição para o exercício da ação punitiva pela Administração Pública Federal direta e indireta.
Entendemos que a questão de apreciação ou de julgamento de contas pelo TCU insere-se no âmbito da decadência, visto não se tratar de propositura de ação judicial, mas, de verificar a legalidade, legitimidade, economicidade etc, de despesa pública feita, com eventual responsabilização do agente público que tenha violado qualquer um dos aspectos retro apontados, para possibilitar ulterior ação de ressarcimento. De fato, o exame das contas pelo TCU não se exaure no prisma da legalidade, conforme se depreende do art. 70 da Constituição Federal.
Importante atentar para o que dispõe o art. 37, § 5º da CF para encontrar uma possível solução em relação ao prazo para apreciação ou julgamento de contas pelo TCU:
"§ 5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.”
Dúvida não há que a Carta Magna retirou qualquer possibilidade de o legislador infraconstitucional fixar qualquer prazo de prescrição para ação de ressarcimento referente a prejuízos causados ao erário.
Ora, se a ação de ressarcimento é imprescindível não seria lógico sujeitar o processo administrativo referente à prestação de contas a um prazo fatal de 5 anos pela aplicação de qualquer uma das leis retro mencionadas. É que, sem a apreciação ou julgamento de contas não haverá como quantificar o montante do eventual dano causado ao erário, nem de indicar com precisão o seu responsável.
Daí porque tendo o processo de apreciação ou de julgamento de contas caráter meramente instrumental, para fundamentar a futura e eventual ação de ressarcimento, segue-se a aplicação do mesmo prazo previsto para ação de ressarcimento, que é imprescritível.
Aliás, essa linha de raciocínio encontra amparo no próprio art. 2º da Lei nº 9.873/99, que prescreve a interrupção da prescrição qüinqüenal por qualquer ato inequívoco que importe apuração do fato (inciso II):
“Art. 2º Interrompe a prescrição:
I – pela citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital;
II – por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato;
III – pela decisão condenatória recorrível”.
Com a abertura do processo de apreciação ou julgamento de contas inicia-se a apuração dos fatos referentes às despesas públicas objetos de prestação de contas.
Conclui-se, portanto, que não há prazo legal para apreciação ou julgamento de contas pelo TCU. Os ilícitos civis ou penais apontados na apreciação ou julgamento de contas estão sujeitos aos prazos prescricionais previstos na legislação específica, porém, os prejuízos financeiros apurados deverão ser objetos de ação de ressarcimento ao erário, que é imprescritível.
SP, 4-11-08.
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