O título nos alerta, a priori, a uma discordância verbal. Não seria então, nasceu outro herói, em lugar de nasceram? De certo que não, pois o tema nos transporta a um nascimento forçoso, político e midiático de mais um herói brasileiro, diante de tantos outros.
Não obstante estar acometido de dengue, acamado, pude acompanhar de per si todo o desenrolar da tragédia de Realengo, onde 12 crianças foram assassinadas e outras 13 foram feridas, desfechando-se com a morte do executor, que, alvejado por um policial militar em serviço, suicidou-se.
Bastaram algumas horas após o massacre das crianças e lá estavam o Prefeito e o Governador do Rio de Janeiro, rodeados de jornalistas, esclarecendo o que todos já sabiam. Mas então, o que os políticos foram fazer por lá? Pergunto isso porque, principalmente no subúrbio do Rio, tragédia faz parte do prato do dia. Morte de dezenas de crianças, vitimadas pelo tráfico de drogas, ocorrem diariamente. Morte de crianças vitimadas por doenças acarretadas pela falta de saneamento básico ocorrem diariamente. E onde estão as autoridades nestes casos que jamais aparecem? É fácil explicar, nestes casos eles sempre têm culpa.
Todo fato, por mais doloroso que seja para a população, tem o seu lado positivo. Não se espante, lamente. O político é o único ser que se aproveita das mazelas de um fato doloroso ocorrido na sociedade. Enquanto todos lamentavam e choravam a perda de doze almas infanto-ingênuas, os representantes do povo se locupletavam com suas aparições explanando o que havia ocorrido – políticos-repórteres.
Não havia nada a se dizer. Na verdade não havia o porquê da presença das autoridades públicas governamentais naquele momento. Salvo, para se beneficiar politicamente junto ao seu eleitorado, massa de manobra de outros carnavais. Foi dito e certo, atiraram a esmo e acertaram no mais antigo dos sentimentos humanos, o heroísmo.
O Governador, seguido do Prefeito, in loco, com as luzes da ribalta a sua disposição, tão somente repetiu o que os repórteres – profissionais competentes, pagos para tanto – já haviam noticiado. Então, o grande tiro. Em meio a uma comoção “política”, lágrimas – que não posso atestar serem dos crocodilos – eis a grande tirada: -Ele é um herói!
Em questão de segundos, e isso faz parte dos atributos de um “bom político”, em meio à nostalgia da falta do que mais a justificar, nomearam um homem do povo, servidor público, policial militar, Herói! Fizeram nascer ali um herói. Os noticiários então se encarregaram de espalhar a notícia. Temos mais um Herói. Até o Presidente da República em exercício, Michel Temer, pessoalmente congratulou o Herói.
Mas afinal, quem são os heróis?
Milhares de policiais diariamente labutam contra a criminalidade. Enfrentam bandidos bem armados e cada vez mais audaciosos. Na maioria das vezes, com armamento pífio, os policiais expõem suas vidas em detrimento da competência da profissão. Não seriam eles heróis?
E aqueles policiais que sobem os morros cariocas e do Brasil afora, dentro de seus “caveirões” em troca de tiros intermitentes, para salvaguardar a sua paz, não seriam eles heróis?
Vou mais adiante. E aqueles policiais que morrem em serviço, dedicando sua vida à sociedade, quais as honrarias que lhes cabem? Não seriam eles heróis?
Já dizia o festejado dramaturgo alemão, Berthold Brech, “Infeliz o povo que precisa de heróis.” Teria o dramaturgo conhecido o povo brasileiro? Na contramão da lucidez, o “poeta que não morre”, Cazuza, cantava em verso e prosa que seus heróis morreram de overdose. De que heróis afinal estamos falando?
João Ubaldo Ribeiro, na sua obra Viva o Povo Brasileiro, remete o leitor a esse questionamento acerca do heroísmo. Ele fala que o povo brasileiro necessita de heróis para cultuar. Foi exatamente o que os governantes do Rio fizeram, agraciaram o povo lhes dando um Herói instantâneo. Segundo Ubaldo, os verdadeiros heróis, quando efetivamente existem, se obrigam anônimos e consequentemente esquecidos. Uma Lástima.
Por tradição o povo brasileiro cultua, e não é de hoje, seus Heróis e Reis. Ao questionar um popular nas ruas do nosso Brasil acerca de qual seria o nosso Rei, a resposta certamente viria com outra pergunta: Rei de que? Essa nova pergunta soa por óbvio acertada. Precisamos delinear o questionamento, isso porque temos vários segmentos de monarcas: o Rei da jovem guarda, o Rei do futebol, a Rainha do rebolado, a Rainha do axé music, o Rei da fórmula 1, O Herói do penta… Isso sem falar nos novos Heróis anuais do BBB, em que a Globo insiste em nomeá-los.
Mas afinal, quem são os heróis?
Antes do policial militar do Rio, nomeado Herói pelas autoridades governamentais, ostentava esse posto o Capitão Nascimento – Tropa de Elite I e II, eleito de forma democrática, pelo povo.
A pergunta não é quem são os Heróis, mas sim, o que é que lhe representa um Herói?
Acredito que ser Herói é muito mais do que um ato de bravura isolada. O policial da tragédia de Realengo, não o desconsidero Herói. Mas também não o considero Herói pelo ato em si praticado. Certamente ele é mais um Herói que sai de casa diariamente e não sabe se retorna ao seu lar, ao afago de sua família. Certamente é mais um Herói que faz milagres com o pouco soldo que recebe do Estado para dar o mínimo de dignidade a sua família. Todos são Heróis. Mas sobre esse assunto, os governantes não se expõem.
Herói, para os gregos é aquele ser que se encontra entre os deuses e os homens, normalmente filho de um deus com uma mulher.
Voltando à realidade, o Herói deve agir diante de valores e por causas da sociedade, tornando-se então um referencial para esta. E isso não se conquista num ato em separado.
Não falo tão somente de atos de bravura. Poderia citar atos insanos de criminosos dispostos a morrer por causas que não valem citar. Não deixa de ser bravo, por isso mesmo temos que separar o joio do trigo. O verdadeiro Herói está sempre disposto a viver e morrer por seu próximo, incondicionalmente. Lembro-os de Gandhi e Irmã Dulce, não seriam eles Heróis de fato?
De certo que, subjetivismos à parte, discussões acaloradas, pontos de vistas diversos, mas numa coisa todos concordam, nossos primeiros e eternos Heróis são e sempre serão os nossos pais.
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