Por meio do Decreto 7.473/11, regulamentado pela Portaria do Ministério da Justiça 797/11, deu-se início a “nova” Campanha de Desarmamento, reiterando e trazendo novos regramentos para a entrega espontânea de armas de fogo regularizadas e irregulares mediante pagamento de indenização estatal, nos termos dos artigos 31 e 32 da Lei 10.826/03.
Os dispositivos permissivos dessa entrega de armas já vigiam no corpo do Estatuto do Desarmamento, sendo regulamentados pelo Decreto 5123/04 e suas alterações posteriores. Os novos diplomas apenas reiteram a possibilidade de entrega das armas mediante indenização estatal e promovem novas alterações no procedimento de entrega, recolha e pagamento dos valores.
O intento é incentivar a entrega de armas regulares ou irregulares para diminuir o número de armamentos em trânsito no país. Sem adentrar na questão da eficácia dessas iniciativas, pretende-se analisar o problema da vigência, no período da campanha, do artigo 12 do Estatuto do Desarmamento que incrimina a posse ilegal de arma de fogo em residência ou local de trabalho do infrator (obviamente considerando as armas irregulares). Isso porque pode ser levantada a tese de que devido à possibilidade de entrega da arma e presunção de boa fé daquele que a promove, estaria o artigo 12 da Lei 10.826/03 com sua vigência suspensa, especialmente devido ao advento da campanha ora divulgada pelo poder público.
Essa tese não se sustenta e não passa das aparências enganadoras. Em primeiro lugar, a promoção da entrega de armas, inclusive irregulares, está em vigor nos termos dos artigos 31 e 32 da Lei 10.826/03, devidamente regulamentada pelo Decreto 5.123/04 há tempos. Na verdade a expedição do novo Decreto 7.473/11 e da Portaria MJ 797/11 apenas vem a alterar detalhes dos procedimentos formais de entrega, recolha e pagamento de indenizações em nada mudando o quadro em termos materiais. Além disso, não há mais falar-se em um “período de atipicidade da conduta”, tal como se preconizou com razão no início da vigência do Estatuto do Desarmamento, quando foram concedidos prazos legais, ulteriormente prorrogados várias vezes para a regularização de armas ilegais, presumindo-se então naquela época “a ausência de dolo, ou seja, a boa fé, considerando-se o fato atípico” (MORAES; SMANIO, 2007, p. 326).
Agora e desde a alteração promovida no artigo 32 da Lei 10.826/03 pela Lei 11.706/08, não mais se trata de um prazo para regularização de armas ilegalmente possuídas. Tal prazo já expirou faz tempo e quem possui arma de fogo irregular em casa ou no local de trabalho comete infração ao artigo 12 do Estatuto do Desarmamento. Não existe mais a possibilidade de regularização de tais armas conferida ao infrator que estaria dentro de um prazo legal para agir e, portanto, intocável pela norma penal. No momento, o infrator comete crime e somente com a entrega espontânea da arma e/ou munição, nos termos do Decreto 5123/04, alterado agora pelo Decreto 7.473/11 e regulado pela Portaria MJ 797/11, pode obter a “extinção de sua punibilidade”. É isso que diz o artigo 32 da Lei 10.826/03 com sua nova redação dada pela sobredita Lei 11.706/08. Não se trata de atipicidade, mas da criação, a partir de então, de uma causa especial de extinção de punibilidade que somente se opera pela entrega espontânea da arma pelo agente. Ou seja, se o infrator entrega espontaneamente a arma nos termos da legislação e regulamentos acima mencionados, tem direito a uma indenização e ainda à extinção de sua punibilidade pelo crime até então cometido. Ao reverso, se é simplesmente surpreendido de posse de uma arma em sua residência ou local de trabalho, sendo esta apreendida pela Polícia, pode perfeitamente ser preso em flagrante e responder criminalmente por seus atos, não fazendo jus à causa extintiva de punibilidade e muito menos a qualquer indenização.
Portanto, o artigo 12 da Lei 10.826/03 continua em plena vigência, independentemente do seguimento de uma campanha de desarmamento que, aliás, sempre esteve em vigor, somente sendo retomada midiaticamente devido a acontecimentos de repercussão (especificamente o chamado “Massacre de Realengo”) que levaram às alterações sobreditas para dar aparência simbólica de que medidas estão sendo tomadas para contenção da violência no país.
REFERÊNCIAS
MORAES, Alexandre de, SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legislação Penal Especial. 10ª. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
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