Qual das duas teorias, a de Kelsen ou a de Hart, é a melhor para o Direito?
No que diz respeito a escolha por uma dessas teses, a teoria de Hart se encaixa melhor para descrever o Direito, mas antes de serem detalhados os motivos, umas pequenas considerações.
No que diz respeito ao contexto histórico de onde Hart desenvolve sua teoria, temos que vai ser uma oposição ao direito baseado na força, que era o que predominava, no final do Séc. XIX, onde o Estado utilizava o direito para que fosse visto como sendo um “Ser” superpoderoso que ditava as normas e que para que elas fossem cumpridas, assim eram estabelecidas sanções para o descumprimento de cada uma dessas normas, ou seja, as normas instituem aquilo que deve ser feito e a conseqüência para o seu não obedecimento: um determinado mal para que se cumpra o que a norma estabelece.
As idéias então de Hart na sua teoria positivista do direito, não inovava de certa forma o que já havia sido escrito sobre, mas sim reformava teorias positivistas anteriores e fazia com que se desse um caráter mais sofisticado e menos ingênuo de positivismo que existia ate então.
Ainda no que diz respeito ao contexto histórico de onde surge a teoria de Hart, era a época em que predominava o apogeu do cientificismo, onde ser eram refutadas as questões que diziam respeito ao senso comum, uma vez que para o cientificismo, se as crenças comuns não seriam confiáveis para dizer o que é o universo físico, muito menos o seria para descrever o Direito.
Hart então vai se opor a esses postulados, e afirmar que o direito é uma prática social e só existe por conta das nossas crenças comuns e na nossa prática delas. Assim, quando o objeto é uma prática social, qualquer pessoa que esteja envolvido com ela, tem possibilidade de falar sobre aquele assunto. Portanto, ele não tem uma existência exterior às crenças, às práticas. Dessa forma, qualquer pessoa que participe da prática do Direito é competente para falar sobre ele.
Temos então que quando o objeto e estudo trata-se de uma prática social, basta estar envolvido com essa prática para dar opiniões sobre ela, mesmo que equivocadas. Cada pessoa nesse ponto tem diversas intuições, idéias, mesmo que sejam vagas e obscuras, ou que ainda não estejam esclarecidas ou sustentadas argumentativamente. Não quer dizer então que estas intuições estejam erradas, acontece que elas são o ponto de partida do qual não se pode fugir para falar dessa prática.
Dessa forma então, temos que o conhecimento para que possa ser considerado como verdadeiro precisa ser construído a partir das crenças cotidianas, e não se elaborar partindo-se de um ponto totalmente distinto. Mesmo que pelo senso comum, todos temos uma idéia, mesmo que seja vaga, daquilo que é o direito, Hart coloca a sua teoria como se fosse um “plus”, um aprofundamento das crenças cotidianas. Hart entende que a Filosofia vai ser o desenvolvimento dessas crenças cotidianas.
Surge então uma das diferenças entre a teoria de Kelsen e a teoria de Hart, sendo que as duas teorias além de falarem coisas diferentes, propõe critérios diferentes para estabelecer seus fundamentos.
Kelsen parte da idéia de que as crenças cotidianas estão erradas, então ele procura oferecer uma idéia sistêmica, científica para que possa corrigi-las e enquadrá-las a um conceito científico se elaborando como uma reforma ou negação das intuições cotidianas e do senso comum, então as intuições cotidianas não científicas, que no entender de Kelsen são equivocadas, precisam substituir-se por uma boa teoria do direito, enquanto que Hart, como já dito, procura desenvolver as crenças cotidianas partindo da idéia de que elas precisam ser desenvolvidas para que ai sim se possa traçar os aspectos corretos do direito.
Hart parte da idéia de que as intuições são verdadeiras, e que uma boa teoria do direito deve se estruturar a partir destas crenças. Assim, a compreensão do direito depende de experiência e prática, com intuições que são usadas para a compreensão, da ciência do Direito.
Outro ponto de distinção entre Hart e Kelsen, é que Kelsen afirma que uma norma jurídica tem que se caracterizar com uma estrutura de condição de fato, uma conseqüência jurídica do ponto de vista de uma sanção externa e organizada, que seja aplicada diretamente pelo Estado. Assim, para ele, sem a sanção pelo descumprimento da norma não há a mesma em sua plenitude. Não havendo sanção, o que se tem para Kelsen, é outro tipo de norma, não uma norma jurídica.
Hart entende de forma diversa, uma vez que para ele podem sim existir normas sem sanção, uma vez que para ele, a sanção é útil do ponto de vista de conferir eficácia a norma e não validade a ela, muito menos a sua obrigatoriedade. Entende Hart que o fato do agente não ser punido, não retira a obrigatoriedade de se cumprir uma norma, mas como dito anteriormente, apenas sua eficácia. Assim, a coação seria um elemento exterior a norma, que não existindo, não retiraria a obrigatoriedade de se atender a ela.
Nesse ponto, Kelsen vai tentar se livrar de um juízo de valor. A idéia de obrigatoriedade por dever não é uma idéia científica, pertence a outro campo de conhecimento como, por exemplo, a moral, mas não ao direito. Para Kelsen o direito precisa lidar com fatos, e nexos entre fatos, e por isso precisa fundar a obrigatoriedade em um fato concreto.
Já Hart, entende que uma norma é cumprida por ser obrigatória, pois o não obedecimento ao seu comando é contra o ordenamento. Hart elabora o direito a partir das crenças cotidianas. Hart entende a sanção como sendo efetivadora da norma, mas não um fundamento da obrigatoriedade da mesma e sim uma noção de dever. Deve-se Respeito por uma norma considerada válida, e por isso obrigatória.
A Teoria de Hart vai ser a mais apropriada, pois, é ela quem oferece aspectos mais próximos da realidade vivida pelos operadores do direito, uma vez que realmente o ordenamento se constrói a partir das crenças cotidianas, e de acordo com os fatos sociais que invariavelmente alteram-se todos os dias, fazendo com que o direito precise caminhar conjuntamente com a evolução dessas crenças, para sob pena de se tornar obsoleto, e inaplicável por conta de como já mencionado, acabar se afastando da realidade.
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