Com o advento da Constituição Federal de 1988 o serviço de transporte interestadual e intermunicipal passou a ser tributado pelo ICMS, conforme art. 155, II.
O ICMS, como se sabe, é caracterizado pelo princípio da não cumulatividade permitindo ao contribuinte compensar o imposto devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado-membro ou Distrito Federal (§ 2º, I, do art. 155, da CF).
Além disso, em relação às operações ou prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado é de ser aplicada a alíquota interestadual (art. 155, § 2º, VII, alínea “a”, da CF), cabendo ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual (art. 155, § 2º, VIII, da CF).
Ocorre que a lei de regência nacional do ICMS, Lei Complementar nº 87/96, não atentou para a especificidade do transporte interestadual que se dá mediante aquisição de bilhete ao portador com pagamento do imposto na origem, com a aplicação da alíquota interna.
Essa lei complementar não possui densidade jurídica suficiente para permitir a implementação do princípio constitucional da não cumulatividade do ICMS, pois não há como destacar o imposto no bilhete de passagem, nem de escriturá-lo no livro fiscal. Sendo o bilhete emitido ao portador, na eventualidade de o tomador do serviço for uma pessoa jurídica, contribuinte do ICMS, não haverá como se creditar do imposto pago, ferindo o princípio da não cumulatividade. Também, não haverá como aplicar a alíquota interestadual, porque o passageiro não pode ser considerado “consumidor final localizado em outro Estado” a que alude o texto constitucional, para efeito de aplicação da alíquota interestadual.
Daí a inexigibilidade do ICMS sobre os serviços de transporte interestadual por ausência de regulamentação dos preceitos constitucionais concernentes à não cumulatividade do imposto e à aplicação de alíquotas interestaduais.
Impetramos dois mandados de segurança sob o fundamento acima que resultaram na concessão da ordem em primeira e segunda instâncias (Ap. cível nº 2009.003187-7/AL, Rel. Des. Nelma Torres Padilha e Ap. cível nº 2007210142/SE, Rel. Des. Cezário Siqueira Neto).
No acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Sergipe foi instaurado o incidente de inconstitucionalidade para ser julgado pelo Plenário aplicando-se o art. 97 da CF.
Entendo, salvo melhor juízo, que não é o caso de instauração do incidente de inconstitucionalidade, pois não há lei ou ato normativo a ser considerado inconstitucional. O que existe é a impossibilidade jurídica de cobrança do ICMS por ausência de regulamentação que possibilite a implementação do princípio da não cumulatividade do ICMS e a aplicação da alíquota interestadual que integram a característica constitucional do imposto. Nessa hipótese não se vislumbra a aplicação da cláusula de reserva do Plenário podendo o órgão fracionário do Tribunal afastar a incidência do imposto.
SP, 19-7-11.
* Jurista, com 22 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
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