Decorre das lições preliminares de Direito Eleitoral que a existência do Estado não se legitima sem o povo, pessoas interligadas por liame natural ou de afinidade com a pátria e que delegam aos seus representantes as decisões sobre o caminhar do ente estatal.
Na História, claro são os registros sobre as agressões ao Estado Democrático de Direito, ocorridas em épocas não muito longínquas em que o jogo político-eleitoral jamais começava empatado. Pelo contrário, os abusos de ordem econômica, política, psicológica ou até mesmo coercitiva, desequilibravam a eleição do começo ou fim do processo eleitoral, aqui tomado em sua acepção estrita.
Com vistas à efetiva igualdade de oportunidades na corrida eleitoral e à procura da verdadeira concretização do princípio da paridade de chances nas eleições é que o legislador brasileiro, nos idos de 1997, estabeleceu nos arts. 73 a 78 da Lei 9.504 (Lei das Eleições – LE) uma série de condutas vedadas aos agentes públicos em campanhas eleitorais.
Em verdade, tais condutas proibidas possuem natureza de obrigação de não fazer que, a teor do art. 390 do Código Civil de 2002, se aperfeiçoam desde o dia que executou o ato que devia se abster. São obrigações negativas umbilicalmente ligadas, em sua origem, com os princípios constitucionais estampados no art. 37 da Lei Maior.
Para uma melhor compreensão do assunto ora a discorrer, registra-se, a seguir, seus principais elementos legais, conforme previsto na Lei n. 9.504/97:
“Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre os candidatos nos pleitos eleitorais: “
Da simples intelecção do dispositivo supra, percebe-se o acerto do legislador ao prever que a expressão “agentes públicos”, deve ser tomada em sentido amplo, de sorte a englobar um emaranhado de pessoas, servidores ou não. Indiscutivelmente, a referida expressão abrange os protagonistas do jogo político bem como os coadjuvantes, ainda que esses últimos não sejam servidores públicos em stricto sensu. A título exemplificativo, incluem-se como eventuais atores do ilícito eleitoral em comento as seguintes pessoas: parlamentares, governadores, prefeitos, servidores da administração direta, indireta, delegatários em sentido amplo (permissionários, concessionários, etc), empregados públicos, entre outros.
A confirmar o que ora se explana, transcreve-se o §1°, do art. 73, que assim dispõe:
“§1°. Reputa-se agente público, para os efeitos deste artigo, quem, exerce ainda que transitoriamente, ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo emprego ou função pública, nos órgãos ou entidades da administração pública direta, indireta ou fundacional”.
Ainda sobre o aspecto subjetivo de eventual representação eleitoral por conduta vedada, releva destacar que caso se trate de ação eleitoral proposta em face de candidatos submetidos ao sistema majoritário (Poder Executivo e Senado), imprescindível que o legitimado ativo ajuíze a demanda contra o titular e seu respectivo vice (ou, caso se trate de senador, seu suplente) haja vista restar caracterizada hipótese de litisconsórcio passivo necessário e unitário (art. 47, do CPC). É que dentre as sanções legais possíveis de serem aplicadas no caso de procedência da ação eleitoral, tem-se a cassação do registro ou diploma (art. 73, §5°, da LE). Explica-se.
Por força da própria relação jurídica posta em juízo, a cassação do registro ou diploma do titular afetará, inevitavelmente, o vice de sua chapa, tendo em conta que nosso ordenamento jurídico agasalhou o princípio da indivisibilidade da chapa única majoritária, previsto no art. 91, do Código Eleitoral. Portanto, em prestígio aos princípios constitucionais maiores da ampla defesa, contraditório, devido processo legal (art. 5°, inc. LIV e LV, CF), dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), imprescindível a citação do vice para integrar a lide e se defender, haja vista que até mesmo nas hipóteses legais de responsabilidade objetiva (art. 927, parágrafo único, CC/2002; art. 12, CDC; art. 21, inc. XXIII, alínea “d”) os réus possuem o direito de rebate.
Nesse sentido, transcreve-se sólida jurisprudência da Corte Superior Eleitoral:
“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. DECISÃO AGRAVADA EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DA CORTE. REPRESENTAÇÕES POR CONDUTA VEDADA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO ENTRE O CHEFE DO PODER EXECUTIVO E SEU VICE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1) Há litisconsórcio passivo necessário entre o chefe do Poder Executivo e seu vice nas eleições cuja decisão possa acarretar a perda do mandato, como é o caso das representações por conduta vedada.
2) Agravo regimental desprovido.”
(AgR-REspe - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 35315 - atalaia/AL.Acórdão de 16/03/2010. Relator(a) Min. ENRIQUE RICARDO LEWANDOWSKI. DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 14/04/2010, Página 53)
Após tecer comentários acerca da autoria do ilícito, é hora de abordar a materialidade do mesmo, ou melhor, analisar cada uma das hipóteses configuradoras de conduta vedada do ponto de vista objetivo, destacando os elementos descritivos e valorativos do tipo eleitoral.
Em que pese doutas opiniões em contrário, grande parte da doutrina (GOMES, José Jairo, Direito Eleitoral, 4 ed, Ed. Del Rey, 2009) entende que as hipóteses previstas como condutas proibidas encerram um rol taxativo, tendo em conta que são comportamentos restritivos de direitos e, portanto, não merecem interpretações ampliativas.
“Art.73.
I – ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária”;
A vedação legal procura evitar que aqueles que detêm a posse ou detenção dos bens pertencentes ao Poder Público, possam obter determinada vantagem, apta a causar desequilíbrio eleitoral, em razão dessa proximidade com o patrimônio estatal. A finalidade dos bens públicos (de natureza material ou imaterial) é, justamente, servir e ser utilizados pelo público e não por determinado candidato, sob pena de flagrante desvio de finalidade, capaz de ensejar responsabilidade não só eleitoral, mas também administrativa.
Os administrativistas se digladiam acerca do conceito de bem público. Uns entendem que são aqueles voltados, afetados a uma finalidade pública e outros consideram o conceito legal estampado no art. 98 do Código Civil, ou seja, de acordo com a titularidade do bem.
Para fins de direito eleitoral, a melhor tese a ser adotado é aquela que caracteriza o bem público de acordo com sua destinação, de modo a considerar como tal os bens pertencentes, tanto à administração direta quanto a indireta (autarquia, fundação, empresa pública, sociedade de economia mista). Indubitavelmente, oi esse o conceito adotado pelo legislador na hipótese em apreço, haja vista que o próprio dispositivo legal expressamente prevê como públicos os bens das entidades oriundas da descentralização administrativa.
Ademais, sobreleva destacar que o princípio da impessoalidade, implicitamente, encontra-se estampado no presente dispositivo, tendo em conta que o alvedrio do legislador foi preservar a finalidade pública dos bens o que, inequivocamente, corresponde ao tratamento impessoal que a “coisa de todos” merece ter.
“Art.73.
II – usar materiais ou serviços, custeados pelo Governo ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram”;
Nesse comando normativo o legislador, além dos bens materiais incorporados na conceituação do inciso anterior, incluiu a utilização dos serviços públicos, custeados pelos governos,entre as proibições, desde que desbordem as normas que os disciplinam, ou seja, se houver desrespeito à legalidade.
Como exemplo, cite-se o caso de determinado município regulamentar específica lei federal ou estadual concessiva de algum benefício, e conseguintemente, dar maior eficácia a tais dispositivos. Esse fato, por si só, não possui intensidade suficiente a se enquadrar na vedação acima elencada.
Lado outro, a distribuição de casas ou até mesmo matéria-prima em pleno ano eleitoral é bastante para esbarrar no presente dispositivo.
Nesse cenário, tem-se verdadeira norma auto-limitadora, haja vista que sua primeira parte impõe uma vedação que, logo em seguida, é limitada por esse mesmo preceito normativo. O que se impede aqui, é o uso desvirtuado, desviado dos bens públicos em período em que o mero detalhe pode se tornar verdadeiro núcleo, respingando na vitória desse ou daquele candidato.
“Art. 73.
III – ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Público Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado”.
Busca-se, com tal previsão, evitar que a subordinação, hierarquia e disciplina próprias da administração pública sejam pretextos suficientes para desequilibrar o pleito eleitoral. Mais uma vez, tutela-se a impessoalidade, moralidade, eticidade, lealdade tão caras ao serviço público.
Com efeito, se está em horário de expediente, é dever do servidor realizar as atribuições que seu cargo ou emprego reclama. É dizer, deve se esforçar ao máximo para conseguir realizar suas atividades de forma a trazer benefício á toda coletividade e não a esse ou aquele eventual gestor público, sob pena de se caracterizar infração eleitoral e responsabilidade do agente beneficiado bem assim configurar infração do dever funcional e responsabilidade administrativa do servidor.
Não se fala aqui em casos de obediência hierárquica a ordem manifestamente ilegal ( que, na seara penal, constitui causa excludente da culpabilidade), mas apenas e tão somente da conduta voluntária do servidor de desviar-se da sua função pública com vistas a laborar para determinado candidato.
Logicamente, se o agente público (servidor ou empregado público) não estiver em horário de serviço é perfeitamente possível que, por disposição própria trabalhe em prol de determinado candidato. Prestigia-se, assim, a livre manifestação do pensamento - crença nas idéias e programas eleitorais – e até mesmo a concretização do pluralismo político (art. 1°, inc. V, da CF) aqui considerado como a possibilidade de livremente aderir ao ideal político que mais lhe agrade.
A exceção prevista, na parte final do presente dispositivo, indubitavelmente, harmoniza o princípio da moralidade e hierarquia afetos ao Poder Público com os postulados da liberdade de pensamento.
“Art. 73.
IV – fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público”;
No inciso em destaque, tem-se que o agente público realiza - ele mesmo – ou permiti que alguém faça – eventual terceiros – uso promocional de distribuição gratuita de bens e serviços para o candidato. Aqui, o agente utiliza determinado programa ou projeto social que envolva bens ou serviços, custeados ou fomentados pelo Poder Público, em prol da campanha de determinado candidato. Aplica-se, aqui, o velho ditado “fazer cortesia com o chapéu alheio”, uma vez que o candidato utiliza do próprio patrimônio público (que não lhe pertence) com o escopo de auferir vantagem eleitoral.
Logicamente, se a oferta dos bens ou valores da Administração Pública fundamentar-se em situações extraordinárias como por exemplo, eventual calamidade pública ou mesmo estado de emergência, bem como em programas governamentais autorizados em lei e já em execução (e não mera previsão) na respectiva lei orçamentária, não fará sentido a vedação contida no inciso em comento. Procura-se evitar o uso episódico, ocasional com nítida finalidade eleitoreira de valores públicos. Se determinada ação governamental é marcada pela nota da continuidade ou ininterrupção ao longo dos anos, tem-se justificada a utilização de bens públicos ou fomentados pelo Poder Estatal.
Sobre o tema em questão, vale citar decisão do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás, de relatoria do juiz Carlos Humberto de Sousa que, ao negar provimento ao Recurso Eleitoral n. 5696, manteve a sentença recorrida, em acórdão assim ementado:
“RECURSO ELEITORAL. PRINCIPIO IDENTIDADE FISICA DO JUIZ. INOBSERVANCIA DO ART. 22, INC. XV DA LC N. 64/1990. GRAVAÇÃO UNILATERAL E SUA LICITUDE. PRELIMINARES REJEITADAS. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRAGIO (ART.41-A DA LEI N. 9.504/97). CONDUTA VEDADA (ART. 73, IV DA LEI N. 9.504/97). PROVAS SUFICENTES. RECURSO IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.
1)A possibilidade de substituição do magistrado titular pelo seu sucessor, no caso de afastamento do primeiro, é um procedimento legal (art. 132 CPC) e legítimo, seja pela jurisdição concorrente do juiz substituto, seja pela necessidade de uma prestação jurisdicional célere, conforme mandamento constitucional (art. 5º, LXXVIII, Constituição Federal);2) A função do juiz substituto é justamente a de assumir temporariamente as funções do titular e promover o andamento processual dos feitos;3) Embora, por força legal (art. 41-A, in fine), a representação eleitoral fundada em "captação ilícita de sufrágio " e a Ação de Investigação Judicial Eleitoral sigam o mesmo rito, a aplicação do inciso XV, do art. 22 da Lei das Inelegibilidades não se aplica às situações previstas nos arts. 41-A e 73 da Lei das Eleições;4) As sanções impostas pelo art. 41-A da Lei 9.504/97 possuem autonomia, isto é, independentemente do momento de sua aplicação é perfeitamente possível a incidência de multa e cassação do registro ou diploma;5) O registro de conversa por um dos seus interlocutores não configura qualquer ilicitude, ou seja, a gravação unilateral com a ciência de um dos figurantes do diálogo e desconhecimento do outro não constitui prova ilícita. Diferentemente, quando um terceiro grava conversa sem o conhecimento de seus colocutores, a ilicitude revela-se presente. A clandestinidade da gravação não se confunde com sua ilicitude;6) A exigência de estabelecer a orientação política e o título eleitoral dos prováveis beneficiários denotam interesse eleitoral no programa de distribuição de lotes, haja vista a completa desnecessidade de exigir tais dados;7) Eventuais pagamentos realizados pelos donatários dos lotes não transfigura a doação em compra e venda, haja vista a manifesta desproporcionalidade de tais valores com a seu valor de mercado; 8) A distribuição de bens custeados pelo Poder Público no sentido de promover as candidaturas dos representados configura afronta art. 73, IV da Lei n. 9.504/97.9) Escrituras Públicas de Doação lavradas nos meses de maio e junho do ano de 2008 não são aptas a transferir a propriedade dos imóveis doados, posto que a aquisição dos bens imóveis pelos beneficiários efetivou-se apenas com o registro deles no Cartório de Registro de Imóveis, na data de 14 de julho de 2008, período vedado pelo art. 41-A da Lei n. 9.504/97; Inteligência do art. 1.245 do Código Civil de 2002; 10) Não há que se falar em novas eleições quando o candidato eleito não obteve mais de 50% dos votos.” (RE- RECURSO ELEITORAL nº 5696,Itaberaí/GO;Acórdão de 21/10/2009.Relator Carlos Humberto de Sousa TRE GO)
V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir semjusta causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meiosdificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio,remover, transferir ou exonerar servidor público, nacircunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito,ressalvados:
Esse dispositivo possui várias condutas proibidas, relacionadas à atividade funcional do servidor, aqui considerada em seu sentido amplo. Diga-se amplo porque abrange todos os sujeitos que possuam algum vínculo laboral com os órgãos de governo, seja na administração direta ou indireta de qualquer dos entes federativos. E dizer: envolve os servidores investidos em cargos públicos – servidores stricto sensu, empregados públicos, os contratados por período determinado, militares, entre outros.
Ante a clareza do referencial normativo, apenas reproduz-se os núcleos legais: nomear, contratar, admitir, demitir sem justa causa, suprimir, ou readaptar vantagens, dificultar ou impedir o exercício funcional, remover, transferir e exonerar servidor público.
Nesse cenário, calha registrar as pertinentes considerações de José Jairo Gomes[1]:
“para a incidência da regra em análise não é necessário chegar-se ao extremo da demissão ou exoneração do servidor, pois a só remoção ou transferência já basta para patenteá-la. Mas é preciso que tais atos sejam editados ex officio pela autoridade competente, porque, se houver requerimento ou consentimento do servidor afetado, não se perfaz a conduta vedada; o servidor é livre para pedir exoneração, demissão ou remoção a qualquer tempo. Aliás, para a perfeição do tipo legal, nem sequer é preciso haver remoção ou transferência, bastando a mera interposição de dificuldades ou impedimentos ao exercício funcional”.
O elemento espacial do dispositivo é a “circunscrição da eleição”, ou seja, se se tratar de eleições municipais, as condutas proibidas alcançam apenas os limites geográficos do município, de sorte que determinada movimentação de servidores ou mesmo interferência desvirtuada nos quadros funcionais possam acarretar desequilíbrio eleitoral. Cediço é, que a concessão de “favores “ a servidores, ainda que seja mera remoção ou remanejamento (v.g, transferência de determinado funcionário para um local próximo à sua residência, aumento salariais...) em ano eleitoral, irá repercutir diretamente (leia-se, alterar o voto livre e consciente) na pessoa beneficiada e reflexamente nas que a circundam, como por exemplo seus familiares.
Quanto ao elemento temporal, o legislador, por razões óbvias, limitou os comportamentos proibidos em dois marcos: iniciando no prazo de três meses antes da eleição e finalizando com a posse dos eleitos.
O presente referencial normativo é excepcionado, de sorte a permitir os seguintes comportamentos:
a) Nomeação ou exoneração de cargo em comissão e designação ou dispensa da função de confiança;
b) Nomeação para cargo do Poder Judiciário,do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselho de Contas e dos órgãos do Presidência da República;
c) Nomeação dos aprovados em concurso público homologados até o início daquele prazo;
d) Nomeação ou contratação necessária à instalação ou funcionamento inadiável de serviços públicos, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo;
e) A transferência ou remoção ex officio de militares, policiais civis e de agentes penitenciários;
Já o inciso VI, assim dispõe:
“VI- nos últimos 3 (três) meses que antecedem o pleito:
a) Realizar transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinatários a atender situações de emergência e de calamidade pública;
Cediço que a República Federativa do Brasil constitui-se, como o próprio nome indica, um modelo de estado do tipo federado. É dizer, não há um Estado Unitário em que os principados devem obediência a uma vontade maior. Aqui, no Brasil, tem-se um pacto federativo rígido (art. 60, §4°, CF), marcado pela intensa cooperação entre as unidades federativas, como demonstra a existência da repartição de receitas tributária (art. 160, CF) e o próprio teor da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC n. 101/2000).
Releva consignar que o dispositivo da Lei das Eleições em comento, em momento algum, busca objetar os repasses regulares entre os integrantes da Federação, até porque cada Estado e Município, independentemente do período em que se encontra, precisa de auferir receitas mínimas garantidas legal e constitucionalmente para fazer frente às respectivas contrapartidas financeiras, seja despesa corrente (art. 16 a 19, Lei n. 4320/64), seja despesa de capital (art. 20 e 21, da Lei n. 4320/64).
A intenção legal aqui, foi minimizar, suavizar ou, mais diretamente discorrendo, evitar o desvirtuamento, o desvio de receitas públicas, as quais transmutam-se em verdadeira receita de campanha, estímulos eleitorais em prol de determinados grupos políticos que estão no poder naquele momento. Almeja-se, então, que esse ou aquele ocupante de cargo político possa valer-se das facilidades que lhe são próprias para favorecer específicos interesses político-eleitorais, tanto em eventual reeleição quanto na indicação de sucessores pertencentes às bases políticas do governante. Aqui, o abuso do poder político é o alvo a ser atacado.
Como vem apontado no dispositivo, as situações extremadas (calamidade pública, estado de emergência, casos de urgência, dentre outas), por infindáveis e lógicas razões, são excepcionadas.
Nesse cenário, destaca-se que, para incidir a ressalva consistente na realização de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, o Tribunal Superior Eleitoral firmou entendimento um tanto quanto rígido. Para a Corte Superior, a incidência da exceção apenas ocorrerá quando já iniciada fisicamente, antes de 3 (três) meses das eleições, as obras ou serviços, de modo que não basta a celebração de convênio o qualquer outro instrumento preliminar. Nesse sentido, confira-se o RESPE n. 25.324.
b) Com exceção da propaganda de produtos ou serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional de atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral.
Cuida, tal dispositivo, da conhecida e propalada publicidade institucional referente a atividades e/ou serviços da administração direta e indireta. Com efeito, a publicidade institucional, na zona de aproximação temporal das eleições pode vir a ocasionar verdadeiro desequilíbrio no pleito.
Cediço é que pelo próprio dinamismo da política – aqui tomada em sua acepção popular – o governante que está no poder irá apoiar esse ou aquele candidato nas eleições, tudo a depender dos arranjos eleitorais e partidários realizados na fase das convenções eleitorais. Logo, a possibilidade de tal agente público utilizar da propaganda institucional para angariar votos ao seu possível sucessor adentraria ao campo da probabilidade, não fosse o comando normativo ora a analisar.Indiscutivelmente, o tão almejado equilíbrio eleitoral estaria prejudicado.
É certo que o alcance de uma publicidade institucional, seja qual for o veículo de comunicação utilizado, possui potencialidade suficiente a alcançar milhares de eleitores e, conseguintemente, ameaçar a real legitimidade das eleições.
Todavia, a presente limitação não se reveste de caráter absoluto, haja vista as duas excepcionalidades contidas no dispositivo.
A primeira diz respeito à publicidade de produtos e serviços que possuam concorrência de mercado, ou seja, engenhos ou mercadorias provenientes das pessoas jurídicas de direito privado pertencentes à Administração Indireta. Em poucas palavras: relaciona-se, a presente exceção, às empresas públicas e sociedade de economia mista exercentes de atividades econômicas (art. 173, CF), até porque estão submetidas ao “ regime jurídico próprias das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários”.
Já a segunda excepcionalidade abarca a excepcional hipótese (o pleonasmo é proposital) de ocorrência de situações emergenciais, graves e de real necessidade pública, v.g, calamidades, catástrofes naturais, acontecimentos imprevisíveis e etc, que reclamam a imediata intervenção do Poder Público, inclusive mediante publicidade institucional, com o escopo de esclarecer a população de eventuais efeitos prejudiciais e negativos. Mas, apenas a urgência do caso concreto não é apta a justificar a realização Justiça Eleitoral reconheça que essa ou aquela situação denota caso de necessidade pública e conseqüente presença estatal. Do contrário, resta vedada a publicidade institucional.
Nesse sentido, o Tribunal Regional Eleitoral de Goiás assim verberou:
“PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO. CONFECÇÃO DE MATERIAL IMPRESSO. PREVENÇÃO DAS DEFICIÊNCIAS. GRAVE E URGENTE NECESSIDADE PÚBLICA. CARACTERIZAÇÃO. DEFERIMENTO.
1. Presente a condição exceptiva prevista no art. 73, inciso VI, alínea "b", da Lei nº 9.504, de 30.09.1997, consubstanciada na grave e urgente necessidade pública, deve-se autorizar a confecção de panfletos contendo orientações sobre a prevenção de deficiências, a serem distribuídos no Dia Nacional de Luta da Pessoa Portadora de Deficiência (21 de setembro).
2. O material deverá excluir qualquer elemento identificador do ente público responsável pela publicidade.
3. Autorização concedida.” (Proc-Processo n°483879,Goiânia-Go, Acórdão de 01/09/2009, Relator Ademar José Ferreira.TRE GO)
c) Fazer pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, fora do horário eleitoral gratuito, salvo quando, a critério da justiça eleitoral, tratar-se de matéria urgente, relevante e característica das unções de governo;
Pela simples intelecção do comando normativo, percebe-se que o mesmo possui muitos pontos de intersecção com o previsto na alínea b do mesmo inciso. A diferença é que o presente dispositivo cuida de pronunciamento do agente político nos meio de comunicação e não de propaganda institucional.
Se a mera publicidade estatal o legislador entendeu por bem restringi-la, ante a proximidade do pleito eleitoral bem como da possibilidade de desequilíbrio e desvirtuamento do ato propagandístico, quiçá o pronunciamento do agente público em pleno fervor eleitoral. Por razões óbvias, determinado agente político não pode ir ao rádio ao à televisão e destacar os feitos de seu governo, acompanhado de pedido de votos, haja vista a difícil desvinculação da figura de governante com a qualidade de candidato – caso busque a reeleição.
VII – realizar, em ano de eleição, antes do prazo fixado no inciso anterior, despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a média dos gastos nos 3 (três) últimos anos que antecedem o pleito ou do último ano imediatamente anterior à eleição;
Uma vez mais a publicidade institucional ganha espaço dentre o rol das condutas vedadas. O limitador aritmético contido no presente inciso tenta, sem dúvida alguma, evitar a exposição em massa dos atos de governo, ou melhor, um grande volume de publicidade institucional aos olhos do eleitorado. Em uma palavra: evita-se o excesso, o exacerbo indesejável e não recomendável, haja vista o fator temporal das eleições bem como as finanças estatais.
Relativamente ao tema em foco, o Tribunal Superior Eleitoral consignou que “ é automática a a responsabilidade do governador pelo excesso de despesa com a propaganda institucional do Estado, uma vez a estratégia dessa espécie de propaganda cabe sempre ao chefe do executivo, mesmo que este possa delegar os atos de sua execução a determinado órgão de seu governo”, uma vez que “ também é automático o benefício do governador” (RESPE n. 21.307/TSE).
VIII – fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7° desta Lei até a posse dos eleitos.
A obviedade explica a ratio essendi desse inciso. Indiscutível que a concessão de aumento salarial repercute na liberdade de votação. Soa como patente, a possibilidade, ou melhor, probabilidade de êxito nas eleições, caso conceda vantagem ou acréscimo salarial no período compreendido entre a convenção para escolha dos candidatos e a posse dos eleitos.
Relevante, nesse tópico, diferenciar a vedação legal com outra hipótese semelhante. Com efeito, a restrição legal refere-se aos aumentos salariais que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo. É dizer, veda-se a utilização de índices de aumento superior àqueles aplicados nas hipóteses de preservação do valor real do salário, isso porque a recomposição das perdas inflacionárias não traduzem, de per si, efetiva vantagem patrimonial, mas apenas e tão somente a restauração do poder de compra.
§2. A vedação do inciso I do caput não se aplica ao uso, em campanha, de transporte oficial pelo Presidente da República, obedecido o disposto no art. 76, nem ao uso, em campanha, pelos candidatos a reeleição de Presidente e Vice-Presidente da República, Governador e Vice-Governador do Estado e do Distrito Federal, Prefeito e Vice-Prefeito, de suas residências oficiais, para a realização de contatos, encontros e reuniões pertinentes à própria campanha, desde que não tenham caráter de ato público;
Para a perfeita compreensão do transcrito parágrafo, torna-se imprescindível a observância do art. 76, caput e §§ 1, 2, 3 e 4 da Lei das Eleições. Com efeito, a utilização de veículos oficiais por candidatos – caso se trate de reeleição – não poderá ser suportada pelo próprio Poder Público, uma vez que a destinação do uso vincula-se a atos de campanha, portanto particularizados, e não ligados ao interesse público.
Alguns defendem a impossibilidade de utilização das dependências da residência oficial do governante bem como dos respectivos veículos oficiais por eventual candidato a reeleição no executivo, por detectarem violação aos princípios da moralidade administrativa bem como dissociabilidade de atos com escopo individual de condutas com o desiderato coletivo.
Inobstante a sedutora tese acima ventilada, ouso discordar. É certo que não se pode imiscuir atos partidários de campanha com benfeitorias públicas estatais, mas certo é também que a utilização de imóveis e móveis oficiais por parte de determinado agente político em que busca a reeleição, tem-se, ali, a figura do atual governante e, como tal, pode desfrutar e usufruir dos aludidos bens. É que, mesmo concorrendo a reeleição, não há necessidade de desincompatibilização do cargo e, consequentemente, o pretenso candidato à reeleição continua na condição de governante.
§7. As condutas enumeradas no caput caracterizam, ainda, atos de improbidade administrativa, a que se refere o art. 11, inciso I, da Lei 8429, de 2 de junho de 1992, e sujeitam-se às disposições daquele diploma legal, em especial às cominações do art. 12, inciso III.
Como se vê, a tutela da moralidade e legitimidade eleitoral não se restringe ao pleito, também alcançando a proteção da moralidade administrativa. Com efeito, a desonestidade ou deslealdade punida pelo art. 73, mormente, no tocante ao trato da coisa pública tipifica, ainda, atos de improbidade administrativa. Não se cogita aqui, de inobservância ao princípio do non bis iden, uma vez que tutela-se bem jurídicos distintos e apura-se responsabilidade de diferentes níveis, ou seja, há verdadeira independência entre as esferas político-administrativas (Lei 8429/92) e político (Lei n. 9504/97).
Vale dizer, a moralidade administrativa, legalidade e impessoalidade aplicam-se à toda administração de negócios públicos.
CONCLUSÃO
Pelo exposto, percebe-se a preocupação do legislador, pelo menos teoricamente, em tutelar a normalidade e legitimidade das eleições, com a conseqüente punição daqueles que abusam do poder político. É dizer, utiliza-se do poder em que se investiu para desvirtuá-lo, desbordá-lo do seu efetivo escopo. Em outras palavras, sanciona-se o mau uso da máquina administrativa, dos recursos públicos, em prol de determinada candidatura.
Em análise última, tem-se, ainda, a preservação dos princípios constitucionais que regem a Administração Pública (art. 37, CF), de sorte a impedir que determinado agente político faça “serventia com o chapéu alheio”, ou seja, utilize bens e serviços públicos em desconformidade com sua natural destinação.
Certo é que as condutas narradas ao longo do art. 73 da Lei n. 9.504/97 não são suficientes para coibir, por completo, os ilícitos eleitorais perpetrados nos anos de eleição, mas é certo que a Justiça Eleitoral (ante o poder de polícia dos juízes eleitorais), o Ministério Público Eleitoral, grande defensor, por determinação constitucional (art. 127, caput, CF), do regime democrático buscam, diuturnamente, a efetiva apuração e punição dos transgressores da lei eleitoral e, conseguintemente, a proteção do princípio republicano e legitimidade das eleições, haja vista que Estado Democrático de Direito constitui a essência da vida política.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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http://www.tse.gov.br.
Graduado em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG/GO). Advogado, Especialista em Direito Público. Assessor Jurídico de Juiz Federal no Tribunal Regional Regional Eleitoral de Goiás.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BEZERRA, Leonardo Naciff. Reflexões sobre as condutas vedadas aos agentes públicos (art. 73, da Lei n° 9.504/1997) Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 nov 2010, 08:59. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/22058/reflexoes-sobre-as-condutas-vedadas-aos-agentes-publicos-art-73-da-lei-n-9-504-1997. Acesso em: 22 dez 2024.
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