Sumário
I – Introdução. II – Escorço Histórico do Trabalho Escravo no Brasil. III – Formas contemporâneas de Trabalho Escravo. IV – O Trabalho Escravo no Brasil atual. V – O tratamento jurídico-penal brasileiro atribuído ao Trabalho Escravo. VI – Considerações finais.
Resumo
O presente artigo tem por escopo discorrer sobre o trabalho escravo no Brasil. Inicialmente, faz-se uma exposição do histórico do trabalho escravo no Brasil, demonstrando a evolução no que concerne à aceitação social da escravidão. Expõem-se também os tipos de escravidão no mundo contemporâneo em todo o globo e no Brasil, e, por fim, o tratamento jurídico-penal atribuído ao trabalho escravo e as suas formas de combate.
Palavras-chave
Trabalho escravo – Trabalho degradante – Sistema jurídico penal – Liberdade individual
Introdução
A escravidão sempre foi uma prática corrente no Brasil. É certo que inicialmente o trabalho escravo foi uma realidade social amparada pela legislação e pelos pactos comerciais. O próprio Estado motivou a sua realização.
No entanto, com o passar do tempo e a inserção no meio social do repúdio à escravidão, essa prática passou a ser banida, evoluindo para uma conduta tipificada na legislação penal.
Antes tímida na caracterização do referido delito, hoje a norma estampada no artigo 149 do Código Penal elenca uma série de condutas que caracterizam o crime de redução à condição análoga à de escravo.
O mencionado artigo busca englobar as formas de escravidão contemporâneas, descrevendo a escravidão por dívida, por cerceamento de locomoção e por jornada exaustiva e condições degradantes de trabalho. Assim, desde que presente um dos elementos, verifica-se a ocorrência do crime.
O Código prevê ainda causas de aumento de pena que refletem a realidade do trabalho escravo atual brasileiro, repugnando de forma mais gravosa o trabalho escravo de crianças e adolescentes ou praticados por motivos preconceituosos.
II – Escorço Histórico do Trabalho Escravo no Brasil
O Brasil nasceu com a utilização do trabalho escravo. Chegando à nova terra, os portugueses recrutaram a mão de obra indígena a troco de algumas quinquilharias a que os nativos atribuíam muito valor.
Cessadas as oportunidades de adquirir mão de obra a troco desses pequenos objetos, os colonos passaram a escravizar. Rapidamente, porém, a mão de obra indígena se dissipou, seja pela morte dos nativos, seja pela sua dispersão ou pela proteção jesuítica (Pinsky, 1981, p. 19).
O tráfico negreiro, de grande importância econômica para Portugal, ocasionou a chegada de vários escravos africanos no Brasil para o trabalho compulsório nas grandes lavouras canavieiras.
A força de trabalho dos negros também foi largamente utilizada na extração de ouro em Minas Gerais. Com a decadência da produção do açúcar no litoral, a atenção da agricultura voltou-se à plantação de café, concentrada especialmente no litoral norte de São Paulo, para onde foram encaminhados os escravos brasileiros (Sento-Sé, 2001, pp. 37-40).
A Lei n. 584, de 4 de setembro de 1850 proibiu o tráfico negreiro. Porém não foi suficiente para inibir a lucrativa atividade na ilicitude, por meio do contrabando. Outros textos normativos, como o Decreto n. 3.270, de 28 de setembro de 1855, a conhecida Lei dos Sexagenários, e a Lei n. 2040, de 28 de setembro de 1871, denominada Lei do Ventre Livre, demonstravam que a escravidão no Brasil chegava ao seu fim. Isso ocorreu efetivamente com a Lei Áurea, em 1888, conforme comenta Sento-Sé (2001, p. 40):
Finalmente, em 13.5.1988, foi decretada a abolição da escravatura no Brasil, por meio da Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel. Apesar de se discutir até hoje se este ato realmente teve o condão de expungir a escravidão, sob o ponto de vista formal esta lei a sepultou de maneira definitiva da realidade jurídica nacional. A partir daí, o escravo deixou de ser propriedade de outro homem, tendo, assim, proclamada a sua liberdade e readquirido a condição de pessoa humana.
Com o fim da escravidão, porém, os ex-escravos não possuíam muitos meios para levarem sua vida de forma digna. Sobre isso comenta Mattoso (1982, p. 206):
Ser libertado não é, pois, ser livre imediatamente; [...] O comportamento do liberto continua a ser o mesmo do seu irmão escravo; ele ganha dinheiro, suas atitudes se assemelham, na medida do possível, às dos senhores, especialmente face aos próprios escravos. Mas ele continuará a dever obediência, humildade e fidelidade aos poderosos.
III – Formas contemporâneas de Trabalho Escravo
O trabalho escravo, que ainda persiste em várias partes do globo, possui diversas formas de manifestação.
A escravidão tradicional é aquela em que sobre o indivíduo exercem, total ou parcialmente, alguns ou todos os atributos do direito de propriedade[1]. Isto é, o trabalhador é um objeto de propriedade do seu senhor, alienado de qualquer direito inerente à condição humana. Assim dispõe artigo elaborado pela Anti-Slavery International – ASI (1999, p. 50):
Embora já não existam países onde a escravidão permaneça como prática legal, há vários em que, apesar da abolição, a escravidão tradicional ressurgiu recentemente: a maior parte deles foi afetada por conflitos armados, e soldados ou milícias forçam as pessoas a trabalhar de graça.
Outro tipo de escravidão é aquela que se estabelece por dívida. International (1999, p. 50) assim define esse tipo contemporâneo de escravidão:
[...] é o estado ou condição resultante do fato de que um devedor tenha se comprometido a fornecer, em garantia de uma dívida, seus serviços pessoas ou os de alguém sobre o qual tenha autoridade, se o valor desses serviços não for equitativamente avaliado no ato da liquidação da dívida ou se a duração desses serviços não for limitada, nem sua natureza definida.
A escravidão por dívida ocorre principalmente nas áreas rurais, especialmente na agricultura ou mineração. A dívida, como muitas vezes sobrepõe ao valor fixado para o trabalho, perdura por muito tempo, sendo transferida de geração em geração, e submete o trabalhador e sua família ao jugo do proprietário das terras, de onde não podem mais sair.
A servidão, por seu turno, é, segundo o artigo 1º da Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura, a condição ou estado de qualquer um que seja obrigado pela Lei, pelo costume ou por um acordo a viver e trabalhar numa terra pertencente a outra pessoa e a fornecer a essa pessoa, contra remuneração ou gratuitamente, determinados serviços sem poder mudar sua condição. Em alguns lugares do mundo a própria Lei prevê a servidão. Em outros, embora a Lei proíba terminantemente, a cultura ou religião locais acabam por promover essa prática.
O Casamento Servil é aquele em que a mulher, desde muito nova, é destinada a se casar com um homem mais velho, independentemente de seu consentimento. Nesse acordo entre famílias há envolvimento de dinheiro, e se a família não possui condições para pagar um bom dote, a moça é tratada com violência.
O trabalho infantil, que está espalhado pelo mundo inteiro, é banido expressamente pela Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989. No entanto, existem muitas crianças trabalhando como domésticas, bem como em lixões, carvoeiras e nas ruas, onde vendem picolés, balas etc, prejudicando sobremodo a sua educação e qualidade de vida.
Outra forma de escravidão é o trabalho forçado. As Nações Unidas empregam esse termo de forma distinta de escravidão, referindo-se a um trabalho que funcionários do governo obrigam os cidadãos a prestar, sob ameaça de punição.
IV – O Trabalho Escravo no Brasil atual
Nas zonas rurais brasileiras, o homem costuma viver da lavoura e da agropecuária. No entanto, nem sempre as condições climáticas e os investimentos são suficientes para a consecução de bons resultados. Diante da necessidade de se auferir o necessário para sua subsistência e de sua família, o trabalhador rural aceita qualquer oferta de trabalho.
Assim é que muitos são chamados para trabalhar em fazendas, muitas vezes distantes de seu local de origem, para onde vão, sozinhos ou com suas famílias, em busca das prometidas vantagens de bons salários, alojamentos confortáveis e boa comida, por conta do fazendeiro.
O contato se dá por meio do “gato”, pessoa interposta pelo proprietário da fazenda. Sobre esse elemento, expõe Sutton (1994, p. 35):
[...] estes homens chegam com um caminhão a uma área afetada pela depressão econômica e vão de porta em porta ou anunciam pela cidade toda que estão recrutando trabalhadores.[...] Em muitos casos, tentam conquistar a confiança dos recrutados potenciais, trazendo um peão, que pode já ter trabalhado para eles, para reunir uma equipe de trabalhadores. O elemento confiança é importante, e sua criação é favorecida pela capacidade que tem o gato de dar uma imagem sedutora do trabalho, das condições e do pagamento que esperam os trabalhadores.
Via de regra, após oferecer as inúmeras vantagens, o “gato” recolhe os documentos dos trabalhadores, como carteira de identidade e carteira de trabalho e previdência social, prometendo a devolução assim que chegarem ao local de trabalho. Entretanto, os documentos nunca são devolvidos, o que é uma maneira de criar mais vínculo de dependência entre o rurícola e o empreiteiro.
Geralmente, parcela em dinheiro é adiantada ao trabalhador, para que este tenha certeza de que a empreitada será um bom negócio. Na verdade, esse adiantamento apenas serve para que o trabalhador inicie sua dívida com o dono da fazenda. Existem outras formas de se promover o individamento inicial, conforme comenta Sento-Sé (2001, p .45):
Uma outra forma de aliciar os trabalhadores é quitar a dívida dos rurícolas coma s pensões onde eles permanecem nos períodos de entressafra, quando se encontram desempregados. As dívidas ali contraídas são resgatadas pelos “gatos” que, em contrapartida, exigem que os campesinos trabalhem indefinidamente nas fazendas.
O transporte para o local de trabalho é feito de forma precária, em carrocerias de caminhões ou ônibus velhos, desprovidos de qualquer estrutura, havendo, muitas vezes, cobrança aos trabalhadores.
Quando chegam ao seu destino, os rurícolas aliciados deparam com uma realidade bem diferente daquela que lhes foi anunciada: inicialmente, o alojamento é um pequeno barracão, construído de barro, madeira ou metal (contêiner), onde todos os trabalhadores deverão se instalar. A estrutura é extremamente precária. Se há iluminação, é insuficiente e as instalações elétricas, completamente inseguras. O chão é de terra batida e não há camas para dormir. No máximo, o “gato” oferece redes e colchões velhos e surrados.
A alimentação fornecida também é precária, geralmente composta de um pouco de arroz, feijão e restos de carne no almoço. Para o restante do dia, café puro e água não potável, na maioria das vezes retirado de um córrego seco, onde todos se banham. Não há banheiros e as necessidades fisiológicas são feitas na mata.
Se algum trabalhador se sente mal na execução da atividade ou ocorre qualquer outra circunstância que diminua a sua produtividade, não há socorro por parte do “gato”. Pelo contrário. Os rurícolas são ameaçados com a exposição de armas de fogo, não restando outra alternativa senão lutar contra as próprias forças para se safar das mãos cruéis de seu algoz.
Não são fornecidos quaisquer equipamentos de proteção individual ou ferramentas para o trabalho. Suprindo essa falta, o “gato” fornece para o trabalhador chapéus, botas, pás e enxadas, por um preço muito superior ao de mercado. São vendidos também colchões, redes, roupas, bolachas e mortadelas para aqueles que desejem maior conforto. No entanto, a cada item adquirido, aumenta a dívida para com o proprietário, tornando cada vez mais difícil a liberdade do trabalhador.
O salário, de tão reduzido, praticamente não é suficiente sequer para pagar as dívidas até então contraídas.
Desse modo, se algum trabalhador resolve sair da fazenda, inúmeras dificuldades aparecem: não há transporte para a volta; o rurícola não possui dinheiro, pois o salário, se recebido, não foi suficiente sequer para adimplir as dívidas; os documentos pessoais estão sob poder do carrasco, que não os devolve.
Assim, para os mais corajosos – e quando não há perseguição contínua por parte do “gato” – existe a alternativa de “fuga” a pé pela estrada, até encontrar uma vila e denunciar as atrocidades sofridas.
Se, entretanto, o responsável pelos trabalhadores não os deixam ir, ou os persegue com ameaças de morte, não há alternativas senão continuar sob o jugo do trabalho escravo.
V – O tratamento jurídico-penal brasileiro atribuído ao Trabalho Escravo
O trabalho escravo é vedado desde os basilares princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, valorização da livre iniciativa e do trabalho, liberdade e proibição à escravidão e trabalhos forçados. Também a Consolidação das Leis do Trabalho traça normas para o trabalho rural e urbano, de molde a combater a exploração patronal aos trabalhadores.
Inúmeras, portanto, são as previsões legais quanto ao trabalho escravo. Limitar-nos-emos ao tratamento penal dado a essa espécie.
O Código Penal prevê, em seu artigo 149, o crime de redução à condição análoga à de escravo. In verbis:
Artigo 149. Reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o à jornada exaustiva, que sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.
Pena – Reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 1º. Nas mesmas penas incorre quem:
I – Cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II – Mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
§ 2º. A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I – Contra criança ou adolescente;
II – Por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
Esse delito também é conhecido como sujeição ou plágio e está inserido no capítulo dos crimes contra a liberdade individual, especificamente na seção destinada aos crimes contra a liberdade pessoal.
O texto acima colacionado passou a ter essa redação a partir da Lei nº. 10.803, de 11 de dezembro de 2003. A redação anterior constituía apenas em “reduzir alguém à condição análoga à de escravo”, sem estabelecer os parâmetros para que se pudesse concluir que se impôs ao sujeito passivo um tratamento análogo ao de escravo. Comentando o artigo à época, escreveu Sento-Sé (2001, p. 86):
Em verdade, não se trata de submeter a vítima à escravidão, colocando-a como parte integrante da propriedade de outrem. Não, de fato, não é isto que ocorre na zona rural brasileira. Da mesma maneira, a configuração do crime de plágio não ocorre apenas quando o trabalhador tem castrado o seu direito de ir e vir, chegando a ser ameaçado de morte por meio de armas pelo patrão, para permanecer, ainda que contra a sua vontade, na propriedade deste, e a ser espancado e agredido no dia-a-dia, principalmente, se desejar escapar de toda esta exploração.
Desse modo, a legislação penal foi alterada em 2003, suprindo assim muitas dúvidas estampadas da doutrina e na jurisprudência. Com efeito, a norma atual revela as atitudes que caracterizam efetivamente a redução à condição análoga à de escravo.
O primeiro meio de execução, previsto no caput do artigo em testilha, é a submissão do trabalhador a jornada exaustiva. O artigo 7º, inciso XIII da Constituição Federal prevê que o trabalho deve ser realizado em uma jornada máxima de quarenta e quatro horas semanais e oito horas diárias. Assim, configura o delito em análise o aumento exarcebado dessa jornada, sobretudo quando se demonstra resultados econômicos apenas para o patrão.
Tem-se também a sujeição do trabalhador a condições degradantes de trabalho. Essa forma de execução do crime ocorre quando o empregador foge às regras dispostas para um meio ambiente de trabalho sadio, compatível com a natureza e com a dignidade da pessoa humana. Nesse ínterim, há de se observar as diversas normas, contidas na CLT e nas NRs editadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, que estabelecem regras para o meio ambiente de trabalho, seja ele urbano ou rural.
A restrição da locomoção por motivo de dívida está inteiramente relacionada com uma das formas de escravidão contemporânea. Por ela, o obreiro se vê preso na propriedade do senhor, sendo obrigado a trabalhar nas terras para pagamento de dívida, que muitas vezes é contraída no próprio local de trabalho, com a aquisição de objetos essenciais para a sua subsistência, como gêneros alimentícios, equipamentos de proteção individual e ferramentas para o trabalho, bem como o pagamento pela utilização do alojamento e pela alimentação precária servida pelo proprietário da terra. Sobre esse aspecto, mesmo antes da nova lei já explicava Mirabete (1991, p. 171):
[...]para a caracterização do crime, não é necessário que a vítima seja transportada de um lugar para o outro, que fique enclausurada ou que lhe sejam inflingidos maus-tratos. [...] Considerou-se caracterizado o delito no caso dos réus que forçavam os trabalhadores a serviços pesados e extraordinários, com a proibição de deixarem a propriedade agrícola sem liquidarem os débitos pelos quais eram responsáveis.
Outras formas são trazidas pelo código penal como equiparação à redução à condição análoga à de escravo, que são o cerceamento dos meios de transporte do trabalhador, com a finalidade de retê-lo no local de trabalho; a vigilância ostensiva, que pode inclusive vir acompanhada de ameaças, sobretudo com armas de fogo; e a retenção de documentos pessoais, com o propósito de impedir que os trabalhadores saiam do local de trabalho.
A Lei Penal prevê ainda causas de aumento de pena quando o crime é cometido contra pessoas específicas, ou por motivos que justifiquem tal majoração. Assim é que a pena será aumentada de metade se o crime é cometido contra criança ou adolescente, e por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
As causas de majoração são justificáveis pela triste realidade brasileira de crianças e adolescentes trabalhando exaustivamente em carvoarias, colheitas e outras atividades degradantes, sem qualquer proteção contra o sol, a chuva e demais intempéries, e pior, muitas vezes sem qualquer remuneração, trabalhando para o pagamento de dívida contraída por seus pais, que laboram nas mesmas condições. Por outro lado, o legislador atentou à prática de escravidão cometida por motivos raciais, étnicos, religiosos ou de origem, especialmente quando as vitimas são negros ou oriundos de regiões mais pobres do país.
VI – Considerações Finais
Antigamente insculpido no bojo da sociedade como uma conduta aceitável, hoje o trabalho escravo é totalmente repudiado, sendo que o Estado tem respondido à altura no que concerne à legislação penal.
No entanto, há de ressaltar que, muito embora existam normas suficientes para o combate dessa conduta repugnante, muito se tem a caminhar para que se dê efetividade a tais regramentos jurídicos.
Ainda hoje, muitos trabalhadores são encontrados em carvoarias, mineradoras e fazendas, trabalhando exaustivamente sem as mínimas condições de meio ambiente de trabalho e proteção, recebendo remuneração ínfima e realizando dívidas cada vez maiores com o proprietário, de modo que ficam impedidos de saírem do local.
Em que pese as inúmeras ações promovidas pelos órgãos fiscalizadores, como o Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho e Emprego, Polícias Militar e Federal, entre outros, ressalta-se que tais condutas são praticadas, em sua maioria, em lugares de difícil acesso, especialmente nas zonas rurais espalhadas por esse grande país.
Muitas vezes, as denúncias são feitas por pessoas simples, que não sabem sequer explicar onde se localizam as fazendas. Com a falta de aparelhamento físico e pessoal dos órgãos fiscalizadores, muitas vezes demoram-se dois ou três anos até que se consiga localizar os trabalhadores e resgatá-los.
Além dessas dificuldades fiscalizatórias, tem-se ainda os resultados práticos do resgate dos trabalhadores reduzidos à condição análoga à de escravo. Uma vez retirados das fazendas, eles recebem algum dinheiro, a título rescisório, que lhes é suficiente por um período. Mas, com a volta da necessidade de se alimentar e manter sua família, e com a inexistência de oportunidades melhores, os trabalhadores voltam a se submeter aos seus senhores.
Assim, muito embora haja uma ação conjunta de diversos órgãos estatais, e ainda que a legislação penal recrimine o trabalho escravo, os senhores das terras, verdadeiros carrascos dos direitos humanos, continuam impunes, auferindo lucros sobre a mão de obra escrava e reincidindo nas mesmas condutas, quantas vezes forem necessárias.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Código Penal Brasileiro. Decreto-Lei 2848, de 7 de dezembro de 1940.
INTERNATIONAL, Anti-Slavery. Formas contemporâneas de escravidão. In: Trabalho Escravo no Brasil Contemporâneo. São Paulo: Edições Loyola, 1999.
MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1982.
MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de Direito Penal. 6ª Ed., São Paulo: Atlas, 1991.
SENTO-SÉ, Jairo Lins de Albuquerque. Trabalho Escravo no Brasil na atualidade. São Paulo: LTr, 2001.
SUTTON, Alison. Trabalho escravo: um elo na cadeia da modernização no Brasil de hoje. São Paulo: LTr, 1991, v. 1.
PINSKY, Jaime. A escravidão no Brasil. São Paulo: Global Editora, 1991.
[1] “Escravidão é o estado ou condição de um indivíduo sobre o qual se exercem, total ou parcialmente, alguns ou todos os atributos do direito de propriedade” (artigo 1º da Convenção sobre Escravidão de 1926).
Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VELOSO, Ellen Renata Silveira Borges. O Trabalho Escravo no Brasil Contemporâneo e o Tratamento Oferecido pelo Sistema Jurídico-Penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jun 2011, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/24819/o-trabalho-escravo-no-brasil-contemporaneo-e-o-tratamento-oferecido-pelo-sistema-juridico-penal. Acesso em: 23 dez 2024.
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