Resumo: Observando a expansão e o fortalecimento da sociedade civil democracia, no século XX, percebe-se a sociedade civil organizada como um desses atores (em conjunto com o Estado e o mercado) que, desenvolvendo ações visando ao bem estar coletivo, revelam verdadeiros agentes do fortalecimento em se tratando da ampliação da participação cidadã engajada e comprometida com a construção efetiva dos “novos direitos”.
Palavras-Chave: Democracia, sociedade civil, participação cidadã, novos direitos.
Abstract: During the twentieth century we were able to notice both the strong expansion and the strengthening of the civil society and the democracy. The organized civil society stands out as one of these actors (in conjunction with the State and the market), by its development of actions aimed at the achievement of the collective welfare. They have turned themselves out as real agents of the strengthening and amplification for the involvement of the civil participation and its commitment with the construction and the turning into effective, of the “new rights”.
Keywords: Democracy, civil society, civil participation, new rights
Partindo da compreensão de ter sido o século XIX o marco da organização e expansão dos Estados Nacionais, observa-se o século XX como o século anterior e fortalecimento da sociedade civil e da democracia.
Nesse contexto, a sociedade civil organizada representa o espaço de construção e participação dos seguimentos de interesse dentro do Estado que possibilitam a verdadeira interação entre todos esses atores: o Estado, o mercado e a sociedade civil organizada e, suscita a discussão de cidadania nos centros do pensamento social e político brasileiro.
A pertinência e relevância do presente artigo encontram-se pautada, certamente, pela forma de intervenção dos protagonistas sociais em cada momento da história da humanidade.
O propósito deste artigo é duplo. Em um primeiro momento, investigaremos a participação cidadã na reinvenção da democracia, bem como sua ampliação na sociedade civil quanto ao processo decisório e de constituição deste; no momento seguinte, buscaremos identificar, criticamente, no plano sócio-jurídico, a presença das organizações da sociedade civil, institutos e demais fundações como elementos que agregam ou que podem agregar em termos e valores na construção dos “novos direitos”, tendo como referência os anos 90
Ao analisarmos a evolução histórica do conceito de cidadania, veremos que ele expressa não só aspectos jurídicos, mas também políticos e sociológicos. Mais que um conceito, trata-se de um verdadeiro princípio e, se levarmos em consideração que o exercício da cidadania, conquanto sendo, um atributo individual e próprio de cada cidadão, pode ser visto, também, como atributo coletivo, que gerando ações concretas tende a se projetar, direta ou indiretamente, em favor da comunidade, de toda a sociedade e, no limite do raciocínio, de toda a humanidade.
Cidadania é, portanto, palavra que expressa vários sentidos, uma vez que sua dimensão abrange as relações entre o ser humano, a sociedade e o Estado. A primeira idéia que a palavra cidadania nos traz é a da relação entre o cidadão e o local onde nasceu; porém, ao refletirmos um pouco mais, sobretudo sob a ótica jurídica, teremos cidadania como um termo que “expressa um conjunto de direitos que se dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo” (Dallari, 1984, p78).
Enfim, atribui-se à cidadania, atualmente, o conjunto de direitos e de deveres que, exercido adequadamente, projeta-se, de certa maneira, da consciência cidadã individual para a consciência coletiva, da individualidade para a coletividade. O produto atual, resultado do processo histórico, após uma longa evolução do conceito, faz-nos ver a cidadania sob esse prisma.
Todavia nem sempre foi assim. Na antiga Roma, a palavra cidadania, era usada para indicar a situação política de uma pessoa e os direitos que essa pessoa teria ou poderia exercer.
Seguindo o curso da história, verifica-se que esse enfoque romano viria a ser o ponto de partida da concepção adotada no mundo ocidental a partir do século XVIII, começando pela França no período imediatamente posterior a Revolução de 1789, passando a ser efetivamente adotada, naquele país, a diferenciação entre cidadania simples e cidadania ativa.
Faz-se importante, neste momento, introduzir a distinção feita por Chauí (1984), entre cidadania passiva, que é outorgada pelo Estado, com a idéia moral de favor e da tutela, e acima de tudo, aquela que trata os direitos do cidadão como uma concessão estatal; e a cidadania ativa a partir da qual o cidadão é instituído como portador de direitos e deveres, mas essencialmente criador de direitos, para abrir novos espaços de participação política.
Com a Revolução Francesa, o pensamento filosófico, jurídico e político ocidental adota o trinômio “Liberdade-Igualdade-Fraternidade”, os quais vieram a se tornar princípios fundamentais para a evolução das idéias sobre o homem, seu relacionamento com a sociedade em que vive e com o Estado, e, também, dessa mesma sociedade com o Estado. Esses três princípios, fundamentais na redação das constituições de países e das Declarações de Direitos do Homem, foram aos poucos se incorporando à cultura dos diversos povos, nações e sociedades, firmando-se como garantias e liberdades políticas e individuais.
A cidadania veio no bojo das lutas pela liberdade e igualdade, numa tensa relação tanto com os poderes de Estado quanto com os da sociedade. Postulou a igualdade para todos os cidadãos, através dos direitos e deveres, convencionando que todos deviam obediência à lei. (...) A cidadania passou a ser vista como núcleo de liberdade e igualdade da moderna noção de democracia, envolta no mundo dos direitos (Junior; Oliveira, 2003, 406).
Tem-se claro que não basta a existência formal de tais direitos, faz-se necessário a sua concretização. E inevitável se faz a implementação de todos eles, visto que apenas em conjunto se podem materializar plenamente. Para o perfeito exercício da cidadania, segundo Bobbio (1992), requer-se igualdade, não apenas jurídica, mas de oportunidades; liberdade física e de expressão; educação; saúde; trabalho; cultura; lazer; pleno emprego; meio ambiente saudável; sufrágio universal e secreto; iniciativa popular de leis; dentre outros direitos que compõem o quadro dos direitos humanos.
Tais direitos, consagrados como individuais, inalienáveis e sagrados, caracterizam-se como o resultado e a materialização das reivindicações concretas da humanidade em seu local, tempo e valores históricos, sobretudo aqueles referentes à liberdade e à dignidade humana. Estes “novos direitos”, à sua época, fazem materializar exigências sociais emergentes, resultantes das crescentes prioridades que se determinam socialmente (Wolkmer, 2003).
Hodiernamente, toma-se por cidadão, aquele que possui e exerce todo este rol de direitos constituídos e legalmente garantidos. É aquele que não apenas vota, mas participa da construção do futuro, onde, ao construir o seu futuro, enreda-se aos demais indivíduos, construindo coletivamente o futuro de toda a humanidade.
Não existe sujeito sem engajamento social; não existe movimento social sem apelo direto à liberdade e à responsabilidade do sujeito (Touraine, 1994, 302).
A cidadania insurge como o instrumento autorizador dos direitos políticos do homem. Ser cidadão implica, cada vez mais, ser detentor não somente de um conjunto de direitos e deveres individuais sob as leis do Estado que confere ao indivíduo a condição de “cidadão”, mas também ser detentor de um conjunto de instrumentos políticos, jurídicos e sociais que o habilita à defesa da sociedade como um todo.
A sociedade civil brasileira, profundamente marcada pela experiência autoritária do regime militar instalado em 1964, experimenta, a partir da década de 70, um significativo ressurgimento. Organizou-se de maneira substancialmente unificada no combate a esse Estado antidemocrático e autoritário, desempenhando papel fundamental no longo processo de transição democrática, pela reunião dos mais diversos setores sociais (movimento sociais de vários tipos, sindicatos de trabalhadores, associações profissionais de advogados e jornalistas, universidades, igrejas, imprensa, partidos políticos de oposição) e contribuiu decisivamente para uma visão da sociedade civil renovada que deixou marcas profundas no debate teórico e político sobre o tema.
Muitas das transformações efetivadas pela ação desses sujeitos políticos vão muito além do plano das mentalidades, rupturas epistemológicas ou modos de intervenção. Há um avanço sem igual no campo dos direitos e da cidadania (Gouveia, 2004, p.79).
De toda forma, falar de cidadania no Brasil implica em compreender os vícios, as disfunções e os entraves da representação, assim como do sistema eleitoral, que tendem a emperrar o processo de consolidação da cidadania ativa e participativa. Mas acreditamos que, assim como a declaração meramente retórica de direitos não garante sua efetiva fruição, a inclusão dos mecanismos de participação popular na Constituição, por si só, não efetiva sua implementação, que se dará tão somente de forma democrática, no contexto da cidadania ativa.
As ações judiciais voltadas para os interesses coletivos, direito de propor projetos de lei junto ao Poder Legislativo, acesso direto a órgãos de defesa do consumidor e da concorrência, estão entre os diversos e novos instrumentos que permitem a realização em nível crescente de direitos coletivos, fortalecendo o sentido da cidadania. Sem contar a ampla gama de atividades voluntárias, trabalhos cooperativos dentre outros serviços sociais implementados pela ação da sociedade civil e desenvolvidos como exercício da cidadania ativa.
Neste sentido Andrade (1993), diz que,
Grupos e classes tornam-se cada vez mais protagonistas da ação social e política, indicando que os conflitos extrapolam sua dimensão interindividual para alcançar uma dimensão interclassista e intergrupal: o impasse entre o individual e o coletivo (social) inscreve-se no horizonte da possibilidade da cidadania (Andrade,1993, p.126).
Partindo dos mecanismos oferecidos pela democracia direta nos é permitido entender a participação como uma verdadeira escola – a escola da cidadania. Ao ultrapassarmos as fronteiras das concepções de cidadania apresentadas pelas democracias liberais e sociais, todavia mantendo-se dentro dos limites do constitucionalismo clássico, encontra-se o cidadão, como titular de direitos em relação ao Estado e aos outros, mas que exerce estes direitos frente ao aparelho estatal, nunca dentro dele, não assumindo assim, qualquer titularidade em relação às funções públicas. A cidadania que a efetiva participação popular requer define-se pelos princípios de democracia, significando necessariamente conquista e consolidação social e política. Cidadania que se constituí na criação de espaços sociais de lutas, e na definição de instituições permanentes para a expressão política (movimentos sociais, sindicais, associações de classe).
Noleto (1998) nos faz perceber a importância de movimentos e deste acúmulo de forças ocorridas, ainda no seio da ditadura militar:
As lutas sociais dos anos setenta foram percebidas assim como movimentos de auto-afirmação de diversos grupos, que viam nelas o processo de sua constituição como sujeitos políticos. Havia uma pluralidade de movimentos (ações nos clubes de mães, movimentos contra a carestia, o novo sindicalismo, que rompia com o corporativismo institucional, movimento pela melhoria da saúde, etc.) que estavam ligados a realidades diferentes. Os temas mais discutidos por eles eram: a liberdade, o estímulo à participação consciente na vida coletiva, a importância de cada um lutar por seus direitos, a começar pelo mais elementar – o direito de reivindicar direitos (Noleto, 1998, p.146).
Com o restabelecimento da democracia, surgiu a possibilidade de a experiência acumulada no campo popular (composto por extensas redes sociais, tecidas em torno de instituições como a Igreja Católica, do ecumenismo, a academia científica e uma grande quantidade de Organizações Não Governamentais - ONGs ser aplicada em espaços mais amplos de negociação com o Estado.
(...) o restabelecimento da democracia formal, com eleições livres e a reorganização partidária, abriu a possibilidade de que este projeto, configurado no interior da sociedade e que orientou a prática de vários de seus setores, pudesse ser levado para o âmbito do poder do Estado, no nível dos executivos municipais e estaduais e dos parlamentos e, mais recentemente, no executivo federal, com a eleição de Luís Inácio Lula da Silva como presidente da República. Assim, os anos 90 foram cenário de numerosos exemplos desse trânsito da sociedade civil para o Estado (Dagnino, 2004, p.139).
Neste período, acompanhamos um processo de criação e consolidação destes espaços de interlocução entre o Estado e sociedade civil, como a criação de conselhos gestores de políticas públicas nos vários níveis de governo e orçamentos participativos em algumas cidades brasileiras, bem como vínculos mais pontuais em que organizações da sociedade e Estado realizam determinados projetos. Esses espaços, apesar de todos os problemas e dificuldades enfrentados, foram conquistas de movimentos sociais brasileiros que lutaram para que suas demandas fossem incorporadas de alguma forma nas políticas governamentais.
A revitalização da sociedade civil brasileira é o pano de fundo dos encontros do Estado e desta sociedade ambientada no processo de democratização pelo qual passa o país desde o final da década de 80. A flagrante emergência dos movimentos, das práticas associativistas e a reorganização partidária constituem a face qualificada pelo debate mais politizado sobre a natureza desta democratização. Como resultante deste processo, observa-se a própria democratização do Estado, que tem a edição da Nova Carta Magna de 1988 como marco formal deste processo, onde se encontram restabelecidos vários procedimentos democráticos formais, abrindo assim o acesso destas novas forças política, constituídas e organizadas contra o regime.
A nova Constituição, promulgada em 5 de outubro de 1988, muito prolixa, ficou conhecida como a “Constituição Cidadã”. Tal “denominação” derivou da grande evolução que apresentou em relação aos direitos individuais e coletivos, bem como na tutela às minorias, entre as quais destaca-se o silvícola, vítimas de um verdadeiro genocídio durante o período militar (...) De fato, à concepção individualista liberal somou-se o aspecto coletivo, do indivíduo enquanto membro de grupos, minorias, etc., valorizando, assim, a realização de uma cidadania plena, com a afirmação (formal) dos direitos sociais (Junior; Oliveira, 2003, p.236).
Nossa Carta Magna, por possuir caráter programático no que se refere aos direitos econômicos, sociais e culturais, ao lado do fortalecimento de instâncias de controle e participação social em políticas públicas, representou o esforço de formalização de uma década ininterrupta de lutas e pressões por parte da sociedade civil organizada, “(...) as principais forças envolvidas nesse processo compartilham um projeto democratizante e participativo” (Dagnino, 2004, p. 139).
Desta forma, tem-se como conseqüência concreta e fundamental deste processo a emergência de experiências de construções de “espaços públicos”, tanto daqueles que visam a promover o debate amplo no interior da sociedade civil sobre temas de seus interesses até então excluídos de uma agenda pública, como daqueles que se constituem como espaços de ampliação e democratização da gestão estatal (conselhos, fóruns, câmaras setoriais, orçamentos participativos).
Hoje em dia, o termo “sociedade civil” não inclui mais a economia constituída através do direito privado e dirigida através do trabalho, do capital e dos mercados de bens (...). O seu núcleo institucional é formado por associações e organizações livres, não estatais e não econômicas, as quais ancoram as estruturas de comunicação da esfera pública nos componentes sociais do mundo da vida. A sociedade civil compõe-se de movimentos, organizações e associações, os quais captam os ecos dos problemas sociais que ressoam nas esferas privadas, condensam-nos e os transmitem, a seguir, para a esfera pública política (Habermas, 1997, p.143).
Neste processo, desde a invenção democrática dos gregos, que definiam os caminhos da sociedade pela regra básica da vontade da maioria (democracia direta), até a concepção de Montesquieu de que os Poderes, ou funções essenciais do Estado deviam vigiar-se mutuamente de forma a evitar o arbítrio e a prepotência dos poderosos. A verdade é que nunca se chegou a uma fórmula perfeita de controle da natureza humana que possibilitasse a efetividade de direitos ou a assunção pelos seres sociais da responsabilidade de construir a própria felicidade.
Silva (2002) leciona que democracia é conceito histórico. Não é por si um valor-fim, mas meio e instrumento de realização de valores essenciais de convivência humana, que se traduzem basicamente nos direitos fundamentais do homem. Sob esse aspecto, a democracia não é um mero conceito político abstrato e estático, mas um “processo” de afirmação do povo e de garantia dos direitos fundamentais que o povo vai conquistando no correr da história, variando de maneira considerável as posições doutrinárias acerca do que legitimamente se há de entender por democracia.
A democracia é antes de tudo o regime político que permite aos atores sociais formar-se e agir livremente. São seus princípios constitutivos que comandam a existência dos próprios atores sociais. Só há atores sociais se se combinam a consciência interiorizada de direitos pessoais e coletivos, o reconhecimento da pluralidade dos interesses e das idéias, particularmente dos conflitos entre dominantes e dominados (Touraine, 1994, p.345).
No mundo contemporâneo, a democracia como exercício cotidiano não é mais possível sem a presença e ação fiscalizadora dos cidadãos. O papel de uma sociedade informada e atuante não é o de esperar tudo do Estado. Cuidar junto aparece, cada vez mais, como alternativa eficiente e democrática.
Seguindo o mesmo diapasão do direito, que desde os primórdios vem sendo dividido em público e privado, a economia apresenta sua divisão clássica: primeiro e segundo setor, onde os setores produtivos, representados pelas indústrias, empresas comerciais, prestadoras de serviços e entidades de produção agrícola, todas tendo como meta à geração de capital – reflexa do capitalismo, constituem o primeiro setor; enquanto que o segundo setor é representado pelo Estado, prestador e executor de serviços, ditos públicos, através de seu próprio aparelho administrativo.
(...) a sociedade civil aparece associada à diferenciação entre o Estado e o mercado, entre o direito público e privado, e com a consolidação de um sistema legal moderno que permite a regulação entre o indivíduo e o controle do exercício do poder. E também com o reconhecimento da existência de instâncias mediadoras entre o indivíduo, o Estado e o mercado, que institucionalizam princípios éticos e tornam possível que a solidariedade social na modernidade seja associada à idéia de autonomia e auto-regulação (Dagnino, 2002, p. 304).
Dado que, tanto o Estado quanto o mercado não conseguem responder aos desafios do desenvolvimento com eqüidade, a participação cidadã torna-se essencial para a consolidação das democracias contemporâneas. Tornando a sociedade civil organizada a ferramenta ideal para a erradicação da extrema pobreza e da exclusão social que se configuram como flagrantes ameaças aos fundamentos de nossa vida em comum.
A participação popular, importante instrumento capaz de promover o aprofundamento da democracia, partindo da descentralização, faz com que haja maior dinâmica na participação, principalmente no âmbito local, apresenta-se como ponto de partida do que se convencionou chamar de política de direitos, posto que neste espaço de ação do associativismo civil se plasmam os direitos fundamentais da democracia. Nessa ordem de idéias, podemos citar Brito (1993) que diz,
(...) a participação popular não quebra o monopólio estatal da produção do Direito, mas obriga o Estado a elaborar o direito de forma emparceirada com os particulares (individual ou coletivamente) (Brito, 1993 apud SAULE JUNIOR, 1997, p. 56).
Junto com o Estado, 1º setor, e com o mercado, 2º setor, aparece o 3º setor, que arregimenta um grande volume de recursos humanos e materiais para estimular iniciativas voltadas para o desenvolvimento social, setor no qual se inserem as sociedades civis sem fins lucrativos, as associações civis e as fundações de direito privado. Subvertendo as relações entre empresas e pessoas, com a valorização do social, pretendendo a prestação de serviços de interesse social sem as limitações do Estado, nem sempre evitáveis e as ambições do mercado, muitas vezes inaceitáveis, surge uma terceira via – nas palavras de Teixeira (2004, p.36) um “espaço público da sociedade civil, nem privado, nem estatal”.
Vivemos o presente momento em que se destacam no Brasil a criação de espaços participativos, institucionalizados ou não, como os diferentes tipos de conselhos, a participação cidadã nos orçamentos municipais, as audiências públicas de toda ordem caracterizam-se como diversos fóruns de debate entra e sociedade civil e o Estado.
As entidades que integram o 3º Setor originam-se a partir dos movimentos sociais, que funcionam como interlocutores, e transforma-se em importantes instrumentos para a consecução de uma nova dinâmica social e democrática, em que as relações são orientadas pelos laços de solidariedade entre os indivíduos, espírito voluntariado, consenso e anseio do bem comum. De sorte que elas cobrem um amplo espectro de atividades, seja na defesa dos direitos humanos, na proteção do meio ambiente, assistência à saúde, apoio a populações carentes, educação, cidadania, direitos da mulher, do consumidor, e da geração de “novos direitos”.
As novas contestações não visam criar um novo tipo de sociedade, mas ´mudar a vida`, defender os direitos do homem, assim como o direito à vida para os que estão ameaçados pela fome e pelo extermínio, e também o direito à livre expressão ou à livre escolha de um estilo e de uma história de vidas pessoais (Touraine, 1994, p. 262).
Nos anos 70, o fortalecimento da sociedade civil – embrião do terceiro setor – se fez em oposição ao Estado autoritário. Com o avanço da redemocratização e as eleições diretas para todos os diversos níveis de governo, as organizações de cidadãos assumem um relacionamento mais estreito com o Estado. Reivindicação e conflito, agora, coexistem com diálogo e colaboração.
O sujeito se constrói simultaneamente pela luta contra os aparelhos e pelo respeito do outro como sujeito; o movimento social é a ação coletiva de defesa do sujeito contra o poder da mercadoria, da empresa e do Estado. Sem essa passagem para o movimento social o sujeito corre o risco de dissolver-se na individualidade; sem esse recurso a um princípio não social, a idéia de movimento social cai na tentação alienante de se conformar com o sentido da história (Touraine, 1994, p.302).
A partir dos meados da década de 80 os movimentos sociais, ao perderem de vista seu principal adversário – o Estado, têm sua visibilidade ofuscada, fruto da flagrante diminuição da efervescência das atividades de rua. Neste momento, os movimentos sociais se transformam e assumem novas demandas, não mais tem como objetivo “tomar” o Estado, mas garantir a efetivação dos direitos sociais a duras penas conquistados até aquele momento.
Nos anos 90 a palavra “parceria” toma vulto como expressão de um novo padrão de relacionamento entre os três setores da sociedade.
A maior participação dos novos atores frente às demandas de bens e serviços reclamados pela sociedade vem impondo mudanças consideráveis na estrutura social. Responsáveis pela implantação de novos projetos para os mais diferentes setores sociais (crianças, adolescentes, ambientais, etc), esses novos atores representados pelos movimentos sociais, faz-nos perceber, claramente, e cada vez mais, a importância da participação da sociedade civil, na realização de ações que possam, de certa forma, minimizar as distorções existentes na sociedade brasileira (Wolkmer, 2003).
Felicita-nos o surgimento e a disseminação de novas propostas e projetos que, vindas do seio da sociedade civil como alternativas às opções apresentadas e encaminhadas pela lógica do Estado e do mercado. As alternativas destes (Estado e mercado) surgem como forma de omitir e, até mesmo de sonegar direitos, alguns já positivados.
Tem-se, na sociedade contemporânea, a viabilização constante de “novos direitos” de natureza individual, que no entendimento de Norberto Bobbio (in: WOLKMER, 2003) são todos aqueles direitos do homem, que como, neste entendimento são direitos históricos posto que conquistados, ou seja, nascidos das lutas em favor de novas liberdades e de forma gradual. Por estarem incluídos em uma determinada realidade histórica, não nascem todos de uma só vez e nem de uma vez por todas.
Concluí-se que nas últimas décadas, tem-se uma vasta pluralização cultural no interior das democracias contemporâneas com surgimento de uma variedade de atores sociais, torna-se importante estabelecer não apenas se são estes os verdadeiros operadores a expressão das modificações pelas quais à sociedade civil brasileira passou na última década, mas também, determinar o quanto eles respondem pelas modificações operadas nos mais diversos segmentos associativos (movimentos sociais, rurais e urbanos, ONGs, ações de defesa de direitos e iniciativas de promoção da cidadania, sindicatos, associações de classe e outros tantos tipos de organizações sociais.
Têm-se a cada dia exemplos, e esses aumentam nas manifestações normativas informais, resultantes das lutas, disputas e distensões sempre presentes em uma sociedade participativa e em constante reafirmação.
Partindo da análise dos diversos e contraditórios aspectos existentes entre o discurso jurídico sobre o direito ideal e a realidade, parece-nos relevante vislumbrar a possibilidade de inserir no discurso jurídico a dinâmica das relações sociais concretas e reais, posto que estas surgem dos movimentos de conscientização das classes populares, do exercício de cidadania e da prática da democracia, nas mais diversas formas de reorganização da sociedade civil, após décadas de autoritarismo e arbítrio.
No entendimento de Wolkmer (2003), faz-se necessária à transposição deste modelo jurídico formal, dogmático e individualista, buscando a adequação de seus institutos, doutrinas e instrumentos processuais, à nova realidade existente, como forma de garantir a materialização e aplicação os “novos direitos”.
Desta forma, tem-se presente, portanto, o rompimento com o discurso dogmático, ao enriquecê-lo com a apreensão e incorporação destas formas marginais de prática jurídica, que se expressam genuínas reivindicações das classes oprimidas e destituídas dos meios de acesso aos mecanismos de decisão e poder, ao colocá-los no contexto da práxis social como instrumento a ser utilizado nos caminhos de libertação e de superação dos entraves da burocracia positivista, da construção e do reconhecimento dos novos direitos, diz Wolkmer (2003).
Estes sentimentos de impaciência e de indignação da sociedade civil brasileira, diante de uma realidade excludente e privatizadora dos direitos mais essenciais da humanidade, tão presentes neste país de forte tradição colonialista e de uma incipiente institucionalidade democrática, nos faz refletir sobre estes sentimentos e demandas gigantescas, posto que diante de todas as nossas contradições, ainda conseguimos vislumbrar um país fértil de iniciativas e práticas de solidariedade vivificadoras do exercício de cidadania, e grávido de “novos direitos”.
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Bacharel em Direito pela UNESC e Mestre em Direito pela UFSC. Atua como professor da disciplina de Sociologia Jurídica nos cursos de Direito no UNIBAVE (Orleans/SC) e na ESUCRI (Criciúma/SC)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FELISBERTO, Nilzo. A Cidadania Ativa e o Direito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 ago 2012, 08:12. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/30229/a-cidadania-ativa-e-o-direito. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: SABRINA GONÇALVES RODRIGUES
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