1 - INTRODUÇÃO
No dizer de Paulo BONAVIDES[1], “Com o referendum o povo adquire o poder de sancionar as leis”.
Trata-se do segundo mecanismo de participação popular apresentado no art. 14, II, da Constituição Federal. O referendo é instituto de democracia semi-direta que vem sendo aplicado por muitos países ao longo dos anos, permitindo a participação do povo nas decisões políticas do Estado.
2 - Conceito
A denominação vem do latim referendu, mas é com a expressão ad referendum, que significa “para aprovação”, que o termo encontrou a sua verdadeira identidade com o instituto que representa.
Em sua clássica obra, Adrian SGARBI[2] elucida que o referendo “consiste na submissão ao eleitorado de todas ou algumas normas, após terem vigência, ou mesmo antes, para constituí-las, revogá-las, conservá-las ou modificá-las”.
Alexandre de MORAES[3] conceitua o instituto como sendo “uma consulta posterior sobre determinado ato governamental para ratificá-lo, ou no sentido de conceder-lhe eficácia (condição suspensiva), ou ainda, para retirar-lhe a eficácia (condição resolutiva)”.
José Joaquim Gomes CANOTILHO[4] nos apresenta conceito mais amplo: “O referendo é uma consulta feita aos eleitores sobre uma questão ou sobre um texto através de um procedimento formal regulado em lei”.
O referendo pode ser obrigatório ou facultativo. Será obrigatório quando o texto constitucional impuser a necessidade de consulta popular. Será facultativo quando a sua realização depender de autorização de uma autoridade ou de requerimento de certo número de eleitores.
Pode-se dizer que nosso ordenamento jurídico adota o regime facultativo, uma vez que a Constituição Federal de 1988 não prevê hipótese de aplicação do instituto, cingindo-se a explicitar no inciso XV do art. 49 a competência exclusiva do Congresso Nacional para “autorizar referendo”, que deverá ser feito por meio de decreto legislativo (art. 3º da Lei 9.709/98).
Destarte, a partir das considerações acima alinhavadas, podemos conceituar o referendo como o instrumento pelo qual o povo reúne-se, mediante eleição, para, de modo soberano, aprovar um determinado ato legislativo ou administrativo de grande interesse para a sociedade.
3 - Breve histórico
O referendo surgiu por volta do século XV na Suíça, nos cantões de Valais e Grisons, para aprovação das votações realizadas nas Assembléias Cantonais.
Todas as Constituições Suíças, desde 1798, apenas a de 1801 não foi submetida a referendo popular.
No Brasil, a previsão do referendo, em sede constitucional, veio a consolidar-se com o advento da Constituição Federal de 1988. Apesar do indigitado mecanismo de participação popular ser tão antigo, considerando sua aplicação em ordenamentos jurídicos alienígenas, mas não tanto em nosso país, o único referendo por aqui realizado que se tem notícia, em nível nacional, foi o da proibição do comércio de munição e armas de fogo no dia 23 de outubro de 2005. Foi o primeiro do mundo em que o povo foi consultado sobre a questão do desarmamento.
4 - A Utilização do referendo na Suíça e nos Estados Unidos
Não há dúvidas que o Estado Suíço é, hoje, o mais avançado em termos de democracia participativa. Lá, ela é exercida por meio de assembléias populares, denominadas Landsgemeiden, onde os cidadãos exercem diretamente o poder político.
As assembléias são realizadas nos Cantões e presididas pelo Landmann. De acordo com José DUARTE NETO[5], “a participação não é somente um direito dos cidadãos do cantão, como um dever cívico, cujo descumprimento enseja condenação em multa pecuniária.”
Qualquer mudança constitucional, seja revisão ou reforma, em âmbito federal ou cantonal, deve passar pela chancela do povo. A aplicação do referendo é mais ampla em matéria de lei ordinária. Alguns exemplos sobre os assuntos versados nos referendos suíços podem ser exemplificados[6]: sobre questões fiscais e parafiscais; sobre o espaço econômico europeu; sobre proteção dos animais; sobre segurança nacional; sobre tráfego; sobre política em geral; sobre eventos turísticos; sobre qualidade de vida; sobre imigração etc.
Depois da Suíça, em termos de desenvolvimento da democracia participativa e da utilização do referendo, os Estados Unidos se destacaram. Darcy AZAMBUJA[7] expõe, com clareza, essa evolução. De acordo com seus ensinamentos, os Estados Unidos conheciam o referendo a muito tempo, mas foi somente no século XX que, insurgindo-se contra o sistema representativo, que o adotaram para as leis ordinárias.
No entanto, o referendo é pouco utilizado em nível federal, sendo mais utilizado em âmbito estadual. SGARBI[8] exemplifica, novamente, os temas de maior incidência do referendo: redução da incidência de tributos; questões políticas que versam sobre o direito ao voto e a participação nas decisões dos condados; questões de segurança pública; assuntos educacionais; matérias referentes à novas tecnologias; para assuntos concernentes aos fatos econômicos; assuntos afetos à moral, dentre outros.
Trata-se de países cuja maturidade cívica vem sendo aprimorada ao longo dos séculos, onde a participação popular mostra-se eficiente e legítima. Esse sistema é o que deve vigorar, materialmente, em nosso meio, como única esperança do desenvolvimento e da pacificação popular.
5 - O referendo no Estado Brasileiro: importância de sua utilização
Importante marco na evolução da democracia semi-direta no Brasil foi a realização do referendo para do desarmamento. O pleito conseguiu reunir cerca de quase 100 milhões de pessoas, segundo informações do Superior Tribunal Eleitoral divulgadas pela imprensa.
O referendo foi realizado em decorrência da Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, define crimes e dá outras providências. É que o art. 35 dispunha o seguinte:
“Art. 35. É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6o desta Lei.
§ 1o Este dispositivo, para entrar em vigor, dependerá de aprovação mediante referendo popular, a ser realizado em outubro de 2005.”
A questão foi amplamente divulgada na mídia em todo o território nacional. Foi criada a Frente Parlamentar por um Brasil sem Armas, favorável à proibição, e a Frente Parlamentar pelo Direito da Legítima Defesa, contrária à proibição.
A seguinte pergunta foi formulada no referendo popular: “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”. O número “1” corresponderia ao voto “não” e, o número “2”, ao voto “sim”.
Assim, após a propaganda gratuita em rádio e televisão, as duas Frentes Parlamentares apresentaram seus argumentos na tentativa de angariar votos favoráveis a tese que cada qual defendia. Enquanto a Frente do “sim” batia na tecla de que muitas pessoas morrem vitimadas por armas, principalmente por causa de acidentes domésticos, a Frente do “não”, defendia, em suma, que a população ficaria à mercê da bandidagem, já que a segurança pública do país é bastante deficiente.
O resultado foi o seguinte: cerca de 64% da dos votos válidos disse “não” à proibição e cerca de 26% disse “sim”.
Por meio da realização daquele referendo o povo exerceu, de fato, a soberania que lhe foi atribuída pela Constituição Federal. A população teve a oportunidade de escolher de forma concreta questão fundamental para o convívio em sociedade. As discussões travadas pelas “Frentes parlamentares”, ainda que com seus exageros, fizeram o povo refletir sobre a questão, despertando o amadurecimento democrático e estimulando o dever cívico que deve existir em cada cidadão.
Esse quadro, insignificante se analisado sob o prisma da história da democracia brasileira, revela o quanto é necessário a utilização do referendo no país.
6 - CONCLUSÃO
Enfim, com o referendo o povo tem a oportunidade de avaliar se determinado ato legislativo ou administrativo é adequado ou não à sociedade. Há quem possa questionar os altos custos de uma eleição como essa. Todavia, isto deve ser encarado como um investimento que pode ser a curto, médio ou longo prazo, mas, que, de fato, servirá de arrimo para a conscientização política dos cidadãos.
REFERÊNCIAS
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 38ª ed., São Paulo: Globo, 1998.
BENEVIDES, Maria Vitória de Mesquita. A Cidadania Ativa – Referendo, Plebiscito e Iniciativa Popular. 3ª ed. São Paulo: Editora Ática, 2003.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10 ed. rev, atual e ampl. São Paulo, 2000.
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
DUARTE NETO, José. Iniciativa popular na Constituição Federal. São Paulo: RT, 2005.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2005.
SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.
[1] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10 ed. rev, atual e ampl. São Paulo, 2000, p. 282.
[2] SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 111.
[3] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada legislação constitucional. 4. ed. - São Paulo: Atlas, 2004. p. 540.
[4] CANOTILHO, op. cit., p. 289, nota 8.
[5] DUARTE NETO, José. Iniciativa popular na Constituição Federal. São Paulo: RT, 2005, p. 57.
[6] SGARBI, op. cit., p. 323.
[7] AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 38ª ed., São Paulo: Globo, 1998, p. 226.
[8] Ibid, p. 319.
PROCURADOR FEDERAL. Ex- Procurador do Município de Itapira/SP. Bacharel em Direito pela UNIFEOB.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RAMOS, William Junqueira. O referendo e sua importância na democracia participativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 fev 2013, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33755/o-referendo-e-sua-importancia-na-democracia-participativa. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: SABRINA GONÇALVES RODRIGUES
Por: DANIELA ALAÍNE SILVA NOGUEIRA
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