I – Introdução
A requisição de servidores é instituto jurídico que possibilita a um dado órgão requisitante, previamente autorizado por lei, a retirar servidores do quadro de pessoal de outra entidade (requisitada/cessionária) para que, em reforço à sua força de trabalho ordinária, possa dar cabo à sua missão institucional.
Com efeito, o Decreto nº 4.050, de 12 de dezembro de 2011, conceitua a requisição como “ato irrecusável, que implica a transferência do exercício do servidor ou empregado, sem alteração da lotação no órgão de origem e sem prejuízo da remuneração ou salário permanentes”.
Não obstante o seu caráter irrecusável, em razão dos princípios que norteiam a atividade administrativa, levanta-se um questionamento: é possível a recusa quando a liberação do servidor solicitado puder comprometer ou inviabilizar a consecução das políticas públicas afetas ao seu órgão de origem ?
Sem dúvidas o tema é atual e objeto de grande debate no âmbito da Administração Pública Federal, uma vez que envolve interesses antagônicos, de entidades públicas distintas. Isso porque, não raras vezes, o atendimento de uma requisição poderá vir a comprometer o próprio serviço público prestado pelo órgão ou entidade que libera o seu servidor.
Não bastasse isso, muito embora a requisição possua natureza nitidamente temporária e excepcional (art. 30, XIV, Código Eleitoral), o instituto vem sendo utilizado de forma abusiva pelos órgãos da Justiça Eleitoral, sem o atendimento dos requisitos que o fundamentam, conforme já evidenciado pelo Tribunal de Contas da União – TCU[1].
O presente estudo visa, então, enfrentar os pontos mais intrigantes sobre o tema, a partir da análise das requisições de servidores feitas pela Justiça Eleitoral.
Além da legislação que trata da matéria, buscar-se-á, neste estudo, trazer a baila pronunciamentos da Secretaria de Gestão de Pessoas do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - então Secretaria de Gestão Pública (SEGEP/MPOG) – e os julgados do TCU, do Supremo Tribunal Federal (STF) e de outros tribunais do país sobre pontos específicos da problemática.
Destarte, com vistas a conferir maior clareza ao que será abordado, subdividir-se-á o texto nos seguintes tópicos:
II – Lei, atos normativos e jurisprudência que versam sobre a requisições de servidores pela Justiça Eleitoral;
III – Requisitos a serem observados quando da efetivação das requisições;
IV – Prazo inicial e prorrogação de requisições já implementadas;
V – Instrução dos processos de requisição oriundos da Justiça Eleitoral e
VI – Ilegalidade de prisão em virtude da recusa de liberação.
II. Lei, atos normativos e jurisprudência que versam sobre a requisição de servidores pela a Justiça Eleitoral
A Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, prevê o afastamento do agente público para prestar serviço em outros órgãos ou entidades dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, verbis:
Art. 93. O servidor poderá ser cedido para ter exercício em outro órgão ou entidade dos Poderes da União, dos Estados, ou do Distrito Federal e dos Municípios, nas seguintes hipóteses:
I - para exercício de cargo em comissão ou função de confiança;
II - em casos previstos em leis específicas. (...)
Regulamentando o art. 93 da Lei nº 8.112/1990, o Decreto Federal nº 4.050, de 12 de dezembro de 2001, no inciso I de seu art. 2º, definiu o instituto da requisição nos seguintes termos:
“Art. 1º Para fins deste Decreto considera-se:
I – Requisição: ato irrecusável, que implica a transferência do exercício do servidor ou empregado, sem alteração da lotação no órgão de origem e sem prejuízo da remuneração ou salário permanentes, inclusive encargos sociais, abono pecuniário, gratificação natalina, férias e adicional de um terço”.
Especialmente no tocante à Justiça Eleitoral, existe legislação específica - a Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral) - que conferiu competência aos Tribunais Regionais Eleitorais – TER’s para requisitar servidores federais, sem a necessidade de virem a assumir cargo ou função comissionada, verbis:
Art. 30. Compete, ainda, privativamente, aos Tribunais Regionais:
(...)
XIV - requisitar funcionários da União e, ainda, no Distrito Federal e em cada Estado ou Território, funcionários dos respectivos quadros administrativos, no caso de acúmulo ocasional de serviço de suas Secretarias;
A fim de disciplinar as disposições da supramencionada Lei, foi editada a Resolução nº 23.255, de 29 de abril de 2010, pelo Tribunal Superior Eleitoral – TSE:
Art. 1º Os servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios, dos Municípios e das autarquias podem ser requisitados para prestar serviços à Justiça Eleitoral, com ônus para o órgão de origem, regendo-se o afastamento na forma destas instruções, sempre no interesse da Justiça Eleitoral.
Art. 2º Não podem ser requisitados ocupantes de cargos isolados, de cargos ou empregos técnicos ou científicos, e de quaisquer cargos ou empregos do magistério federal, estadual ou municipal, salvo na hipótese de nomeação para cargo em comissão.
Art. 3º A requisição deve ocorrer dentro da mesma unidade da Federação.
Art. 4º É vedada a requisição de servidor que esteja submetido a sindicância, processo administrativo disciplinar ou em estágio probatório.
Art. 5º Os servidores requisitados para o serviço eleitoral conservam os direitos e vantagens inerentes ao exercício de seus cargos ou empregos.
Parágrafo único. Quando, em virtude de suas funções na Justiça Eleitoral, os servidores requisitados não usufruírem as férias a que têm direito, poderão gozá-las no ano seguinte, acumuladas ou não.
Art. 6º Compete aos tribunais regionais eleitorais requisitar servidores lotados no âmbito de sua jurisdição para auxiliarem os cartórios das zonas eleitorais, observada a correlação entre as atividades desenvolvidas pelo servidor no órgão de origem e aquelas a serem desenvolvidas no serviço eleitoral.
§ 1º Os juízes eleitorais podem, a critério do respectivo tribunal regional, requisitar servidores para auxiliar os cartórios das zonas eleitorais do interior, no âmbito de sua jurisdição, devendo encaminhar ao tribunal regional os dados cadastrais do servidor.
§ 2º As requisições são feitas pelo prazo de um ano, podendo ser prorrogadas a critério dos tribunais regionais, mediante avaliação anual de necessidades, caso a caso.
§ 3º As requisições não podem exceder a um servidor por dez mil ou fração superior a cinco mil eleitores inscritos na zona eleitoral.
§ 4º Nas zonas eleitorais com até dez mil eleitores inscritos, admite-se a requisição de apenas um servidor.
§ 5º O limite quantitativo estabelecido no § 3º deste artigo somente pode ser excedido em casos excepcionais, a juízo do TSE, mediante solicitação dos tribunais regionais, instruída com as justificativas pertinentes.
Art. 7º No caso de acúmulo ocasional de serviço na zona eleitoral podem ser excedidos os limites estabelecidos no art. 6º e requisitados outros servidores, pelo prazo máximo e improrrogável de seis meses, desde que autorizado pelo Tribunal Superior Eleitoral.
§ 1º Esgotado o prazo da requisição, o servidor é desligado automaticamente da Justiça Eleitoral, retornando ao órgão de origem.
§ 2º Na hipótese prevista neste artigo, somente depois de decorrido um ano pode haver nova requisição do mesmo servidor.
Art. 8º Compete aos tribunais eleitorais, por ato de seu presidente, requisitar servidores, quando houver acúmulo ocasional do serviço de sua secretaria.
Parágrafo único. O quantitativo de servidores requisitados não pode exceder a cinco por cento do número de cargos efetivos do quadro de pessoal permanente do tribunal, com lotação na respectiva secretaria.
Art. 9º As requisições para as secretarias dos tribunais eleitorais são feitas por prazo certo, não excedente a um ano.
Parágrafo único. Esgotado o prazo fixado neste artigo, o servidor é desligado automaticamente e deve retornar ao órgão de origem, só podendo ser novamente requisitado após o decurso de um ano.
Com base na Legislação até então colacionada, verifica-se que a natureza da requisição é nitidamente temporária e excepcional. Assim, só se justifica, com fulcro no art. 30, XIV, para fazer face ao acúmulo ocasional de serviço, que geralmente ocorrem em ano eleitoral.
Nessa vereda, não pode a requisição ser utilizada como instrumento para fazer face ao déficit permanente de servidores dos quadros da Justiça Eleitoral ou ainda em substituição a contratação de mão-de-obra terceirizada, como restou verificada a ocorrência em vários Tribunais Regionais Eleitorais do país pelo TCU[2].
A respeito do tema, o Pleno da Corte Federal de Contas assim se manifestou:
“Os institutos da cessão e requisição, por terem caráter nitidamente temporário e de exceção, devem ser utilizados tão somente pelo tempo necessário ao atendimento do interesse público específico e pontual que motivou a requisição, não podendo servir como forma de preenchimento permanente dos quadros funcionais dos órgãos cessionários/requisitantes, cujo cargos devem ser providos por meio de concurso público[3]”.
Consoante registrado no Relatório da Auditoria da 3ª Secretaria de Controle Externo do TCU, que subsidiou o Acórdão TCU nº 199/2011 – Plenário, a alta demanda por servidores requisitados decorre principalmente da insuficiência do quadro funcional para a realização das funções institucionais, sobretudo, em época das eleições. Não obstante, causa perplexo a situação registrada no referido relatório, de que, desde a edição da Lei nº 10.842/2004, já tendo decorrido mais de 8 (oito) anos, o TSE não encaminhou nenhuma proposta de criação de novos cargos, confira-se:
“Achado 5: Morosidade do TSE em encaminhar Projeto de Lei ao Congresso para criação de vagas para as novas Zonas Eleitorais
10.51 Situação Encontrada: desde que entrou em vigor a Lei n. 10.842, em 20/02/2004, o TSE não encaminhou nenhum proposta de criação de vagas para as novas Zonas Eleitorais ao Congresso Nacional, apesar de os Tribunais Regionais Eleitorais terem oficiado ao órgão superior sobre a necessidade da criação de vagas de analistas e técnicos e função comissionada FC-4 e FC-1 para os chefes de cartórios. Segundo informação prestada pela Secretaria de Gestão de Recursos Humanos por meio do ofício n. 3420/GDG (fls. 1024/1025), os Tribunais Regionais Eleitorais vêm encaminhando ao TSE, desde junho de 2004, as suas propostas de criação de cargos efetivos e funções comissionadas. Ainda sobre a matéria, esclarece que tramitou no Congresso Nacional o PL n. 4.533/2004, o qual, por força da Emenda Constitucional n. 45/2004 e Lei n. 11.178/2005, foi encaminhado ao Conselho Nacional de Justiça, que sugeriu seu arquivamento em virtude de desatualização dos dados nele constante. As informações para elaboração de novo anteprojeto de lei encontram-se atualmente consolidadas no Processo Administrativo n. 19.327, da relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, atualmente em análise da Secretaria de Gestão de Pessoas do TSE.
10.52 Critérios: o artigo 96, inciso II, alínea b, da Constituição Federal dispõe sobre a competência privativa dos Tribunais Superiores para criação e a extinção de cargos.
10.53 A Resolução n. 21.832/2004 que regulamentou a Lei n. 10.842/2004 estabeleceu em seu artigo 17 que "O Tribunal Superior Eleitoral promoverá, anualmente, a consolidação de todas as propostas remetidas pelos Regionais relativas à criação de cargos efetivos e funções comissionadas para as chefias dos cartórios das Zonas Eleitorais não contempladas pela Lei n. 10.842/2004, e encaminhará o respectivo anteprojeto de lei ao Congresso Nacional até 31 de dezembro do exercício correspondente."
10.54 Evidências: ofícios encaminhados pelos TRE/DF (fl. 1025), TRE/CE (fl. 975) ao TSE informando sobre a necessidade de criação dos cargos para novos Cartórios Eleitorais. Informação TSE ASPLAN/SGP n. 34 DE 30/07/2009 (fl. 1024)
10.55 Causas: morosidade no trâmite interno do processo administrativo que visa a elaborar a proposta de criação dos novos cargos e funções.
10.56feitos: possível comprometimento da lisura do pleito eleitoral. (...)”
A partir do até então exposto, é evidente que a requisição de servidor prevista pela Lei 6.999/82 deve ser interpretada com moderação, eis que não pode servir de fundamento para inviabilizar o exercício das políticas públicas pelos demais órgãos da Administração.
Outrossim, cumpre consignar que a Lei 6.999/1982 deve ser interpretada dentro do sistema jurídico vigente. Não se mostra compatível uma aplicação radical do poder de requisição a ponto de vulnerar princípios constitucionais relevantes, como o princípio da continuidade do serviço público.
Vale ponderar, ainda, que o instituto da requisição eleitoral, previsto na Lei 6.999/1982, deve ser interpretado conforme o atual texto constitucional, que prevê a obrigatoriedade de concursos públicos para o provimento de cargos da Administração Pública[4].
Assim, sob a luz do princípio constitucional da obrigatoriedade de provimento de cargos por concurso público[5], não mais se mostra compatível com o sistema constitucional a solicitação NOMINAL de servidor para exercício em atividade estranha a de seu concurso. Mais preocupante ainda quando tal requisição se dá em época fora do período eleitoral, não havendo sequer que se falar em eventual incremento sazonal das atividades do órgão requisitante.
Nesse sentido, por pertinência, colaciona-se, abaixo, trecho de Acórdão plenário do Pretório Excelso acerca da questão:
É sabença que, durante um longo período, a Justiça Eleitoral valeu-se de mão-de-obra emprestada. A situação sempre se mostrou excepcional. Já agora, tem-se que, mediante lei, foram criados cargos nos diversos tribunais eleitorais e o que se nota é a resistência no preenchimento respectivo, deixando-se mesmo, em postura nada harmônica com os princípios constitucionais, de convocar os aprovados, projetando-se, com isso, as requisições. [...]
Na Justiça Eleitoral, é hora de se preencher os cargos criados por lei, convocando-se candidatos aprovados em concurso público e, com isso, observando-se o fundamento da República, concernentes à dignidade do homem. Cumpre abandonar a velha prática das requisições, no que viabilizam, até mesmo, procedimentos contrários aos parâmetros que devem reinar no serviço público.
(STF, Plenário, MS 25.198, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ 26.08.2005)[6]
Da leitura do julgado acima reproduzido, constata-se que as críticas do Supremo Tribunal Federal ao instituto da requisição são feitas diante dos excessos cometidos pela Justiça Eleitoral, à revelia do cânone constitucional do concurso público.
III – Requisitos a serem observados quando da efetivação das requisições
A partir dos normativos transcritos no tópico anterior, destacam-se os seguintes requisitos formais-autorizativos para a cessão do servidor que devem ser observados pelos órgãos requisitantes:
a) As requisições deverão se inominadas, impessoais;
b) Nas requisições para Cartórios Eleitorais: deve haver a comprovação do órgão requisitante que a requisição não excede a 1 (um) servidor por 10.000 (dez mil) ou fração superior a 5.000 (cinco mil) eleitores inscritos na Zona Eleitoral. Ou Independentemente dessa proporção prevista admitir-se-á a requisição de 1 (um) servidor;
c) Nas requisições para Secretaria de Tribunal: O quantitativo de servidores requisitados não pode exceder a cinco por cento do número de cargos efetivos do quadro de pessoal permanente do tribunal, com lotação na respectiva secretaria[7].
d) A requisição deve ocorrer dentro da mesma unidade da Federação. Deve ainda incidir sobre servidor lotado na área de jurisdição do respectivo Juízo Eleitoral salvo em casos especiais, a critério do Tribunal Superior Eleitoral (quando deverá haver justificativa)[8].
e) É vedada a requisição de servidor que esteja submetido à sindicância, processo administrativo disciplinar ou em estágio probatório[9];
f) As atividades a serem desenvolvidas pelo servidor no órgão de origem deve ter correlação com aquelas a serem desenvolvidas no serviço eleitoral[10];
g) A requisição não pode se dá para ocupantes de cargos isolados, de cargos ou empregos técnicos ou científicos, e de quaisquer cargos ou empregos do magistério federal, estadual ou municipal, devendo-se recair tão-somente a cargos administrativos[11];
h) A cessão de servidores à Justiça Eleitoral para ocupar cargo em comissão ou exercer função de confiança se dá com base no art. 93, inciso I, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e cessa automaticamente em caso de exoneração ou dispensa[12].
i) À cessão prevista no art. 94-A, inciso II, da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, aplica-se o disposto no art. 7º, caput, Resolução TSE nº 23.255/2010[13].
Ademais, ainda no tocante aos requisitos que deverão ser observados, por pertinência, cabe reproduzir o disposto no art. 2º da Resolução TSE nº 23.255/2010, verbis:
Art. 2º Não podem ser requisitados ocupantes de cargos isolados, de cargos ou empregos técnicos ou científicos, e de quaisquer cargos ou empregos do magistério federal, estadual ou municipal, salvo na hipótese de nomeação para cargo em comissão.
Especialmente no tocante à interpretação do reproduzida norma, verifica-se que o escopo da previsão é justamente impedir que servidores ocupantes de cargos técnicos e científicos sejam requisitados. Assim, claro está que o propósito é que as atividades do órgão requisitado não sejam indevidamente prejudicadas.
III. Prazo inicial e prorrogação de requisições já implementadas
Quanto ao prazo das requisições, observa-se que a Lei nº 6.999, de 7 de junho de 1982, que dispõe sobre a requisição pela Justiça Eleitoral, traz regramentos distintos para os Cartórios Eleitorais e para as Secretarias dos Tribunais Regionais Eleitorais, que assim se resumem:
a) As requisições para cartórios Eleitorais serão feitas pelo prazo de 1 (um) ano, prorrogável[14]. Ademais, as prorrogações serão efetivadas, a critério dos tribunais regionais, mediante avaliação anual de necessidades, caso a caso[15].
b) As requisições para Secretaria de Tribunal Eleitorais são feitas por prazo certo, não excedente a um ano. Esgotado o prazo fixado, o servidor é desligado automaticamente e deve retornar ao órgão de origem, só podendo ser novamente requisitado após o decurso de um ano[16];
Diferentemente das requisições para as Secretarias dos Tribunais Eleitorais, em que a legislação é clara quando veda expressamente qualquer prorrogação, o prazo das requisições para os cartórios eleitorais tem gerado interpretações divergentes. Isso porque tanto a Lei nº 6.999/82, quanto à Resolução do TST nº 23.255/2010, não traz indicação expressa do limite temporal para a respectiva dilação.
Muito embora a legislação seja silente quanto à quantidade de prorrogações, uma interpretação sistêmica de nosso ordenamento jurídico nos permite concluir pela impossibilidade jurídica de se prorrogar indefinidamente as requisições em questão, de modo a perpetuar o vínculo dos servidores cedidos com a Justiça Eleitoral, sob pena de se comprometer os princípios constitucionais da moralidade, da impessoalidade e o da realização de concursos públicos para o preenchimento dos cargos da Justiça Eleitoral.
Nessa vereda, o Tribunal de Contas da União - TCU vem entendendo que a prorrogação da requisição só poderá ser feita uma única vez por igual prazo, confira-se:
REPRESENTAÇÃO. IRREGULARIDADES NA REQUISIÇÃO DE SERVIDORES. DILIGÊNCIAS. PROCEDÊNCIA PARCIAL.
A requisição de servidores públicos pelos Tribunais Eleitorais para exercício nos Cartórios Eleitorais somente pode-se dar pelo período de 1 ano, prorrogável uma única vez por igual prazo[17].
Destarte, além de se corroborar com o transcrito entendimento do TCU, com base em outros diversos julgados da Contas Federal de Contas, bem como na jurisprudência predominante dos diversos tribunais do país, entende-se que, uma vez ultrapassado o lapso temporal da requisição administrativa tratada na Lei nº 6.999/82, deve haver o necessário e automático desligamento do servidor cedido e o conseqüente retorno à repartição de origem, inexistindo direito subjetivo daquele em permanecer no órgão da Justiça Eleitoral.
Neste sentido, reproduzem-se, abaixo, os textos de duas ementas editadas por ocasião do julgamento do Mandado de Segurança nº 25.195/DF, relatado pelo Min. Eros Grau e do Mandado de Segurança nº 25.203/DF, pelo Min. Celso de Mello, ambos do Supremo Tribunal Federal:
MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. INTERESSE PROCESSUAL DO IMPETRANTE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. INOCORRÊNCIA. SERVIDORES REQUISITADOS. LIMITAÇÃO TEMPORAL. ART. 4º DA LEI N. 6.999/82. RESOLUÇÃO N. 21.413 DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. DIREITO ADQUIRIDO. INOCORRÊNCIA. HIERARQUIA ENTRE AS NORMAS.
1. Há interesse processual do servidor público na impetração de mandado de segurança quando o ato do Tribunal de Contas da União afeta diretamente as suas relações jurídicas. Precedente [MS n. 25.209, Relator o Ministro CARLOS BRITTO, DJ 04.03.05].
2. O Tribunal de Contas da União, ao julgar a legalidade da concessão de aposentadoria, exercita o controle externo atribuído pela Constituição, que não está jungido ao contraditório. Precedentes [MS n. 24.784, Relator o Ministro CARLOS VELLOSO, DJ 19.05.04 e RE n. 163.301, Relator o Ministro SEPULVEDA PERTENCE, DJ 28.11.97].
3. A requisição de servidores públicos para serventias eleitorais justifica-se pelo acúmulo ocasional de serviço verificado no órgão cujo quadro funcional não esteja totalmente estruturado ou em número suficiente. Trata-se de procedimento emergencial, que reclama utilização parcimoniosa, sem a finalidade de eternizar o vínculo dos requisitados com o órgão para o qual foram cedidos. Daí a limitação temporal prevista no caput do art. 4º da Lei n. 6.999/82.
4. Por força da hierarquia entre as normas, a Resolução do TSE que prorroga o prazo de requisição de servidores, em divergência com o art. 4º da Lei n. 6.999/82, não pode prevalecer. Não há falar-se, pois, em direito adquirido a permanência do servidor no órgão eleitoral.
5. Segurança denegada.
(STF - MS 25195 / DF - DISTRITO FEDERAL, Relator(a): Min. EROS GRAU, DJ 05/08/2005 PP-00006) [Destacou-se]
JUSTIÇA ELEITORAL - REQUISIÇÃO DE SERVIDORES (LEI Nº 6.999/82) - EFICÁCIA TEMPORAL DESSA REQUISIÇÃO ADMINISTRATIVA - CESSAÇÃO DO AFASTAMENTO DOS SERVIDORES REQUISITADOS, POR EFEITO DA SUPERAÇÃO DO PRAZO LEGAL - NECESSÁRIO E AUTOMÁTICO DESLIGAMENTO DO SERVIDOR CEDIDO, COM A SUA CONSEQÜENTE DEVOLUÇÃO À REPARTIÇÃO DE ORIGEM - INEXISTÊNCIA, EM TAL SITUAÇÃO, QUANTO AO SERVIDOR REQUISITADO, DE DIREITO SUBJETIVO À PERMANÊNCIA NO ÓRGÃO ELEITORAL REQUISITANTE - CORRETA DELIBERAÇÃO ADOTADA PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, COM APOIO EM COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL QUE LHE CONFERE A PRERROGATIVA DE EXERCER A FISCALIZAÇÃO EXTERNA DOS PODERES DA REPÚBLICA (CF, ARTS. 70 E 71) - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DO PODER CONSTITUCIONAL DE CONTROLE EXTERNO DEFERIDO, INSTITUCIONALMENTE, AOS TRIBUNAIS DE CONTAS - PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - MANDADO DE SEGURANÇA DENEGADO.
(STF - MS 25203 / DF - DISTRITO FEDERAL, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, DJ 09-09-2005 PP-00035) [Destacou-se]
Em suma, uma vez esgotado o prazo, inquestionável a necessidade do retorno o mais breve possível do servidor cedido, que deve ser providenciada de imediato pela unidade de Gestão de Pessoas do órgão/entidade onde ele estiver lotado, junto ao setor responsável pelos servidores (RH) do Tribunal ou Cartório Eleitoral, dando estrito cumprimento à lei.
Cumpre ressaltar, quanto ao momento a ser efetivado o desligamento do servidor e retorno ao exercício de suas funções no órgão de origem que, apesar de o Ofício-Circular nº 03/SRH/MP de 02/05/2005, informar que os servidores requisitados “poderão” permanecer em exercício até definição da Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento - CONJUR/MP, esta, segundo uma interpretação teleológica, não parece ser a solução adotada na legislação de regência e nem mesmo no entendimento do STF. Com efeito, como se vê no acórdão acima referenciado, findo o prazo da requisição, há que se efetivar o “NECESSÁRIO E AUTOMÁTICO DESLIGAMENTO DO SERVIDOR CEDIDO, COM A SUA CONSEQÜENTE DEVOLUÇÃO À REPARTIÇÃO DE ORIGEM”.
Neste passo, caso o prazo da cessão já tenha se expirado, entende-se que deve a autoridade administrativa promover o retorno do servidor, não sendo necessário que se aguarde um posicionamento da CONJUR do Ministério do Planejamento, posto que não há vinculação legal a tal entendimento, e o próprio ofício circular, expedido há mais de doze anos, abre a possibilidade desse retorno quando utiliza a expressão “poderão”, deixando tal decisão ao crivo do gestor de cada entidade.
Diante da relevância do tema, vale destacar, ainda, que o TCU se pronunciou sobre o uso abusivo do instituto da requisição e das posteriores prorrogações realizadas pelos TRE’s, em detrimento dos princípios constitucionais anteriormente suscitados, por meio do histórico Acórdão nº 199/2011 (texto na íntegra em anexo), do qual transcreve-se o seguinte:
“(...)
18. (...) Por lado, cumpre esclarecer que a requisição de servidores de outros órgãos, como previsto no artigo 30, XII e XIV, do Código Eleitoral, é destinada para suprimir o acúmulo de serviço ocasional, seja nas Zonas Eleitorais ou nas Secretarias, sendo evidente que esse fato deve ocorrer de forma excepcional e temporária.
(...)
Verifica-se, portanto, da simples leitura das regras reproduzidas que o estabelecido por este Conselho, no bojo da Resolução n. 88/2009-CNJ, no que tange ao limite percentual para requisição de serventuários por parte da Justiça Eleitoral, guarda correspondência com a legislação Especial relativa à matéria, o que, repito, já assentado pelo Plenário desta Corte.
19. Dessarte, passada a fase crítica das eleições gerais de 2010, não há que se falar em excessos de demanda no âmbito dos Tribunais Regionais Eleitorais que justifique excepcional ampliação dos prazos de requisição de servidores, de tal forma que devem ser cumpridos os termos da Lei n. 6.999/1982.
(...)
21. Considero, portanto, que dar total liberdade aos Tribunais Regionais Eleitorais sem definir os períodos máximos de requisição de cada servidor é desvirtuar a vontade do legislador.
22. Ademais, há que se considerar que a manutenção de requisições por prazos indeterminados pode ser interpretada como inobservância à realização de concursos públicos para preenchimento de cargos na justiça eleitoral, em comprometimento aos princípios constitucionais da moralidade e impessoalidade.
(...)
8. Especificamente sobre as requisições de servidores para cartório eleitoral, cuja legislação tem gerado interpretações divergentes, uma vez que é permitida pelo prazo de um ano e prorrogável, nos termos do art. 2º, § 1º, da Lei n. 6.999/1982, ainda que sem expressa indicação do limite temporal para a respectiva dilação, este Tribunal tem considerado inadmissível, por ter caráter restritivo, que tais prorrogações sejam promovidas indefinidamente ao longo do tempo, de forma a perpetuar o vínculo dos servidores requisitados com a Justiça Eleitoral.
9. O verdadeiro espírito da Lei n. 6.999/1982 é evitar que se eternize o vínculo dos servidores requisitados com a Justiça Eleitoral. Insistir nas prorrogações sem limites de tempo constitui prática inapropriada e que desconsidera os princípios constitucionais da legalidade e da impessoalidade, bem como a consagrada regra, também de estatura constitucional, da obrigatoriedade de prévio concurso público para preenchimento de cargos.
10. O caráter restritivo na interpretação das disposições do art. 2º, § 1º, da Lei n. 6.999/1982 não constitui inovação, tampouco se mostra desarrazoada a exegese de que a
prorrogação da requisição de servidor para cartório eleitoral seja feita apenas por uma única vez e, obviamente, pelo prazo máximo de um ano, conforme precedente acima mencionado. Essa regra tem uma finalidade específica: evitar permanência ininterrupta do servidor requisitado nos tribunais regionais eleitorais.
11. O art. 6º, § 2º, da Resolução/TSE n. 23.255/2010 – ao dispor que as requisições são feitas pelo prazo de um ano, podendo ser prorrogadas a critério dos tribunais regionais, mediante avaliação anual de necessidades, caso a caso – não legitima interpretação no sentido de expressa autorização para quantidade ilimitada de prorrogações. Caso contrário, haveria comprometimento da eficácia da regra constitucional do concurso público. Portanto, também na requisição para cartório eleitoral há limite na prorrogação.
12. A esse respeito, cumpre ressaltar os registros da 3ª Secex, no subitem 10.12 do Relatório de Auditoria, no sentido de que não há um levantamento sobre o número ideal de servidores para atender as demandas da justiça eleitoral, sendo que as autorizações relativas a pedidos de requisição de pessoal são tomadas sem dados objetivos sobre a real necessidade da manutenção dos servidores já requisitados. Conforme descrito, os Tribunais Regionais Eleitorais não encaminham regularmente informações à Secretaria de Recursos Humanos do Tribunal Superior Eleitoral com a avaliação sobre a necessidade de permanência dos servidores requisitados, com a indicação da função e das atividades desenvolvidas por eles, como preceitua o parágrafo único do artigo 13 da Lei n. 8.868/1994.
13. Chama a atenção, a propósito das informações relacionadas às datas de efetivo exercício dos servidores atualmente requisitados (subitem 10.2 do Relatório de Auditoria), a indicação de que 25% dos servidores requisitados estão fora dos seus órgãos de origem há mais de 10 anos, 66% há mais de 2 anos e apenas 20% estão requisitados há menos de um ano, demonstrando que mais de 60% dos servidores requisitados na Justiça Eleitoral estão
(...)
Acórdão
VISTOS, relatados, discutidos estes autos do Relatório da Auditoria da Conformidade realizada pela 3ª Secex no Acre, Alagoas, Amazonas, Amapá, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe e Tocantins.
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, ante as razões expostas pelo relator, em:
9.1. determinar aos Tribunais Regionais Eleitorais do Acre, Alagoas, Amazonas, Amapá, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraná, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe e Tocantins que:
9.1.1. encaminhem a este TCU, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, plano de ação que contemple a devolução aos órgãos de origem dos servidores cujas requisições contrariem os arts. 2º, 3º, e 4º da Lei n. 6.999/1982, bem como a adequação do percentual de serventuários requisitados ou cedidos de outros órgãos às disposições do art. 3º da Resolução do Conselho Nacional de Justiça n. 88/2009;
9.1.2. façam constar dos processos de requisição de pessoal justificativa acerca das necessidades enfrentadas pelo cartório eleitoral, bem como a relação entre as atividades desenvolvidas pelo servidor no órgão de origem e aquelas a serem desempenhadas no serviço eleitoral, assim como o período necessário para realizar a atividade, caso assim não o façam;
9.1.3. adotem medidas no sentido de que as requisições de servidores para atuarem nos cartórios eleitorais e nas secretarias dos Tribunais Regionais Eleitorais sejam feitas em caráter temporário, com prazo previamente determinado e sem identificação nominal dos servidor, em observância aos princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade, deixando a cargo do órgão ou entidade cedente a escolha, entre aqueles que atendam os requisitos para o desempenho das atividades pretendidas pelo requisitante, do servidor a ser cedido à Justiça eleitoral; [Destacou-se]
A propósito, ainda no tocante aos limites que deverão ser observados, o Conselho Nacional de Justiça - CNJ editou a Resolução nº 88, de 08 de setembro de 2009, que em seu artigo 3º assim prevê:
Art. 3º O limite de servidores requisitados ou cedidos de órgãos não pertencentes ao Poder Judiciário é de 20% (vinte por cento do total do quadro de cada tribunal, salvo se a legislação local ou especial disciplinar a matéria de modo diverso.
§ 1º Os servidores requisitados ou cedidos deverão ser substituídos por servidores do quadro, no prazo máximo de 4 (quatro) anos, na proporção mínima de 20% (vinte por cento) por ano, até que se atinja o limite previsto no caput deste artigo.
§ 2º O disposto no parágrafo anterior não se aplica aos órgãos em relação aos quais este Conselho, em análise concreta, já determinou a devolução dos requisitados ou cedidos. [Destacou-se]
Em arremate, com base no §3º do art. 93 da Lei nº 8.112/1990, verifica-se que a requisição se aperfeiçoa com a publicação da respectiva portaria no Diário Oficial da União – DOU, in verbis:
Do Afastamento para Servir a Outro Órgão ou Entidade
Art. 93. O servidor poderá ser cedido para ter exercício em outro órgão ou entidade dos Poderes da União, dos Estados, ou do Distrito Federal e dos Municípios, nas seguintes hipóteses: (Redação dada pela Lei nº 8.270, de 17.12.91) (Regulamento) (Vide Decreto nº 4.493, de 3.12.2002) (Regulamento)
I - para exercício de cargo em comissão ou função de confiança; (Redação dada pela Lei nº 8.270, de 17.12.91)
II - em casos previstos em leis específicas.(Redação dada pela Lei nº 8.270, de 17.12.91)
(...)
§ 3o A cessão far-se-á mediante Portaria publicada no Diário Oficial da União. (Redação dada pela Lei nº 8.270, de 17.12.91) (...)” [Destacou-se]
Constata-se, portanto, que o ato de requisição está condicionado a um ato administrativo ordinatório – Portaria – publicado no DOU.
Cumpre registrar que a Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento - então Secretaria de Gestão Pública (SEGEP), com a finalidade de dirimir dúvidas sobre a publicação das portarias, emitiu o Ofício nº 93/2002-CONGLE/SRH/MP[18], de 18 de abril de 2002, onde esclarece que a cessão[19] do servidor só se opera com a publicação da Portaria respectiva, sem a qual o ato de cessão é inexistente.
Ademais, também em decorrência do cânone da legalidade, não há possibilidade jurídica de se conferir efeitos retroativos à cessão de servidores da Administração Pública Federal. Isso porque a exceção do alcance de fatos pretéritos somente se admite quando a lei, de forma expressa, o estatui, ou é pertinente à natureza do regramento da matéria, o que não é o caso da previsão constante no art. 93, II, da Lei nº 8.112/1990.
IV – Instrução dos processos de requisição oriundos da Justiça Eleitoral
A partir dos normativos anteriormente transcritos, que estabelecem os requisitos que legitimam as requisições ora tratadas, e também das recomendações acima delineadas da Corte Federal de Contas - TCU resume-se, abaixo, os requisitos indispensáveis que devem ser observados nas requisições de servidores, oriundas da Justiça Eleitoral:
a) justificativa acerca das necessidades enfrentadas pelo cartório eleitoral, que demonstrem a real necessidade do pedido;
b) indicação das atividades que serão desenvolvidas pelo servidor, para verificação da compatibilidade;
c) indicação do perfil do profissional necessário para o exercício das atribuições (nível de escolaridade, experiência profissional e outros);
d) demonstração da observância ao limite legal de número servidores requisitados por eleitores inscritos, bem como do limite máximo de servidores cedidos e/ou requisitados, nos termos do art. 3º da Resolução CNJ nº 88, de 2009, que em seu artigo 3º prevê:
e) indicação do período necessário para realizar as atividades ocasionalmente acumuladas; e
f) a impessoalidade das requisições, ou seja, que elas sejam inominadas, a fim de que o gestor possa escolher o servidor mais habilitado.
Especialmente quanto ao prazo, com base em diversos pedidos de prorrogação de cessões e requisições já examinadas pela autora, percebeu-se que, em muitos casos, como as atribuições dos órgãos de Gestão de Pessoas ou Recursos Humanos não estão elencadas de forma clara em um normativo interno das entidades, muitos servidores continuam em exercício nos órgãos cessionários, mesmo após expirado o período de sua cessão/requisição, e não são adotadas prontas providências visando o retorno imediato dos mesmos.
Assim, uma medida recomendável seria a edição de um normativo interno, capaz de disciplinar os procedimentos necessários para exigir dos órgãos da justiça eleitoral requisitante o cumprimento das recomendações acima suscitadas.
V. Ilegalidade de prisão em virtude de recusa de liberação
Com base nos princípios anteriormente delineados[20] e, em especial, no princípio da continuidade do serviço público, caso o gestor entenda pela impossibilidade de atendimento de pedido concreto de requisição, sob o fundamento de que a saída do servidor poderá comprometer ou inviabilizar o exercício das políticas públicas afetas ao seu órgão de origem, cumpre adiantar que tal recusa não poderá ensejar a ameaça de prisão em flagrante por crime de desobediência.
Em apertada síntese, é possível afirmar que não cabe à autoridade judiciária eleitoral expedir ordem de prisão ou, ainda, ameaçar expedi-la, com fulcro em crime de desobediência, nos casos de recusa de liberação de servidor, com base nos seguintes fundamentos:
· Salvo quanto ao devedor de alimentos, não é possível a expedição de ordem de prisão pelo juízo no exercício de jurisdição cível;
· Não cabe à autoridade judiciária eleitoral expedir ordem de prisão em hipóteses penais que não configurem crimes eleitorais, como o caso do crime de desobediência;
· Não é cabível prisão em flagrante em crime de desobediência, por ser infração de menor potencial ofensivo;
· O servidor público não pode ser sujeito ativo do crime de desobediência;
· Quando a efetivação da requisição coloca em risco a continuidade do serviço público estar-se diante de hipótese de inexigibilidade de conduta adversa; e
· A requisição prevista na Lei nº 6.999/82 deve ser interpretada conforme a Constituição da República de 1988, não podendo tal instituto ser usado para ferir a independência e harmonia entre os poderes ou vulnerar o princípio da obrigatoriedade do concurso público.
Em arremate, evidencia-se que o ato de requisição de servidor trata-se, na verdade, de um exercício da atividade administrativa do órgão Eleitoral. Já a ameaça ou a decretação da medida prisional é uma medida de violência excepcional ao direito de liberdade do indivíduo. Assim, somente se justifica quando determinada no exercício da jurisdição penal.
Destarte, caso venha a ser decretada a prisão, em virtude da recusa de atendimento da requisição de servidor, tal conduta refletirá evidente abuso de poder, que poderá ser combatido pelo writ do habeas corpus.
Nesse sentido, compartilha-se notícia publicada no site da Advocacia Geral da União (AGU), que possui por manchete: “AGU demonstra que é ilegal a prisão de servidor do Ibama por não acatar pedido de cessão de funcionário requisitado pelo TRE/MS”[21]. Abaixo seguem alguns trechos da matéria veiculada (anexo):
“(...)
Os procuradores sustentaram que, além de não ser possível a expedição de ordem de prisão por desembargador no exercício de atividade cível ou administrativa. Não cabe à autoridade judiciária eleitoral expedir ordem de prisão em hipótese que não configure crime eleitoral.
(...)
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça concordou com o entendimento apresentado pela AGU e sinalizou que o juiz, no exercício de atividade administrativa, não pode determinar a prisão de ninguém.
A Corte entendeu que a não apresentação da servidora requisitada não configura motivo para a prisão do gestor do Ibama. De acordo com a relatora, ministra Laurita Vaz, “basta dizer que a ilustre autoridade coatora, no exercício de atividade eminentemente administrativa, não detém competência para determinar a prisão de quem quer que seja, muito menos pelos motivos declinados”.
Por derradeiro, entende-se que cabe ao órgão cedente zelar pela regularidade da situação funcional do servidor integrante do seu quadro de pessoal, e, estando ele cedido, cumpre-lhe exercer um controle efetivo sobre o prazo de vigência da cessão, a frequência no órgão cessionário, e que eventuais prorrogações sejam efetuadas antes do termo final da cessão.
VI. Conclusão:
Face o exposto, constatou-se que a natureza da requisição é nitidamente temporária e excepcional, assim, deve ser obrigatoriamente pautada no interesse público e nos princípios da moralidade e impessoalidade.
Neste sentido, com base nos fundamentos anteriormente delineados, foi possível conclui que a requisição de servidor prevista pela Lei nº 6.999/1982 deve ser interpretada com moderação. Assim, não se mostra compatível uma aplicação radical do poder de requisição a ponto de vulnerar princípios constitucionais relevantes, como o da princípio da continuidade do serviço público.
Percebeu-se que foge da mens legis da Resolução nº 23.255/2010 e da Lei nº 6.999/82, que este tipo de requisição seja utilizada de forma personalizada, solicitando-se nominalmente servidores específicos. Tal tipo de ato fere o Princípio Constitucional da impessoalidade e acaba por demonstrar verdadeiro desvio de finalidade.
Entendeu-se, ainda, pela necessidade de observância dos requisitos formais-autorizativos para efetivação das requisições em questão, legalmente disciplinados[22], que foram destacados no item III[23] desta manifestação.
Especialmente quanto ao prazo das requisições, verificou-se que:
a) As requisições para cartórios Eleitorais podem ser feitas pelo prazo de 1 (um) ano, prorrogável uma única vez por igual período, consoante entendimento do TCU;
b) As requisições para Secretaria de Tribunal Eleitorais são feitas por prazo certo, não excedente a um ano. Esgotado o prazo fixado, o servidor é desligado automaticamente e deve retornar ao órgão de origem, só podendo ser novamente requisitado após o decurso de um ano;
c) uma vez esgotado o lapso temporal da requisição administrativa, tratada na Lei nº 6.999/1982, inquestionável a necessidade do retorno do servidor cedido, que deve ser providenciada de imediato pela unidade de Gestão de Pessoas/Recursos Humanos onde ele estiver lotado;
No tocante à formalização da requisição, com base no §3º do art. 93 da Lei nº 8.112/1990, concluiu-se que a mesma se aperfeiçoa com a publicação da respectiva portaria no DOU. Assim, sob a luz do cânone da legalidade, não há possibilidade jurídica de se conferir efeitos retroativos à cessão de servidores da Administração Pública Federal.
Por derradeiro, concluiu-se que a recusa da liberação de um dado servidor, sob o fundamento de que sua saída poderá comprometer ou inviabilizar o exercício das políticas públicas afeta ao órgão cedente, não poderá ensejar a ameaça de prisão em flagrante por crime de desobediência.
[1] Acórdão TCU nº 199/2011 - Plenário
[2] Acórdão TCU nº 199/2011 - Plenário
[3] Acórdão TCU nº 1.571/2008 - Plenário
[4] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
[6] Com o mesmo teor: STF, Plenário, MS 25.206, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ 02.09.2005.
[7] art. 8º e parágrafo único da Resolução TSE nº 23.255/2010.
[8] art. 3º Resolução TSE nº 23.255/2010.
[9] art. 4º Resolução TSE nº 23.255/2010.
[10] art. 6º da Lei nº 6.999/1982.
[11] Decisão 445/2000 – Plenário, Ministro Relator BENJAMIN ZYMLER, DOU de 07/06/2000
[12] Art. 10 TSE nº 23.255/2010.
[13] art. 10º, p.u., da Resolução TSE nº 23.255/2010.
[14] Art. 1º, §1º, da Lei nº 6.999/1982.
[15] Art. 6º, §2º, Resolução TSE nº 23.255/2010.
[16] art. 9º, parágrafo único, da Resolução TSE nº 23.255/2010.
[17] Acórdão nº 116/2009 Plenário do TCU
[18] Disponível em: https://conlegis.planejamento.gov.br/conlegis/legislacao/atoNormativoDetalhesPub.htm?id=4347
[19] O termo “cessão” é compreendido aqui em seu sentido lato englobando, assim, as requisições e cessões propriamente ditas.
[20] da impessoalidade, da moralidade, da razoabilidade e da obrigatoriedade de provimento de cargos por concursos públicos.
[21] Disponível em: http://www.agu.gov.br/sistemas/site/TemplateTexto.aspx?idConteudo=167581&id_site=3. Acesso em: 05.junho.2013.
[22] Lei nº 8.112/90; Lei nº 4.737/65; Lei nº 6.999/82; Decreto nº 4.050/01; e Resolução TSE nº 23.255/2010;
[23] III. Requisitos a serem observados quando da efetivação das requisições
Procuradora Federal desde 2007, atuou na Consultoria Jurídica do Ministério do Trabalho - MTE como Coordenadora de Licitações, Contratos e Convênios; foi Subprocuradora Chefe do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília - IFB e também Procuradora Chefe do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca - DNOCS. Graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR e pós-graduada em Direito Público pela Universidade de Brasília - UNB, atualmente exerce suas atribuições na direção central da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS, órgão da Advocacia Geral da União - AGU.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: INGRID PEQUENO Sá GIRãO, . Argumentos contrários à requisição de servidores pela Justiça Eleitoral Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jun 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35466/argumentos-contrarios-a-requisicao-de-servidores-pela-justica-eleitoral. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: SABRINA GONÇALVES RODRIGUES
Por: DANIELA ALAÍNE SILVA NOGUEIRA
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