RESUMO: Objetiva-se neste artigo dar noções básicas sobre a interpretação kelseniana, principalmente destacando as dicotomias utilizadas e que levam às diferenças entre os intérpretes autênticos e não-autênticos, consideradas essenciais à interpretação para o Autor.
Palavras-chave: Teoria Pura do Direito. Interpretação. Intérprete autêntico e não-autêntico.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. Interpretação Na Teoria Pura Do Direito: Breves Considerações. CONCLUSÕES. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
INTRODUÇÃO
Hans Kelsen quando se propõe a estudar o Direito em sua pureza, quer excluir de sua teoria, tudo aquilo que não pertença ao objeto Direito.
Para isso ele elabora diversas dicotomias, que são retomadas no Capítulo VIII sobre “A interpretação”[1] o que faz dele um tópico de fechamento e coerente com tudo que tratou em sua Obra.
Dentre as distinções tensionadas temos a separação entre Direito e Ciência do Direito; a dicotomia entre norma jurídica versus proposição jurídica; ato de conhecimento e ato de decisão; a própria classificação entre intepretação em autêntica e não-autêntica. Abordaremos cada uma delas, não necessariamente nessa ordem.
Interpretação na Teoria Pura no Direito: Breves considerações
Kelsen diz que a interpretação é a fixação do sentido e que esse processo mental pode ser realizado: 1) pelo órgão credenciado pelo Direito; 2) pelo indivíduo que deve observar a conduta prescrita na norma, e; 3) pelo cientista do Direito que vai descrevê-lo.
Mantendo as categorias adotadas, o Autor informa que, apesar de a interpretação ser ato de realização por “todos”, a aplicação do Direito, que se dá dentro do processo de positivação das normas e partir da qual se cria o Direito[2], trata-se de papel exclusivo do órgão jurídico. Por isso a dinâmica de sacar das normas gerais e abstratas as individuais e concretas, consubstancia-se propriamente, na interpretação autêntica, ou seja, aquela efetivada pelos indivíduos eleitos pelo sistema jurídico. Noutros termos: realizada de uma perspectiva interna do Direito.
Aos indivíduos que observam ou praticam as condutas exigidas pelas normas e aos cientistas jurídicos que as descrevem denominam-se intérpretes não-autênticos, pois são considerados como observadores dos acontecimentos, já que se encontram fora do Direito.
Sendo assim, concebendo-se o Direito como uma ordem normativa, ele só é criado pelo intérprete autêntico e, o objeto da Ciência do Direito é a norma jurídica.
As normas jurídicas, portanto, que compõem o Direito positivo, são a linguagem-objeto da Ciência do Direito que, por sua vez, opera com uma metalinguagem (linguagem que fala de outra linguagem) descrevendo-a, interpretando e emitindo proposições.
Nessa senda, importante tensionar a dicotomia entre norma jurídica e proposição jurídica. O aplicador do Direito que é o intérprete autêntico faz norma jurídica e o cientista, por sua vez, emiti proposições jurídicas sobre elas.
O cientista realizará uma interpretação normativa das condutas prescritivas pela norma. Descrevendo as condutas realizadas pelo aplicador, bem como as que deverão ser realizadas, estabelecendo, também, as relações que surgem entre os fatos por essas normas determinadas. Ao fazer isso elabora proposições jurídicas, que se distinguem das normas jurídicas.
Aquele processo de positivação ou de interpretação-autêntica, na visão de Kelsen, não é decorrente de ato de conhecimento e sim, de um ato político, ato de decisão.
Por outro lado, a interpretação realizada pela Ciência jurídica é puro ato de conhecimento, de determinação do sentido das normas, não sendo, portanto, ato de criação do Direito. O que a Ciência jurídica deve faze é indicar as possíveis significações de uma norma jurídica, ou seja, informar todas as possibilidades de interpretação que estão dentro da moldura estabelecida pela norma geral, sem se posicionar a respeito do que se entenda como correto, ou justo.
Não cabe ao cientista tomar decisão alguma. Afirma Kelsen que, quando um advogado ou escritor descrevem qual seria a possibilidade correta a ser utilizada pelo aplicador do Direito, visando a exercer influência sobre a criação, não estão fazendo Ciência e sim, agindo com função política.
Nesse contexto, aspecto importante a se considerar é a diferença entre ato de conhecimento e ato de decisão.
A partir do fato de que é possível haver várias fixações de sentido das normas jurídicas, verifica-se a indeterminação inerente aos atos de aplicação do Direito, seja porque a norma geral não traz todos os elementos capazes de exercer a completa determinação durante o ato de aplicação; seja porque a indeterminação é intencional (quando estabelecida de propósito pela norma geral), ou; seja quando decorre apenas da plurissignificação das palavras, das expressões contidas na norma. Esse problema, ratifica Kelsen, só poderá ser sanado ser sanado por meio da interpretação autêntica, da expedição dos atos de vontade, ou dos atos de decisão exercidos pelos órgãos credenciados pelo sistema jurídico.
Isso revela, na função jurisdicional, o aspecto criativo dos Tribunais, que diante das possibilidades fornecidas pela norma geral, escolha uma delas, crie Direito novo a partir da aplicação.
Nota-se que a diferença entre a função do conhecimento e a função da autoridade jurídica para a aplicação do Direito, que é a produção. Nesta o conhecimento é visto apenas como um ato de preparação da decisão, contudo não é essencial. Isso não quer dizer que o autor entenda que não seja importante, mas não é imprescindível.
A Ciência do Direito, enquanto faz uma leitura de fora do Direito, tem o objetivo de relatá-lo com base do conhecimento, na racionalidade.
As normas jurídicas, portanto, estarão sujeitas às contradições, ao passo que a Ciência não. Ela deve estar isenta delas, por isso que, aquelas são qualificadas como válidas ou não-válidas e que às proposições jurídicas, resultado do esforço científico, como verdadeiras ou falsas.
Privilegiando a forma ao conteúdo é que Kelsen dá o poder de fixação do conteúdo aos aplicadores do Direito e, da tensão de uma dicotomia, decorre a outra, sempre fundamental para a separação que elabora entre o mundo do ser e o mundo do dever ser. Sendo este orientado pelo princípio da imputação, dotado de atos de sanção, estabelecendo mais dicotomias para se diferenciar do mundo do ser, que seria causal e sem sanção institucionalizada (tomando-se como comparação outros sistemas normativos).
Considerando que a indeterminação das normas e dos fatos é algo inafastável da experiência jurídica, a decisão, portanto, só se dá se estivermos diante de alternativas. Por isso que não há que se exigir daquele que exerce o ato de interpretação que forneça um método que leve a uma única solução correta. Ocorre que, além de isso ser ato de conhecimento, o que é irrelevante para Kelsen no processo de aplicação, torna-se incompatível com o processo decisório que exige apenas alternativas para o exercício da escolha.
Todavia, há que se ressaltar que, não é o fato em si que interessa à ordem jurídica, como pressuposto da norma, mas o fato escolhido pelo órgão competente. Ele até pode ser objeto de recurso, mas dada a finitude do sistema jurídico, em algum momento, a última decisão judicial transitada em julgado deverá fazer com que o fato seja aceito, não importando o que tenha ocorrido de verdade no mundo do ser, importando o que foi colhido, determinado pelo ordenamento jurídico.
Diante do exposto, o Tribunal, exercendo sua atividade criadora do Direito, edita normas jurídicas na medida em que escolhe dentre as possibilidades das normas gerais a que mais propriamente se enquadre com o fato, realizando a movimentação das normas, interpretando, caracterizando a dinâmica do sistema.
Teremos aqui, portanto, uma nova norma posta, que se torna objeto do estudo da Ciência do Direito. Essa, por sua vez, deverá descrever esse objeto, nos termos que já foi explicado, elaborando uma metalinguagem rigorosa, isenta de contradições e passível de ser falsa ou verdadeira. Essa descrição deverá ser imparcial, se bem que contexto e cultura sempre influenciam na interpretação (isso é interpretação não-autêntica), mas, na medida do possível, não deverá conter expresso a opinião do cientista, por isso, segundo Kelsen, se acontecer, não seria Ciência e sim, política.
A proposição jurídica expedida sobre essa norma individual não poderá dizer que se o indivíduo realizou o determinado fato, deve ser-lhe aplicada a sanção, mas dizer apenas que: se o Tribunal competente, num processo determinado pela ordem jurídica, verificou, com força desse julgado, que determinado indivíduo praticou aquela fato, o Tribunal deve mandar aplicar a esse indivíduo determinada sanção.
Portanto, o que faz o cientista do Direito, enquanto um observador externo ao Direito positivo é descrever as normas, normas essas que, no caso das individuais e concretas, já contém os fatos determinados pelo Tribunal e que, por isso, já compõem a norma, podendo dizer que o cientista, por isso, não descreve fatos e sim, as normas. Não caberá a ele informar se a subsunção realizada do fato à normas está correta ou incorreta, justa ou injusta, a ele caberá apenas dizer o que na norma está posto, isto é, descrever seu objeto, sem nele interferir.
CONCLUSÕES
Das dicotomias entre mundo do ser e mundo do dever ser; Direito e Ciência do direito; norma jurídica e proposição; ato de decisão e ato de conhecimento, em se tratando de interpretação, Kelsen coloca no primeiro grupo de cada uma dessas oposições o intérprete autêntico, a quem cabe decidir e, portanto, criar o Direito.
Os intérpretes não-autênticos, divididos em dois: aqueles que devem cumprir as determinações das normas a ele dirigidas e aqueles que se propõem a descrever o Direito, que são os cientistas. Àqueles, ainda que efetuem a fixação de sentido, não é exigido o conhecimento do Direito, ao passo que do cientista isso é premissa, para poderem falar sobre o Direito, sobre as decisões de maneira coerente. Importante, contudo, que esse falar deve ser imparcial, sob pena de deixar de exercer a Ciência do direito, passando a fazer política.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
CAMPILONGO, Celso. Anotações aula mestrado. São Paulo: PUC/SP, 2005.
[1] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 387-397.
[2] Interpretar é igual a aplicar que é igual a criar.
Doutoranda, Mestre e Especialista em Direito Tributário pela PUC/SP. Professora da Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Consultora Jurídica em São Paulo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANJOS, Rubya Floriani dos. Interpretação na teoria pura do direito: breves considerações Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 jun 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35729/interpretacao-na-teoria-pura-do-direito-breves-consideracoes. Acesso em: 22 dez 2024.
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