RESUMO: O artigo refere-se à inelegibilidade gerada em decorrência dos atos de improbidade administrativa, conforme previsto na Lei Complementar 64/90, com a redação dada pela Lei Complementar 135/2010 (Lei da Ficha-Limpa).
Palavras-chave: improbidade; administrativa; inelegibilidade.
1. INTRODUÇÃO
A Lei Complementar 135/2010 trouxe diversas modificações às causas de inelegibilidade e dentre elas está a improbidade administrativa, a desonestidade no tratamento da coisa pública por parte dos gestores e demais funcionários públicos, disciplinada pela Lei 8.429/92.
Neste caso, busca-se analisar os atos de improbidade administrativa que podem ensejar a inelegibilidade, impedindo que o cidadão possa exercer a capacidade eleitoral passiva, retirando a aptidão para o recebimento de votos e, por consequência, para o desempenho de mandato político.
2. A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
A Constituição Federal de 1988 trouxe a previsão no art. 37, caput, dos deveres de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (inserido pela EC 19/98).
Portanto, o Poder Constituinte Originário determinou que os agentes públicos procedam com moralidade. Parte da doutrina critica tal previsão dizendo que é um absurdo pensar de forma contrária, o que seria uma expressão desnecessária.
No entanto, diante de tantos atos imorais por parte dos agentes públicos constata-se que ainda se trata de uma previsão necessária diante do nível de evolução no trato da coisa pública no Brasil.
Ressalte-se que há divergência doutrinária sobre moralidade administrativa e probidade administrativa serem expressões sinônimas, mas prepondera que a probidade possui sentido mais amplo, uma vez que abarca na Lei 8.429/92 os atos imorais e os atos ilegais. Neste sentido, as precisas lições da Professora Maria Sylvia Zanella di Pietro:
Comparando moralidade e probidade, pode-se afirmar que, como princípios, significam praticamente a mesma coisa, embora algumas leis façam referência às duas separadamente, do mesmo modo que há referência aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade como princípios diversos, quando este último é apenas um aspecto do primeiro.
No entanto, quando se fala em improbidade como ato ilícito, como infração sancionada pelo ordenamento jurídico, deixa de haver sinonímia entre as expressões improbidade e imoralidade, porque aquela tem um sentido muito mais amplo e muito mais preciso, que abrange não só atos desonestos ou imorais, mas também e principalmente atos ilegais. Na lei de improbidade administrativa (Lei nº 8.429, de 2-6-92), a lesão à moralidade administrativa é apenas uma das inúmeras hipóteses de atos de improbidade previstos em lei.1
Neste mesmo sentido, Cléber Masson e Adriano e Landolfo Andrade acrescentam o raciocínio de que um agente público que, através de conduta culposa, causa dano ao erário não comete um ato imoral, porém pratica uma conduta ímproba:
Se um agente público causar dano ao erário, mediante ação culposa, por exemplo, não estará presente o componente moral, mas responderá ele pela prática de ato de improbidade administrativa, porquanto sua conduta se amolda ao tipo legal previsto no art. 10 da LIA. Nesse particular, importa registrar que a LIA está em perfeita sintonia com a tendência internacional, na medida em que consagra mecanismos de repressão aos atos culposos e dolosos.2
Os autores por meio deste raciocínio buscam fundamentar a posição de que a probidade é mais ampla do que a moralidade administrativa.
Ademais, a existência do Estado de Direito está relacionada com a obrigação do gestor público de prestar contas e dar publicidade aos seus atos. Além disso, num Estado Democrático os cidadãos possuem o direito de participar da tomada das decisões políticas garantido pelo Estado de Direito ou Estado Constitucional, numa relação intrínseca entre Direito e Democracia que resulta no Estado Democrático de Direito.
É a concepção de democracia como um processo em evolução fundamentado no desenvolvimento do espírito crítico e da participação popular (democracia semidireta ou participativa), prevista na Constituição Federal.
Desta forma, com a finalidade de resguardar os princípios constitucionais foi concebida a Lei 8.429/92, com entrada em vigor em 03/06/1992, que revogou as leis anteriores que se limitavam às hipóteses de enriquecimento ilícito (Lei 3.164/1957 – Pitombo-Godói Ilha e Lei 3.502/1958 – Bilac Pinto), um eficaz mecanismo de proteção da probidade administrativa que classificou os atos em três modalidades distintas: a) atos que importam enriquecimento ilícito do agente público (art. 9); b) atos que causam prejuízo ao erário (art. 10) e atos que atentam contra os princípios da administração pública (art. 11).
3. A INELEGIBILIDADE
A inelegibilidade é uma medida que impede o exercício da capacidade eleitoral passiva e está prevista no artigo 14, parágrafos 4º (inalistáveis e analfabetos), 5º e 6º (motivos funcionais) e 7º (reflexa) da Constituição Federal.
Todavia, a inelegibilidade inerente ao presente estudo é a prevista no art. 14, § 9º, da Lei Maior:
§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994).
Tal dispositivo constitucional é que serve de base para os casos de inelegibilidade infraconstitucionais, como a improbidade administrativa, e que, portanto, possuem distinção relevante para o Direito Eleitoral, conforme observação de José Jairo Gomes:
Deveras, por se tratar de matéria constitucional, não incide a preclusão. Já as inelegibilidades legais precluem se não forem arguidas por ocasião do registro de candidatura. Não sendo alegadas neste momento, não mais poderão sê-lo. Após o registro, só se admite a alegação da chamada inelegibilidade superveniente, assim considerada a inelegibilidade legal surgida no período compreendido entre o registro e a data da eleição.3
Outrossim, merecem atenção especial dois deveres previstos na Constituição Federal com relação a este tema. A Lei Complementar deverá: a) proteger a probidade administrativa; b) proteger a moralidade para o exercício de mandato, considerada a vida pregressa do candidato.
Tais deveres constitucionais por parte do legislador estão intimamente ligados aos atos de improbidade administrativa e foram cumpridos através da Lei Complementar 64/90, que disciplina no seu artigo 1º diversas hipóteses de inelegibilidade, repartidas em inelegibilidades absolutas e inelegibilidades relativas.
As inelegibilidades são classificadas como absolutas quando ensejam impedimento para o exercício de qualquer mandato político, independentemente de a eleição ser geral ou municipal.
Estão previstas no art. 1º, inciso I, da alínea “a” até a “q”. Estão dentre as hipóteses a perda de mandato eletivo na forma do art. 55, I e II da Constituição Federal; a perda de mandato do Chefe do Executivo estadual, distrital ou municipal (impeachment), com a observação de que o Presidente da República fica inabilitado na forma do art. 52, parágrafo único, da Carta Magna4; a renúncia a mandato eletivo; o abuso de poder econômico e político; o abuso de poder (corrupção eleitoral, captação ilícita de sufrágio, captação ou gasto ilícito de recurso em campanha e conduta vedada); a vida pregressa e condenação criminal; a indignidade do oficialato; o exercício de cargo de direção ou administração em instituição financeira liquidanda; os que forem excluídos do exercício profissional; a condenação por simulação de desfazimento de vínculo conjugal; a demissão do serviço público; a aposentadoria compulsória e perda de cargo por magistrado e membro do Ministério Público.
Além destas, há duas hipóteses que formam o núcleo deste trabalho. São as alíneas “g” e “l”, do inciso I, do art. 1º, pois dispõem, respectivamente, serem inelegíveis:
g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010).
l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010).
É necessário, portanto, analisar tais dispositivos demonstrando todas as suas aplicações e controvérsias. Não foram mencionadas as inelegibilidades relativas, uma vez que se referem a impedimentos apenas quanto a alguns cargos, cujo objeto foge do presente estudo.
4. A improbidade administrativa e as hipóteses de inelegibilidade de acordo com a lei da ficha limpa
Durante a década de 60 já havia discussão sobre a necessidade do detentor de mandato eletivo possuir moralidade eleitoral, ainda sob a égide da Constituição Federal de 1967.
Foi editada, então, a Lei Complementar 05/70 que trazia como hipótese de inelegibilidade a simples instauração de processo penal. Com isso surgiram inúmeras vozes no sentido de tal previsão ofender o princípio da presunção de inocência, cuja Constituição Federal de 1988 consagrou como direito fundamental no art. 5º, LVII, pois “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Outrossim, como já mencionado, o art. 14, §9º, da Constituição de 1988 (revisado em 1994), asseverou caber à lei complementar proteger a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato. Em decorrência de tal previsão surgiu a tese de auto-aplicabilidade do dispositivo constitucional para o indeferimento de registro de candidaturas de candidatos que fossem considerados imorais independentemente de sentença condenatória transitada em julgado.
O Tribunal Superior Eleitoral sedimentou seu entendimento através da Súmula de jurisprudência nº 13, no sentido de que “não é auto-aplicável o § 9º, do art. 14, da Constituição, com a redação da Emenda Constitucional de Revisão nº 04/94”.
No entanto, considerando a existência de votos divergentes em consultas formuladas ao Tribunal Superior Eleitoral, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) decidiu ajuizar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 144, questionando o entendimento do § 9º, do art.14, da CF nas consultas do TSE.
Apesar da ADPF ter sido julgada improcedente sob o fundamento da preservação do princípio da presunção de inocência, a polêmica culminou com a iniciativa popular que deu origem à Lei Complementar 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), em clara demonstração de avanço democrático.
4.1. A improbidade administrativa no art. 1º, I, “g”, da LC 64/90 e o seu grau de derrotabilidade
A Lei da ficha-limpa deu nova redação à alínea “g”, prevendo os seguintes requisitas para a existência de tal causa de inelegibilidade: a) existência de prestação de contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas; b) julgamento e rejeição das contas; c) presença de irregularidade insanável; d) caracterização dessa irregularidade como ato doloso de improbidade administrativa; e) existência de decisão irrecorrível do órgão competente para julgar as contas; f) que não exista decisão judicial suspendendo ou anulando a decisão de rejeição das contas.
Neste último caso, constata-se a superação da Súmula nº 1 do TSE, na qual bastava o ajuizamento de ação para descontituir a decisão que rejeitou as contas para suspender as contas.
A caracterização como ato doloso de improbidade é feita apenas pela Justiça Eleitoral, quando for comunicada pelo Poder Legislativo ou pelo Tribunal de Contas ou quando for arguida judicialmente a inelegibilidade.
Desta forma, a Justiça Eleitoral deve conhecer os atos de improbidade administrativa previstos na Lei nº 8.429/92 para concluir pela inelegibilidade: a) atos que importam enriquecimento ilícito do agente público (art. 9); b) atos que causam prejuízo ao erário (art. 10) e atos que atentam contra os princípios da administração pública (art. 11).
Consoante entendimento doutrinário amplamente dominante, os únicos atos que podem ser cometidos mediante culpa são os que causam prejuízo ao erário, sendo os demais necessariamente cometidos mediante dolo. É o entendimento também do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE. LICITAÇÃO IRREGULAR. HOMOLOGAÇÃO. DANO AO ERÁRIO NÃO COMPROVADO. VIOLAÇÃO DO ART. 10 DA LEI 8.429/1992 CONFIGURADA.
1. O Tribunal de origem constatou a irregularidade da licitação, por não ter sido observada a publicidade do edital, e enquadrou a conduta do recorrente no art. 10 da Lei 8.429/1992, que censura os atos de improbidade por dano ao Erário.
2. De acordo com a premissa fática do acordão recorrido, o edital da licitação foi publicado no Diário Oficial, tendo faltado divulgação em jornal de grande circulação. Tal omissão não foi imputada ao recorrente, então prefeito, que apenas homologou o procedimento licitatório.
3. A jurisprudência do STJ rechaça a responsabilidade objetiva na aplicação da Lei 8.429/1992, exigindo a presença de dolo nos casos dos arts. 9º e 11 – que coíbem o enriquecimento ilícito e o atentado aos princípios administrativos, respectivamente – e ao menos de culpa nos termos do art. 10, que censura os atos de improbidade por dano ao Erário.
4. Na hipótese, os fatos considerados pelo Tribunal a quo podem denotar somente negligência do recorrente por ter homologado a licitação, porém não se constatou dano concreto, tanto que não houve condenação ao ressarcimento. Nesse contexto, mostra-se equivocada a aplicação do art. 10 da Lei 8.429/1992. 5. Recurso Especial provido.
(REsp 414697 RO 2002/0016729-5, Relator Ministro HERMAN BENJAMIN, Julgamento: 25/05/2010, Órgão Julgador: T2 - SEGUNDA TURMA, Publicação: DJe 16/09/2010).
Com relação à competência da Justiça Eleitoral são elucidadores os esclarecimentos de José Jairo Gomes:
Vale frisar não ser exigida a condenação do agente por ato de improbidade administrativa, tampouco que haja ação de improbidade em curso na Justiça Comum. Na presente alínea “g”, o requisito de que a irregularidade também configure “ato doloso de improbidade administrativa” tem a única finalidade de estruturar a inelegibilidade. Logo, é da Justiça Eleitoral a competência para apreciar a matéria; e a competência aí é absoluta, porque ratione materiae. É, pois, a Justiça Especializada que dirá se a irregularidade apontada é insanável, se configura ato doloso de improbidade administrativa e se constitui ou não inelegibilidade. Isso deve ser feito exclusivamente com vistas ao reconhecimento de inelegibilidade, não afetando outras esferas em que os mesmos fatos possam ser apreciados. Destarte, não há falar em condenação de improbidade administrativa pela Justiça Eleitoral, mas apenas em apreciação e qualificação jurídica de fatos e circunstâncias relevantes para a estruturação da inelegibilidade em apreço. Note-se, porém, que havendo condenação emanada da Justiça Comum, o juízo de improbidade aí afirmado vincula a Justiça Eleitoral.5
Desta forma, cabe à Justiça Eleitoral fazer a análise sobre a caracterização do ato de improbidade administrativa, porém tal ato deve ser doloso, consubstanciado na vontade livre e consciente de praticar o ato lesivo ao erário. Para Hugo Nigro Mazzilli basta o dolo genérico para a configuração, não sendo necessário um especial fim de agir:
O dolo que se exige é o comum, a vontade genérica de fazer o que a lei veda, ou não fazer o que a lei manda. Não seria preciso que o administrador violasse um concurso ou uma licitação por motivos especiais (como para contratar parentes ou beneficiar amigos).6
Entretanto, não é possível se falar em inelegibilidade nos atos de improbidade administrativa cometidos mediante culpa que causem prejuízo ao erário? Como supracitado, os atos que causam prejuízo ao erário podem ser cometidos mediante culpa, mas não é possível a configuração de inelegibilidade?
É certo que atos culposos podem ser extremamente gravosos para a Administração Pública. Cite-se o exemplo de malbaratamento de haveres públicos que ocasione a perda de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) em razão de má-gestão pública. Trata-se de ato de considerável gravidade, mas que não gera a inelegibilidade por ato de improbidade administrativa.
Por outro lado, num juízo de proporcionalidade, condutas dolosas que não apresentam tanto prejuízo social podem ensejar a inelegibilidade, como por exemplo retardar determinado ato, violador de princípio administrativo, haja vista que “quer-se muito mais dos homens públicos, os quais detêm a confiança do cidadão”.7
Neste caso, pode-se defender a derrotabilidade desta regra no que se refere à necessária configuração de ato doloso de improbidade para gerar inelegibilidade, afastando a literalidade do texto para abarcar todos os atos de improbidade administrativa, dolosos ou culposos.
Com relação ao conceito de derrotabilidade, as palavras de Fernando Andreoni Vasconcellos:
Em termos processuais pode-se falar em fatos impeditivos, modificativos ou extintivos capazes de infirmar a norma “prima facie”, derrotando-a a fim de permitir a aplicação de uma norma excepcional, diferente daquela prevista a priori a partir da literalidade textual.8
A Justiça Eleitoral neste caso não estará usurpando atribuição do Poder Legislativo, mas sim dando efetividade aos princípios constitucionais da moralidade e da eficiência e ao princípio eleitoral da moralidade.
É bastante claro que a superação das regras é um processo mais dificultoso, porém pode ser necessária em determinadas situações, pois “nesses termos, Humberto Ávila, trabalhando a possibilidade de superação (derrotabilidade) das normas, entende que as regras possuem uma rigidez maior, uma vez que sua superação só é admitida quando houver razões suficientemente fortes para tanto, razões estas, localizadas tanto na própria regra quanto na sua finalidade subjacente, quanto nos princípios que a informam”.9
E a forte razão é defender o Estado Democrático de Direito, considerando a vontade popular que deu origem à Lei da Ficha-limpa, com a finalidade de resguardar de forma efetiva a moralidade na gestão da coisa pública.
4.2. A improbidade administrativa no art. 1º, I, “l”, da LC 64/90, a sua insuperabilidade e as consequências práticas
A lei da Ficha-limpa inseriu a alínea “l” ao inciso I, art. 1º, da LC 64/90, dispondo serem inelegíveis:
l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010).
Todos os atos que importam em improbidade administrativa estão sujeitos à sanção de suspensão dos direitos políticos, mas ela não é obrigatória. Desta forma, como a suspensão dos direitos políticos é um requisito para esta causa de inelegibilidade, constata-se que nem toda condenação por ato doloso de improbidade administrativa ensejará inelegibilidade.
Ademais, assiste razão ao ilustre José Jairo Gomes quando afirma que a conjunção aditiva “e” no texto da alínea “l” deve ser compreendida como conjunção alternativa “ou”, haja vista que pode haver lesão ao patrimônio público sem que haja enriquecimento illícito.10
No entanto, nesta causa de inelegibilidade não se vislumbra possibilidade de superar (derrotabilidade) a regra da necessidade da condenação por ato doloso de improbidade administrativa, uma vez que a Justiça Eleitoral não realizará juízo de valor sobre o ato de improbidade.
Todavia, é necessário ter cautela e atenção com 2 (duas) questões práticas: a) a Justiça Comum deve comunicar apenas as condenações que ensejarem suspensão dos direitos políticos; b) a Justiça Eleitoral nas condenações por improbidade administrativa que ensejarem a suspensão dos direitos políticos deve perquirir se a conduta foi dolosa antes de registrar a inelegibilidade.
5. CONCLUSÃO
A lei da Ficha-limpa tem origem em um movimento popular contra a corrupção eleitoral que deu efetividade ao significado de democracia participativa, exigindo a obediência ao princípio da moralidade por parte daqueles que desejam exercer a capacidade eleitoral passiva.
Entretanto é necessário que os debates e discussões persistam, sejam jurídicos ou sociais, para que a legislação avance nas garantias da moralidade administrativa.
Com isso, é possível pensar na superação de regras que dificultem ou impossibilitem a efetividade dos princípios constitucionais e legais, como a da alínea “g”, inciso I, do art. 1º, da CL 64/90, que restringe a inelegibilidade aos atos dolosos de improbidade administrativa, já que o juízo de valor será da Justiça Eleitoral.
No entanto, através de uma concepção democrática, é preciso que todos os cidadãos se conscientizem da necessidade de obediência às regras, de respeito à coisa pública, de repugnância à corrupção, pois os agentes públicos evoluirão com toda a sociedade e não será necessária a hipertrofia das causas de inelegibilidade para que não sejam cometidos atos de improbidade administrativa.
6. REFERÊNCIAS
ANDRADE, Adriano; MASSON, Cleber; ANDRADE, Landolfo. Interesses Difusos e Coletivos. São Paulo: Método, 2013.
BARREIROS NETO, Jaime. Direito Eleitoral. 3 ed. Salvador: Jus Podivm, 2013.
BERNARDES, Juliano Taveira; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. Direito Constitucional. Tomo I. Salvador: Jus Podivm, 2012.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24 ed. São Paulo: Atlas, 2011.
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Jus Podivm, 2013.
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2012.
1 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24 ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 825.
2 ANDRADE, Adriano; MASSON, Cleber; ANDRADE, Landolfo. Interesses Difusos e Coletivos. São Paulo: Método, 2013. p. 652.
3 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 172.
4 Conforme ensinamento de José Jairo Gomes: “Note-se que a sanção de inabilitação é mais abrangente que a de inelegibilidade, pois, por ela, fica inviabilizado o exercício de quaisquer cargos públicos, e não apenas os eletivos. É assente que a inelegibilidade obstrui tão só a capacidade eleitoral passiva. Outra peculiaridade está no fato de que, embora a competência para o julgamento seja do Senado, o processo deve ser presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal.” (Direito Eleitoral. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 175).
5 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2012. páginas 186 e 187.
6 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 200. apud ANDRADE, Adriano; MASSON, Cleber; ANDRADE, Landolfo. Interesses Difusos e Coletivos. São Paulo: Método, 2013. p. 689.
7 ANDRADE, Adriano; MASSON, Cleber; ANDRADE, Landolfo. Interesses Difusos e Coletivos. São Paulo: Método, 2013. p. 690.
8 VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. Hermenêutica jurídica e derrotabilidade, 2010, p. 57. Apud FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Jus Podivm, 2013. p. 228.
9 FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Jus Podivm, 2013. p. 229.
10 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 195.
Graduado em Direito pela Universidade Federal de Sergipe (2008). Pós-graduado em Ciências Criminais pela Universidade Gama Filho (2009). Pós-graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Estácio-FASE (2015). Ex-servidor do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (2005-2008). Servidor do Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe. Chefe de Cartório Eleitoral (2009-2015). Aprovado nos concursos para Analista judiciário do TRT20, Analista judiciário do TRF1, Analista judiciário do TRF5, Analista processual do Ministério Público da União, Promotor de Justiça do Estado de Alagoas, Promotor de Justiça do Estado do Maranhão, Juiz substituto do Tribunal de Justiça do Maranhão, Juiz substituto do Tribunal de Justiça do Ceará e Juiz substituto do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal e Direito Eleitoral.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Isaac de Medeiros. A inelegibilidade decorrente dos atos de improbidade administrativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 abr 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39071/a-inelegibilidade-decorrente-dos-atos-de-improbidade-administrativa. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: SABRINA GONÇALVES RODRIGUES
Por: DANIELA ALAÍNE SILVA NOGUEIRA
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