Para se concordar, ou não, com a medida e, consequentemente, com a decisão uniforme da mais alta corte do país, deve-se, pois, analisar o passado e o presente, pois o futuro será fruto das medidas hoje tomadas, ou mantidas.

Da mesma forma, a mais abrangente decisão do Congresso brasileiro, em vias de sofrer o aval republicano, apesar de considerar o relevante aspecto social-econômico, aprova também a cota racial, sob a perspectiva comum, nessa discussão, de fazer-se a “justiça social”

Pois bem, impossível negar um passado de escravidão negra no Brasil.

Assim, como impossível negar que a própria formação sócio cultural brasileira.

Mas, e já adiantando a linha opinativa, será que os problemas do Brasil de hoje decorreriam efetivamente de um racismo ou discriminação no passado? E ai a solução mais adequada seria contrabalancear a sociedade de hoje com ações afirmativas no sentido de tratar desigualmente por raça ou etnia? Ação afirmativa é adotar medida hoje para desenvolver igualdade ou para desenvolver desigualdade? E, na alternativa na qual nos convencemos, não serão os problemas sociais, culturais, políticos e econômicos hoje do Brasil decorrentes de aspectos justamente de mesma natureza como colonização, corrupção e patrimonialismo político? Nessa linha, a solução não seria mais adequada se passasse pelo combate de mazelas, estas, ainda existentes? Ações afirmativas não deveriam ser adotadas, como em sua origem na América do Norte, como medidas ativas para promoção de igualdade, ante existência de regras presentes de desigualdade? Existem, hoje, no Brasil, regras ou circunstâncias que geram desigualdade por raça ou etnia a justificar o sistema de cotas? Ou existiriam problemas políticos sociais culturais e econômicos que, estes sim, contribuiriam para a triste e presente realidade brasileira de pobreza, baixo desenvolvimento cultural, permissiva apatia política e proliferação de desigualdades econômicas?

Em um pequeno artigo, e ante a baixa qualificação do subscritor na matéria seria-nos impossível responder a todas as perguntas. Ainda mais se os três poderes da República, praticamente, já se manifestaram favoráveis ao sistema de cotas raciais.

Porém, o embrião da discussão histórica dos problemas de desenvolvimento do Brasil nos é possível tangenciar.

E comecemos por Darcy Ribeiro, renomado antropólogo brasileiro, cuja relevância foi reconhecida pelo próprio centro universitário da UNB, como visto, que, em seu substancioso livro de 1995, denominado O Povo Brasileiro, aborda a formação do, com perdão da redundância lógica,  povo brasileiro.

Como descrito na wikipedia, Enciclopédia coletia, até por que informação comum, (http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Povo_Brasileiro), o livro trata das matrizes culturais e dos mecanismos de formação étnica e cultural do povo brasileiro, restando estabelecidos, pelo Autor, 5 "brasis" distintos: O Brasil sertanejo; O Brasil crioulo; O Brasil caboclo; O Brasil caipirae O Brasil gaúcho e gringo. Assim, “apresenta as formas através das quais a empresa "Brasil" moldou as zonas de habitação humana no território nacional e sua influência na miscigenação das 3 matrizes básicas formadoras do brasileiro.”

De fato, o Autor (RIBEIRO, Darcy - O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995 e 1996), descreve que: "[...] Todos nós, brasileiros, somos carne da carne daqueles negros e índios supliciados. Todos nós brasileiros somos, por igual, a mão possessa que os supliciou. A doçura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se conjugaram para fazer de nós sentida e sofrida que somos e a gente insensível e brutal, que também somos. Como descendentes de escravos e de senhores de escravos seremos sempre servos da maldade destilada e instilada em nós, tanto pelo sentimento da dor intencionalmente produzida para doer mais, quanto pelo exercício da brutalidade sobre homens, sobre mulheres, sobre crianças convertidas em pasto de nossa fúria." "A mais terrível de nossas heranças é esta de levar sempre conosco a cicatriz de torturador impressa na alma e pronta a explodir na brutalidade racista e classista." (1995, p.120)

Ressalta-se ainda que: Os brasileiros se sabem, se sentem e se comportam como uma só gente, pertencente a uma mesma etnia. Essa unidade não significa porém nenhuma uniformidade. O homem se adaptou ao meio ambiente e criou modos de vida diferentes. A urbanização contribuiu para uniformizar os brasileiros, sem eliminar suas diferenças. Fala-se em todo o país uma mesma língua, só diferenciada por sotaques regionais. Mais do que uma simples etnia, o Brasil é um povo nação, assentado num território próprio para nele viver seu destino”,

Perbe-se, pois, do homenageado Autor aquilo que nos parece senso comum, o Brasil é um povo nação, pois os brasileiros se sentem, se comportam como a uma só gente, e todos, da mesma forma, trazem a lembrança atávica no sangue, na “cor” e na identificação das mazelas da escravidão, pois são todos descendentes de negros e índios, mas também todos descendentes de escravos.

Dizer-se o contrário seria individualizar-se o conceito de povo, de nação, de etnia, o que seria absolutamente contraditório ao fenomeno de identificação coletiva social. Ora, pincelar-se um ou outro para se dizer que aquele teve comprovadamente elo genealógico com escravos brasileiros, hoje, então, negro, e detentor do direito á cota seria tão absurdo como a consequência lógica, ou seja, dizer-se que aquele outro, hoje, branco, teria comprovadamente a dependência genética ao europeu senhor de escravo e que, portanto, não teria direito á cota. Veja-se que a este nível de debate, e sendo imprescritível ocrime de racismo, não fosse a vinculação da pena ao agente e não a sua familia, chegar-se-ia ao ponto de criminalizar a herança genética escravocrata!

Nenhum brasileiro razoável admitiria tal conclusão, fosse da cor que fosse. Mas quem poderia garantir que não temos hoje, na colorida população brasileira, branqueados descendentes de escravos e escuros tataranetos de Coronéis ou senhores de Escravo?

Assim, parece-nos lógica a conclusão do Autor de que o povo brasileiro é um povo nação com vínculos culturais muito mais atrelados a sua regionalidade geográfica do que a qualquer traço de pigmentação.

Hoje, o que temos no brasil é a cultura baiana, ou mineira, ou o tradicional gaúcho, seja de que cor for.

Daí, em nosso, sentir, a impossbilidade histórico-sócio-cultural de concretamente se identificar o brasileiro de cor preta como discriminado ou deteriorado pelo brasileiro de cor branca dominador.

Desta forma, raça ou etnia no Brasil, caso resistam ao rigor conceitual científico, o que também não ocorre, pois se sabe na biogenética que existe é raça humana, teriam o mesmo valor para se justificar a separação por cotas que, por exemplo, a religião, sendo sabido que a preponderante histórica, a Católica, ou melhor, as antigamente minoritárias, hoje nem tanto, como evangélicas, não impigiram umas as outras qualquer critério “compensatório” ou “ação afirmativa” no sentido de reservar direitos públicos. Tal, como manifesto, não seria minimamente razoável.

Vale salientar, ainda numa análise histórica cultural, como as feitas por Laurentino Gomes em suas obras não ficcionais 108 e 1822, com dados verificáveis em http://www.laurentinogomes.com.br/livro.php?id=2024, que hoje, no Brasil, os multicolores habitantes se identificam como brasileiros, e tal decorre da forma de colonização. 

Na obra 1808 - “Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil.”, complementada pelo livro 1822 - Como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D Pedro a criar o Brasil – um país que tinha tudo para dar errado... Laurentino Gomes introduz o  assunto criação do Brasil da seguinte forma: “O Brasil foi descoberto em 1500, mas, de verdade, só foi inventado como país em 1808. Foi quando a família real portuguesa chegou ao Rio de Janeiro fugindo das tropas do imperador francês Napoleão Bonaparte. Até então, o Brasil ainda não existia. Pelo menos, não como é hoje: um país integrado, de dimensões continentais, fronteiras bem definidas e habitantes que se identificam como brasileiros. Até 1807, era apenas uma grande fazenda, de onde Portugal tirava produtos, que levava embora. A vinda da corte iria transformar radicalmente esse cenário. Em apenas treze anos, entre a chegada e a partida da corte, o Brasil deixou de ser uma colônia atrasada, proibida e ignorante para se tornar uma nação independente. Nenhum outro período da história brasileira testemunhou mudanças tão profundas, tão decisivas – em tão pouco tempo”.

E continua  descrevendo de forma  digerível  a história da formação brasileira: “...em novembro de 1807, as tropas francesas marcharam em direção a Lisboa, prontas para varrer Portugal e chutar seu príncipe regente do trono. Sem exército para se defender, D. João preferiu fugir para o Brasil, protegido pelos navios de guerra britânicos, levando junto a família real, a maior parte da nobreza, seus tesouros e todo o aparato do Estado”. (...) “Ao chegar ao Brasil, a corte encontrou uma colônia atrasada e ignorante. Às vésperas da chegada da Corte ao Rio de Janeiro, o Brasil era um amontoado de regiões com pouco contato, isoladas umas das outras, sem comércio nem qualquer outra forma de relacionamento.O mapa do Brasil de 1808 já era muito semelhante ao atual. O Tratado de Madri, de 1750, tinha revogado o antigo Tratado de Tordesilhas e redesenhado as fronteiras das colônias portuguesa e espanholas com base no conceito de ocupação efetiva do território. A maioria da população ainda se concentrava no litoral.Com um imenso território virgem, escassamente povoado, o Brasil tinha pouco mais de três milhões de habitantes – menos de dois por cento da sua população atual. De cada três brasileiros, um era escravo. A população indígena era estimada em 800 000 pessoas. Era uma população analfabeta, pobre e carente de tudo. Tudo isso começaria a mudar com a chegada da corte portuguesa. No Rio de Janeiro, D. João põe mãos à obra e cria um país a partir do nada. Em 1808, havia tudo por fazer no Brasil. Entre outras carências, a colônia precisava de estradas, escolas, tribunais, fábricas, bancos, moeda, comércio, imprensa, biblioteca, hospitais, comunicações eficientes. Em especial, necessitava de um governo organizado que se responsabilizasse por tudo isso. D. João não perdeu tempo. No dia 10 de março de 1808, quarenta e oito horas depois de desembarcar no Rio de Janeiro, organizou seu novo gabinete. Caberia a esse ministério criar um país a partir do nada.Além de abrir os portos ao comércio com outras nações, pondo fim do monopólio português, D. João autorizou a construção de fábrica, a abertura de estradas e a inauguração de escolas de ensino superior. Também criou o Banco do Brasil, a Imprensa Régia e o Jardim Botânico. As regiões mais distantes foram exploradas e mapeadas. A navegação a vapor foi inaugurada em 1818. As transformações teriam seu ponto culminante em 16 de dezembro de 1815. Nesse dia, véspera da comemoração do aniversário de 81 anos da rainha Maria I, D. João elevou o Brasil à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves, e promoveu o Rio de Janeiro à sede oficial da coroa”.

Talvez por tal formação, continue o Autor descrevendo a relevância e a força das diferenças regionais geográficas da época e o importante papel de D. João na criação de uma identidade nacional, o multicolorido povo brasileiro: “A preservação da integridade territorial foi uma grande conquista de D. João VI. Sem a mudança da corte portuguesa, os conflitos regionais teriam se aprofundado, a tal ponto que a separação entre as províncias seria quase inevitável. Não seríamos este país continental de hoje, mas teríamos o território dividido em diferentes nações. Graças a D. João VI, o Brasil se manteve como um país de dimensões continentais, que hoje é o maior herdeiro da língua e da cultura portuguesas. Em outras palavras, ao mudar o Brasil, D. João VI o perdeu para sempre. O resultado foi a Independência, em 1822”.

Parece-nos que, como visto, no processo de formação da identidade nacional e do próprio Estado Brasileiro, teve muito menos relevância a cor do cidadão do que outros aspectos como atividade de desenvolvida e região de habitação, mesmo porque não se podia, nem naquela época, estabelecer-se padrões raciais na população, vez que mesmo 200 anos atrás, já se tinha notícias de brasileiros pretos libertos, donos de escravos  (Como se menciona no radical e menos científico “Guia politicamente incorreto da História do Brasil”, de Leandro Narloch, 2 edi. 2011) e brasileiros brancos desfavorecidos.

Assim, o cerne dos problemas sociais, culturais, econômicos e políticos do Brasil evidencia-se, repete-se, atrelado a colonização e corrupto e descompromissado desenvolvimento histórico e não racial.

Ou seja, o que se tem hoje no Brasil é uma dívida social, com os pobres, e pobres de hoje, e não com os brasileiros pretos, ou pardos, ou brancos, ou vermelhos, ou amarelos ou qualquer outra cor que se enxergue com, também, os olhos de cada um.

Assim, já se pode concluir pela correção das chamadas cotas sociais e, com a máxima vênia, pela falta de razoabilidade e proporcionalidade, esta última em suas variáveis de cabimento, necessidade, adequação e proporcionalidade estrita, vez que a medida que se quer adota não se encontra adequada á solução que se busca e não tem conexão com o problema real existente no Brasil. Ou seja, cota racial não é suficiente ao combate ás desigualdades sociais do Brasil e ao problemas de desenvolvimento educacional do povo brasileiro mesmo porque não tem conexão com este problema que é, como visto, social e econômico e não de cor ou raça no Brasil.

Para que não se tenha a opinião tão despregada de um rigor científico, vale destacar os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, validados pela própria UNB em sua inaugural atuação, tida como afirmativa, e considerada também na concretização da atuação Legislativa e, nesse ponto, em nosso perceber, de forma acertada. Ou seja, que se considere, então, os dados retirados dos Estudos especiais do IBGE, divulgados em 2010, disponíveis na pagina http://www.ibge.gov.br/indigenas/indigena_censo2010.pdf, aprovados pela Chefe da Administração Federal, Presidenta da República Dilma Rousseff e pela Ministra do Planejamento, Orçamento e Gestão Miriam Belchior, Ministério ao qual se vincula o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE!

Dali as conclusões ou resultados apresentados são, s.m.j, aptos a evidenciar o que aqui se quis fundamentar: Pg 6 - Pelas declarações fornecidas pela população brasileira, em 2010, 47,7% consideraram-se brancos; 7,6%, pretos; 1,1%, amarelos; 43,1%, pardos; e 0,4%, indígenas, segundo a ordem de opções apresentadas no questionário; Pg 7 Os resultados do Censo Demográfico 2010 confirmam que a miscigenação entre os diversos grupos étnicos deu origem a tão numerosas e complicadas combinações que se torna impossível chegar a uma classificação étnica dos brasileiros (COELHO, 1970). 

Assim, como perceptível em um simples caminhar em ruas do país, a raça humana habitante do território brasileiro, por fatores históricos culturais, tem vínculo de identificação nacional não relacionado á pigmentação, eis que sua composição tem povos diversos e, consequentemente, multicoloridos, razão pela qual hoje, no Estado Brasileiro e mesmo após a nobre Constituição da República de 1988, são todos esses auto-identificados pretos, brancos, pardos amarelos e indígenas que sofrem de forma conjunta as mazelas de um país de sofrível desenvolvimento cultural, corrupção endêmica e baixo compromisso político.

Eis que, em conclusão, sou pela cota de reserva ao brasileiro, da cor que ele for.