Em junho de 2004 a Universidade de Brasília – UNB inaugurou, no campo das ações afirmativas, o primeiro sistema de reserva de vagas em Escolas e Universidades Públicas a alunos considerados “negros”.
Como se retira do sítio de informações da Universidade (http://www.unb.br/estude_na_unb/sistema_de_cotas) tal medida decorreu de debate interno intenso, com período de 5 anos, e fez parte do Plano de Metas para Integração Social, Étnica e Racial da UNB, aprovada, inclusive, pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão - CESPE, tudo forte no fundamento de que “vítimas de perseguição racista por muitos anos, negros e negras enfrentam dificuldades para ingressar e permanecer na universidade...” e “hoje, os negros correspondem a apenas 2% do contingente de universitários, apesar de representarem 45% dos brasileiros, segundo dados do IBGE de 2002.
Daí o objetivo da medida, também consignado na mesma fonte virtual: “O Sistema de Cotas para Negros existe porque a universidade brasileira é um espaço de formação de profissionais de maioria esmagadoramente branca. Ao manter apenas um segmento étnico na construção do pensamento dos problemas nacionais, a oferta de soluções se torna limitada. As políticas de ação afirmativa direcionadas à população negra tem como objetivo o enfrentamento de um quadro de desigualdades raciais, reconhecido pelo Estado brasileiro e observado na UnB”.
Assim, 20% das vagas foram reservadas a negros e negras. Mas determina a mesma Universidade que o candidato á cota racial “deve ser negro, de cor preta ou parda (mestiço de negros) e optar pelo sistema”. Tal dever será averiguado, então, “por banca composta por docentes, representantes de órgão de direitos humanos e de promoção da igualdade racial e militantes do movimento negro de Brasília. O grupo decidirá pela homologação ou não do cadastro do candidato cotista.
Interessante registrar que em caso de dúvidas, deve ser procurado o CESPE, no campus denominado “Darcy Ribeiro”.
Por fim, a UNB esclarece, caso surjam questionamentos, que a medida é constitucional, vez que “Desde a Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata realizada em Durban (África do Sul), em setembro de 2001, a rejeição ao racismo ganhou força normativa dentro do direito brasileiro. De acordo com o reitor e professor da Faculdade de Direito da UnB, José Geraldo de Sousa Jr., não há mais controvérsia sobre a constitucionalidade das ações afirmativas. Para ele, a política não pode ser considerada contrária ao princípio da igualdade, já que tem por objetivo remediar situações desvantajosas, ainda que impliquem tratamento favorável a um grupo social. Outra prerrogativa é autonomia universitária assegurada pela Constituição. Isso dá à instituição a liberdade de adotar regras próprias nas áreas administrativas e acadêmicas
Por fim, várias outras informações sobre atendimento, auxílio, grupos de estudo e apoio específicos aos cotistas são registradas.
Porém, algumas dúvidas restaram, tanto que questionada judicialmente a medida. Afinal, o que são ações afirmativas? O que é raça? O que é etnia? Qual a origem e composição da população brasileira? Existem raças e etnias no Brasil? Que racismo se identifica na realidade brasileira? E mais uma, que acrescentaria agora, o que diria Darcy Ribeiro, nome do Campus universitário em Brasília, sobre a medida?
Pois bem, tendo cerne a discussão no princípio da igualdade, expresso em nossa Constituição Federal, restou ao Supremo Tribunal Federal dizer da adequação e conformidade da medida á realidade brasileira e á ordem jurídica vigente, mesmo porque diversas discussões surgiram da medida, dividindo as opiniões de juristas, sociólogos, antropólogos, políticos e cidadãos, tanto pelo cabimento como pelo descabimento do sistema de cota racial.
Mas tal burburinho social não abalou o juízo de nenhum dos Ministros do Supremo Tribunal Federal que, composto por brasileiros diversos, de origem, formação e pensamento plurimos, decidiu sem uma única divergência pela constitucionalidade da medida ante o princípio da igualdade.
Só por tal já nos deixa consternados o STF, afinal, praticamente nenhum setor social apresentava consenso quanto á medida.
Mas declarou o Supremo Tribunal Federal, conforme sítio cibernético do ente (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=206042) em 26.04.2012, que “O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) considerou constitucional a política de cotas étnico-raciais para seleção de estudantes da Universidade de Brasília (UnB). Por unanimidade, os ministros julgaram improcedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, ajuizada na Corte pelo Partido Democratas (DEM). Os ministros seguiram o voto do relator do caso, ministro Ricardo Lewandowski. Na sessão de ontem (25), em que foi iniciada a análise da matéria, o relator afirmou que as políticas de ação afirmativa adotadas pela UnB estabelecem um ambiente acadêmico plural e diversificado, e têm o objetivo de superar distorções sociais historicamente consolidadas. Além disso, segundo ele, os meios empregados e os fins perseguidos pela UnB são marcados pela proporcionalidade, razoabilidade e as políticas são transitórias, com a revisão periódica de seus resultados. “No caso da Universidade de Brasília, a reserva de 20% de suas vagas para estudante negros e ‘de um pequeno número delas’ para índios de todos os Estados brasileiros pelo prazo de 10 anos constitui, a meu ver, providência adequada e proporcional ao atingimento dos mencionados desideratos. A política de ação afirmativa adotada pela Universidade de Brasília não se mostra desproporcional ou irrazoável, afigurando-se também sob esse ângulo compatível com os valores e princípios da Constituição”, afirmou o ministro Lewandowski.”
Assim, declarou a mais alta corte brasileira, em sessão transmitida ao vivo para todo o páis pela TVJUSTIÇA, que a reserva de vagas por cotas raciais seria medida adequada e proporcional aos princípios constitucionais.
A mesma noticia digitalizada faz destaque aos votos dos diversos Ministros: Todos os ministros seguiram o voto do relator, ministro Lewandowski. Primeiro a votar na sessão plenária desta quinta-feira (26), na continuação do julgamento, o ministro Luiz Fux sustentou que a Constituição Federal impõe uma reparação de danos pretéritos do país em relação aos negros, com base no artigo 3º, inciso I, da Constituição Federal, que preconiza, entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Para ele, a instituição de cotas raciais dá cumprimento ao dever constitucional que atribui ao Estado a responsabilidade com a educação, assegurando “acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”. A ministra Rosa Weber defendeu que cabe ao Estado “adentrar no mundo das relações sociais e corrigir a desigualdade concreta para que a igualdade formal volte a ter o seu papel benéfico”. Para a ministra, ao longo dos anos, com o sistema de cotas raciais, as universidades têm conseguido ampliar o contingente de negros em seus quadros, aumentando a representatividade social no ambiente universitário, que acaba se tornando mais plural e democrático. Já a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha destacou que o sistema de cotas da UnB é perfeitamente compatível com a Constituição, pois a proporcionalidade e a função social da universidade estão observadas. “As ações afirmativas não são a melhor opção, mas são uma etapa. O melhor seria que todos fossem iguais e livres”, apontou, salientando que as políticas compensatórias devem ser acompanhadas de outras medidas para não reforçar o preconceito. Ela frisou ainda que as ações afirmativas fazem parte da responsabilidade social e estatal para que se cumpra o princípio da igualdade. Ao concordar com o relator, o ministro Joaquim Barbosa afirmou que o voto do ministro Lewandowski praticamente esgotou o tema em debate. Ressaltou, porém, que “não se deve perder de vista o fato de que a história universal não registra, na era contemporânea, nenhum exemplo de nação que tenha se erguido de uma condição periférica à condição de potência econômica e política, digna de respeito na cena política internacional, mantendo, no plano doméstico, uma política de exclusão em relação a uma parcela expressiva da sua população”. Na sequência da votação, o ministro Cezar Peluso afirmou que é fato histórico incontroverso o déficit educacional e cultural dos negros, em razão de barreiras institucionais de acesso às fontes da educação. Assim, concluiu que existe “um dever, não apenas ético, mas também jurídico, da sociedade e do Estado perante tamanha desigualdade, à luz dos objetivos fundamentais da Constituição e da República, por conta do artigo 3º da Constituição Federal”. Esse dispositivo preconiza uma sociedade solidária, a erradicação da situação de marginalidade e de desigualdade, além da promoção do bem de todos, sem preconceito de cor. O ministro Gilmar Mendes reconheceu as ações afirmativas como forma de aplicação do princípio da igualdade. Destacou em seu voto que o reduzido número de negros nas universidades é resultado de um processo histórico, decorrente do modelo escravocrata de desenvolvimento, e da baixa qualidade da escola pública, somados à “dificuldade quase lotérica” de acesso à universidade por meio do vestibular. Por isso, o critério exclusivamente racial pode, a seu ver, resultar em situações indesejáveis, como permitir que negros de boa condição socioeconômica e de estudo se beneficiem das cotas. Também se pronunciando pela total improcedência da ADPF 186, o ministro Marco Aurélio disse que as ações afirmativas devem ser utilizadas na correção de desigualdades, com a ressalva de que o sistema de cotas deve ser extinto tão logo essas diferenças sejam eliminadas. “Mas estamos longe disso”, advertiu. “Façamos o que está a nosso alcance, o que está previsto na Constituição Federal.” Decano do STF, o ministro Celso de Mello sustentou que o sistema adotado pela UnB obedece a Constituição Federal e os tratados internacionais que tratam da defesa dos direitos humanos. “O desafio não é apenas a mera proclamação formal de reconhecer o compromisso em matéria dos direitos básicos da pessoa humana, mas a efetivação concreta no plano das realizações materiais dos encargos assumidos”. Encerrando o julgamento, o presidente da Corte, ministro Ayres Britto, afirmou que a Constituição legitimou todas as políticas públicas para promover os setores sociais histórica e culturalmente desfavorecidos. “São políticas afirmativas do direito de todos os seres humanos a um tratamento igualitário e respeitoso. Assim é que se constrói uma nação”, concluiu. O ministro Dias Toffoli se declarou impedido e não participou do julgamento.”
Assim, percebe-se a linha central e unânime no sentido de que o Brasil tem passado de discriminação cujo resultado é o afastamento dos negros á educação e, portanto, deve-se atuar, em ação afirmativa, ainda que gerando desilgualdade no presente, para se compensar o prejúizo histórico e social, tudo conforme valor constitucional da igualdade e visando aos objetivos da República de, no futuro, sociedade livre e, mais uma vez, igual.
Ora, nítido que a decisão abarca uma perspectiva dinâmica do racismo, da discriminação, e não estanque. Assim, não se diz de racismo hoje, e sim que o passado de escravidão gerou um presente desigual cuja solução para, no futuro, termos uma sociedade igual, é atuarmos em desigual medida compensatória hoje.
Após, e por sua vez, o Senado Federal, já em 07.08.2012 publicou mídia, conforme seu locus de notícias na rede mundial de computadores (http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2012/08/07/vai-a-sancao-politica-de-cotas-em-universidade-federais) salientando ter aprovado projeto de lei que determina a aplicação do sistema de cotas em Universidades e Escolas técnicas públicas.
Assim, o Poder Legislativo, após ente da Administração Federal Indireta tê-lo feito, com aval da cúpula do Poder Judiciário, decidiu por aprovar, pelo plenário do Senado, a política de cotas., inserida, porém, num contexto de cotas sócio-econômicas. Consta da notícia: “O Projeto de Lei da Câmara (PLC) 180/2008, que assegura metade das vagas por curso e turno dessas instituições a estudantes que tenham feito o ensino médio em escolas da rede pública, foi aprovado em votação simbólica e agora segue para sanção presidencial. Pelo projeto, pelo menos 50% das vagas devem ser reservadas para quem tenha feito o ensino médio integralmente em escola pública. Além disso, para tornar obrigatórios e uniformizar modelos de políticas de cotas já aplicados na maioria das universidades federais, o projeto também estabelece critérios complementares de renda familiar e étnico-raciais. Dentro da cota mínima de 50%, haverá a distribuição entre negros, pardos e indígenas, proporcional à composição da população em cada estado, tendo como base as estatísticas mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A política de cotas tem validade de dez anos a contar de sua publicação.A medida foi defendida pelo senador Paulo Paim (PT-RS), que informou que, de cada dez alunos do país, apenas um estuda em escola privada. Ou seja, o projeto beneficiaria a ampla maioria dos estudantes brasileiros. A senadora Ana Rita (PT-ES) também saiu em defesa da proposta, garantindo que o projeto faz “justiça social com a maioria da população brasileira”. Já o senador Pedro Taques (PDT-MT) citou os Estados Unidos como exemplo bem-sucedido da política de cotas nas universidades. Ele disse que o país, que era extremamente racista em um passado próximo, após adotar a política de cotas raciais nas universidades, tem agora um presidente negro. Para o senador, no Brasil é preciso adotar ações afirmativas para assegurar oportunidade a todos”.
Porém, a casa dos representantes do povo e do Estado não apresentou a unanimidade de juízo axiológico do Poder Judiciário. É que um único Senador manifestou-se contra a medida. Registrado está no mesmo informativo: “O senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) reprovou a iniciativa sob o argumento de que “impõe camisa de força” a todas as universidades federais brasileiras, ao ferir sua autonomia de gestão. Além disso, argumentou o senador, para que o ensino superior seja de qualidade, é preciso adotar um critério de proficiência, ou seja, que os alunos que ingressem na instituição tenham notas altas. Outra crítica do senador ao projeto é a exigência de que as vagas para cotas raciais, por exemplo, sejam proporcionais ao contingente de negros ou índios existentes no estado onde se localiza a instituição de ensino. Aloysio Nunes observou que um negro inscrito em uma universidade de Santa Catarina disputaria um número menor de vagas do que outro estudante, também negro, mas inscrito em uma instituição da Bahia. Aloysio Nunes foi o único senador a votar contrariamente ao projeto em Plenário”.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Pedro Vasques. Multiculturalismo brasileiro, Cotas e o Supremo Tribunal Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 out 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41303/multiculturalismo-brasileiro-cotas-e-o-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 22 nov 2024.
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