RESUMO: este artigo analisa a evolução do controle de constitucionalidade jurisdicional no Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: Controle de Constitucionalidade Brasileiro, Histórico e Evolução.
1. INTRODUÇÃO
O Controle jurisdicional de constitucionalidade tem dois sistemas principais: o difuso e o concentrado. O Controle difuso originou-se[1] nos Estados Unidos da América do Norte, em 1803, no famoso caso Marbury x Madson[2], sentenciado pelo Chief of Justice John Marshall.
Já o controle concentrado surgiu[3] mais de um século depois, idealizado por Hans Kelsen, aparecendo na Constituição Austríaca, em 1920. Essa Constituição foi a primeira no mundo a concentrar em um só órgão – tribunal constitucional – a tarefa de julgar a inconstitucionalidade de determinada lei, ao contrário do que acontece com o controle difuso.
No Brasil, atualmente, coexistem os dois modelos. Contudo nem sempre foi assim. Nessa perspectiva, busca-se, de maneira breve, analisar o momento em que cada sistema foi incorporado ao sistema pátrio.
2. DESENVOLVIMENTO
A Constituição Imperial Brasileira de 1824 não contemplava qualquer controle jurisdicional de constitucionalidade assemelhado ao modelo que hoje vigora entre nós.
Na época, já existia o Supremo Tribunal de Justiça (art. 163), mas este não realizava controle de constitucionalidade, conforme bem observa Kildare Gonçalves Carvalho[4]:
{...} Apesar da existência, ao tempo do império, do Supremo Tribunal de Justiça, não podia ele tornar efetiva a supremacia constitucional, porque dependeria do Poder Moderador por meio do qual o Imperador poderia intervir em outros poderes, estando acima, portanto, de todos eles com muito mais intensidade sobre o Poder Legislativo, o que inviabilizava o controle da constitucionalidade pelo Poder Judiciário.
A Constituição de 1891, influenciada pelo constitucionalismo norte-americano e baseada nas idéias de Ruy Barbosa, incorporou ao direito Brasileiro o controle jurisdicional difuso. Inaugurou-se assim no direito pátrio esse modelo de controle de normas que foi reproduzido nas constituições que se seguiram sem significativas alterações.[5]
No Brasil republicano dispôs a Constituição de 1891:
Art. 59. Ao Supremo Tribunal Federal compete:
{...}
§ 1º Das sentenças das justiças dos Estados em última instância haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal:
a) quando se questionar sobre a validade ou a aplicação de tratados e leis federais, e a decisão do tribunal do Estado for contra ela;
b) quando se contestar a validade de leis ou de atos dos governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do tribunal do Estado considerar válidos esses atos, ou essas leis impugnadas.
Observa-se da letra “b” do dispositivo retro mencionado que a possibilidade de juízes declararem a inconstitucionalidade de leis está implícita. A Constituição admite recurso “quando se contestar a validade de leis ou atos dos governos em face da Constituição”. Ao prever isso, implicitamente, entende-se que aos juízes é facultado fazer uma análise de compatibilidade vertical entre as normas infraconstitucionais e a Magna Carta.
No entanto, a Lei nº 221, de 20 de novembro de 1894, versando acerca da organização da Justiça Federal da República, dispunha em seu art. 13, § 10, "Os juízes e tribunais apreciarão a validade das leis e regulamentos e deixarão de aplicar aos casos ocorrentes as leis manifestamente inconstitucionais e os regulamentos manifestamente incompatíveis com as leis ou com a Constituição". Com efeito, somente a partir dessa redação legal, fica expresso o poder dado aos juízes e tribunais para declarar a inconstitucionalidade de leis.[6]
A Constituição de 1934 inseriu alterações importantes no sistema judicial de controle de leis no Brasil. Entre as várias novidades, pela importância que tem para o deslinde desse trabalho, destaca-se uma: a competência atribuída ao Senado Federal para suspender a execução de uma lei, com eficácia a erga omnes, em face da declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Poder Judiciário em um caso concreto.
Assim estava disposto na referida Carta:
Art. 91 - Compete ao Senado Federal:
{...}
IV - suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário;
Sobre esse artigo, Ronaldo Poletti[7] destaca que:
Resolvia-se, assim, de maneira inteligente, o grave problema das decisões jurisprudenciais declaradores de inconstitucionalidade, que, por si sós, não obrigam aos juízes singulares, nem aos tribunais estaduais enquanto a lei, ainda que declarada inconstitucional, continuar em vigor. Houve, é verdade, certa imprecisão, pois ao se falar em Poder Judiciário, não se podia deduzir qual órgão judicial que deveria possibilitar a suspensão da execução.
A Constituição de 1937 enfraqueceu a competência do Poder Judiciário relativamente à declaração de inconstitucionalidade, regredindo no sistema de freios e contrapesos. Assim dispunha o art. 96, § ún, da referida carta:
No caso de ser declarada inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da Republica, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da República submetê-la novamente ao exame do Parlamento: se este a confirmar por dois terços dos votos em cada uma da Câmaras, ficará sem efeito a decisão do Tribunal.
Gilmar Mendes[8] critica o dispositivo acima transcrito, ao dizer que “a Carta de 1937 traduz um inequívoco retrocesso no sistema de controle de constitucionalidade.”
Além disso, a referida constituição “nada mencionou a respeito da competência do Senado de suspender as leis ou atos normativos declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário.”[9]
Seguindo a linha do tempo, a Constituição de 1946 não reproduziu o § ún, do art. 96 da Carta anterior, o que garantiu assim a independência do judiciário para declarar a inconstitucionalidade das leis. Importante também destacar nessa Constituição, nas palavras de Ronaldo Polleti[10], que:
O Senado continuou com a competência para suspender a execução de lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ficando clara, então, que a suspensão de execução poderia ocorrer, apenas nas declarações do Supremo e não de qualquer órgão do Poder Judiciário, como o texto de 1934 poderia sugerir.
Ainda em relação a essa Constituição necessário destacar a emenda constitucional nº 16/1965. Por meio dessa reforma constitucional, incluiu-se em nosso ordenamento jurídico o controle abstrato de normas, nos moldes do modelo proposto por Hans Kelsen, positivado pela Constituição Austríaca de 1920.
Celso Ribeiro Bastos[11] fala da importância da referida emenda para o aperfeiçoamento de nosso sistema de controle de constitucionalidade. Segundo ele:
Já agora, qualquer ato normativo, federal ou estadual, é suscetível de contraste constitucional. O Julgamento da norma em tese, isto é, desprendida de um caso concreto, e, o que é muito importante, sem outra finalidade senão a de preservar o ordenamento jurídico da intromissão de leis com ele inconvenientes, torna-se então possível.
A Constituição de 1967/1969 manteve as linhas mestras do controle jurisdicional de constitucionalidade. “Esta Constituição, tanto na versão de 1967 como em sua posterior Revisão ou Reforma, denominada emenda nº 1/1969, não trouxe grandes inovações no controle de constitucionalidade de leis.” [12]
Por último, a Constituição de 1988 manteve o sistema até então em vigor, denominado eclético, híbrido ou misto, que combina o modelo difuso, por via incidental, com o critério concentrado, por via de ação direta. Destacam-se nessa Carta, segundo Luis Roberto Barroso[13], as seguintes inovações:
a) a ampliação da legitimação ativa para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade (art. 103); b) a introdução de mecanismos de controle de constitucionalidade por omissão, com a ação direta com esse objeto (art. 103, § 2º) e o mandado de injunção (art. 5º, LXXI); c) a recriação da ação direta de inconstitucionalidade em âmbito estadual, referida como representação de inconstitucionalidade (art. 125, § 2º,); d) a previsão de um mecanismo de argüição de descumprimento de preceito fundamental (art. 102, § 1º); e) a limitação do recurso extraordinário às questões constitucionais (art. 102, III)
A partir da constatação acima, é possível afirmar que Constituição Federal de 1988 trouxe grandes avanços relacionados ao tema, ao incorporar novos mecanismos que ampliaram a fiscalização constitucional das leis e atos normativos, até então inexistentes no ordenamento jurídico pátrio.
3. CONCLUSÃO
A rápida análise da evolução histórico-jurídica do Controle Jurisdicional de Constitucionalidade Brasileiro se faz necessária permitir uma melhor compreensão das transformações ocorridas atualmente, no que tange a função originária de nossos Tribunais de zelarem pela supremacia de nossa Constituição, quer pela forma difusa, quer pela concentrada.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, Luis Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise critica da jurisprudência. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. Belém: Cejup, 1999.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e especial. 10. ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2007.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Tradução de Aroldo Plínio Gonçalves. 2. ed. Porto Alegre: Fabris, 1984.
PALU, Oswaldo Luiz. Controle de constitucionalidade: conceito, sistemas e efeitos. São Paulo: Revista dos tribunais, 1999.
[1] BARROSO, Luis Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise critica da jurisprudência. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 3.
[2] Na eleição presidencial dos EUA de 1800, Thomas Jefferson derrotou John Adams. Após a derrota, John Adams resolveu nomear vários juízes em cargos relevantes, para manter certo controle sobre o Estado. Entre eles se encontrava William Marbury, nomeado Juiz de Paz. O secretário de justiça de John Adams não entregou o diploma de nomeação a Marbury. Já com Jefferson presidente, seu novo secretário de justiça James Madison, se negou a entitular Marbury. Marbury apresentou um writ of mandamus perante a Suprema Corte Norte-Americana exigindo a entrega do diploma. O processo foi relatado pelo Presidente da Suprema Corte, Juiz John Marshall, em 1803 e concluiu que a lei federal que dava competência à Suprema Corte para emitir mandamus contrariava a Constituição Federal. Como a lei que dava competência a Suprema Corte era inconstitucional, não cabia Suprema Corte decidir o pedido do mandamus. CONTEÚDO aberto. In: Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_Marbury_contra_Madison >Acesso em: 29 mar 2010.
[3] VELOSO, Zeno. O Senado precisa ser retirado do controle difuso de constitucionalidade In: ROCHA, Maria Elizabeth Guimarães Teixeira; PETERSEN, Zilah Maria Callado Fadul (coord.). Coletânea de estudos jurídicos. Brasília: Superior Tribunal Militar, 2008. p. 455-474.
[4] CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional: teoria do estado e da constituição.13. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 392.
[5] PALU, Oswaldo Luiz. Controle de constitucionalidade: conceito, sistemas e efeitos. São Paulo: Revista dos tribunais, 1999. p. 59
[6] PALU, Oswaldo Luiz. Controle de constitucionalidade: conceito, sistemas e efeitos. São Paulo: Revista dos tribunais, 1999. p. 111.
[7] POLETTI, Ronaldo Rebello de Brito. Controle da Constitucionalidade das leis. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 80.
[8] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 1088.
[9] PALU, Oswaldo Luiz. Controle de constitucionalidade: conceito, sistemas e efeitos. São Paulo: Revista dos tribunais, 1999. p. 118.
[10] POLETTI, op. cit. p. 83.
[11] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos, 2002, p. 649.
[12] PALU, op. cit. p. 123
[13] BARROSO, op. cit. p. 65.
Advogado da União. Pós Graduado em Direito Constitucional pela rede LFG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARRUDA, Weslley Rodrigues. Controle de constitucionalidade no Brasil: breve histórico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 dez 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42328/controle-de-constitucionalidade-no-brasil-breve-historico. Acesso em: 22 dez 2024.
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