RESUMO: O presente artigo almeja jogar luzes sobre pontos importantes acerca dos pressupostos históricos que culminaram na consolidação do Estado Social de Direito e na prática jurídica que lhe veio a ser correlata.
PALAVRAS-CHAVE: Estado Social de Direito. Contextualização histórica. Prática jurídica. Pressupostos.
1. INTRODUÇÃO
O modelo burguês de Estado Liberal, juridicamente veiculador de verdades matemáticas em códigos e baseado numa liberdade e igualdade amplas, porém formais, mostrou-se historicamente inadequado em face da evolução e da transformação da sociedade no Século XIX, marcada profundamente pela industrialização e pela urbanização. Houve toda uma gama de ocorrências históricas que culminaram na superação do Estado Liberal de Direito e na consolidação de um novo paradigma – o chamado Estado Social de Direito.
Esse novo paradigma social reestruturou o modo de pensar e fazer o Direito até então predominante, trazendo novos pressupostos jurídicos para sua interpretação e aplicação. O objetivo do presente artigo é justamente contextualizar historicamente tais mudanças, esclarecendo os principais elementos desse novo modelo jurídico – o qual, aliás, já há muito tempo apresentou-se problemático, ensejando um novo modelo, o chamado Estado Democrático de Direito. A análise aqui, contudo, cinge-se ao paradigma do Estado Social de Direito.
2. PRESSUPOSTOS PARA COMPREENSÃO DO ESTADO SOCIAL DE DIREITO
Os direitos de liberdade e igualdade abstratos dos burgueses deram azo e fundamentaram gigantescas práticas exploratórias daqueles que detinham o capital sobre aqueles que “eram livres” para vender/alugar sua força de trabalho ou celebrar contratos nos mercados capitalistas, sem qualquer ingerência estatal – posto que, até então, vedada.
As modificações sociais e econômicas, aliadas aos exageros atingidos pela liberdade meramente formal, geraram insatisfações que culminaram numa sociedade de classes e de massa profundamente insatisfeita, que, sedenta de mudanças, começou a se organizar em movimentos sociais voltados para obtenção de direitos que garantissem melhores condições de vida, por meio da instituição de salários mínimos, jornadas de trabalho limitadas, descansos periódicos, proteções contra os mais variados infortúnios da vida (doenças, acidentes, incapacidades, morte), custeamento de tratamentos de saúde etc.
Todas essas prestações não eram disponibilizadas pelos detentores do capital (eram livres para não fazê-lo), mas também não eram fornecidas pelo Estado (impossibilitado de fazê-lo). Dado esse total descompasso entre a ordem jurídica vigente e a pressão das aspirações sociais, um novo modo de pensar e fazer o Direito fez-se necessário.
Costa (2008, p. 284) destaca que a divergência entre as soluções jurídicas existentes e a realidade dos fatos (expectativas sociais) não foi uma crise de eficácia ou de eficiência, mas sim uma crise de legitimidade, “instaurada a partir do momento em que o direito passou a oferecer respostas formalmente adequadas com o sistema vigente, mas incompatíveis com os valores sociais que se tornavam dominantes”.
Dada a obsolescência dos códigos e a dificuldade de mudá-los com a celeridade que a velocidade das demandas sociais exigia, ganhou corpo a tendência de se modificar o Direito não necessariamente pela via legislativa, mas sim interpretativa. Se os códigos não mudam, mudam-se as formas de se trabalhar com eles. Aplicar o Direito deixa, então, de ser uma atividade de desvelamento do sentido originário da norma, para ser uma atividade de atribuição de sentido compatível com sua função social. O Direito passa a ser visto como uma ferramenta para que a sociedade pudesse atingir suas finalidades (COSTA, 2008, p. 254-255). E, dessa forma,
enquanto nas teorias tradicionais a interpretação era compreendida como um mecanismo de elucidação do conteúdo posto na lei pela vontade do legislador ou do sentido sistemático da norma, as teorias de viés sociológico acentuaram o fato de que as palavras da lei admitem interpretações diversas e que, portanto interpretar é escolher, dentre as muitas significações que a palavra oferecer, a justa e conveniente. Assim, é ressaltada a função criativa do intérprete e seu relevante papel na adaptação do direito a uma realidade social em constante mudança (COSTA, 2008, p. 262, grifo do original)
Forte é, portanto, a onda no sentido de que os juristas deveriam encarar o Direito não a partir do que ele é, mas do que ele deveria ser. Por detrás disso está uma base filosófica que já não garante ao Direito Privado e às suas normas o caráter de condensadores das verdades matemáticas. Os direitos individuais corporificados no Direito Privado não mais são vistos como verdades absolutas, mas sim como meras convenções (tal como já o era o Direito Público, desde o Estado Liberal (CARVALHO NETTO, 1999, p. 480). A própria segurança jurídica, tão tradicionalmente almejada e protegida, deixa de ser uma verdade matemática natural, para constituir-se em apenas mais um valor, tão ideologicamente defensável quanto outros (COSTA, 2008, p. 249).
Há, pois, uma politização do discurso jurídico, que passa a demandar dos juristas uma postura teleológica, histórica e objetiva (COSTA, 2008, p. 288) no modo de pensar e fazer o Direito, como forma de propiciar maior justiça às decisões. Isso, entretanto, não significa abandono do ideal de segurança jurídica, pois a ideia era tentar conciliar “cientificamente” os dois valores em jogo.
O que se buscava não era romper com a segurança garantida por uma metodologia hermenêutica racional e científica, mas introduzir uma nova metodologia, que fosse tão ou mais segura que a anterior, mas que fosse mais justa. Esse movimento de abertura tentava equilibrar a insegurança gerada pelo rompimento da literalidade com uma espécie de meta-segurança: era preciso modificar a interpretação do direito, mas sempre a partir de parâmetros objetivos. Assim, a ruptura do normativismo legalista não foi conduzida em nome de um irracionalismo romântico, mas foi inspirada por um racionalismo que acreditava que a metodologia científica poderia oferecer parâmetros seguros para uma atividade judicial fundada em argumentos teleológicos (COSTA, 2008, p. 286).
Os parâmetros objetivos que inspiravam as correntes sociológicas como garantia da segurança de seu método teleológico diziam respeito aos valores dominantes na sociedade, tidos por naturalmente válidos. Sob uma argumentação pretensamente científica, houve a vinculação – tida por lógica, e não ideológica - da justiça com os valores sociais dominantes (COSTA, 2008, p. 290).
3. CONCLUSÃO
A crise narrada resolve-se com o estabelecimento definitivo dos Estados Sociais. Neles, pode-se afirmar, com Carvalho Netto (1999, p. 480), que os já conhecidos direitos de igualdade e liberdade foram remodelados, enquanto outros, conhecidos como direitos de 2ª geração, foram acrescidos. A igualdade materializou-se, deixando de ser mera identidade de tratamento perante a lei para significar um tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais. Para os desiguais (os que tinham menos posses do que os outros ou o lado mais fraco das relações jurídicas), deveriam ser disponibilizadas prestações que os compensassem, materializando de fato a igualdade postulada na teoria. A liberdade, de sua sorte, passou a ser vista não como aquela ampla e irrestrita, mas como um direito precisamente conformado pelo Estado, através de leis sociais.
Como consequência dos movimentos sociológicos e de sua teleologia, as constituições dos Estados Sociais passaram a albergar as chamadas normas programáticas, ou seja, normas instituidoras de programas a serem executados pelo Estado, tendo em vista o perfazimento de determinadas finalidade sociais. O recurso às normas programáticas nas constituições almeja, assim, reconciliar Estado e Sociedade, sob um novo pacto, desta vez intervencionista (BONAVIDES, 2006, p. 236).
Deve-se apontar, aliás, que é precisamente a partir de todo esse contexto de formação e consolidação do Estado Social que Hans Kelsen irá desenvolver a Teoria Pura do Direito.
REFERÊNCIAS
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
CARVALHO NETTO, Menelick de. Requisitos pragmáticos da interpretação jurídica sob o paradigma do Estado Democrático de Direito. Revista de Direito Comparado, Belo Horizonte, v. 3, p. 473-486, 1999.
COSTA, Alexandre Araújo. Direito e método: diálogos entre a hermenêutica filosófica e a hermenêutica jurídica. Brasília: UnB, 2008. 421 p. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Faculdade de Direito, Universidade de Brasília, Brasília, 2008.
PROCURADOR FEDERAL. GRADUADO EM DIREITO PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - UFC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Igor Chagas de. Elementos para a compreeensão da prática do direito no estado social de direito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 dez 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42556/elementos-para-a-compreeensao-da-pratica-do-direito-no-estado-social-de-direito. Acesso em: 23 dez 2024.
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