RESUMO: Este artigo tem como objetivo instigar uma reflexão sobre a compreensão histórica do Direito, a partir de suas bases na escola sofista da Antiguidade Clássica até a Época Moderna, sobretudo, sob a ótica do filósofo alemão Friedrich Hegel.
PALAVRAS-CHAVE: Reflexão; Direito; Hegel.
ABSTRACT: This article aims to instigate a reflection on the historical understanding of the law, from their bases in sophist school Classical Antiquity to the Modern Age, especially from the perspective of the German philosopher Friedrich Hegel.
KEYWORDS: Reflection; law; Hegel.
1 INTRODUÇÃO
Georg Wilhelm Friedrich Hegel nasceu em 1770 em Stuttgart, a maior cidade e a capital do estado de Baden-Württemberg, na Alemanha. Filósofo de grande expressão do seu tempo, Hegel interessou-se pelo romantismo, na esfera poética, e pelas obras de dois grandes filósofos da Antiguidade que o influenciaram e influenciam, até hoje, o pensamento filosófico mundial: Platão e Aristóteles.
Hegel nasceu no contexto da Modernidade, período caracterizado por promover uma revolução na forma de se conceber o mundo e o conhecimento, decorrente principalmente de duas correntes de pensamento, o empirismo e o racionalismo. Ambas tinham um ponto em comum ao passo que buscavam desenvolver um conhecimento de base verdadeiramente segura que se contrapusesse ao desenvolvido durante a Idade Média.
O período moderno teve seu início demarcado pelo filósofo Francis Bacon, a partir da introdução de um novo método que objetivava a criação de um conhecimento sólido e produtivo no tocante a melhoria da vida humana e tinha a experiência como fim último do saber, e aqui experiência não era simplesmente a experiência contemplada por Aristóteles, resumida a percepções sensoriais, mas uma forma de reprodução dos fenômenos da natureza em situações controladas através da experimentação.
Se o empirismo, nesse período, teve seu auge com Francis Bacon, na corrente racionalista tem destaque René Descartes, o qual privilegiava a razão em detrimento da experiência e acreditava que só ela poderia encontrar a verdadeira essência do conhecimento. É, sobretudo, essa corrente racionalista moderna que pontuará a principal característica desse período que se propunha, através da razão, a explicar o mundo e todos os fenômenos que dele emergem, incluindo as relações humanas.
Seguindo a corrente racionalista, tal qual outro grande filósofo de sua contemporaneidade, Immanuel Kant, porém divergindo em alguns pontos, Hegel desenvolve seu sistema filosófico pautado na dialética, introduzindo a ideia de que o desenvolvimento social e histórico decorre do choque constante de tendências contrárias de ações e pensamentos.
Assim como construiu seu racionalismo em decorrência da influência do pensamento racional de Kant, sobremaneira criticando-o, sua dialética histórica mais tarde influenciará Karl Marx, culminando no desenvolvimento da doutrina marxista, esta todavia com contornos mais sociais. O fato é que, como ambos demonstram que o desenvolvimento humano e social resulta da dialética histórica, é perceptível uma aproximação ou ponto em comum entre suas teorias.
Hegel se formou em Teologia pela Universidade de Tübingen e chegou a participar de algumas discussões acerca da Revolução Francesa. Lecionou na Universidade de Iena e a primogênita de suas grandes obras foi a Fenomenologia do Espírito, concluída em 1807. Em 1818, assumindo o cargo de professor da universidade de Berlim, mudou-se para esta cidade na qual permaneceu até sua morte, em decorrência de cólera, no ano de 1831. Dentre as inúmeras obras primas, embora grande parte publicada após sua morte, escreveu: Resumo da Enciclopédia das Ciências Filosóficas, Filosofia do Direito, Filosofia da História, Filosofia da Religião e História da Filosofia.
Considerado por muitos até hoje como o fundador do idealismo absoluto e como um dos filósofos de mais difícil interpretação da história, devido à complexidade de seu raciocínio, sua obra marcou profundamente a modernidade e encontrou solo fértil em diversas áreas do conhecimento humano, em especial o direito. Este, diga-se de passagem, foi um dos campos do conhecimento humano que teve uma atenção especial por parte deste filósofo, que escreveu Princípios da Filosofia do Direito, considerada uma das mais difíceis de sua autoria. Faz-se necessário ressaltar aqui que sua entrada na esfera do mundo jurídico se deu não como jurista, mas sim como filósofo em sua essência.
2 PANORAMA HISTÓRICO DA COMPREENSÃO DO DIREITO
Antes de iniciar a árdua tarefa de adentrar na complexa perspectiva filosófica acerca do direito e do fenômeno jurídico, desenvolvida por Hegel, torna-se premente, com vistas a clarificar sua compreensão, apreciar algumas das mais importantes concepções e compreensões do direito que foram desenvolvidas ao longo da história da humanidade.
A primeira ideia de direito remonta a Antiguidade Clássica na Grécia Antiga, mais precisamente na escola Sofista no século IV a.c. Os sofistas se caracterizaram na história como os primeiros a se interessar pelos assuntos relacionados ao homem e à sociedade, rompendo assim com a escola pré-socrática, na qual havia uma preocupação cosmológica incessante. Todavia, a noção de direito neste período era difusa, não autônoma e quase sempre muito entrelaçada ao campo da moral, da política e da teologia, como nos apresenta, em seu livro História da Filosofia do Direito, o jusfilósofo italiano Giorgio Del Vecchio:
Nos primeiros tempos a confusão é completa. Aparece-nos de modo característico no Oriente, em cujos livros sacros são tratados em conjunto a cosmogonia, a moral e os elementos de várias outras ciências, teóricas e práticas. Neles domina o espírito dogmático; o direito é concebido como um comando da divindade e como superior ao poder humano, e, por isso, não como objeto de discussão ou de conhecimento, mas apenas de fé. Assim, as leis positivas consideram-se indiscutíveis, e inquestionável o poder existente, como expressão da divindade. (Vecchio, 2006:12)
Os sofistas eram individualistas e enxergavam todas as coisas com um subjetivismo elevado. Ensinavam, pois, que cada homem tinha sua própria forma de enxergar o mundo e se relacionar com ele. Conforme sua filosofia seria impossível alcançar uma ciência objetiva e universalmente válida. Consequentemente, ao negar a objetividade em quase todos os aspectos da vida, logo tanto o direito quanto a justiça seriam mutáveis e relativos.
Na visão de Sócrates (469 – 399 a.c), que se contrapusera veementemente ao praticismo e ceticismo sofista, a razão humana bem orientada deveria se guiar em busca da verdade e, sendo esta a mesma em qualquer indivíduo, poderia se chegar a uma verdade objetiva e universal. Este pensamento estendeu-se para a justiça e o direito, sobretudo no seu mais alto grau de eticidade e obediência às leis, fossem elas escritas ou não.
O próprio Sócrates pôs em prática esse princípio quando, acusado de haver introduzido novos deuses e de ter corrompido a juventude, e, tendo sido condenado à morte por esses pretensos delitos, quis que se executasse a condenação, e enfrentou serenamente a morte, da qual tinha podido escapar. (Vecchio, 2006:18)
Platão (427 – 347 a.c.), mais destacado discípulo de Sócrates, possui uma ideia de direito atrelada ao Estado, que para ele, é como um organismo no qual todos os indivíduos são órgãos a desempenhar determinadas funções. Neste sentido, a justiça e o direito aparecem como o meio pelo qual se promoverá a harmonia entre os indivíduos e o Estado. “Assim no indivíduo, como no Estado, deve reinar alguma harmonia, que se obtém pela virtude. A Justiça é a virtude por excelência, enquanto esta consiste em uma relação harmônica entre as várias partes de um todo.” (Vecchio, 2006:19)
Idealista, indica a existência de três faculdades na alma do homem: a razão, a coragem e o senso, cabendo à primeira dominar, a segunda atuar e a terceira obedecer. Da mesma forma insinua que o Estado, por ser entendido por ele como um organismo formado por vários outros possui também três classes: a dos sábios, a dos guerreiros e a dos artífices e agricultores, cabendo aos primeiros o poder para dominar, aos segundos a proteção ao organismo estatal e, aos terceiros, a função de nutrir e suprir as necessidades de todos. Todavia, na concepção estadista de Platão, cabe ao Estado poderes ilimitados, isto é, sua vontade é a que prevalece em detrimento das individualidades.
O Estado, segundo Platão, domina ainda a atividade humana em todas as suas manifestações; a ele compete promover o bem e todas as suas formas. O poder do Estado é ilimitado, nada é reservado exclusivamente ao arbítrio dos cidadãos, mas tudo está sob a competência e ingerência do Estado. [...] Nesta concepção, o elemento individual é de todo sacrificado ao social e ao político. Falta inteiramente a idéia de que todo indivíduo tenha certos direitos próprios, originários. O Estado domina de modo absoluto. (Vecchio, 2006:20-21)
Aristóteles (384 – 322 a.c), discípulo de Platão e preceptor de Alexandre Magno, concebe o Estado não como uma simples associação destinada a alcançar determinado fim, mas principalmente como uma união orgânica necessária em busca da perfeição. Entretanto, num aspecto difere Aristóteles de Platão no que diz respeito ao Estado.
Quanto às relações entre o Estado e os indivíduos, enquanto Platão queria afastados os graus intermediários, absorvidos nele, Aristóteles os conserva, concebendo assim o Estado como a mais elevada síntese da convivência, mas síntese que não elimina os agregados menores, como a família, mesmo a tribo, ou os vilarejos. (Vecchio, 2006: 27)
Contudo, a concepção de justiça e direito de Aristóteles se aproxima da de Platão, também cabendo ao Estado o poder de ditar o direito e exercer a justiça:
O Estado regula a vida dos cidadãos por intermédio das leis. Estas dominam toda a vida, porque o indivíduo não pertence a si, mas ao Estado. O conteúdo das leis é a justiça, e desta Aristóteles elaborou profunda análise. O princípio da justiça é a igualdade, a qual vem aplicada de vários modos. (Vecchio, 2006: 25)
Ainda na Antiguidade, após Aristóteles, surgem duas escolas filosóficas o estoicismo e o epicurismo que introduziram suas teorizações sobre a ética e vão influenciar, posteriormente, todas as escolas de ética da época moderna. Acredita-se hoje que as escolas modernas se desenvolveram a partir das escolas originárias, umas seguindo o estoicismo, outras o epicurismo. O conceito de ética é extremamente importante ao direito e à justiça, pois é o princípio que os regula por excelência.
A escola estóica é uma derivação da escola cínica e que acreditava que o bem maior que se podia alcançar estava na simplicidade e no contentar-se com pouco. Assim, buscava-se a retomada do estado primitivo mediante a simplicidade e, desta forma, desprezavam-se costumes e até as leis. “O sábio quase não tem necessidades e despreza aquilo que os homens comuns desejam: ele segue apenas a lei da virtude, e não cuida das demais leis positivas” (Vecchio, 2006: 30)
O estoicismo, entretanto eleva o ideal fundamental da filosofia cínica e introduz uma compreensão do homem como pertencente a uma lei universal natural e, diferentemente do que até então se havia proposto, suprime-se o poder do Estado e eleva-se a condição humana.
Até então dominava um ideal estritamente político no qual o fim supremo era, em suma, a pertença do indivíduo ao Estado. Mas com a Filosofia estóica anuncia-se e se prepara uma moral mais abrangente e mais humana. o estoicismo afirma que existe uma liberdade que jamais qualquer opressão poderá destruir, aquela que deriva da supressão das paixões. O homem é livre se segue a sua verdadeira natureza, isto é, se aprende a vencer as paixões, postando-se independente delas. (Vecchio, 2006:31-32)
Já a escola epicurista, oposta a estóica e fundada por Epicuro em meados 306 a.c em Atenas, era oriunda da escola hedonística, na qual o maior bem que se poderia alcançar seria o prazer. De acordo com Del Vecchio (2006 p. 32):
Para Epicuro a virtude não é o fim supremo, como para os estóicos, mas um meio para chegar à felicidade. Assim, enuncia-se o princípio utilitário, ou hedonístico, avesso à moral estóica; e pode se afirmar que as escolas éticas posteriores dividiram-se segundo essas duas concepções, em contínuo contraste. (Vecchio, 2006:32)
Para Epicuro, o homem naturalmente não é um ser social e vive permanentemente em luta com outros homens e o Estado surge, através do direito e aplicação da justiça, para amenizar o sofrimento e dor, geradas pelos embates existentes.
Assim, para Epicuro, o direito é apenas um pacto utilitário, e o Estado é o efeito de um acordo que os homens poderiam romper toda vez que em tal união não encontrassem a utilidade pela qual a concluíram. Como se vê, o Estado de Epicuro está, pois, em condição de anarquia potencial. Tem-se, aqui, a primeira formulação (prescindindo-se de qualquer aceno dos Sofistas) da doutrina platônica e aristotélica, que, ao contrário, fundava o Estado sobre a natureza mesma dos homens. (Id. Ibid. p. 33)
Esse princípio utilitário anunciado pelo epicurismo foi o precursor ou princípio gerador da concepção utilitária de justiça da modernidade que terá em Jeremy Benthan e Stuart Mill seus maiores expoentes.
Com o fim do período helênico e o advento do Império Romano, o direito passou a ser considerado num viés totalmente oposto aos modelos socrático, platônico e aristotélico. Roma, embora não tenha tido uma filosofia própria, tinha o direito como objeto supremo e, nesta questão, eles foram decisivos para a criação do conceito de direito natural. De acordo com Del Vecchio (2006 p.36):
O conceito de uma lei natural, comum a todos os homens torna-se familiar aos juristas romanos, como uma crença implícita e subentendida na sua própria noção do direito positivo. É apontado como o fundamento deste a naturalis ratio, que não significa a mera razão subjetiva, individual, mas aquela racionalidade que está inscrita na ordem das coisas e é, por isso, superior ao arbítrio humano. Há, portanto, uma lei da natureza, imutável, não feita a propósito, mas já existente, nata; lei uniforme e não sujeita a mutações por obra humana. (Vecchio, 2006: 36)
O grande nome de expressão dentre os juristas romanos foi Cícero (106 - 43 a.c), que teve profunda influência do estoicismo em suas ideias e, como a maioria dos outros juristas romanos, acreditava ser o direito dado pela natureza e não produto do arbítrio.
Ao adentrarmos na Idade Média, período considerado até hoje por muitos como uma era de trevas, verificou-se que o direito deixara de ser autônomo ou natural e passara a ser ditado pela moral religiosa, portanto, a visão que se tinha do direito era profundamente teológica.
Um primeiro efeito, de natureza metodológica, é a aproximação do Direito à Teologia. Posto que um Deus pessoal governa o mundo, considera-se o direito como fundado sob um comando divino. O Estado como instituição divina. E a vontade divina é conhecida não tanto pelo raciocínio, quanto pela revelação; antes de ser demonstrada, deve ser crida, aceita pela fé. (Vecchio, 2006: 42)
No Renascimento, caracterizado como período de transição entre a Antiguidade e a Época Moderna, que iniciou ao final do século XIV e perdurou até o século XVI, houve uma busca incessante pela revitalização da Antiguidade Clássica. O resultado dessa empreitada foi uma mudança drástica na forma de se enxergar o mundo e a natureza humana, até então predeterminados pela moral religiosa.
A partir dessa época, o teocentrismo cede lugar ao humanismo, que coloca o homem de volta ao centro das discussões e dos interesses, tal como fizeram os sofistas em oposição à cosmologia pré-socrática. A ocorrência dessas mudanças também provocou uma nova forma de se enxergar o direito, que agora não mais era algo imposto por Deus ou autoridades religiosas, mas sim determinado como fruto do humano e do racional.
Também no campo teórico, o problema jurídico e político põe-se, portanto, sob novas bases, e assim se procura saber, em primeiro lugar, qual deva ser a relação entre o indivíduo e a sociedade política, entre governados e governantes no Estado. Não mais, como na Idade Média, entre a Igreja e o Império (as teorias escolásticas, por exemplo, a das duas espadas, perdem então muito do seu significado). (Vecchio, 2006: 60)
Por fim, chegamos à época Moderna. Pode-se dizer que esse período é a ampliação do fenômeno renascentista, pois todas as transformações iniciadas pelo Renascimento continuam a provocar novas mudanças e estas assumem um caráter irreversível.
No campo do direito, desenvolveram trabalhos pensadores como: Hugo Grócio e Thomas Hobbes, que conceituaram o direito como sinônimo de força; Samuel Pufendorf, John Locke, Goffredo Guilherme Leibniz, Cristiano Tomásio, Cristiano Wolf, que se preocuparam em buscar, sobretudo, o fundamento racional do direito; Giovanni Baptista Vico e Carlos de Montesquieu, que enfocam o direito como resultado de uma perspectiva histórica e, portanto, iniciam a escola historicista do direito, que ganha força no início do século XIX.
Além destes, surgiram muitos outros que trouxeram grandes contribuições para o campo do direito como Jean Jacques Rousseau, Immanuel Kant, Giovanni Amedeo Fichte e o próprio Hegel. Contudo, cabe ressaltar que, devido à numerosa quantidade de pensadores e suas respectivas obras, seria inconcebível aprofundá-los neste estudo.
Tomando por assente essa perspectiva e considerando que Hegel fundou o seu racionalismo, sobretudo mediante influência e crítica a Kant, se torna pertinente uma breve apreciação da visão do direito deste antes de adentrarmos na perspectiva do direito sob a ótica Hegeliana.
Immanuel Kant (1724 – 1804), filósofo alemão, procurou criar um sistema que possibilitasse a explicação da razão prática e da razão teórica que superasse o dogmatismo de seu predecessor Wolf e o ceticismo de Hume. No campo da Ética, Kant procura demonstrar que a razão humana não consegue por si só fundamentar as bases para a constituição de um modelo ideal de felicidade humana:
O que inquieta Kant, em suas discussões, de um lado, é relatar a insuficiência do sistema racional para a resolução do conflito ético humano, bem como, de outro lado, relatar que não na experiência sensível se encontrará o elemento que garanta a felicidade e a realização ética humanas. (Almeida e Bittar, 2005: 270)
No campo do direito propriamente dito, Kant estabeleceu separação completa entre direito e moral, porém, as concebe como um todo unitário ao passo que estabelece que as mesmas ideias se relacionam. Entende, pois, a moral como interior ao indivíduo, fazendo parte de uma espécie de legislação interna e diz que uma ação moral é aquela que se produz conforme esses preceitos éticos. Já o direito, o caracteriza como uma legislação externa com alto poder de coercitividade:
O agir jurídico pressupõe outros fins, outras metas, outras necessidades interiores e exteriores para que se realize; não se realiza uma ação conforme à lei positiva somente porque se trata de uma lei positiva. Pode-se encontrar ações conforme à lei positiva que tenha inúmeros móveis: temor da sanção, desejo de manter-se afastado de repressões, prevenção de desgastes inúteis, e da penalização das autoridades públicas, medo do escândalo etc. (Id. Ibid. p. 278)
3 A PERSPECTIVA DE HEGEL
Hegel, em seu livro Princípios da Filosofia do Direito expõe a síntese de seu pensamento sobre esta temática de forma muito peculiar. A princípio, pode-se dizer que ele não enxerga o direito sob a ótica positivista, tampouco sob a ótica naturalista, mas sim como a liberdade de consciência. “§29 - O fato de uma existência em geral ser a existência da vontade livre constitui o Direito. O Direito é, pois, a liberdade em geral como idéia.” (Hegel, 1997:31)
Na obra acima citada, Hegel nos mostra inicialmente, que a filosofia do direito se ocupa antes de encontrar o real fundamento do conceito do direito, buscando correlação com sua realização exterior; acredita, pois, que qualquer conceito elaborado deve ter correspondência na realidade: “§1 - O objeto da ciência filosófica do direito é a idéia do direito, quer dizer, o conceito do direito e a sua realização.” (Hegel, 1997: 01)
Demonstra que a Ciência do Direito faz parte da filosofia. A esta cabe a tarefa de formular o conceito de direito, enquanto àquela tem a mera função de formular o que é de sua competência, isto é, as leis:
Quanto à sua génese, o conceito do direito encontra-se, portanto, fora da ciência do direito. A sua dedução está aqui suposta e terá de ser aceita como dado. É o método formal e não filosófico que exige e procura antes de tudo a definição, para possuir ao menos a forma exterior da exposição científica. Aliás, a ciência positiva do direito pouco tem a ver com tal exigência, pois o que sobretudo lhe importa é formular o que é de direito, ou seja, as disposições legais particulares. (Id. Ibid. p. 02)
Com a noção de que tudo que existe só pode ser real se assim decorrer do racional, Hegel acredita que qualquer conceito criado deve partir do racional, a saber, das ideias decorrentes do espírito. Aqui, espírito é relativo à inteligência e esta se constitui como a base de onde se pode alcançar a vontade livre, tida como liberdade de consciência de si e como a concretização do próprio direito. Dessa base racional, surge a justiça, que norteia a produção do próprio direito:
§4 - O domínio do direito é o espírito em geral; aí, a sua base própria, o seu ponto de partida está na vontade livre, de tal modo que a liberdade constitui a sua substância e o seu destino e que o sistema do direito é o império da liberdade realizada, o mundo do espírito produzido como uma segunda natureza a partir de si mesmo. (Hegel, 1997: 12)
O próprio autor ainda corrobora que: “§29 - O fato de uma existência em geral ser a existência da vontade livre constitui o Direito. O Direito é, pois, a liberdade em geral como Idéia.” (Id. Ibid. p. 31)
Mais adiante, o filósofo trata sobre a aceitação e reconhecimento do direito pelo indivíduo e pela sociedade em geral. Para ele, o direito só adquire validade, isto é, se torna realmente objetivo, quando cultura geral sabe de sua existência e assim o reconhece. No caso de uma lei nova, por exemplo, essa lei só terá validade e se efetivará se a sociedade assim a reconhecer como tal, caso contrário será o que se conhece no mundo jurídico como “letra morta”. “É, porém, o próprio domínio do relativo, a cultura, que dá existência ao direito. O direito é, então, algo de conhecido e reconhecido, e querido universalmente, e adquire a sua validade e realidade objetiva pela mediação desse saber e desse querer.” (Hegel, 1997: 185). Ainda, “§210 - A realidade objetiva do direito está, por um lado, em existir para consciência, ser algo que se sabe, e, por outro lado, em ter a força e o valor reais e ser conhecido nesse valor universal.” (Id. Ibid. p. 185)
Por fim, o autor ainda discorre sobre a definição de direito positivo e o caracteriza como a lei objetiva que surge do pensamento que somente à lei positiva se pode agregar uma força de coação. Todavia, adverte que as leis positivas podem sofrer influências das esferas particulares do indivíduo e assim, passa a servir a interesses particulares podendo tornar-se injusta e, consequentemente, diferindo da real essência do direito, a justiça.
§212 - Nesta identidade do que é em si e do que é afirmado, só tem capacidade jurídica para obrigar o que for lei positiva. Como a realidade positiva constitui o aspecto de existência, nela se pode também inserir a contingência do capricho e outras realidades particulares, e pode, portanto, acontecer que a lei seja, em seu conteúdo, diferente do que o direito é em si. (Hegel, 1997: 188)
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao se analisar o ideário de compreensão do direito na Antiguidade Clássica, perpassando pela Idade Média e desembocando na Modernidade, fica evidente que a concepção do que vinha a ser direito e justiça sofreu variações ao longo dos tempos. Estas foram frutos de momentos da história e das relações que se concretizaram nas sociedades. É notória também a importância das grandes contribuições destes pensadores para todos os campos do conhecimento humano, em especial o direito.
Além disso, é possível inferir também que, ao longo da história e na produção humana, as bases para construção de um novo pensamento humano, o que inclui pensamento jurídico, surgiram, como Hegel defende, a partir de um embate de ideologias, resultando da crítica ou mesmo da total refutação dos pensamentos anteriores, isto é, de uma dialética histórica, referência principal de seus ideários.
Portanto, pode-se concluir ao término deste estudo, que o pensamento de Hegel, assim como o de tantos outros ao longo da história, contribuiu para o desenvolvimento da ciência do direito e da filosofia do direito com os contornos nos quais as encontramos hoje. Todavia, vale ressaltar aqui que, devido à complexidade de tais pensamentos, sobretudo os do referido autor, deve haver uma necessidade constante de reflexão sobre suas teorias, pois ainda há muita divergência entre as variadas interpretações de seus pensamentos.
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BACON, Francis. Novum organum. São Paulo: Nova Cultural, 2000. p.254 (Coleção Os Pensadores)
BITTAR, Eduardo Carlos Bianca; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito: I-panorama histórico, II-tópicos conceituais. 4ª edição. São Paulo: Atlas, 2005. p.580
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da filosofia do direito. Tradução de Orlando Vitorino. São Paulo: Martins Fontes, 1997. (Clássicos). p. 329.
VECCHIO, Giorgio Del. História da filosofia do direito. Tradução e notas de João Baptista da Silva. Belo Horizonte: Editora Líder, 2006. p. 284
Graduado com Licenciatura Plena em Ciências Naturais pela UNIVERSIDADE TIRADENTES - UNIT (2009). ATUALMENTE: Graduando do bacharelado em Direito pela UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE - UFS; Oficial Administrativo da Secretaria de Estado da Educação de Sergipe - SEED/SE; Atua como Articulista Voluntário do Portal CONTEÚDO JURÍDICO (http://www.conteudojuridico.com.br), onde contribui com a publicação de artigos científicos; Atua como Articulista Voluntário do Portal WEBARTIGOS.com (http://www.webartigos.com), contribuindo aqui com artigos diversos; É idealizador do BLOG JURÍDICO: www.dissertandosobredireito.wordpress.com, onde escreve crônicas jurídicas e artigos de opinião. Atua também como editor e revisor, no próprio blog, uma vez que recebe contribuições externas de outros autores. http://lattes.cnpq.br/6328264229593421
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Luiz Tiago Vieira. A compreensão histórica do direito e sua percepção sob a perspectiva Hegeliana Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 mar 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43519/a-compreensao-historica-do-direito-e-sua-percepcao-sob-a-perspectiva-hegeliana. Acesso em: 23 dez 2024.
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