RESUMO: Este artigo se propõe a abordar o assédio moral nas relações de trabalho e seus efeitos, com enfoque na análise do princípio da dignidade da pessoa humana, bem como de princípios trabalhistas, jurisprudência e doutrina. Revelando que apesar de inexistir norma infraconstitucional específica em nosso ordenamento jurídico que aborde o tema em questão, com a utilização do método dedutivo e de técnica de pesquisa documental, resta claro que o trabalhador vítima do assédio moral desfruta de proteção, fazendo jus ao recebimento de indenização por dano moral por meio de pleito perante a Justiça do Trabalho, visando atenuar as conseqüências causadas pelo transtorno que lhe fora causado. Nessa esteira de raciocínio e com base nos resultados obtidos pela pesquisa entende-se que este fenômeno social configura-se como uma lesão à honra, à imagem e à dignidade que geram doenças profissionais, devendo ser desmotivada por meio do Poder Judiciário, mas que também deve ser analisada sobre o prisma oposto, ou seja, sob o ponto de vista do considerado sujeito ativo da relação de assédio moral, tendo em vista o fato de que a banalização do pleito pelo dano moral pode gerar um certo esforço para enquadrar condutas que possuam alguns traços de similaridade com uma conduta de assédio como uma própria conduta de assédio.
Palavras- chaves: Assédio moral. Relação de trabalho. Dano moral.
ABSTRACT: This article aims to address bullying in labor and theirs effects, focusing on the analysis of the principle of human dignity, as well as labor principles, jurisprudence and doctrine. Revealing that despite the non-existence of infra-specific standard in our legal system to address the issue in question, using the deductive method and technique of documentary research, it is clear that the employee victim of bullying enjoys protection, the right to receive the moral damages by pleading before the Labour Court, to mitigate the consequences caused by the disorder that had been caused. On this track of reasoning and based on the results obtained from the survey means that this social phenomenon appears as an injury the honor, image and dignity that generate occupational diseases, it is possible to observe the need for preventive measures against aggression in question, should be disheartened by the judiciary, but must also be analyzed on the prism opposite, ie, from the point of view considered active subject of the relationship of bullying, in view of the fact the trivialization of the election by damage can generate some effort to fit pipes that have some features of similarity with a harassing conduct itself as a harassing conduct.
Keywords: Bullying. Working relationship. Damage.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Princípios . 2.1. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 2.2. Princípio da Proteção. 3. O Assédio Moral e o Pleito do Dano Moral perante a Justiça do Trabalho. 3.1. Conceito de Assédio Moral. 3.2. Condutas não Configuradoras do Assédio Moral. 3.3. Assédio Moral e a sua Proteção Jurídica. 4. Conclusão. 5. Referências .
1. Introdução
O fenômeno do assédio moral no ambiente de trabalho, embora esteja presente desde o início do trabalho assalariado, passou a se destacar mais recentemente devido ao modelo de trabalho atual, no qual o mercado de trabalho cada vez mais concorrido expõe o trabalhador cada vez mais à aceitação de situações humilhantes temendo o desemprego, favorecendo assim a ocorrência desta agressão ao trabalhador.
Diante de uma breve análise acerca do assédio moral, conclui-se que este é configurado por meio da prática de uma conduta abusiva, que tem como característica a lesão à dignidade e até mesmo à integridade física do trabalhador, feita por meio de palavras e comportamentos, tendo por conseqüência um ambiente de trabalhado degradado.
Como forma de extirpar a prática de tais condutas, a doutrina e a jurisprudência, com base nos estudos principiológicos, garantem proteção ao assediado, demonstrando que embora não haja legislação específica tutelando esta prática, é plenamente cabível o pleito perante à Justiça do Trabalho à condenação do assediador ao pagamento de dano moral em favor da vítima que sofreu o assédio.
Além dos estudos com base nos princípios, também pode ser feita uma análise em relação à proteção garantida pelo Poder Judiciário Trabalhista com fulcro na jurisprudência e na Consolidação das Leis do Trabalho, que retrata a proteção dispensada ao trabalhador vítima do assédio moral em seu ambiente de trabalho.
Deve ser ressaltado que o estudo acerca deste fenômeno não se apresenta indispensável apenas para o trabalhador, sujeito passivo do assédio, mas também para o empregador, sujeito ativo da relação, tendo em vista que há uma grande confusão sobre o que realmente pode ser caracterizado como uma conduta assediadora, já que muitas situações podem apresentar alguma similaridade com o assédio, mas não podem ser enquadradas como tal.
Diante do exposto, o presente trabalho pretende demonstrar o conceito e os requisitos à configuração do assédio moral, delineando os sujeitos de sua relação e esclarecendo quais condutas podem ser consideradas assédio moral. Afastando desse modo a proliferação de pleitos perante a Justiça do Trabalho de ações de dano moral totalmente descabidas e aproximando do Judiciário pessoas que tem seus direitos violados e muitas vezes até desconhecem que estão sofrendo este tipo de assédio, e que podem ter amparo judicial para tanto.
2. Princípios
2.1. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
Os princípios são os pilares que alicerçam a ciência devidamente imposta. Albergam uma diretriz de maior amplitude que uma regra normativa, servindo também para estabelecer alguns limites, objetivando a correta compreensão e interpretação da ciência em estudo. Segundo Sérgio Pinto Martins:
O princípio é considerado como o primeiro passo na consecução de uma regulação, passo ao qual devem seguir-se outros. O princípio alberga uma diretriz ou norte magnético, muito mais abrangente que uma simples regra; além de estabelecer certas limitações, fornece diretrizes que embasam uma ciência e visam à sua correta compreensão e interpretação. (MARTINS, 2007, pág.58).
Previsto no art. 1º, III, do nosso Texto Constitucional de 1988, o princípio da dignidade da pessoa humana apresenta-se como fundamento da República Federativa do Brasil, devendo servir de norte por todos de maneira indistinta e de limitação aos atos de terceiros que reduzam a pessoa à condição de objeto.
Constituindo-se como o principal e mais amplo princípio constitucional, este se aplica em todos os âmbitos do Direito, devendo fazer parte de todas possíveis relações jurídicas, estando presentes no Direito Penal, Direito Civil, Direito Trabalhista, dentre outros.
Dando enfoque ao Direito do Trabalho, é indiscutível o fato de que a Ordem Social tem como elemento norteador o primado do trabalho, razão pela qual a Constituição de 1988 imprime grande relevância aos assuntos que tratam do valor do trabalho, em consonância com os fundamentos da República, justificando a proliferação de políticas de criação de novos empregos, priorizando aos trabalhadores a garantia de inúmeros direitos. Nas palavras de José Cairo Jr.:
Nesses casos, o empregado não é violentado fisicamente. A violência é moral e dissimulada, o que dificulta a proteção judicial do direito da personalidade do empregado. Constitui ofensa à mencionada cláusula, implícita em qualquer contrato de trabalho, de observância à dignidade da pessoa humana, do trabalhador e garantido especificamente pela Lex Legum, art. 5, inciso III: “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. (CAIRO JR., 2008, pág. 453).
Enfocando o princípio em comento e sua relação com o Direito do Trabalho, é notório o fato de que o legislador constituinte garante a proteção da pessoa humana não apenas no aspecto material, tutelando o seu salário, como também no aspecto subjetivo protegendo a integridade física e mental do trabalhador.
Embora represente uma norma-princípio fundamental que determina a preservação e o resguardo da dignidade do trabalhador em suas relações jurídico trabalhistas, não é raro a situação de desrespeito ao que preceitua o princípio em comento, sendo um dos grandes propulsores desta prática os atuais métodos de trabalho adotados pelas empresas.
2.2. Princípio da Proteção ao Trabalho
O princípio trabalhista em comento preceitua que para que seja compensada a superioridade econômica do empregador em relação ao empregado, deve ser garantida a superioridade jurídica a este. Desdobra-se em três aplicações, sendo estas: in dúbio pro operário; aplicação da norma mais favorável ao trabalhador; condição mais benéfica ao trabalhador.
No que tange a aplicação do in dúbio pro operário, se entende que após a verificação do ônus da prova, sua produção e seu exame, resta ao aplicador do direito decidir com base na premissa de que em caso de dúvida deve ser priorizado o direito do trabalhador, em detrimento do que fora alegado e não comprovado por seu empregador. Preceitua José Cairo Jr.:
Esta regra deve ser aplicada no âmbito do Direito Material do Trabalho e jamais no que se refere ao Direito Processual laboral, onde as partes devem merecer tratamento isonômico. Se o Juiz, depois de produzida a prova processual, ainda tiver dúvidas, deverá julgar de acordo com a distribuição do ônus da prova, e não com a aplicação do in dúbio pro operário. (CAIRO JR., 2008, pág. 453).
De acordo com Sérgio Pinto Martins:
A aplicação da norma mais favorável pode ser dividida de três maneiras: (a) a elaboração da norma mais favorável, em que as novas leis devem dispor de maneira mais benéfica ao trabalhador. Com isso se quer dizer que as novas leis devem tratar de criar regras visando à melhoria da condição social do trabalhador; (b) a hierarquia das normas jurídicas visando à melhoria da condição social do trabalhador. Assim, se o adicional de horas extras previsto em norma coletiva for superior ao previsto na lei ou na Constituição, deve-se aplicar o adicional da primeira. A exceção à regra diz respeito a normas de caráter proibitivo; (c) a interpretação da norma mais favorável: da mesma forma, havendo várias normas a observar, deve-se aplicar a regra mais benéfica ao trabalhador. (MARTINS, 2007, pág.61).
Como se vê em se tratando da aplicação da norma mais favorável ao trabalhador, pode-se dizer que deve haver um desmembramento quanto as direções de seu uso, sendo estes : a elaboração da norma mais favorável, em que as normas devem primar por situações mais benéficas ao trabalhador; a hierarquia das normas jurídicas, que determina que existindo várias normas a serem aplicadas deve ter prioridade a que for mais benéfica ao trabalhador; interpretação da norma mais favorável, que busca a análise que proporcione mais benefícios ao trabalhador.
No que diz respeito à condição mais benéfica ao trabalhador, da interpretação acerca desta garantia, depreende-se que as vantagens já conquistadas pelo trabalhador não podem ser alvo de alterações que o prejudiquem. De acordo com a súmula 51 do TST “as cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento”. Desse modo, uma cláusula que seja mais desfavorável ao obreiro somente poderá ter validade em relação aos novos trabalhadores admitidos no estabelecimento e não quanto aos que já trabalhavam na empresa à época da alteração da norma. Nas palavras de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino:
Esse postulado tem marcada influência em todas as características do Direito do Trabalho, sendo, em verdade, determinante da configuração de sua estrutura geral. Em decorrência do conflito verificado entre capital e trabalho, tornou-se necessária a criação de uma teia de proteção jurídica à parte hipossuficiente – o obreiro, visando a atenuar o desequilíbrio existente no universo das relações empregatícias. (PAULO e ALEXANDRINO, 2011, pág.30).
Em resumo, o princípio da proteção ao trabalho limita a atuação do empregador, uma vez que este só pode agir dentro de limites que não firam os direitos dos trabalhadores, funcionando assim como um verdadeiro contrapeso superioridade do empregador em relação ao empregado.
3. O Assédio Moral e o Pleito do Dano Moral perante a Justiça do Trabalho
3.1. Conceito de Assédio Moral
O conceito de assédio moral provém da área da psicologia, tendo sido adaptado para a área jurídica, tendo em vista o fato de que este fenômeno não é previsto especificamente em nosso ordenamento.
Também conhecido como coação moral ou mobbing, configura-se numa prática reiterada de comportamentos arbitrários, que tem como conseqüência a lesão à personalidade, à dignidade, à honra, e à integridade física ou psíquica do trabalhador, acarretando um ambiente de trabalho degradado e visando a promover a sensação de exclusão do trabalhador do ambiente em que trabalha e do convívio social. Segundo Maria Aparecida Alkimin:
Diante disso, podemos afirmar que a relevância jurídica do assédio moral é cristalina, pois essa prática contamina o ambiente de trabalho, violando a garantia constitucional de um meio ambiente do trabalho sadio e equilibrado, além de agredir a dignidade da pessoa humana do trabalhador, atingindo seus atributos pessoais, tais como, imagem, saúde, liberdade, intimidade, honra e boa fama, ingressando na seara do dano moral; enfim, concluímos que o assédio moral viola direitos e garantias fundamentais, tutelados pelo ordenamento jurídico constitucional. (ALKIMIN, 2008, pág. 37-38).
A exteriorização desta conduta se dá por meio de atos que intimidam ou insultam a vítima, capazes de provocar medo, humilhação e sentimento de baixa auto estima do empregado, que via de regra, procura um isolamento no meio de trabalho.
No entendimento da autora Maria Aparecida Alkimin dentre as possíveis causas do assédio moral estão:
Dentre as várias causas que geram a conduta assediante, podemos mencionar várias: deficiências na organização do trabalho, precariedade de comunicação e informação interna, corrida pela competitividade e lucratividade, ausência de uma política de relações humanas, rivalidade dentro do setor, gerenciamento sob pressão para forçar a adaptação e a produtividade, inveja, ciúmes, e até mesmo a perversidade inerente a muitas pessoas. (ALKIMIN, 2008, pág.49).
Diante do exposto pela autora, entende-se então que o modelo de trabalho atual adotado pelo mundo capitalista, cada vez mais competitivo, enseja cada vez mais o crescimento do assédio moral em face dos trabalhadores, que estando em uma situação de crescente disputa de vagas de trabalho, temendo o desemprego, aceitam o assédio como forma de se manterem no trabalho.
Importante ressaltar que a prática do assédio moral não ocorre apenas quando quem se encontra em situação hierárquica superior ao do trabalhador comete atos de ofensa à dignidade e a honra por meio de humilhações a este, podendo se dar também quando aquele permite que outros colegas de trabalho de mesmo nível funcional pratiquem atos que atinjam o trabalhador. Contudo, em geral, quando quem pratica o assédio é alguém de nível hierárquico superior ao do assediado, as conseqüências se mostram mais gravosas. Segundo a psicóloga Marie-France Hirigoyen:
A experiência mostra que o assédio moral vindo de um superior hierárquico tem consequências muito mais graves sobre a saúde do que o assedio horizontal, pois a vítima se sente ainda mais isolada e tem mais dificuldade para achar a solução do problema. (HIRIGOYEN, 2009, pág.33).
Caracteriza-se não apenas pelas freqüentes humilhações, mas também quando da exposição da vítima ao ridículo, da supervisão extremamente excessiva – não podendo ser confundida com a supervisão criteriosa-, do ato de dificultar ao trabalhador o acesso a informações necessárias ao bom desenvolvimento de seu trabalho e da distribuição de serviços e prazos para sua realização incompatíveis com a realização da tarefa. Nas palavras de Márcia Novaes Guedes assédio moral configura-se como:
Todos aqueles atos e comportamentos provindos do patrão, gerente ou superior hierárquico ou dos colegas, que traduzem uma atitude de contínua e extensiva perseguição que possa acarretar danos relevantes às condições físicas, psíquicas e morais da vítima. (GUEDES,2003, pág. 15).
Como se vê a autora entende o assédio moral como uma forma de violência ocorrida no âmbito do trabalho, que se caracteriza pela prática de condutas de constrangimento feitas de forma prolongada, podendo se dar por meio de assédio vertical, isto é, quando o sujeito ativo é o empregador ou superior hierárquico, ou por meio de assédio horizontal, isto é feito por um colega de serviço. Cabendo ressaltar ainda, que embora a autora não mencione, existe ainda o assédio ascendente, que é aquele que é praticado por um subordinado.
Em virtude do que foi esclarecido, percebe-se que a noção de assédio moral está atrelada à intenção e a reiteração da conduta agressora ao trabalhador, e por conseqüência da liberdade do trabalho.
3.2. Condutas não Configuradoras do Assédio Moral
Segundo doutrina majoritária, conforme explanado em linhas anteriores, as características atribuídas à prática do assédio moral se resumem a: abusividade da conduta, a natureza psicológica do atentado à dignidade psicológica da vítima, a frequência da prática da conduta e o dolo da conduta. Sendo necessário ressaltar que para a doutrina minoritária seria necessária também para a configuração do assédio a existência de efetivo dano ao estado emocional e psicológico do assediado moralmente.
Em um ambiente de trabalho acontecem situações que, apressadamente observadas são confundidas como assédio moral, embora caso ocorridas de maneira isolada não possa deste modo ser classificadas, pois seria um tanto exagerado caracterizar quaisquer desentendimentos isolados no ambiente de trabalho como sendo um ato de manifesto assédio moral.
Embora a freqüência da prática da conduta seja um dos requisitos necessários para a configuração do assédio moral, a autora Hirigoyen ressalva que:
Pode acontecer, entretanto, que uma agressão aparentemente solitária, mas particularmente humilhante, como é o caso de certas demissões desumanas (sala trancada, pertences pessoais em uma caixa no corredor, atitudes de evitação), possa ser considerada como assédio moral. Às vezes, analisando detalhadamente essas situações, percebemos que pequenos indícios de rejeição ou hostilidade não admitida pela vítima haviam precedido a dispensa. O empregado demitido toma consciência da humilhação que lhe foi imposta, mais tais atitudes já estavam presentes bem antes de ser dispensado. Pode-se então falar de assédio moral, pois se trata efetivamente de uma ação deliberada para se livrar de uma pessoa, humilhá-la e rebaixá-la, por puro sadismo. (HIRIGOYEN, 2009, pág. 31).
A diferenciação entre assédio e o simples exercício de poderes advindos de uma posição hierárquica superior causa grande confusão quando da análise de casos concretos. Segundo Hirigoyen:
É sempre difícil distinguir as atitudes abusivas das prerrogativas da hierarquia. A própria noção de subordinação remete a uma relação de desigualdade, de que alguns administradores poucos seguros de si ou embevecidos pelo poder são capazes de se aproveitar, abusando e sentindo certo prazer em submeter o outro. (HIRIGOYEN, 2009, pág.41)
Outra situação que constantemente vem sendo confundida como de assédio moral é a de trabalhadores que se submetem a condições de trabalho extremamente impróprio à realização de suas atividades. Nestes casos, há que se fazer uma breve distinção, pois aquele trabalhador ou grupo de trabalhadores que é submetido de forma isolada a situações degradantes estão sim sendo vítimas de assédio moral. Contudo, parte da doutrina entende que quando é estendido a todos um ambiente de trabalho impróprio, e estas más condições não tiverem sido usadas intencionalmente para efetivar a degradação do ambiente de trabalho apesar de esta situação poder ser alvo de denúncia ao Ministério do Trabalho e Emprego para que este tome as providências cabíveis, a conduta em questão não poderá ser tida como de assédio moral.
A respeito dessa prática do assédio que envolve não apenas um trabalhador ou grupo isolado, mas a todos de uma mesma empresa, como em qualquer caso jurídico, é necessário que seja feita uma análise minuciosa da situação, já que existe ações que versam sobre o assédio moral coletivo julgando procedente o pedido de indenização por dano moral.
Geralmente confundido com o assédio moral, a situação de estresse pela qual a grande maioria dos trabalhadores contemporâneos passa se distingue principalmente pelo fato de que esta não é causada intencionalmente pelo empregador ou colegas de trabalho. Nesse sentido Hirigoyen discorre:
Sabe-se perfeitamente que as condições de trabalho estão se tornando a cada dia mais duras: é preciso fazer cada vez mais, e melhor (tarefas que têm de ser feitas com urgência alterações de estratégia), toda essa pressão que conduz ao estresse; contudo, o objetivo consciente da gestão por estresse não é destruir os empregadores, mas, ao contrário, melhorar seu desempenho. O propósito é o aumento da eficiência ou da rapidez na realização de uma tarefa. Se a gestão pelo estresse provoca conseqüências desastrosas sobre a saúde, é por uma alteração imprevista, uma dosagem errada (mesmo que, nos seminários de gestão do estresse, tente-se ensinar os executivos a suportar melhor a pressão), Mas no estresse, contrariamente ao assédio moral, não existe intencionalidade maldosa. (HIRIGOYEN, 2009, pág. 23).
Essa analise é extremamente importante quando da observação da situação em concreto, tendo em vista o fato de que se deve dar a devida atenção ao problema do assédio moral, provocador de tantos danos emocionais e doenças psicossomáticas a suas vítimas, mas também deve ser analisado realmente se a situação tratada configura mesmo o assédio, tendo em vista que a proliferação de ações de trabalhadores que pleiteiam perante a Justiça do Trabalho o pagamento de indenização por dano moral não deve ser banalizado, pois o Poder Judiciário não deve ser ocupado com ações pleiteadas com a mais pura manifestação de má fé.
3.3. Assédio Moral e a sua Proteção Jurídica
Embora inexista previsão legal específica acerca do assédio moral nas relações trabalhistas, conforme abordado em linhas anteriores, a repressão a este fenômeno pode ser feita pelo Poder Judiciário com base em toda a estrutura lógica de nosso ordenamento jurídico.
Fazendo uma breve análise acerca do art. 483, alínea “e” da CLT, tem-se que enseja a rescisão indireta, ou seja, o empregador tem o direito de fazer cessar o contrato de trabalho em virtude de justa causa praticada pelo empregador, na hipótese de o empregador ou seus prepostos ofenderem a honra ou a boa fama do empregado ou de pessoas de sua família. Deste modo, resta claro que apesar de o artigo não trazer em seu bojo expressamente o termo assédio moral, não é preciso ser feito um grande esforço de interpretação para verificar que esta norma autoriza a rescisão indireta do contrato de trabalho quando a vítima sofre a situação em tela. Nas palavras de José Cairo Jr.:
É que, no contrato de trabalho, existe uma cláusula implícita que diz respeito ao tratamento que deve ser dispensado ao empregado, ou seja, há uma clausula segundo a qual o empregador deve respeitar as condições derivadas do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Essa clausula contratual serve para impor limites ao empregador, já que o estado de subordinação jurídica, ao qual se encontra submetido o empregado, pode ensejar o exercício abusivo do direito do empresário. (CAIRO JR., 2008, pág. 448)
Contudo, percebe-se que esta proteção garantida pela CLT ainda é insuficiente, tendo em vista que de certa forma protege o empregado apenas contra o chamado assédio moral vertical, que como já explicitado em linhas anteriores trata da hipótese em que o sujeito ativo é hierarquicamente superior à vítima. Ora, nestes casos o empregado pode efetuar a rescisão indireta do contrato de trabalho, o que traria desestímulo ao empregador em permanecer com tais atitudes.
Já nos casos em que o assédio moral praticado for o horizontal ou o ascendente, nenhuma punição terá o preposto do empregador, que não tendo a sua conduta desestimulada, pouco provavelmente entenderá o quanto reprimível é este comportamento. Entendendo a doutrina que nestas hipóteses aquele que responde também será o empregador devido a sua culpa in vigilandum, cujo ato omisso em coibir a prática de assédio moral por parte de outros empregados fará com que responda pela indenização à vítima.
Acerca da rescisão indireta do contrato de trabalho manifestam-se Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino:
Na prática, o empregador dificilmente reconhecerá que praticou contra o empregado justa causa; tampouco o empregado, dada a sua condição de subordinado, terá condições de impor seus argumentos. Em face dessa realidade, essa modalidade de dispensa normalmente é reconhecida judicialmente, quando a Justiça do Trabalho apura os fatos e declara a ocorrência ou não da justa causa do empregador. Caso julgada procedente a ação trabalhista, restará configurada a dispensa indireta e o empregado fará jus às reparações econômicas (como se tivesse sido dispensado sem justa causa). Na hipótese de improcedência o empregado o não as terá. (PAULO e ALEXANDRINO, 2011, pág.368).
De acordo com Hirigoyen:
O assédio moral de um superior por um ou vários subordinados não é levado em consideração e, no entanto, pode ser do mesmo modo destrutivo. As vítimas, neste caso, não sabem para onde se dirigir para se defender – evidentemente não aos sindicatos-, mas também não à Justiça, que não leva a sério esse tipo de queixa. (HIRIGOYEN, 2009, pág.22)
Ainda discorrendo sobre o art. 483 da CLT, percebem-se nas demais alíneas algumas outras hipóteses que apesar de não abordarem expressamente o assédio, abordam situações que a depender do caso em concreto, poderão ser configuradas como assédio:
a)forem exigidos serviços superiores à suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;
b)for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;
c)correr perigo manifesto de mal considerável
d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;
e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fé;
f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
g)o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.
Manifestando-se a respeito da alínea “b” do artigo retro citado explicita o renomado autor José Cairo Jr.:
O empregador ou seus prepostos, aproveitando-se da sua condição de superioridade, pode dispensar ao empregado um tratamento excessivamente rigoroso. A expressão comporta um grande número de interpretações e, atualmente, é analisada sob a denominação de assédio moral, terror psicológico, mobbing (na Alemanha e na Itália) ou bullying (na Inglaterra e Estados Unidos). (CAIRO JR., 2008, pág. 452).
Além da promoção da rescisão indireta do contrato de trabalho, a conduta de assédio pode ensejar ao empregado o recebimento de indenização por dano moral. Já que a Justiça do Trabalho sofreu uma ampliação de sua competência, podendo processar e julgar todos os conflitos que decorram da relação trabalhista.
Promovendo a proteção dos direitos dos trabalhadores, julgados recentes condenaram empresas ao pagamento de indenização por dano moral a seus empregados. Caso de grande repercussão versa sobre o pagamento de indenização por dano moral coletivo pela AMBEVE aos seus empregados que não atingiam a as cotas de vendas, por meio de uma Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Trabalho da 21ª Região/ RN.
Corroborando a informação de que cada vez mais o Poder Judiciário julga procedentes as ações de assédio moral praticadas contra o trabalhador, faz-se a transposição de arestos que trataram de matérias similares:
DANOS MORAIS. EXPOSIÇÃO DO TRABALHADOR A SITUAÇÃO VEXATÓRIA. Incorre no dever de reparar danos morais a empresa que, na vigência do contrato de trabalho, expõe o empregado a situações vexatórias, ainda que denominadas de "brincadeiras", como é o caso de obrigá-lo a vestir, quando não atinge a meta de vendas estipulada, o colete do "mico", calcinha vermelha ou fantasia de frango sobre a cabeça ou, ainda, a atravessar o "corredor polonês" enquanto é agredido com atos obscenos pelos colegas de trabalho (TRT 15ª Reg., Proc. 00939-2004-004-15-00-0, 3ª Turma, 5ª Câm., Rel. Marcelo Magalhães Rufino, DOE 16.09.2005, Unânime).
ELEIÇÃO DO "EMPREGADO TARTARUGA". ATO PATRONAL CONSTRANGEDOR E OFENSIVO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - EXPOSIÇÃO DO EMPREGADO A RIDÍCULO E A VEXAME. REPARAÇÃO POR DANO MORAL. VIABILIDADE. Afronta a dignidade da pessoa humana a instituição, pela empresa, de "eleição" mensal de "empregado tartaruga", para assim designar pejorativamente aquele trabalhador que cometeu atrasos no horário de entrada nos serviços, expondo o empregado "eleito" ao ridículo, além de colocá-lo em situação vexatória perante os demais colegas de trabalho. Louvável seria o empregador instituir mecanismos para estimular ou incentivar os seus empregados à assiduidade e à maior produtividade, sem causar-lhes constrangimentos no ambiente de trabalho. Pedido de reparação por dano moral que se acolhe. Recurso ordinário do empregado a que se dá provimento (TRT 15ª Reg., 029389/2001-ROS-2., 5ª TURMA, Rel. José Antonio Pancotti).
DANO MORAL - VENDEDOR QUE NÃO ATINGE METAS - SUBMISSÃO A SITUAÇÃO VEXATÓRIA NO AMBIENTE DE TRABALHO. Demonstrando a prova testemunhal que o empregado - vendedor - quando não atingia as impostas metas de venda, era obrigado a usar um chapéu cônico, contendo a expressão "burro", durante reuniões, na frente de todos - vendedores, gerente, supervisores - oportunidade em que era alvo de risadas e chacotas, indubitáveis o vexame e a humilhação, com conotação punitiva. O aborrecimento, por certo, atinge a saúde psicológica do empregado e, estando sujeito a tal ridículo e aflição, por óbvio estava comprometido em seu bem estar emocional. Tal procedimento afronta diretamente a honra e a dignidade da pessoa, bens resguardados pela Carta Maior. Iniciativas absurdas e inexplicáveis como esta têm que ser combatidas com veemência, condenando o empregador ao pagamento de indenização por dano moral (TRT 9ª Reg, Ac. 2ª T., DJ 20.09.02, RO nº 1796/2002, Rel. Juiz Luiz Eduardo Gunther).
Diante do que fora exposto, resta claro que diante de situações vexatórias impostas aos trabalhadores, não apenas as vítimas tem legitimidade para proporem ação visando o reconhecimento do assédio moral praticado, a rescisão contratual e o pedido de indenização por dano moral, mas também tem legitimidade o Ministério Público do Trabalho, ficando a fixação deste valor indenizatório ao arbítrio do operador do direito, que irá efetuar a análise em concreto, julgando com base nos critérios jurídicos visando desestimular a prática deste ato atentatório e garantindo a impossibilidade do enriquecimento ilícito da vítima, que como exposto em linhas anteriores também se vale dos meios jurídicos para pleitearem indenizações de cifras altíssimas, muitas vezes cientes de que não foram vítimas de situação alguma de assédio moral.
4. Conclusão
Diante de tudo que foi elucidado até o presente momento, é imperioso concluir que o assédio moral na relação de trabalho é um fenômeno causador de um ambiente de trabalho degradado por profissionais que sofrem com o terror psicológico e se vêem vítimas de danos psíquico- emocionais.
Desta feita, a prática destas condutas deve ser desestimulada pelo Poder Judiciário, que apesar de não ter embasamento específico no ordenamento jurídico brasileiro acerca da relação entre o assédio moral e as relações trabalhistas, podem e devem se valer principalmente dos estudos principiológicos para encontrarem embasamento.
Percebe-se que o estudo do princípio da dignidade da pessoa humana, revelando-se como um bem jurídico inerente à condição do homem, apesar de não ser um princípio exclusivamente trabalhista, deve ser usado como diretriz ao aplicador do Direito do Trabalho, tendo em vista que se constitui fundamento da República Federativa do Brasil. Ainda na esteira de estudo dos princípios, entende-se que a aplicação do princípio da proteção, de âmbito trabalhista, aliado ao anteriormente relatado irá servir de embasamento para a resolução de problemas relacionados ao assédio moral praticados contra o trabalhador, levados ao conhecimento do Judiciário.
Nota-se também que apesar de não haver o termo assédio moral expressamente previsto em nosso ordenamento, por meio de análise da CLT, mais especificamente no preceito legal que trata das hipóteses que ensejam a rescisão indireta do contrato de trabalho, que o legislador que a intenção do legislador foi efetivar a proteção do trabalhador diante da prática do assédio moral.
Interessante asseverar que assim como qualquer ato lesivo ao meio ambiente de trabalho e à dignidade do trabalhador, enseja seu combate pelo Poder Judiciário Trabalhista e pelo Ministério do Trabalho, o assédio moral também o oportuniza, tendo em vista o fato de que a classe operária tem seus direitos constitucionalmente tutelados.
O que se deve buscar é o entendimento sobre o que realmente configura o assédio moral e o que não passa simplesmente de um mero desentendimento isolado no ambiente de trabalho, tendo em visto o fato de que muitas ações trabalhistas pleiteando uma indenização por dano moral devido ao assédio moral, na verdade não pode ser configurado como tal.
Outro ponto que deve ser abordado é o fato de que apesar de inexistir legislação específica que ampare o trabalhador, existem legislações municipais e estaduais que tem por objetivo a prevenção à prática do assédio moral.
Nota-se assim, que o efeito devastador da conduta do assédio, vem sendo alvo de grande preocupação do Poder Judiciário, que tem formado firme jurisprudência no sentido de conceder à vítima do assédio moral pagamento de indenização por dano moral, visando desestimular a prática de tais condutas.
5.Referências
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Advogada especialista em Direito e Processo do Trabalho.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Taciara de Almeida. O assédio moral no ambiente de trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 abr 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43737/o-assedio-moral-no-ambiente-de-trabalho. Acesso em: 23 dez 2024.
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