Resumo: As eleições podem ser realizadas de diversas maneiras, variando conforme cada Estado e momento histórico enfrentado. Para melhor balizar essa situação de pluralidade de modos de realização de um pleito, surgiu o conceito de sistema eleitoral. No Brasil coexistem os dois sistemas eleitorais que foram instituídos pela Constituição Federal de 1988 - onde um deles possui dois subtipos -, cada um guardando finalidades específicas e com focos bem definidos, separados por cargos a serem disputados. O sistema majoritário tem como espécies o sistema majoritário simples ou puro (utilizado nas eleições ao cargo de Senador da República, e Prefeito nas cidades com menos duzentos mil eleitores) e o sistema majoritário de dois turnos (para eleição do Prefeito nos Municípios com mais de duzentos mil eleitores e para os cargos de Presidente da República e Governador). O sistema eleitoral proporcional, por sua vez, foi adotado pela Constituição Federal para eleições dos candidatos aos cargos do Poder Legislativo, com exceção dos Senadores.
1 Introdução
As eleições podem ser realizadas de diversas maneiras e estas variam conforme cada Estado e momento histórico enfrentado, sendo que para melhor balizar essa situação de pluralidade de modos de realização de um pleito, surgiu o conceito de sistema eleitoral.
O sistema eleitoral pode ser definido como o conjunto de normas que tem por escopo reger, em determinados lugares, a possibilidade de exercício do voto para que se alcance a necessária representação popular.
Por isso, seu estudo é de suma importância para compreender como o voto, em cada caso, tem a possibilidade de eleger determinado candidato, além de demonstrar a relevância dos partidos políticos dentro do atual cenário político vivenciado sob a égide da Constituição Federal de 1988.
Seu estudo envolve as normas que regulamentam e dão o contorno acerca do modo como determinados cargos políticos são efetivamente ocupados após a eleição ser realizada, notadamente no sistema proporcional, por suas inerentes peculiaridades.
Cada Estado tem definições específicas sobre qual sistema é adotado dentro do seu território, levando em consideração as características básicas que circundam os eleitores e posições históricas que os levaram a construir as normas regedoras das eleições.
O sistema eleitoral nada mais faz do que definir os critérios básicos para que sejam procedidas as eleições em determinado lugares, sendo que na visão de Pinto (2010, p. 188): “É o conjunto de regras que disciplinam o recebimento dos votos pelos candidatos, a transformação da votação em mandato e a distribuição das cadeiras no Parlamento, viabilizando a representação popular”.
Ademais, o teórico nos lembra que os sistemas são divididos tendo por espeque uma dualidade de princípios, quais sejam, o princípio majoritário e o princípio proporcional, formando respectivamente o sistema majoritário e o proporcional.
Nesse passo, cabe lembrar que no Brasil coexistem os dois sistemas eleitorais que foram instituídos pela Constituição Federal de 1988 - onde um deles possui dois subtipos -, cada um guardando finalidades específicas e com focos bem definidos, separados por cargos a serem disputados.
Enquanto o Presidente da República, Prefeitos municipais, Governadores e Senadores são eleitos por meio do sistema majoritário, os demais cargos (Vereadores, Deputados Estaduais, Distritais e Federais) são regidos pelas normas do chamado sistema proporcional, e que possui peculiaridades inerentes a uma normativa aberta e com regulamentação reservada para a legislação infraconstitucional.
Acerca do sistema majoritário, o autor Pinto (2010, p. 189) nos traz a seguinte definição:
No sistema majoritário, é considerado eleito o candidato que receber maior número de votos dos eleitores. Apenas a vontade da maioria é relevante para a outorga do mandato. No Brasil, é aplicado nas eleições para a escolha dos integrantes do Senado e dos chefes do Poder Executivo – Presidente, Governador e Prefeito (arts. 46, &&, §2º, arts. 28 e 29, II, CF).
Como sobredito, um dos sistemas ainda é dividido em duas espécies que tem por intenção possibilitar um mais facilitado trâmite eleitoral. O sistema em foco é o majoritário, implementado pela Constituição da República de modo diferenciado para determinados cargos e levando em consideração até mesmo o número de eleitores, pois no entender do legislador constituinte originário as normas contemplariam todas as situações enfrentadas no cenário nacional.
Com isso, o sistema majoritário tem como espécies o sistema majoritário simples ou puro e o sistema majoritário de dois turnos. O primeiro tem competência para regulamentar as eleições dos pleiteantes ao cargo de Senador da República e Prefeito nas cidades com menos duzentos mil eleitores, enquanto o remanescente é focado nas eleições dos cargos de Prefeito nos Municípios com mais de duzentos mil eleitores e para os cargos de Presidente da República e Governador.
Assim Pinto (2010, p. 189) explica o majoritário simples:
(...) Na primeira, é considerado eleito quem pura e simplesmente obtém maior número de votos entre os candidatos participantes do certame. Diz-se, nesse caso, sistema majoritário simples ou de um único turno. Verifica-se, por exemplo, na eleição para o Senado. Basta a maioria simples ou relativa para o candidato ser proclamado vencedor (art. 46, CF).
O mesmo autor consagra a segunda modalidade do sistema majoritário, o chamado sistema majoritário de dois turnos, que apresenta as seguintes características:
Na segunda modalidade, sistema de dois turnos, é considerado vencedor o candidato que obtenha, no primeiro turno de votação, a maioria dos votos, não computados os brancos e os nulos, ocorrendo nova eleição se nenhum deles atingir esse percentual. No Brasil, caso nenhum dos postulantes consiga atingir esse percentual, realiza-se segundo turno de votação, dele participando apenas os dois candidatos mais votados, sagrando-se vencedor o que obtiver maior votação.
De outra banda, o sistema escolhido para eleição aos cargos de Vereador, Deputado Estadual, Deputado Distrital e Deputado Federal foi o sistema eleitoral proporcional. Este, de suma importância para compreensão do tema e, mesmo por isso, merece ser tratado mais profundamente, de modo a proporcionar uma compreensão completa dos seus detalhes.
O sistema eleitoral proporcional, adotado pela Constituição Federal para eleições dos candidatos aos cargos do Poder Legislativo, com exceção dos Senadores, tem fundamentos próprios e possibilidades de variações pontuais devido à indefinição traçada pela norma constitucional.
Diversos juristas e outros profissionais estudiosos das Ciências Políticas e Sociais se debruçam sobre o tema, que é amplamente debatido e dialogado no meio acadêmico. Com isso, podemos ver que o sistema acaba nos levando a entender que a representação é possível pela “proporção da preferência do eleitorado pelos partidos políticos”, nas palavras de Cerqueira (2006, p. 275), que citando Prélot assim define o mesmo: “o sistema proporcional tem por objetivo garantir às diversas opiniões – entre as quais se repartem os eleitores – um número de lugares proporcional às suas respectivas forças”.
Vemos, portanto, que o sistema visa especialmente fortalecer as diversas classes existentes no país, favorecendo de outro lado a criação de várias associações partidárias que buscam cada uma, a representar parcela da população. Não é outro o entendimento de Ferreira Filho, citado na obra de Pinto (2010, p. 191):
Busca este sistema retraçar no órgão coletivo a diversidade de correntes populares, em proporção às forças de cada uma destas. Pressupõe partidos, pois sem estes não há meio de se mensurarem essas correntes. A proporcionalidade gera sempre a multiplicação de partidos que têm interesse a sublinhar os pontos de divergência, e não os pontos comuns, em relação aos outros.
Destarte, o sistema tem por escopo maior homenagear a representatividade que os partidos políticos possuem, formando uma ligação entre o eleitor e as bases estatutárias daquele. Melhor dizendo, os partidos são a coluna de sustentação para a garantia da representação popular, sendo que, para chegarmos nesse ponto, o sistema eleitoral é de fundamental importância. Não por outra razão o jurista Gomes (2011, p. 90) em certeiras palavras o define como:
O sistema proporcional foi concebido para refletir os diversos pensamentos e tendências existentes no meio social. Visa distribuir entre as múltiplas entidades políticas as vagas existentes nas Casas Legislativas, tornando equânime a disputa pelo poder. Por isso, não considera somente o número de votos atribuídos ao candidato, como no majoritário. Pretende, antes, assegurar a presença no Parlamento do maior número de grupos e correntes que integram o eleitorado. Prestigia a minoria.
É justamente esse o sentido de sistema proporcional, elevar os anseios da minoria ao lugar onde são formuladas as normas que, posteriormente, vão servir de guia para as ações governamentais, bem como para os próprios concidadãos. Isso se evidencia na medida em que a Câmara dos Deputados tem por objetivo representar o povo, titular do Poder Constituinte, enquanto o Senado Federal representa os Estados-membros.
Percebemos, logo de início, o maior enfoque dado aos partidos políticos. Este sistema tem por objetivo proporcionar ao eleitor uma representatividade por meio da agremiação política em que vota. Esta, inclusive, é a visão de Ferreira apud Pinto (2010, p. 190):
(...) a representação proporcional é um sistema através do qual se assegura aos diferentes partidos políticos no parlamento uma representação correspondente à força numérica de cada um. Ela objetiva assim fazer do parlamento um espelho tão fiel quanto possível do colorido partidário nacional.
Os elementos que compõe o sistema proporcional deixam claro que a diversidade de partidos é fruto direto dessa forma de eleição, pois tem por finalidade estabelecer a possibilidade das classes sociais de menor expressão, galgarem uma posição de representatividade em um Parlamento. Com isso, o sistema fortalece a chance de que as minorias venham a possuir voz perante as demais forças políticas existentes no cenário nacional.
Cabe aqui transcrever as palavras do Ministro Marco Aurélio no julgamento do Recursos Extraordinários nº 140460/DF e do RE nº 140386/MT no dia 19/05/1993, no qual votou favoravelmente a não recepção do parágrafo único do art. 106, por entender que não seria cabível a contagem dos votos em branco no sistema proporcional, mas foi vencido por seus pares:
Assim sendo, cabe questionar se, ao buscar-se a proporcionalidade dos votos atribuídos às diversas facções político-ideológicas, objetivando, acima de tudo, com o afastamento do massacrante critério majoritário, contemplar na representação da Câmara dos Deputados as minorias, devem ser considerados votos que não estão compreendidos no grande todo das manifestações positivas, ou seja, votos inidôneos a revelar uma escolha e que, portanto, somente atendem ao cumprimento de uma obrigação formal, ou seja, de comparecer às urnas e depositar uma sobrecarta contendo documento que longe fica de evidenciar a feitura de uma escolha.
O que se percebe é que o sistema adotado tem por cabo fortalecer a voz das classes menos favorecidas, que poderiam eleger alguém capaz de expor também as suas ideologias, diferentemente do que ocorre no sistema majoritário, em que a maioria elege aquele que vai as representar. Neste último caso, a maioria da população é representada, enquanto a minoria fica a mercê da vontade do eleito.
Em outro ponto do julgamento o mesmo Ministro Marco Aurélio, em certeiras palavras, ao tempo em que afastava a aplicação da norma no âmbito jurídico conceituou o sistema eleitoral proporcional e sua importância no cenário nacional:
A partir do momento em que fique estabelecida a razão de ser da opção constitucional pelo sistema, a viabilizar a participação das minorias na Casa Legislativa formada pelos representantes do povo, não há como entender válido o cômputo de votos que, de início, não podem ser atribuídos a qualquer das forças políticas que hajam participado do pleito, pois, caso contrário, da busca da igualdade relativa, da relação das diferentes partes de um todo comparadas entre si não se tratará, valendo, para assim se concluir, que sejam sopesadas as consequências perniciosas verificadas no último pleito. Ao invés de o cômputo haver viabilizado a representatividade alargada, alcançando a presença das minorias, o que fez foi alijá-las, reforçando ainda mais a posição daqueles que se coligaram e que em grupo foram considerados.
Não por outro motivo é o sistema chamado de proporcional: cada fragmento que são as classes sociais – aquelas que guardam anseios muito próximos ou senão idênticos –, podem, por meio dele, obter a chance de que as posições defendidas sejam ouvidas e aplicadas em concreto. É a possibilidade dos que não são a maioria, lograr alcançar a representação que tanto buscam perante os demais membros de uma sociedade.
De início, importante enfatizar que o sistema adotado para eleição dos candidatos do legislativo no Brasil, exceto os Senadores, é o proporcional. A Constituição Federal estabelece, por exemplo, em seu art. 45 que a Câmara dos Deputados será eleita pelo sistema proporcional sem, no entanto, esclarecer quais seriam os critérios para adoção desse sistema eleitoral: “A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal”.
Aliás, nos lembra o teórico Pinto (2010, p. 191) que mencionado sistema foi inserido no âmbito jurídico nacional por meio do Código Eleitoral de 1932 e, posteriormente, foi fortalecido pela previsão na Constituição Federal de 1934. Com isso, percebe-se que o surgimento desta modalidade de votação não foi originado pelo legislador constituinte de 1988, mas vinha prevista preteritamente, sendo apenas repetida pela atual Carta.
O mesmo autor acima citado nos traz os parlamentos que hoje são abrangidos pelo sistema proporcional, dentre eles as Assembleias Legislativas estaduais, as Câmaras Municipais, Câmara Federal e até mesmo os Deputados Federais dos Territórios.
Destarte, embora a Constituição nos traga a imposição de que citado sistema seja adotado para os cargos referidos, não previu quais os critérios a serem cumpridos para que determinado candidato seja eleito.
Posto isso, a regulamentação do artigo caberia ao legislador infraconstitucional, para que traçasse os caminhos a serem seguidos na apuração dos votos até encontrar os eleitos para os cargos do Legislativo (sempre excetuando os Senadores, os quais adotam o sistema majoritário puro ou simples).
Por outro lado, as regras para as eleições, na data da promulgação da Constituição Federal de 1988, já estavam inseridas no ordenamento jurídico pátrio por meio do Código Eleitoral de 1965 (Lei nº 4.737/65), o qual firmava como se daria as eleições proporcionais para Deputado Estadual, Federal e Vereador.
Embora os ditames fossem anteriores à Constituição atual, logo que levado a analisar o artigo 106 do Código Eleitoral, o qual na redação original propunha que para obter o quociente eleitoral deveriam ser incluídos até mesmo os votos em branco, o Supremo Tribunal Federal adotou o entendimento de que a norma ali inserida era plenamente válida e compatível com a Carta Magna.
Tal entendimento foi adotado no julgamento dos Recursos Extraordinários nº 140460/DF e nº 140386/MT, julgados no dia 19/05/1993, onde aquela Corte assentou que as normas que estabeleciam a forma de contagem dos votos dados aos candidatos do sistema proporcional permaneciam as mesmas, haja vista que não foram colocadas regras específicas pelo constituinte originário. Cabe ressaltar que o mencionado parágrafo foi objeto de revogação pela Lei nº 9.504/97, sendo que hoje os votos brancos não são mais computados para cálculo do quociente.
Nessa toada, fácil perceber que as regras que regem o sistema proporcional nas eleições não vieram e não estão previstas na Constituição Federal, mas são fruto do legislador infraconstitucional, que tem o poder de estabelecer a melhor maneira de que sejam eleitos os representantes e, como diz a própria expressão que os define, com a maior representatividade possível. Podemos dizer que se trata de um conceito jurídico indeterminado, como mencionado no voto do Ministro Celso de Mello:
O sistema da representação proporcional, ainda que passível de identificação doutrinária quanto às suas linhas básicas, constitui conceito jurídico indeterminado, cuja implementação depende do poder de regulação atribuído à instituição parlamentar.
O Ministro ainda nos lembra que o legislador infraconstitucional possui a liberdade de fixar os parâmetros do sistema acolhido pela Carta Magna, vez que as diversas variações – até mesmo doutrinárias – de como deveriam sê-los, torna imperioso o atuar do Poder Legislativo:
Assiste, pois, ao legislador ordinário – especialmente ante a multiplicidade de variações tipológicas desse ante a multiplicidade de variações tipológicas desse sistema eleitoral – irrecusável espaço de liberdade decisória na disciplinação do tema. Inquestionável, assim, no plano normativo, o seu poder de conformação do sistema de representação proporcional. Essa circunstância defere ao legislador a condição eminente de sujeito do processo de concretização do sistema proporcional consagrado pela Carta Política (...).
Ainda no citado julgamento, o Ministro Paulo Brossard também ressaltou a necessidade que as normas do sistema proporcional fossem explicitadas pelo legislador ordinário, em especial por existirem diferentes interpretações que são estudadas pelos juristas que se aprofundam no tema:
No caso vertente, a necessidade da lei, para completar e dar conteúdo à menção constitucional ao sistema proporcional brada em cada uma das suas palavras. Basta dizer que o sistema proporcional não é o único e a norma constitucional seria inexequível sem o socorro da lei. Em verdade, não há um sistema proporcional, à semelhança do metro de irídio, guardado meridiano terrestre. Há vários sistemas proporcionais, mais ou menos perfeitos, mais ou menos defeituosos, de modo que a interferência do legislador é imprescindível para fixar, no universo em que se catalogam os vários sistemas de representação proporcional (...).
Mesmo que não previstas, como sobredito, as normas já existiam no ordenamento jurídico e foram recepcionadas pela Constituição então vindoura, de 1988. Para reforçar este entendimento vejamos um trecho do voto exarado pelo Ministro Carlos Velloso no julgamento dos Recursos Extraordinários antes referidos:
No que toca às eleições proporcionais, a Constituição não adiantou regras. Isto quer que deixou por conta da lei discipliná-las. Não tenho dúvida em afirmar, portanto, que as normas postas no Código Eleitoral, que disciplinam e regulamentam o princípio proporcional, foram recepcionadas pela Constituição, a começar pelo artigo 84, que estabelece que ‘a eleição para Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmara Municipais obedecerá ao princípio da representação proporcional, na forma desta lei’.
Entrementes, o sistema adotado no Brasil impõe que é necessário encontrar o número de votos válidos, o quociente eleitoral, o quociente partidário, a técnica de distribuição de restos ou sobras e o critério a ser adotado na falta de obtenção de quociente eleitoral.
O quociente eleitoral é obtido por meio da divisão do número de votos válidos pelos lugares a serem preenchidos no respectivo parlamento (Câmara dos Deputados, Assembleia Legislativa e Câmara de Vereadores), com o fito de averiguar o índice de votos para obter uma vaga. Melhor explicando observe-se os ensinamentos de Pinto (2010, p. 191):
Para considerar-se eleito um candidato, no sistema proporcional brasileiro, seu partido deve obter um número mínimo de votos que se denomina quociente eleitoral. Para determinar o quociente eleitoral, divide-se o número de votos válidos apurados pelo número de lugares a preencher da casa legislativa, cujas vagas estejam em disputa, desprezada a fração se igual ou inferior a meio, arrendando-se para um, no caso de fração superior (art. 106, CE). Contam-se como válidos apenas os votos dados a candidatos inscritos e às legendas partidárias. O art. 5º da Lei nº 9.504/97 revogou o parágrafo único, do art. 106 do CE, que mandava incluir os votos brancos nesse cálculo. Por exemplo, votos válidos = 100.000, números de cadeiras a preencher = 20, quociente eleitoral = 5.000. O partido ou coligação que não obteve 5.000 votos não terá nenhum representante no parlamento, mesmo que seu filiado seja o mais votado entre os candidatos no Pleito.
Já o quociente partidário é obtido pela divisão do número de votos atribuídos ao parlamentar ou somente ao partido pelo quociente eleitoral, não sendo relevantes as frações, e que serve como indicativo para o número de vagas alcançado pelo partido. Voltando ao magistério de Pinto (2010, p. 191), este explica que:
Conhecido o quociente eleitoral, faz-se necessário obter o quociente partidário que é, na prática, a quantidade de cadeiras a serem preenchidas por cada partido. Para conhecê-lo, divide-se o número de votos atribuídos à legenda pelo quociente eleitoral, desprezada a fração. (...)
O supracitado autor nos traz o seguinte exemplo para melhor compreender como funciona o chamado quociente partidário:
Suponha-se, no exemplo invocado, que o partido A tenha obtido 50.000 votos e o partido B, 40.000. No caso de coligação, somam-se os votos dos partidos que a integram.
O partido A terá seu quociente partidário fixado em 10, ou seja, preenchendo 10 cadeiras (50.000÷5.000 = 10 cadeiras). O partido B, por sua vez, ocupará oito cadeiras (40.000 ÷5.000 = 8). São considerados eleitos por um partido da coligação tantos candidatos quantos o respectivo quociente partidário indicar na ordem da votação nominal recebida por cada um (art. 108, CF).
No que se refere a distribuição de restos ou sobras, esta ocorre caso após a primeira distribuição os partidos não alcancem o quociente partidário para preencher as vagas que restam. Existem diferentes critérios que podem ser adotados para alcançar a definição de qual agremiação obterá a vaga restante, cujo Código Eleitoral optou pelo critério da maior média, nos termos do art. 109:
Art. 109 - Os lugares não preenchidos com a aplicação dos quocientes partidários serão distribuídos mediante observância das seguintes regras: (Redação dada pela Lei nº 7.454, de 30.12.1985)
I - dividir-se-á o número de votos válidos atribuídos a cada Partido ou coligação de Partidos pelo número de lugares por ele obtido, mais um, cabendo ao Partido ou coligação que apresentar a maior média um dos lugares a preencher; (Redação dada pela Lei nº 7.454, de 30.12.1985)
II - repetir-se-á a operação para a distribuição de cada um dos lugares. (Redação dada pela Lei nº 7.454, de 30.12.1985)
§ 1º - O preenchimento dos lugares com que cada Partido ou coligação for contemplado far-se-á segundo a ordem de votação recebida pelos seus candidatos. (Redação dada pela Lei nº 7.454, de 30.12.1985)
§ 2º - Só poderão concorrer à distribuição dos lugares os Partidos e coligações que tiverem obtido quociente eleitoral. (Redação dada pela Lei nº 7.454, de 30.12.1985)
Eventualmente, se nenhum dos partidos alcançar o quociente eleitoral, será considerado eleito, conforme o Código Eleitoral, os candidatos mais votados. Vale novamente trazer à baila as palavras de Pinto (2010, p. 192) que explicita como serão distribuídas as sobras:
Ocorrendo, porém, sobras, ou seja, quantidade de votos não suficientes para a indicação de um candidato por partido, o direito vigente, no Brasil, consagrou o método da maior média para obtenção da qual se divide o número de votos válidos atribuídos a cada partido, pelo número de lugares por ele obtido acrescido de mais um, cabendo ao partido exibir a maior média um dos lugares a preencher. Repete-se a operação para a distribuição de cada um dos lugares (art. 199, CE). Só podem concorrer à distribuição dos lugares os partidos que tiverem alcançado o quociente eleitoral (§2º, art. 109, CE).
Passado esse ponto, com a definição de como são calculadas as vagas a que cada partido participante das eleições terá direito, é possível asseverar que o sistema guarda uma complexa relação até que sejam definitivamente diplomados os candidatos.
De outra banda, duas situações diferentes podem ocorrer – para não chamá-las de inusitadas: ser eleito candidato que não obteve nenhum voto e não ser eleito o candidato que obteve a maioria deles.
O primeiro caso foi objeto de consulta realizada perante o Tribunal Superior Eleitoral (Petição nº 712/DF) que deu origem a Resolução Tribunal Superior Eleitoral nº 20.371 de 25 de setembro de 1998. Na oportunidade, aquela Corte firmou o entendimento de que o candidato concorrente no sistema proporcional, mesmo que não tenha obtido nenhum voto, pode ser considerado eleito. Nas palavras do então Ministro Eduardo Alckmin: “(...) inexiste exigência de o candidato ter obtido votação para ocupar uma das vagas destinadas ao seu partido ou coligação, após o cálculo do quociente partidário”. O julgado restou assim ementado:
PARTIDO POLITICO - QUOCIENTE ELEITORAL - OBTENCAO DE VAGAS - PREENCHIMENTO POR CANDIDATO QUE NAO RECEBEU VOTOS - POSSIBILIDADE.
VOTACAO - URNA ANULADA - VOTOS NULOS - COMPARECIMENTO DE ELEITORES - COMPUTO PARA O CALCULO DOS PERCENTUAIS DA VOTACAO DOS CANDIDATOS EM RELACAO AO COMPARECIMENTO. (TSE, PET - PETIÇÃO nº 712 - Brasília/DF, Resolução nº 20371 de 25/09/1998, Relator(a) Min. JOSÉ EDUARDO RANGEL DE ALCKMIN, Publicação:DJ - Diário de Justiça, Data 06/10/1998, Página 45, RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 11, Tomo 1, Página 334)
Em que pese este ser o posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral acerca da hipótese em análise, não deixa de receber críticas por parte da doutrina. Um deles é o autor Pinto (2010, p.193), que confronta a ideia de que pode ser eleito um candidato sem obter nem um voto sequer:
(...) O sistema de representação proporcional objetiva prestigiar a minoria. Todavia, a conquista do mandato pressupõe escolha pelo voto. Sem voto algum atribuído ao candidato, é evidente não poder ele qualificar-se como representante do povo. Aliás, o §1º do art. 108 do CE é elucidativo: ‘O preenchimento dos lugares com que cada partido ou coligação for contemplado far-se-á segundo a ordem de votação recebida pelos seus candidatos. ’ Inexistido qualquer votação, o candidato não pode considera-se eleito.
No que tange a segunda das situações é bem mais simples de ser visualizada. Para que o candidato que conseguiu o maior número de votos não seja eleito, basta que o partido político em que é afiliado não obtenha o quociente eleitoral – quantidade mínima de votos que um partido ou coligação necessita para alcançar uma vaga no Parlamento. Desta forma, mesmo que a maioria da população deposite sua confiança em um dos postulantes ao pleito, se a agremiação não obtiver a menor quantidade de votos que é condição para esta incorporar uma vaga, aquele não será considerado como eleito.
Até porque, do contrário, estaríamos no sistema majoritário. Este sim elege aquele candidato que consegue atingir a maior quantidade de votos entre todos os adversários na eleição. No proporcional, diferentemente, somente pode ser eleito aquele candidato filiado a determinado partido que alcançou uma quantidade definida de votos, ainda que nenhum deles tenha sido em sua pessoa.
3. Conclusão
O estudo dos sistemas eleitorais, mormente dos instituídos no Brasil, é essencial para que possamos exercer por completo o direito de voto previsto constitucionalmente. A melhoria do cenário político passa pelo aprendizado de sua população acerca de como se dá o exercício do voto.
Nesse passo, além do sistema majoritário, de mais fácil compreensão, temos o sistema eleitoral proporcional. Instituído no âmbito jurídico nacional pelo Código Eleitoral de 1932 e constitucionalizado em 1934, foi repetido pela Constituição Federal de 1988. Embora lá previsto, o legislador constituinte preferiu optar por um sistema indeterminado abrindo um leque de opções ao legislador ordinário para melhor definir suas regras.
Sendo assim, o legislador infraconstitucional produziu diversas diretrizes que estão fixadas no atual Código Eleitoral de 1965, como o cálculo do quociente eleitoral, partidário e a questão das sobras, além da definição dos votos válidos. Todas as regras têm por finalidade dar concretude ao sistema, determinando quantas vagas no Parlamento cada partido ou coligação terá direito, podendo ser eleito um candidato que não obteve voto algum, como não ser aquele que conquistou a maior votação.
Tais normativas foram recepcionadas pela Constituição Federal de 1988, e é o caminho escolhido dentre diversas teorias acerca do sistema proporcional, regulamentando o previsto naquela Carta. Logo, este sistema e seus respectivos mandamentos são de fundamental importância para que a minoria seja representada, que é o desígnio maior do sistema proporcional.
4. Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
BRASIL. Lei nº 4.737, de 15 de jul. de 1965. Institui o Código Eleitoral.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 140386/MT. Relator (a): Min. CARLOS VELLOSO. Julgamento: 19/05/1993 Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação. DJ 20-04-2001 PP-00137 EMENT VOL-02027-06 PP-01203. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=208275>. Acesso em: 15 abr. 2015.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº RE 140460/DF. Relator (a): Min. Ilmar Galvão. Julgamento: 19/05/1993. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação. DJ 04-05-2001 PP-00034 EMENT VOL-02029-04 PP-00750. RTJVOL-00177-02 PP-00894. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=208315>. Acesso em: 15 abr. 2015.
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. PET – Petição nº 712 - Brasília/DF. Resolução nº 20371 de 25/09/1998. Relator (a) Min. José Eduardo Rangel de Alckmin. Publicação: DJ - Diário de Justiça, Data: 06/10/1998, Página 45. RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 11, Tomo 1, Página 334. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/sadJudSadpPush/ExibirDadosProcessoJurisprudencia.do?nproc=712&sgcla=PET&comboTribunal=tse&dataDecisao=25/09/1998>. Acesso em: 12 abr. 2013.
CERQUEIRA, Thales Pontes Luz de Pádua. A polêmica em torno da verticalização das coligações nas eleições de 2006 – STF – ADI’s 3.685/06 (OAB) e 3.686/06 (CONAMP) e TSE Consultas 766/02, 1.185/05 e 1.225/06. In: Preleções de direito eleitoral: direito material. Tomo I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 7.ed. revisada, atualizada e ampliada. São Paulo: Atlas, 2011.
PINTO, Djalma. Direito eleitoral: improbidade administrativa e responsabilidade fiscal: noções gerais. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
Bacharel em Direito, pela Universidade Federal de Mato Grosso. Procurador Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALLAN DE ALCâNTARA, . Sistemas eleitorais: a duplicidade de sistemas no Brasil e a especificidade do sistema proporcional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 maio 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44156/sistemas-eleitorais-a-duplicidade-de-sistemas-no-brasil-e-a-especificidade-do-sistema-proporcional. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: SABRINA GONÇALVES RODRIGUES
Por: DANIELA ALAÍNE SILVA NOGUEIRA
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