Resumo: Os partidos políticos nada mais são do que um conjunto de pessoas reunidas para um único fim. O partido político é uma pessoa jurídica de direito privado, não guardando interferência do Poder Público – pelo menos assim é o que determina a Constituição Federal –, que é formado por aquele grupo de pessoas e sem qualquer imposição ou intromissão do Estado. Assim como ocorre com o sistema proporcional, não há qualquer regramento expresso na Constituição Federal que indique a titularidade do mandato partidário, o que vinha ocasionando seguidas trocas de partido durante o mandato dos eleitos, tanto para cargos do Executivo, como do Legislativo, ela apenas define que os partidos devem estabelecer regras acerca da fidelidade partidária (artigo 17, §1º). Na consulta eleitoral nº 1.398, realizada pelo Partido da Frente Liberal (PFL – atual Democratas), o Tribunal Superior Eleitoral decidiu, no dia 27 de Abril de 2007, que o mandato parlamentar não era pertencente ao candidato, senão à agremiação partidária no qual logrou se eleger. A questão chegou ao Supremo Tribunal Federal que, em julgamento do Mandado de Segurança nº 26.604-0 de 04 de outubro de 2007, entendeu que o mandato outorgado pelo povo ao parlamentar tinha por titular o partido político.
Uma das instituições mais relevantes previstas, inclusive, na Constituição Federal, é o partido político. Sua formação e a ideologia por traz da criação dessas pessoas jurídicas revela a importância perante o cenário político nacional. O estudo acerca da previsão legal e da forma como são tratadas as relações entre os filiados e essas agremiações revela o objetivo que culminou com a criação dessa entidade.
Além da independência que possuí perante o Estado, a relação que estabelece com os Poderes constituídos, bem como a relevância com que traça o caminho do voto do eleitor e as decisões manifestadas pelos candidatos eleitos, importa com que seu estudo reflita na necessária garantia de autonomia e fortalecimento dos partidos.
A própria Constituição Federal já trouxe importantes atribuições e funções para as agremiações partidárias, que foram, inclusive, fortalecidas por importantes decisões tomadas pelos Tribunais Superiores, notadamente quando da vinculação do mandato político exercido pelo candidato eleito.
A chamada infidelidade partidária, que há muito enfraquecia os partidos, foi combatida pelos Tribunais e pela legislação agora em vigor. Essas circunstâncias apenas tornaram mais forte a essência que permeia a essencialidade do voto e sua correta destinação, indicando, ainda, o fortalecimento das minorias.
Os partidos políticos nada mais são do que um conjunto de pessoas reunidas para um único fim. Somente por esse conceito singelo já se percebe que há muito se aproxima da definição de associação, que também tem por características a reunião de pessoas de forma pacífica para buscar algum intento comum entre seus membros.
Importante definição do que é a agremiação nos é trazida por Silva apud Cerqueira (2006, p. 369): “uma forma de agremiação de um grupo social que se propõe organizar, coordenar e instrumentalizar a vontade popular, com o fim de assumir o poder para realizar seu programa de governo”.
De saída, ressalte-se que o partido político é uma pessoa jurídica de direito privado, não guardando interferência do Poder Público – pelo menos assim é o que determina a Constituição Federal –, que é formado por aquele grupo de pessoas e sem qualquer imposição ou intromissão do Estado.
Embora agora o estatuto do partido político seja registrado de acordo com o estabelecido na lei civil e, posteriormente, é levado a registro perante o Tribunal Superior Eleitoral, já que não passa de uma associação regida pelo Direito Civil com algumas peculiaridades e limitações trazidas pelo próprio texto constitucional, antes ainda era considerado pessoa jurídica de direito público interno. O teórico Cerqueira (2006, p. 369) além de lembrar o caminho seguido para registro da agremiação, traz a lembrança de como era classificado no passado:
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 17, parágrafo 2º, preceitua que os partidos políticos adquirem personalidade jurídica na forma da lei civil, devendo registrar-se no Cartório do Registro Civil de Pessoas Jurídicas (do Distrito Federal), e os Estatutos, no TSE em até 1 (um) ano antes da data das eleições (art. 4º da Lei nº 9.504/97). Anteriormente, pelo regime da Lei nº 5.682/71 (Lei Orgânica dos Partidos políticos), os partidos políticos tinham personalidade jurídica de direito público interno.
Ademais, a personalidade jurídica de direito privado que hoje gozam os Partidos políticos está expressa no Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406/02), especificamente em seu artigo 44, inciso V: “São pessoas jurídicas de direito privado: (...) V - os partidos políticos. (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003)”.
Com isso o Estado não tem mais o poder de definir os rumos que devem ser tomados pelos dirigentes das agremiações, o que garante autonomia e maior poder de influência para garantir que seus programas sejam adotados politicamente.
Além disso, o autor Ramayana (2010, p. 314) traz um mais completo caminho que deve ser seguido pelo grupo de sujeitos que resolve instituir uma agremiação política no âmbito nacional:
O requerimento do registro do partido político é de natureza complexa, pois é dirigido ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas da Capital Federal – Brasília, e, após o cumprimento de exigências legais mediante certidão de inteiro teor expedida pelo oficial (arts. 6
º, §2º, da Lei nº 9.096/95 e 9º, §2º, da Resolução nº 19.406-TSE), ainda deverá seguir um roteiro de constituição dos órgãos de direção regionais e municipais com registro nos Tribunais Regionais Eleitorais e, somente vencido estas etapas, registrados os órgãos de direção regional em, pelo menos, um terço dos estados, o presidente solicitará o registro do estatuto e do órgão diretivo nacional no Tribunal Superior Eleitoral.
Enfim, os partidos políticos são o agrupamento de determinados indivíduos – associação, portanto –, os quais possuem como vontade atuar na política nacional e elegeram seus representantes, sendo que a agremiação goza de autonomia para definir as coligações, os estatutos e formas de ingresso de membros, sem dependerem de autorização do Poder Público.
Devem, porém, respeitar alguns preceitos fundamentais inseridos pela Carta da República, entre os quais possuir caráter nacional, prestar contas, não receber recursos vindos do exterior, além de resguardar a soberania nacional, o regime democrático, pluripartidarismo e os direitos fundamentais.
Assim como ocorre com o sistema proporcional, não há qualquer regramento expresso na Constituição Federal que indique a titularidade do mandato partidário, o que vinha ocasionando seguidas trocas de partido durante o mandato dos eleitos, tanto para cargos do Executivo, como do Legislativo, ela apenas define que os partidos devem estabelecer regras acerca da fidelidade partidária (artigo 17, §1º).
A fidelidade é o nexo que liga o parlamentar ao partido e faz com que ambos tenham a mesma linha de pensar, ainda que com pequenas divergências. No entendimento do autor Ramayana (2010, p. 315):
A infidelidade partidária está correlacionada com os deveres impostos pelo estatuto do partido político ao seu filiado (eleito ou não eleito). A lei faz menção à fidelidade e disciplina, o que enseja uma evidente interligação entre as expressões, que no fundo resvalam no acatamento das diretrizes e dos objetivos partidários.
Diante disso, atento a realidade do momento social vivenciado pelo país, na consulta eleitoral nº 1.398, realizada pelo Partido da Frente Liberal (PFL – atual Democratas), o Tribunal Superior Eleitoral decidiu, no dia 27 de Abril de 2007, que o mandato parlamentar não era pertencente ao candidato, senão à agremiação partidária no qual logrou se eleger.
Logo, se um candidato se elegeu por um determinado partido, não poderia trocá-lo por outro, salvo em casos excepcionais. Com isso, depois de muitos anos foi estabelecido o fim do “troca-troca” partidário, o que vinha ocorrendo de forma constante. Agora, quando um parlamentar desrespeitasse os mandamentos contidos no estatuto da agremiação poderia ser expulso e, mesmo assim, não levaria consigo o mandato, que continuaria com seu titular, o partido.
Naquela oportunidade, o partido fez a seguinte indagação na consulta: “Os partidos e coligações têm o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema proporcional, quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda?”.
Aquela Corte Eleitoral respondeu afirmativamente a questão. Importante transcrever, ainda, trecho do voto do Ministro Cesar Asfor Rocha que embasou a decisão e nos esclarece como o partido político é visto na esfera constitucional:
Dado o quadro jurídico constitucional positivo, a saber, o que confere ao Partido político a exponencial qualificação constitucional, ladeada pela sua essencialidade ao funcionamento da democracia representativa, torna-se imperioso assegurar que a interpretação jurídica de qualquer questão pertinente aos partidos políticos, com destaque para essa questão da fidelidade dos eleitos sob a sua legenda, há de ter a indispensável correlação da própria hermenêutica constitucional, com a utilização prestimosa dos princípios que a Carta Magna alberga.
Para ele, não haveria qualquer dúvida de que tanto em um olhar jurídico sobre o tema, quanto prático, o vínculo existente entre o candidato e o partido é o mais forte elemento que o identifica politicamente, ou seja, para que exista o candidato é necessário o partido e não existe candidatura sem uma agremiação em que se filia, complementando que:
Por conseguinte, parece-me equivocada e mesmo injurídica a suposição de que o mandato político eletivo pertence ao indivíduo eleito, pois isso equivaleria a dizer que ele, o candidato eleito, se teria tornado senhor e possuidor de uma parcela da soberania popular, não apenas transformando-a em propriedade sua, porém mesmo sobre ela podendo exercer, à moda do exercício de uma prerrogativa privatística, todos os poderes inerentes ao seu domínio, inclusive o de dele dispor.
No entender do Ministro o mandato definitivamente tem como titular o partido político em que o candidato era filiado e que lhe proporcionou a possibilidade de se eleger. Sem o partido, não seria possível ao pleiteante sequer ser registrado como candidato e, por isso, deve receber um tratamento mais privilegiado do que aquele.
Percebe-se que os votos atribuídos ao candidato, antes disso, são depositados no partido político, o que de per si já demonstra que o mandato é de titularidade do segundo. Se os votos fossem primeiramente ao parlamentar, para só depois ser sufragado o partido, poderíamos pensar diferentemente. Mas na forma que ocorre é certo que somente existe a possibilidade de votar em determinado candidato caso se vote no partido que ele representa.
Enquanto isso, o Ministro Cezar Peluso frisou que o postulante ao pleito, antes de candidatar-se, escolhe determinado partido político e consequentemente adota determinado programa político previsto nos seus estatutos, o que revela que possui uma relação com aquele, maior do que uma mera formalidade:
Aqui, tem-se de notar peculiaridade hermenêutica relevantíssima: não se cuida da filiação a qualquer partido político, mas àquele pelo qual o candidato, aderindo ao respectivo programa disputará, na condição prometida de defensor e representante, as eleições. Entendimento diverso implicaria o completo esvaziamento da função sistêmico-representativa dos partidos e daquela própria exigência constitucional, que se degradaria e reduziria a estéril formalismo, ao qual pouco se daria a identidade do partido que se filiasse o candidato, desde que, apenas para constar, se atendesse ao requisito de uma filiação qualquer.
A questão repercutiu no Supremo Tribunal Federal que, em julgamento do Mandado de Segurança nº 26.604-0 de 04 de outubro de 2007, seguindo o entendimento já proferido anteriormente por aquele Tribunal Superior, entendeu que o mandato outorgado pelo povo ao parlamentar tinha por titular o partido político. Referido julgamento restou assim ementado:
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ELEITORAL. MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO PELO PARTIDO DOS DEMOCRATAS - DEM CONTRA ATO DO PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. NATUREZA JURÍDICA E EFEITOS DA DECISÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL - TSE NA CONSULTA N. 1.398/2007. NATUREZA E TITULARIDADE DO MANDATO LEGISLATIVO. OS PARTIDOS POLÍTICOS E OS ELEITOS NO SISTEMA REPRESENTATIVO PROPORCIONAL. FIDELIDADE PARTIDÁRIA. EFEITOS DA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA PELO ELEITO: PERDA DO DIREITO DE CONTINUAR A EXERCER O MANDATO ELETIVO. DISTINÇÃO ENTRE SANÇÃO POR ILÍCITO E SACRIFÍCIO DO DIREITO POR PRÁTICA LÍCITA E JURIDICAMENTE CONSEQÜENTE. IMPERTINÊNCIA DA INVOCAÇÃO DO ART. 55 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. DIREITO DO IMPETRANTE DE MANTER O NÚMERO DE CADEIRAS OBTIDAS NA CÂMARA DOS DEPUTADOS NAS ELEIÇÕES. DIREITO À AMPLA DEFESA DO PARLAMENTAR QUE SE DESFILIE DO PARTIDO POLÍTICO. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA E MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA MUDANÇA DE ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL: MARCO TEMPORAL FIXADO EM 27.3.2007. MANDADO DE SEGURANÇA CONHECIDO E PARCIALMENTE CONCEDIDO.
1. Mandado de segurança contra ato do Presidente da Câmara dos Deputados. Vacância dos cargos de Deputado Federal dos litisconsortes passivos, Deputados Federais eleitos pelo partido Impetrante, e transferidos, por vontade própria, para outra agremiação no curso do mandato.
2. Preliminares de carência de interesse de agir, de legitimidade ativa do Impetrante e de ilegitimidade passiva do Partido do Movimento Democrático Brasileiro - PMDB: rejeição.
3. Resposta do TSE a consulta eleitoral não tem natureza jurisdicional nem efeito vinculante. Mandado de segurança impetrado contra ato concreto praticado pelo Presidente da Câmara dos Deputados, sem relação de dependência necessária com a resposta à Consulta n. 1.398 do TSE.
4. O Código Eleitoral, recepcionado como lei material complementar na parte que disciplina a organização e a competência da Justiça Eleitoral (art. 121 da Constituição de 1988), estabelece, no inciso XII do art. 23, entre as competências privativas do Tribunal Superior Eleitoral - TSE "responder, sobre matéria eleitoral, às consultas que lhe forem feitas em tese por autoridade com jurisdição federal ou órgão nacional de partido político". A expressão "matéria eleitoral" garante ao TSE a titularidade da competência para se manifestar em todas as consultas que tenham como fundamento matéria eleitoral, independente do instrumento normativo no qual esteja incluído.
5. No Brasil, a eleição de deputados faz-se pelo sistema da representação proporcional, por lista aberta, uninominal. No sistema que acolhe - como se dá no Brasil desde a Constituição de 1934 - a representação proporcional para a eleição de deputados e vereadores, o eleitor exerce a sua liberdade de escolha apenas entre os candidatos registrados pelo partido político, sendo eles, portanto, seguidores necessários do programa partidário de sua opção. O destinatário do voto é o partido político viabilizador da candidatura por ele oferecida. O eleito vincula-se, necessariamente, a determinado partido político e tem em seu programa e ideário o norte de sua atuação, a ele se subordinando por força de lei (art. 24, da Lei n. 9.096/95). Não pode, então, o eleito afastar-se do que suposto pelo mandante - o eleitor -, com base na legislação vigente que determina ser exclusivamente partidária a escolha por ele feita. Injurídico é o descompromisso do eleito com o partido - o que se estende ao eleitor - pela ruptura da equação político-jurídica estabelecida.
6. A fidelidade partidária é corolário lógico-jurídico necessário do sistema constitucional vigente, sem necessidade de sua expressão literal. Sem ela não há atenção aos princípios obrigatórios que informam o ordenamento constitucional.
7. A desfiliação partidária como causa do afastamento do parlamentar do cargo no qual se investira não configura, expressamente, pela Constituição, hipótese de cassação de mandato. O desligamento do parlamentar do mandato, em razão da ruptura, imotivada e assumida no exercício de sua liberdade pessoal, do vínculo partidário que assumira, no sistema de representação política proporcional, provoca o desprovimento automático do cargo. A licitude da desfiliação não é juridicamente inconseqüente, importando em sacrifício do direito pelo eleito, não sanção por ilícito, que não se dá na espécie.
8. É direito do partido político manter o número de cadeiras obtidas nas eleições proporcionais.
9. É garantido o direito à ampla defesa do parlamentar que se desfilie de partido político.
10. Razões de segurança jurídica, e que se impõem também na evolução jurisprudencial, determinam seja o cuidado novo sobre tema antigo pela jurisdição concebido como forma de certeza e não causa de sobressaltos para os cidadãos. Não tendo havido mudanças na legislação sobre o tema, tem-se reconhecido o direito de o Impetrante titularizar os mandatos por ele obtidos nas eleições de 2006, mas com modulação dos efeitos dessa decisão para que se produzam eles a partir da data da resposta do Tribunal Superior Eleitoral à Consulta n. 1.398/2007.
11. Mandado de segurança conhecido e parcialmente concedido.” (STF, MS 26604/DF - DISTRITO FEDERAL, MANDADO DE SEGURANÇA, Relator (a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Julgamento: 04/10/2007, Órgão Julgador: Tribunal Pleno)
O julgamento foi de grande relevância para definir um novo rumo a ser tomado pelos partidos e, principalmente, pelos parlamentares. Como sobredito, o partido político seguidor de determinado programa político é o ente que possibilita ao candidato alcançar a sua eleição para o cargo pretendido.
Ora, não há no Brasil a possibilidade de candidatura avulsa. A própria Constituição da República assim apregoa em diversos de seus artigos, prezando sempre pela garantia de que o candidato eleito se manterá filiado durante todo o exercício do mandato, corroborando com o seguimento contínuo do programa partidário.
Até porque, se assim não fosse, poderia o candidato utilizar-se da representação popular que lhe fora concedida para buscar proveitos pessoais e desvinculado da vontade do eleitor. Se possibilitada essa forma, não haveria qualquer tipo de representatividade, na medida em que os anseios sociais que deveriam ser atendidos por aquele que dizia representá-los, seria desvirtuado pela mera vontade do eleitor.
Dito de outro modo, não basta que o candidato filiado à determinada agremiação e nela seja eleito, para que se garanta a segurança necessária de que serão buscados os interesses de quem os elegeu.
Evidente que a simples filiação não garante o atendimento do programa seguido pelo partido e que levou (ou deveria levar) os eleitores a depositarem seu voto naquele partido e, seguidamente, no candidato. Tanto é assim que existe a exigência de que o postulante, para que possa concorrer às eleições, deve permanecer filiado por no mínimo um ano.
De nada adianta o eleitor exercer seu direito ao voto para que seja representado de acordo com suas ideologias, as quais estão compatíveis com determinado partido político, se tais ideais não serão objeto de representação e nem seguirão a linha de pensar da agremiação, ou, para piorar, os candidatos poderem romper o vínculo anterior como se o mandato lhes outorgado fosse um direito subjetivo, que com eles permanecessem aonde quer que fossem.
Não podemos esquecer que existem possibilidades de que o parlamentar deixe o partido sem que ocorra qualquer perda para si, sendo que se assim não fosse estaríamos ferindo outros direitos fundamentais de igual ou maior valia que a soberania popular e a democracia representativa. Questões meramente pessoais não são fortes o suficiente para ensejar uma alteração de partido e garantir ao parlamentar a permanência do mandato conseguido. Deve ocorrer uma situação de plena incompatibilidade.
De mais a mais, é importante ressaltar que o julgamento foi um marco de mudança de entendimento jurisprudencial por parte do Supremo Tribunal Federal que, em momento pretérito, mais especificamente em 1989, havia decidido que o parlamentar não perderia o mandato pelo simples fato de trocar de partido político. Vejamos a ementa daquela decisão:
- MANDADO DE SEGURANÇA. FIDELIDADE PARTIDARIA. SUPLENTE DE DEPUTADO FEDERAL. - EM QUE PESE O PRINCÍPIO DA REPRESENTAÇÃO PROPORCIONAL E A REPRESENTAÇÃO PARLAMENTAR FEDERAL POR INTERMEDIO DOS PARTIDOS POLITICOS, NÃO PERDE A CONDIÇÃO DE SUPLENTE O CANDIDATO DIPLOMADO PELA JUSTIÇA ELEITORAL QUE, POSTERIORMENTE, SE DESVINCULA DO PARTIDO OU ALIANCA PARTIDARIA PELO QUAL SE ELEGEU. - A INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA FIDELIDADE PARTIDARIA AOS PARLAMENTARES EMPOSSADOS SE ESTENDE, NO SILENCIO DA CONSTITUIÇÃO E DA LEI, AOS RESPECTIVOS SUPLENTES. - MANDADO DE SEGURANÇA INDEFERIDO. (STF, MS 20927/DF - DISTRITO FEDERAL, MANDADO DE SEGURANÇA, Relator (a): Min. MOREIRA ALVES, Julgamento: 11/10/1989, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação DJ 15-04-1994 PP-08061, EMENT VOL-01740-01 PP-00130)
Naquela oportunidade, em especial pelo momento histórico então vivenciado, o Supremo Tribunal Federal entendeu que mesmo ocorrendo mudança de partido pelo parlamentar eleito no sistema proporcional, ainda que considerássemos a representação popular pelos partidos políticos, deveria ser mantida a possibilidade de o candidato manter-se no cargo.
Emblemáticas são as palavras do Ministro Francisco Rezek, no mesmo julgado, que se atentou em especial ao momento que a Constituição foi elaborada e tudo que até então havia sido vivenciado no país, fazendo a seguinte previsão:
Tenho a certeza de que as coisas não permanecerão como hoje se encontram. Em breve ou em médio prazo, os partidos políticos no Brasil – de cujo exato número receio eu próprio haver perdido a conta – serão em número consentâneo com aquela divisão natural das facções políticas de que se compõe nossa sociedade. Nesse momento serão mais coesos, haverá maior homogeneidade entre seus filiados, e poder-se-á falar com mais firmeza a respeito de fidelidade a eles devida.
Para ele, o fato da Carta Magna não ter explicitado os pormenores que cercam a questão da fidelidade partidária se deveu às circunstâncias em que foi elaborada. Melhor dizendo, a forma como os partidos políticos antes eram vistos e todos os fatos que culminaram com a promulgação da Constituição foram primordiais para o constituinte originário fazer esta opção.
Com essa mudança de entendimento o Supremo Tribunal Federal deixou assente que, caso um parlamentar eleito que seja pelo sistema proporcional e, salvo excepcionais situações, troque de partido ou dele se desfilie, perderá seu mandato para a agremiação na qual estava filiado e que foi a possibilitadora de sua eleição.
Ademais, tendo em vista a mudança diametralmente oposta à anteriormente adotada pela Corte Suprema, os efeitos da decisão foram modulados para que somente viessem a ter eficácia a partir da decisão proferida pelo Tribunal Superior Eleitoral na Consulta nº 1398/2007, julgada na sessão do dia 27 de março do ano de 2007.
Posteriormente o Tribunal Superior Eleitoral, ao editar a Resolução
nº 22.610/2007 assim definiu:
Art. 1º - O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa.
§ 1º - Considera-se justa causa:
I) incorporação ou fusão do partido;
II) criação de novo partido;
III) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;
IV) grave discriminação pessoal.
A normativa também estabelece a legitimidade do partido político, do interessado e até mesmo do Ministério Público, para requerer a perda do mandato por infidelidade partidária. Os legitimados ajuízam uma ação propriamente dita para que, no curso dela, sejam garantidos ao parlamentar tido por infiel todos os meios de defesa constitucionalmente previstos – ampla defesa e contraditório –, tendo ele a possibilidade de provar qualquer fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do partido em guardar o mandato para si.
5. Conclusão
De todo despendido é possível perceber que desde a Constituição Federal de 1988, passando por diversas legislações e decisões judicias, houve uma primordial indicação da relevância dos partidos políticos, notadamente diante das funções que exerce perante a sociedade e os Poderes.
Os partidos, os quais podem ser conceituados como um grupo de pessoas que se reúnem para determinado fim, no caso, para definição dos rumos do Poder, observando certo plano de governo entabulado por esses associados, vinham sendo enfraquecidos pela possibilidade de troca partidária pelos candidatos por eles eleitos.
Ainda que o eleitor tivesse optado por determinado plano, via sua condição de sufragista e seu voto serem frustrados pela transferência do candidato eleito, tornando sem efetividade o sistema proporcional instituído pela Constituição. A real existência das agremiações não era devidamente observada.
Todavia, com o julgamento da Consulta nº 1398/2007, o Tribunal Superior Eleitoral passou a adotar posicionamento pela titularidade do partido no que se refere ao mandato eletivo, respaldado posteriormente pelo Supremo Tribunal Federal, quando da análise do MS 26604/DF. Atualmente, a desfiliação do partido político pelo candidato eleito, sem um motivo plausível, acarreta na perda do mandato, sendo regida pela Resolução nº 22.610/2007 do TSE, restando normatizada a chamada infidelidade partidária.
Diante disso, podemos perceber que a evolução do entendimento jurisprudencial acerca do tema tem relação com o fortalecimento das agremiações partidárias e, por consequência, do direito de minoria que visam a representar, nos moldes do que preceitua o sistema proporcional adotado pela Constituição Federal de 1988.
6 Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de jan. de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 12 dez. 2014.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 26604-DF. Tribunal Pleno. Relator (a): Min. Cármen Lúcia. Brasília, DF. Julgamento em 04.10.2007. Publicado no DJ de 03.10.2008. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=552057>. Acesso em: 12 dez. 2014.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 20927/DF. Tribunal Pleno. Relator (a): Min. Moreira Alves. Brasília, DF. Julgamento em 11.10.1989. Publicado no DJ de 15.04.1994. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=85369>. Acesso em: 12 dez. 2014.
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução nº 22.610/2007. Relator(a) Min. Antonio Cezar Peluso.
DJ - Diário da justiça, Data 30/10/2007, Página 169
REPDJ - Republicado no Diário de Justiça, Data 27/03/2008, Página 11. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/sadJudSadpPush/ExibirDadosProcessoJurisprudencia.do?nproc=S/N&sgcla=INST_&comboTribunal=tse&dataDecisao=25/10/2007>. Acesso em: 12 dez. 2014.
CERQUEIRA, Thales Pontes Luz de Pádua. A polêmica em torno da verticalização das coligações nas eleições de 2006 – STF – ADI’s 3.685/06 (OAB) e 3.686/06 (CONAMP) e TSE Consultas 766/02, 1.185/05 e 1.225/06. In: Preleções de direito eleitoral: direito material. Tomo I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
RAMAYANA, Marcos. Direito eleitoral. 10. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010.
SILVA, Amaury. Reforma eleitoral. Leme: J. H. Mizuno, 2010.
Bacharel em Direito, pela Universidade Federal de Mato Grosso. Procurador Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALLAN DE ALCâNTARA, . Os partidos políticos e a questão da infidelidade partidária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 maio 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44245/os-partidos-politicos-e-a-questao-da-infidelidade-partidaria. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: SABRINA GONÇALVES RODRIGUES
Por: DANIELA ALAÍNE SILVA NOGUEIRA
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