RESUMO: Embora o ordenamento confira ampla liberdade ao empregador para resilir unilateralmente os contratos de trabalho que mantenha, quando a dispensa imotivada recai sobre grande número de pessoas, em decorrência de um mesmo fato, tem-se que é necessário observar certos limites fixados pelo TST para a validade dos atos de demissão, a fim de preservar o interesse maior da coletividade, maior prejudicada com a ocorrência de dispensas em massa, coibindo-se as arbitrariedades do empregador.
PALAVRAS-CHAVE: Dispensa coletiva. Convenção 158 OIT. ADI 1.625. Direito Coletivo do Trabalho. Sindicato. Negociações coletivas. MPT. Acordo e convenção coletiva. Demissão em massa.
01. INTRODUÇÃO.
A dispensa coletiva (ou dispensa em massa) é um tema que ganhou grande projeção nacional a partir do julgamento pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) de um Recurso Ordinário em Dissídio Coletivo, em um caso envolvendo a validade da dispensa de 4.273 trabalhadores (20% da totalidade dos empregados) pela Embraer, em fevereiro de 2009, o qual, atualmente, encontra-se em sede de Recurso Extraordinário pendente de julgamento no STF (AgRE 647.651), já tendo sido reconhecido o atributo da repercussão geral.
Diante deste contexto, o presente artigo procura empreender diferente abordagem desse relevante tema, especificamente analisando-o sob a ótica de alguns aspectos polêmicos pouco estudados até então. A princípio, abordar-se-á os aspectos conceituais da dispensa coletiva, distinguindo-a da dispensa plúrima. Examina-se, então, a polêmica sobre o número de trabalhadores necessários para que uma dispensa se caracterize como coletiva. Parte-se para a possibilidade de dispensa em massa imotivada, traçando-se o atual entendimento do Tribunal Superior do Trabalho sobre o tema. Neste toar, é feito um breve histórico, sendo comentado o panorama atual do Convenção nº 158 da OIT. Por fim, verifica-se qual seria a medida processual que melhor se amolda à solução dos conflitos dos trabalhadores atingidos pela despedida em massa.
02. CONCEITO DE DISPENSA COLETIVA E LIMITAÇÕES AO PODER DE DEMITIR
Segundo definição de Orlando Gomes, a dispensa coletiva, também chamada de dispensa em massa, consiste em uma rescisão simultânea, por um único e mesmo motivo, de uma pluralidade de contratos de trabalho sem a substituição dos empregados dispensados. Também configuram hipótese de dispensa coletiva as demissões efetuadas de forma habitual, mas não simultânea, derivadas do mesmo motivo fático/econômico. São exigidos, portanto, dois requisitos para se configurar a natureza coletiva da dispensa: o rompimento contratual de forma plural, sem a substituição dos despedidos, e uma única causa vinculadora, um fato único, seja de ordem econômica, tecnológica ou estrutural, alheio à pessoa do empregado. É como ensina Orlando Gomes:
“Dispensa coletiva é a rescisão simultânea, por motivo único, de uma pluralidade de contratos de trabalho numa empresa, sem substituição dos empregados dispensados. [...] O empregador, compelido a dispensar certo número de empregados, não se propõe a despedir determinados trabalhadores, senão aqueles que não podem continuar no emprego. Tomando a medida de dispensar uma pluralidade de empregados não visa o empregador a pessoas concretas, mas a um grupo de trabalhadores identificáveis apenas por traços não-pessoais, como a lotação em certa seção ou departamento, a qualificação profissional, ou o tempo de serviço. A causa da dispensa é comum a todos, não se prendendo ao comportamento de nenhum deles, mas a uma necessidade da empresa”.[1]
Nessa perspectiva, o TST distinguiu a figura da dispensa coletiva da dispensa plúrima. Esta pressupõe uma despedida de um grupo de trabalhadores, mas não atrelada a uma única motivação, dispensando o requisito jurisprudencial da prévia negociação coletiva. No caso concreto, o TST entendeu que a dispensa de 180 empregados ao longo de 4 meses não configurou dispensa em massa, pois restou demonstrado que a demissão dos empregados estava dentro dos parâmetros de normalidade do fluxo de mão de obra da empresa e ocorreu em momento de incremento de produção e recuperação de postos de trabalho, caracterizando-se, tão-somente, como dispensa plúrima (Informativo nº 42 do TST). Eis o teor da decisão proferida pela Seção de Dissídios Coletivos da Corte Superior Trabalhista:
“Dissídio coletivo de natureza jurídica. Demissão coletiva. Não configuração. Ausência de fato único alheio à pessoa do empregado. A dispensa de cento e oitenta empregados ao longo de quatro meses não configura “demissão em massa”, pois esta pressupõe um fato único, seja de ordem econômica, tecnológica ou estrutural, alheio à pessoa do empregado. No caso concreto, restou demonstrado que a demissão dos empregados estava dentro dos parâmetros de normalidade do fluxo de mão de obra da empresa, e ocorreu em momento de incremento de produção e recuperação de postos de trabalho, caracterizando-se tão-somente como dispensa plúrima. Com esse entendimento, a SDC, por unanimidade, negou provimento ao recurso ordinário interposto pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico, Eletrônico e Fibra Óptica de Campinas e Região”.[2]
Uma das primeiras polêmicas sobre o tema diz respeito à quantidade de trabalhadores necessários para que a dispensa se torne coletiva. A jurisprudência pátria não definiu de maneira muito clara um parâmetro numérico, cabendo à doutrina traçar alguns limites a serem considerados em cada caso. É certo que impossível fixar um número exato de empregados para que a despedida seja considerada coletiva, cabendo à análise do caso concreto delimitar a sua natureza, sendo que alguns critérios podem auxiliar o intérprete nesta análise. Um deles é a potencialidade de gerar danos à sociedade. Numa pequena comunidade, a despedida de cem empregados poderá ser considerada coletiva, visto que, provavelmente, afetará grande parte das famílias que ali residem. Por outro lado, num grande centro urbano, como as grandes metrópoles, considerando este mesmo número de cem empregados demitidos, tal critério torna-se insuficiente para se aferir a qualidade da dispensa. Outro indicativo é a redução de quadros de pessoal da empresa. Nesse aspecto, a análise deve ser feita a partir do número de empregados da empresa na localidade em que ocorreu as demissões, devendo o rompimento contratual coletivo atingir a comunidade que vive a sua volta. Neste contexto, os contratos de trabalho mantidos em outras localidades em nada interferem nos efeitos deletérios sofridos por aquela sociedade.
Um segundo aspecto polêmico refere-se à possibilidade de dispensa coletiva imotivada. Em nosso sistema jurídico, é permitida a resilição unilateral do contrato de trabalho por iniciativa discricionária do empregador. Este tem o direito potestativo (independe do consentimento da outra parte da relação jurídica) de terminar o vínculo de emprego, não precisando fundamentar seu ato (denúncia vazia ou dispensa imotivada), seja porque o dispositivo constitucional que veda a dispensa arbitrária ou sem justa causa não foi até o momento regulamentado (art. 7º, I da CF/88), seja porque o tratado internacional que exigia fundamento socialmente relevante para a dispensa do empregado foi ratificado e posteriormente denunciado em nosso sistema jurídico (Convenção nº 158 da OIT).
Ocorre que a despedida coletiva de trabalhadores redunda em malefícios muito superiores àqueles acarretados pelas dispensas individuais. Não apenas os trabalhadores, individualmente considerados, mas todos aqueles que dependem, direta ou indiretamente, dos frutos de seus trabalhos são afetados, defluindo forte impacto social. Várias são as famílias que perdem a sua fonte de subsistência, o que leva ao aumento da população que vive à margem do emprego, com queda do padrão de vida e elevação da miserabilidade no país. Nas palavras de Nelson Mannrich:
“Uma dispensa coletiva envolve o trabalhador e sua família, a empresa e toda a comunidade, verificando-se o envolvimento de interesses de toda ordem, econômica especialmente, além da social”.[3]
O rompimento coletivo não pode, portanto, obedecer à mesma lógica do individual e, tampouco, merece o mesmo tratamento jurídico. Conquanto inexista, no direito positivo brasileiro, norma que regule especificamente as despedidas coletivas, o Poder Judiciário tem sido chamado a se pronunciar acerca das questões que as envolvem e importantes decisões foram tomadas sobre a matéria, o que muitos apontam como uma demonstração de postura ativista pelo Poder Judiciário. Nessa esteira, no âmbito da Corte Superior Trabalhista, pacificou-se o entendimento de que a dispensa em massa exige, necessariamente, prévia negociação coletiva, a fim de que se discutam os critérios e as formas como esta dispensa ocorrerá, conforme explica Maurício Godinho Delgado:
“Felizmente, a jurisprudência da Seção de Dissídios Coletivos do TST. No período subsequente ao julgamento de 18 de agosto de 2009, ao enfrentar novos casos de dispensas coletivas, reiterou a validade do precedente judicial inferido, enfatizando ser a negociação coletiva sindical procedimento prévio imprescindível para os casos de dispensas massivas de trabalhadores. Nesta linha estão os seguintes acórdãos e respectivas datas de julgamento: TST-RODC-2004700-91.2009.5.02.0000, julgado em 14.11.2001 - Relatora: Ministra Katia Magalhães Arruda; R0-173-02.2011.5.15.0000, julgado em 13.08.2012 - Relator: Ministro Mauricio Godinho Delgado; R0-6-61.2011.5.05.0000, julgado em 13.11.2012-Relator: Ministro Walmir Oliveira da Costa”.[4]
Fala-se, então, em duas categorias de despedida coletiva: a legítima e a arbitrária. Será considerada legítima a dispensa socialmente justificada e antecedida de negociação prévia. Do contrário, a despedida será arbitrária. Como a despedida gera impactos que transcendem a esfera individual, nada mais razoável do que viabilizar aos trabalhadores a oportunidade de participar do processo, podendo sugerir medidas capazes de evitar, ou, pelo menos, minorar os prejuízos sofridos em decorrência das rupturas contratuais. As condutas necessárias para o enfrentamento da crise econômica empresarial serão fixadas na negociação coletiva entabulada entre empresa e sindicato dos trabalhadores, cujo objetivo será atenuar o impacto da dispensa coletiva. Ressaltando a importância da negociação coletiva, destaca Maria Cecília Teodoro
“É importante lembrar que o Direito Coletivo do Trabalho não se realiza em si próprio. Sua principal virtude reside exatamente no fato de que aos entes coletivos é atribuída a faculdade de elaboração de normas jurídicas. São as próprias partes participando diretamente da construção do Direito, levando em consideração o que é melhor para elas. Quem melhor conhece a realidade de uma determinada parcela da atividade econômica, bem como da respectiva categoria profissional são os seus atores sociais, isto é, são aquelas pessoas envolvidas diretamente naquele processo produtivo – empregadores e empregados”.[5]
Ressalta-se que a negociação coletiva deve viabilizar direitos para além daqueles já assegurados no rompimento individual do contrato. Caso, por exemplo, o sindicato dos trabalhadores não se oponha à despedida e considere válido o acordo cujo conteúdo verse simplesmente sobre o parcelamento de verbas rescisórias, a finalidade da negociação foi inteiramente deturpada. Em vez de conferir proteção aos trabalhadores, a avença visou apenas aos interesses empresariais. Portanto, o parcelamento das verbas rescisórias não é, em hipótese alguma, benéfica aos trabalhadores; pelo contrário, o pagamento no prazo é uma garantia mínima (art. 477, §6º da CLT), que não comporta flexibilização a favor do empresário.
Antes de se confirmar, pelas negociações coletivas, a extinção em massa dos vínculos empregatícios, deve-se, preferencialmente, procurar meios capazes de evitar os rompimentos contratuais, como a adoção do lay off (suspensão dos contratos de trabalho para participação dos empregados em cursos ou programas de qualificação profissional oferecidos pelo empregador, previsto no art. 476-A da CLT) ou a concessão de férias coletivas (art. 139 da CLT). Por outro lado, caso não seja possível evitar as dispensas, poderão ser instituídas outras fórmulas de composição, a exemplo da concessão de compensação financeira, calculada com base no tempo de contrato; pactuar-se a manutenção de determinados benefícios, como o vale-alimentação e o plano de saúde, por período determinado; o fornecimento de cestas-básicas durante certo prazo; a promoção de cursos de qualificação profissional para os trabalhadores demitidos, a fim de que consigam ampliar as suas chances de recolocação no mercado de trabalho; pactuação de cláusula de preferência para recontratação, na hipótese de o empregador superar o quadro de adversidade financeira, vindo a necessitar da contratação de novos funcionários (inspiração na Convenção 135 da OIT).
Todas essas medidas atendem à finalidade pública de preservação do bem estar social, razão pela qual a despedida coletiva que dispense a participação prévia do sindicato viola a boa-fé objetiva (art. 5º da LINDB e art. 422 do CC/02) e os princípios da confiança e da informação (art. 5º, XXXIII da CF/88), caracterizando abuso do direito (art. 187 do CC/02). A empresa ultrapassa os limites determinados pelo seu fim social e econômico, violando a função social da propriedade (arts. 5º, XXIII e 170, III da CF/88), a função social do contrato de trabalho (art. 421 do CC/02), o direito à negociação coletiva (art. 7º, XXVI da CF/88), os valores sociais do trabalho (art. 1º, IV da CF/88) e, não menos importante, a própria dignidade da pessoa humana dos obreiros (art. 1º, III da CF).
É nesse sentido que recomenda o Ministério Público do Trabalho, conforme a Orientação nº 06 da sua Coordenadoria afeta à matéria da liberdade sindical, CONALIS, transcrita abaixo, in verbis:
DISPENSA COLETIVA. Considerando os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), da democracia nas relações de trabalho e da solução pacífica das controvérsias (preâmbulo da Constituição Federal de 1988), do direito à informação dos motivos ensejadores da dispensa massiva e de negociação coletiva (art. 5º, XXXIII e XIV, art. 7º, I e XXVI, e art. 8º, III, V e VI), da função social da empresa e do contrato de trabalho (art. 170, III e Cód. Civil, art. 421), bem como os termos das Convenções ns. 98, 135, 141 e 151, e Recomendação nº 163 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a dispensa coletiva será nula e desprovida de qualquer eficácia se não se sujeitar ao prévio procedimento da negociação coletiva de trabalho com a entidade sindical representativa da categoria profissional.
Não observadas estas premissas – ser socialmente justificada e antecedida de negociação prévia – a dispensa coletiva será considerada como ato arbitrário e ilícito, ensejando sua nulidade. O consectário prático, a princípio, é a reintegração dos trabalhadores dispensados. Nada impede, contudo, com base na necessidade de se conferir efetividade à decisão judicial e à luz do princípio da instrumentalidade do processo, que se converta o direito à reintegração no pagamento de indenização substitutiva a cada trabalhador lesado, com base no art. 496 da CLT. Pode-se, diante do caso concreto, aplicar essa medida na situação em que empregadores e empregados, individualmente e por meio do sindicato, não desejarem o retorno ao status quo ante. Tal alternativa pode, inclusive, ser deferida ex officio pelo julgador, sem que se configure julgamento extra petita, conforme Súmula nº 396, II do TST:
ESTABILIDADE PROVISÓRIA. PEDIDO DE REINTEGRAÇÃO. CONCESSÃO DO SALÁRIO RELATIVO AO PERÍODO DE ESTABILIDADE JÁ EXAURIDO. INEXISTÊNCIA DE JULGAMENTO EXTRA PETITA.
I – (...)
II - Não há nulidade por julgamento “extra petita” da decisão que deferir salário quando o pedido for de reintegração, dados os termos do art. 496 da CLT.[6]
É importante destacar que a conversão da reintegração em indenização substitutiva não é a solução ideal, já que privilegia o aspecto pecuniário, monetizando a tutela dos direitos fundamentais do trabalhador. Afasta-se, por consequência, o caráter educativo e inibitório da decisão judicial, ao passo que se rebaixa a dignidade do direito constitucional à relação de trabalho, equiparando-o, indevidamente, a direitos meramente pecuniários. No entanto, há, na prática, uma relevante diferença entre o ideal e o possível. Na ausência de um sindicato capaz de zelar pelos interesses da categoria de forma irretocável, por exemplo, essa seria a decisão mais adequada.
Voltando ao caso prático da Embraer, o TST não afastou a validade das dispensas praticadas, firmando a tese com efeitos prospectivos – pro futuro – em virtude da segurança jurídica e da ausência de regulamentação expressa sobre o tema. Mesmo assim, a Embraer, inconformada, levou o tema, em grau de Recurso Extraordinário, para apreciação no STF, alegando que, ao criar condições e requisitos a validade da dispensa em massa, o TST atribuiu ao poder normativo da Justiça do Trabalho uma competência que a Constituição Federal reservou a lei complementar (art. 7º, I). Ademais, sustentou a ingerência indevida na auto-organização (poder de gestão) de uma empresa privada, o que configuraria violação ao princípio da livre-iniciativa (art. 1º, IV da CF/88).
Ante o já exposto até esse ponto, não assiste razão à Embraer, valendo mencionar que a dispensa imotivada (individual ou coletiva) é prática rechaçada pelo Direito Internacional. O trabalho, em todo o mundo, é reconhecido como um direito humano destinado a assegurar a dignidade da pessoa humana. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 dispõe que toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego (art. XXIII). No âmbito da OIT, da Convenção 158 – que trata do término das relações de trabalho por iniciativa do empregador – extrai-se que não é permitido ao empregador dispensar o empregado, senão quando houver uma causa socialmente justificada. Além disso, tal Convenção assegura a informação prévia ao sindicato dos trabalhadores acerca das dispensas, bem como impõe a necessidade de negociação para que as despedidas sejam evitadas ou pelo menos reduzidos os seus prejuízos (art. 13).
03. A CONVENÇÃO 158 DA OIT
Nesse ponto, inclusive, vale uma breve menção ao histórico e à situação atual da Convenção 158 da OIT, umbilicalmente relacionada com as dispensas trabalhistas de uma forma geral. A Convenção 158 da OIT foi aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 68, de 16/09/1992, do Congresso Nacional; ratificada em 05/01/1995; promulgada pelo Decreto nº 1855, de 10/04/1996; e denunciada pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, através do Decreto nº 2100, de 20/12/1996. A constitucionalidade do ato de denúncia, que não foi precedido de autorização do Congresso Nacional, é questionada na ADI nº 1625, ajuizada em 17/06/1997, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) e pela Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Embora a ação ainda se encontre pendente de julgamento, alguns Ministros do STF já proferiram os seus respectivos votos. O Ministro Nelson Jobim manifestou-se pela improcedência da ação. Os Ministros Maurício Corrêa (Relator) e Carlos Brito decidiram pela procedência em parte para condicionar a denúncia da Convenção ao referendo do Congresso Nacional. O Ministro Joaquim Barbosa julgou totalmente procedente a ação. Em recente voto (11/11/2015), a Ministra Rosa Weber manifestou-se pela inconstitucionalidade formal do decreto por meio do qual foi dada ciência da denúncia da convenção. Destacou que a discussão não reside na validade da denúncia em si, mas sim do decreto, que implica a revogação de um tratado incorporado ao ordenamento jurídico como lei ordinária. Seu voto partiu da premissa de que, nos termos da Constituição Federal, leis ordinárias não podem ser revogadas pelo Presidente da República, e o decreto que formaliza a adesão do Brasil a um tratado internacional, aprovado e ratificado pelo Congresso, equivale a lei ordinária.
04. MEDIDAS PROCESSUAIS DE IMPUGNAÇÃO À DISPENSA COLETIVA
Finalmente, outro aspecto polêmico sobre o tema é aquele acerca da medida processual que melhor se amolda à solução dos conflitos dos trabalhadores atingidos pela despedida coletiva, o que se revela de crucial importância, eis que o processo é a forma idônea de instrumentalização do direito material infringido. Logo, a eleição de via processual inadequada implica na extinção do processo sem resolução do mérito por carência da ação, ante a falta de interesse de agir (inadequação da via eleita), nos termos do art. 267, VI do CPC/73. Nessa linha, inexiste óbice à postulação individual, pelo trabalhador, de nulidade da sua dispensa, através da reclamação trabalhista, ainda quando procedida no âmbito de dispensa coletiva pelo empregador; a sentença, todavia, produzirá efeito somente para ao autor da ação.
Há quem aponte a reclamação trabalhista – plúrima ou do sindicato, na condição de substituto processual – como a via mais adequada a se combater judicialmente o ato patronal da dispensa coletiva de trabalhadores. Argmenta-se que a dispensa coletiva se equipara ao somatório de rescisões contratuais individuais (feixe de extinções contratuais aglomeradas), competindo ao magistrado de primeiro grau o julgamento da causa, por envolver conflito de interesses individualizados e concretos dos trabalhadores. Logo, nesse raciocínio, admitir um dissídio coletivo para o litígio corresponderia à supressão de um grau de jurisdição na Justiça do Trabalho, o que não se revela legítimo. Nesse sentido, decisão do Min. João Oreste Dalazen em outubro/2009.
Sob outro ângulo, a jurisprudência trabalhista proclama, agora de forma majoritária, o dissídio coletivo como o instrumento processual mais apropriado para dirimir a questão concernente à ruptura coletiva de contratos de trabalho. Conforme antevisto, o rompimento coletivo não pode obedecer à mesma lógica do individual e, tampouco, merece o mesmo tratamento jurídico. A despedida coletiva de trabalhadores redunda em malefícios/consequências/prejuízos muito superiores àqueles acarretados pelas dispensas individuais, já que não apenas os trabalhadores, individualmente considerados, mas todos aqueles que dependem, direta ou indiretamente, dos frutos de seus trabalhos são afetados (forte impacto social). Várias são as famílias que perdem sua fonte de subsistência, o que leva ao aumento da população que vive à margem do emprego com queda do padrão de vida e elevação da miserabilidade do país.
Corrente contrária a essa tese afirma que não se admite, em sede de ação declaratória, como são classificados os dissídios coletivos, pretensão condenatória, a exemplo da reintegração de trabalhador ou da condenação em pecúnia. Ressalta-se, porém, a excepcionalidade do caso, o qual não se enquadra, de fato, na figura clássica do dissídio coletivo de natureza jurídica. Contudo, a matéria central enfocada é eminentemente jurídica, envolvendo a interpretação quanto a aspecto fundamental da ordem jurídica: se as dispensas massivas são, ou não, regidas do mesmo modo normativo do que as dispensas meramente individuais e, não o sendo, quais as consequências jurídicas de sua regência normativa específica.
Nesse sentido, o presente dissídio é fundamental e preponderantemente jurídico, embora se reconheça na sua natureza algo misto, quer dizer, é dissídio coletivo preponderantemente jurídico, mas também com dimensões econômicas. Ademais, não há regramento específico na ordem jurídica prevendo de que maneira o conflito deverá ser decidido, não podendo, portanto, o julgador se furtar da obrigação de dirimir a ação, a despeito da nomenclatura a ela conferida, devendo encontrar soluções adequadas que possibilitem a devida prestação jurisdicional. Trata-se de conflito social de máxima relevância, que não pode ser desprezado por mera formalidade processual, podendo ser genericamente considerado. Nesse sentido, acórdão da SDC, de relatoria do Min. Maurício Godinho Delgado, que julgou o caso da Embraer, rejeitando expressamente a preliminar arguida pelo Suscitado de inadequação da via eleita.
Por fim, há uma última corrente que aponta a ação civil pública como a via processual mais adequada para a salvaguarda de direitos sociais daqueles afetados pelas despedidas coletivas, por se inserir no rol dos chamados direitos metaindividuais dos trabalhadores. A competência funcional, nesse caso, caberia ao primeiro grau de jurisdição. Alternativa cada vez mais utilizada em âmbito do MPT, que postula, em regra, a declaração de nulidade das dispensas, pedido coletivo de reintegração dos trabalhadores e dano moral coletivo. Embora venha prevalecendo o ajuizamento de dissídios coletivos nas hipóteses de dispensa em massa, também se admite que a ação civil pública se coaduna com a pretensão de nulidade da dispensa coletiva, por integrar o sistema processual coletivo de modo geral.
05. CONCLUSÃO
É certo que ao empregador cabe o poder de livremente gerir o seu negócio, inclusive no que atine à resilição imotivada dos contratos de trabalho que mantém. Ocorre que, no exercício do poder de demitir, a tutela estatal pode ser invocada quando transcendidos interesses meramente individuais para se atingir o bem estar de toda uma coletividade. É o caso das dispensas coletivas, nas quais ocorre uma rescisão simultânea, por um único e mesmo motivo, de uma pluralidade de contratos de trabalho, sem a substituição dos empregados dispensados. Diante da potencialidade lesiva que este ato potestativo do empregador possui sobre sociedade, o Poder Judiciário fixou-lhe limites ao exercício, exigindo, necessariamente, prévia negociação coletiva, a fim de que se discutam os critérios e as formas de como se dará a dispensa. Nessa negociação, buscar-se-ão, preliminarmente, medidas para preservar os contratos de trabalho ameaçados, como a redução temporária de salários e jornada de trabalho ou a concessão de férias coletivas. Sendo impossível a manutenção dos empregos, serão devidas medidas de compensação, como abono pecuniário; manutenção provisória de benefícios; fornecimento de cestas-básicas; compromisso de preferência para recontratação, entre outras.
Desobedecidos, pelo empregador, os parâmetros acima, a dispensa coletiva configurará ato arbitrário e ilícito, sendo nula de pleno direito. O consectário prático, a princípio, é a reintegração dos trabalhadores dispensados, porém, com vistas a conferir efetividade à decisão judicial e em homenagem ao princípio da instrumentalidade do processo, autoriza-se que se converta o direito à reintegração no pagamento de indenização substitutiva a cada trabalhador lesado, com base no art. 496 da CLT. Ratifica esse entendimento as regras de Direito Internacional do Trabalho, em especial a Convenção 158 da OIT, que tende a voltar a produzir efeitos jurídicos vinculantes no Brasil (status de lei ordinária) com a consolidação do entendimento do STF na ADI 1.625, na qual começa a prevalecer a inconstitucionalidade do decreto presidencial que denunciou a adesão do país ao tratado correspondente.
Por fim, restou a indagação derredor da medida judicial adequada à tutela dos interesses dos trabalhadores atingidos pela dispensa coletiva. Uma primeira corrente defende a reclamação trabalhista – plúrima ou do sindicato, na condição de substituto processual – uma ves que a dispensa coletiva equipara-se ao somatório de rescisões contratuais individuais (feixe de extinções contratuais aglomeradas), competindo, portanto, ao magistrado de primeiro grau, o julgamento da causa, diante do conflito de interesses individualizados e concretos dos trabalhadores. Nada obstante, a doutrina e jurisprudência majoritárias filiam-se à segunda corrente: a do dissídio coletivo como o instrumento processual mais apropriado, considerando a supremacia do interesse da coletividade sobre as particularidades individuais, a qual é atingida como um todo, tanto o conjunto de trabalhadores demitidos, como as suas famílias e o comércio que depende de sua fonte de renda. Enfim, a terceira e última corrente aponta a ação civil pública como via idônea, por se abordar direitos metaindividuais dos trabalhadores. A competência funcional, nesse caso, caberá ao primeiro grau de jurisdição, sendo legitimado ativo o MPT, que postula, em regra, a declaração de nulidade das dispensas, e pedido coletivo de reintegração dos trabalhadores e a indenização pelo dano moral coletivo.
06. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 14ª ed. São Paulo: LTR, 2015.
GOMES, Orlando. Dispensa coletiva na reestruturação da empresa - Aspectos jurídicos do desemprego tecnológico. São Paulo: LTr, 1974.
MANNRICH, Nelson. Dispensa coletiva: da liberdade contratual à responsabilidade social. São Paulo: LTr, 2000.
TEODORO, Maria Cecília Máximo. O princípio da adequação setorial negociada no direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2007.
[1] GOMES, Orlando. Dispensa coletiva na reestruturação da empresa - Aspectos jurídicos do desemprego tecnológico. São Paulo: LTr, 1974, pág. 575.
[2] TST-RO-147-67.2012.5.15.0000, SDC, rel. Min. Maria de Assis Calsing. Julgamento: 15.4.2013.
[3] MANNRICH, Nelson. Dispensa coletiva: da liberdade contratual à responsabilidade social. São Paulo: LTr, 2000, pág. 14.
[4] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 14ª Ed. São Paulo: LTR, 2015, pág. 1.214.
[5] TEODORO, Maria Cecília Máximo. O princípio da adequação setorial negociada no direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2007, pág. 71.
[6] TST, súmula nº 396. Conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 106 e 116 da SBDI-1 - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005.
Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. Especialista em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FREIRE, André Vieira. Dispensa coletiva e limites ao poder de demitir Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 fev 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45960/dispensa-coletiva-e-limites-ao-poder-de-demitir. Acesso em: 02 nov 2024.
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