RESUMO: A presente dissertação tem como objeto de estudo a atuação da Justiça Eleitoral nos casos de cassação de registros de candidaturas e mandatos eletivos em decorrência da aplicação do art. 41-A da Lei nº 9.504/97, que alçou a captação ilícita de sufrágio à categoria de infração cível-eleitoral.
INTRODUÇÃO
A compra de votos, como é popularmente conhecida, sempre foi prática corrente em nosso país. Um dos episódios mais singulares da história brasileira remonta aos anos iniciais da República. Nesse período, era comum que os proprietários de latifúndios, apelidados de coronéis, utilizassem do poder econômico que detinham para obrigar, até mesmo por meio da violência, que os eleitores do seu “curral eleitoral” votassem nos candidatos apoiados por eles. Era o chamado “voto de cabresto”.
Qualquer semelhança com o contexto atual talvez não seja mera coincidência. Foi-se a figura do coronel, mas a herança política deixada ainda se faz presente a cada nova eleição. Em pleno Estado Democrático de Direito, no qual, em tese, os representantes políticos devem ser escolhidos por meio de uma eleição idônea, que realmente represente a manifestação de vontade da maioria, é cada vez mais frequente o uso da máquina pública e do poder econômico para desvirtuar e corromper o resultado das urnas.
Atualmente, embora a compra de votos seja vista como um mal pela maioria da sociedade, muitos eleitores ainda comercializam seus votos na falsa ideia de que tal conduta não irá influir no resultado do pleito. Todavia, é nítido que essa prática somente fragiliza a democracia representativa e mantém no poder candidatos interessados apenas em perpetuar a pobreza e a miséria, pois é da exploração das carências sociais que resultam seus mandatos eletivos.
Foi nesse contexto de indignação e luta por um processo eleitoral mais justo, pautado na moralidade e lisura, que surgiu o art. 41-A da Lei nº 9.504/97, que instituiu no ordenamento jurídico pátrio a denominada “captação ilícita de sufrágio” como uma infração cível-eleitoral. Referido texto normativo foi resultado de um esforço da sociedade brasileira na arregimentação de quase um milhão de assinaturas, a fim de que o projeto fosse levado ao Congresso Nacional.
Todavia, se a priori essa conquista parecia um sopro de esperança na tão fatigada política brasileira, a atuação cada vez mais incisiva do Poder Judiciário, através de decisões que anulam a vontade popular manifestada nas urnas e determinam a saída imediata do titular do cargo, acabou por suscitar inúmeros debates acerca da legitimidade desse instrumento normativo.
Nessa esteira, o presente trabalho tem por escopo a delimitação material e processual do instituto. Por meio de uma abordagem legislativa, doutrinária e jurisprudencial, os principais aspectos materiais e processuais do art. 41-A da Lei 9.504/97 serão examinados, como sua natureza jurídica, os requisitos para caracterização, o sujeito ativo, penalidades, procedimento, dentre outros.
1 REQUISITOS DE CONFIGURAÇÃO
Nos termos do art. 41-A da Lei nº 9.504/97, constitui captação ilícita de sufrágio “o candidato doar, oferecer, prometer ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar 64, de 18.05.1990”.
Certo é que a captação de votos constitui o objetivo precípuo de toda e qualquer campanha eleitoral, de modo a permitir que o candidato conquiste o mandato eletivo em disputa. Porém, o convencimento dos eleitores deve ser feito dentro dos limites traçados pela legislação eleitoral. Adriano Soares da Costa afirma que, quando o aspirante a um cargo público afasta-se dos métodos permitidos pelo ordenamento jurídico e busca angariar o voto do eleitor através de meios escusos, tem-se caracterizada a captação ilícita de sufrágio[1].
Assim, captação ilícita de sufrágio é a corrupção eleitoral realizada mediante a doação, oferta, promessa ou entrega de qualquer vantagem ao eleitor com a finalidade de obter-lhe o voto.
Para sua caracterização, o Tribunal Superior Eleitoral tem exigido a presença de três elementos, quais sejam: a) a prática de uma ação (doar, ofertar, prometer ou entregar); b) a existência de uma pessoa física (um eleitor) e; c) o resultado a que se propõe o agente, que é a obtenção do voto.[2]
Nesse contexto, depreende-se que a conduta ilícita de “compra de votos” pode ser praticada mediante as seguintes ações: doação, oferta, promessa ou entrega de bem ou dádiva, inclusive emprego ou função pública. Logo, evidencia-se que a simples oferta ou promessa de qualquer bem ou vantagem ao eleitor basta para a subsunção à norma em análise. A respeito, leciona Adriano Soares da Costa[3]:
À incidência da norma basta a promessa ou o oferecimento de vantagem de qualquer natureza. A entrega ou a consumação do benefício prometido apenas qualifica o fato ilícito, vez que a prova da sua ocorrência fica mais facilitada. Todavia, o simples aliciamento da vontade do eleitor através de promessa de futura vantagem, em troca de votos, já é ato ilícito punível.
Tal ocorre porque a infração eleitoral em comento é de natureza formal e independe de resultado naturalístico para sua consumação. Segundo o magistério de José Jairo Gomes, “a entrega concreta, efetiva, real, configura mero exaurimento da ação ilícita anteriormente consumada”[4].
A segunda consequência advinda da natureza formal da infração diz respeito à manifestação positiva de aceite por parte do eleitor, que se torna irrelevante. E mais, não se faz necessária a comprovação de que o eleitor agraciado pela vantagem tenha realmente votado no candidato.
Como segundo requisito apontado pelo Tribunal Superior Eleitoral, tem-se a necessidade de existência da pessoa física do eleitor. Por eleitor entende-se aquele que possui alistamento eleitoral em um determinado município. Conforme ensina Carlos Eduardo de Oliveira Lula, o fundamento dessa exigência respalda-se no próprio bem jurídico tutelado pela norma, que é a liberdade de voto do eleitor[5].
Por tal razão, o Tribunal Superior Eleitoral já se manifestou no sentido da não configuração da captação ilícita de sufrágio na hipótese de um candidato oferecer vantagem a outro, para que este desista de sua candidatura, consoante aresto a seguir ementado:
Recurso especial. Investigação judicial eleitoral. Abuso de poder econômico. Captação de votos entre candidatos. Atipicidade. Lei 9504/97, art. 41-A.
1. O artigo 41- A da Lei 9.504/97 só tipifica a captação ilícita de votos entre candidato e eleitor, não a configurando a vantagem dada ou prometida por um candidato a outro, visando a obter-lhe a desistência.[6]
Igualmente, não caracteriza captação ilícita de sufrágio a oferta ou promessa de bens ou valores: a) a menores de dezoito anos que ainda não estão inscritos eleitores; b) ao eleitor que esteja com seu título cancelado; c) ao eleitor que vota em circunscrição diversa daquela a que pertence o candidato corruptor. Isto porque em nenhuma dessas hipóteses haveria perigo ou ameaça ao bem jurídico tutelado, que é a liberdade de voto.
Ainda quanto ao segundo requisito - existência da pessoa física do eleitor -, o Tribunal Superior Eleitoral firmou entendimento no sentido da desnecessidade de sua identificação nominal, consoante jurisprudência a seguir colacionada:
Investigação judicial - Representação - Art. 41-A da Lei nº 9.504/97 - Multa - Inelegibilidade - Art. 22 da LC nº 64/90. Não identificação dos nomes dos eleitores corrompidos - Desnecessidade.
1. Estando comprovada a prática de captação ilegal de votos, não é imprescindível que sejam identificados os eleitores que receberam benesses em troca de voto.
2. Em representação para apurar captação vedada de sufrágio, não é cabível a decretação de inelegibilidade, mas apenas multa e cassação de registro ou de diploma, como previsto no art. 41-A da Lei nº 9.504/97.[7]
Por derradeiro, o último requisito apontado por aquela Corte Eleitoral é a exigência de que a ação ilícita tenha sido praticada com a finalidade de obtenção de voto. Nos dizeres de Antônio Peleja Junior e Fabrício Batista, exige-se a intenção dolosa, consubstanciada na vontade deliberada de cooptação de voto por meio de oferta de qualquer bem ou vantagem ao eleitor[8].
A respeito, o Superior Tribunal Eleitoral passou a entender ser desnecessário o pedido explícito ou direto de voto para a caracterização da conduta ilícita[9]. O julgamento de casos concretos pelos órgãos jurisdicionais demonstrou que, no mais das vezes, os candidatos tentavam de toda maneira mascarar tal pedido, a fim de evitar uma eventual punição.
Destarte, atualmente, presume-se a finalidade eleitoral. A verbalização da intenção de cooptação é dispensável. O mero assédio ao eleitor durante o período eleitoral sensível, mediante oferta de vantagem, basta para evidenciar o fim especial de agir. Qual finalidade teria, por exemplo, um candidato que doa uma cesta básica a determinado eleitor, contendo seu nome e número, no auge da campanha, senão eleitoral? O pedido de voto está implícito em sua ação. Neste sentido:
Captação ilícita de sufrágio. Configuração - Artigo 41-A da Lei no 9.504/97.
Verificado um dos núcleos do artigo 41-A da Lei no 9.504/97 - doar, oferecer, prometer ou entregar ao eleitor bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza - no período crítico compreendido do registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, presume-se o objetivo de obter voto, sendo desnecessária a prova visando a demonstrar tal resultado. Presume-se o que normalmente ocorre, sendo excepcional a solidariedade no campo econômico, a filantropia.[10]
(...) a caracterização da captação ilícita de sufrágio prescinde de expresso pedido de voto, sendo suficientes a participação do candidato e a evidência do especial fim de agir.[11]
Aliás, visando tornar expresso tal entendimento jurisprudencial, a Lei nº 12.034/99 acrescentou o §1º ao art. 41-A, o qual reza que “para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de voto, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir”.
A par desses três requisitos anteriormente analisados (prática de uma ação, existência da pessoa física do eleitor e finalidade eleitoral), imprescindível que outros apontamentos sejam feitos para a perfeita compreensão da infração insculpida no art. 41-A da Lei nº 9.504/97.
Em primeiro, tem-se que a vantagem oferecida ao eleitor pode ser de qualquer natureza: dinheiro, cesta básica de alimentos, lotes de terreno, medicamentos, vales-combustível, dentadura, sapato, material escolar, etc. E, segundo Marino Pazzaglini Filho, “o mesmo se diga das condutas de prestação ou de oferecimento de serviços médicos, odontológicos ou jurídicos”[12]. Além de bens materiais, vantagens como cargo ou emprego, público ou privado, ensejam a subsunção à norma em análise.
Com efeito, a criatividade dos candidatos nesse campo é realmente inimaginável. As vantagens ofertadas vão desde serviços advocatícios a pagamento de benefícios previdenciários, conforme se verifica dos julgados a seguir transcritos:
Vereador - Reeleição - Doação de fardamento de time de futebol, realização de torneio e churrasco - Configuração do previsto no art. 41-A, Lei nº 9504/97.[13]
Captação de sufrágio. Para ser enquadrado no art. 41-A, da Lei nº 9.504/97 basta a oferta do candidato ao eleitor. E o candidato ofereceu serviços advocatícios pelas ondas do rádio. Delito formal que não se vincula com o resultado.[14]
Constitui captação de sufrágio a prestação gratuita de serviços médicos por candidato médico, em residência particular, bem como a promessa de medicamentos gratuitos, com a entrega de material publicitário de campanha política.[15]
Representação. Promessa de doação de casa e fechamento de empresa caso não eleitos. Pagamento de bônus a empregados. Conduta ilícita. Captação de sufrágio.[16]
Promessa de continuação do pagamento do beneficio previdenciário, em caso de eleição do candidato majoritário da coligação da representada. (...) Incide no que dispõe o art. 41-A, da Lei n. 9.504/97, a promessa de o eleitor continuar a receber o beneficio social, caso o candidato da coligação da representada venha a ser eleito.[17]
Outrossim, a benesse oferecida deve significar um benefício ao eleitor. Por tal motivo, o Tribunal Superior Eleitoral já entendeu em vários casos que a distribuição de camiseta de campanha a cabos eleitorais não caracteriza concessão de vantagem ao eleitor. Seria mero mecanismo de organização da campanha, tendo em vista que as camisetas normalmente não passam a integrar a esfera de bens dos prestadores de serviços, pois são devolvidas para o coordenador de campanha ao final de cada dia[18].
Ainda, para a configuração do ilícito, a vantagem oferecida deve ser específica e concreta. Significa dizer que o benefício outorgado deve ser destinado a um eleitor individualizado, até mesmo para que se estabeleça um nexo de cumplicidade entre o candidato e o eleitor corrompido.
Nada obstante essa exigência, segundo José Jairo Gomes, “se o candidato fizer promessa – em troca de voto – de fornecer material de construção a parente ou familiar de alguém, estará configurada a situação fática prevista no artigo 41-A da LE”[19]. O benefício, neste caso, seria indireto.
Outrossim, a pluralidade de eleitores não desfigura a prática da ilicitude, quando a vantagem outorgada for individualmente usufruída por cada um deles, consoante manifestou-se o Tribunal Superior Eleitoral no seguinte julgado:
Apanhados os fatos tais como descritos pela decisão recorrida, resta configurada a infração prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, uma vez evidenciado que a candidata ofereceu ou prometeu dinheiro a determinado grupo de eleitores em troca de voto.[20]
Esse o quadro, evidencia-se que não caracteriza captação ilícita de sufrágio as promessas comumente proferidas em palanques de campanha pelos candidatos, como construção de escolas, postos de saúde, creches, etc., pois feitas de forma geral e indiscriminada, sem aptidão para corromper ou vincular os destinatários. Tais promessas constituem elemento próprio do debate político. Em suma, o que se exige é que a vantagem seja ofertada a eleitor determinado ou determinável. Como bem leciona Marcos Ramayana[21]:
O que a lei pune é a artimanha, o aspecto ilícito, ‘o toma lá da cá’, a vantagem pessoal de obter o voto. O pedido certo, determinado e específico faz parte da petição inicial e deve ser cotejado sob a ótica da pessoalidade, do clientelismo e do amesquinhamento do voto.
2 DA NATUREZA JURÍDICA E DA DISTINÇÃO COM O ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL
Investigar a natureza jurídica de determinado instituto consiste em demonstrar a sua essência, de modo a permitir classificá-lo dentro do universo de categorias jurídicas existentes no âmbito da ciência do Direito.
No tocante ao instituto da captação ilícita de sufrágio, introduzido pelo art. 41-A na Lei nº 9.504/97, Marcos Souto Maior Filho relembra que havia interpretações distintas acerca da natureza jurídica quando de sua criação: se infração penal-eleitoral, infração civil-eleitoral, mero ilícito administrativo ou mesmo uma nova hipótese de inelegibilidade sancionatória[22].
Atualmente, porém, já não existe mais tanta divergência entre os doutrinadores eleitoristas. Em sua maioria, entendem tratar-se de ilícito civil-eleitoral, sendo distinto do delito penal previsto no art. 299 do Código Eleitoral.
À par da similitude dos textos legais, imperioso reconhecer que o art. 41-A da Lei nº 9.504/97 não revogou o crime de corrupção eleitoral previsto no art. 299 do Código Eleitoral, que permanece com sua vigência e eficácia incólume.
Em síntese, a figura insculpida no art. 41-A da Lei nº 9.504/97 penaliza política e administrativamente, com a perda do registro de candidatura ou do diploma e multa, o candidato que oferece qualquer bem ou vantagem ao eleitor, em troca de seu voto. Por outro lado, o art. 299 do Código Eleitoral, pela mesma prática, penaliza criminalmente, com pena de reclusão e multa, tanto o aliciador, quanto o eleitor corrompido. Segundo o escólio de Tito Costa:
Este preceito legal, que tem estreita aproximação com o ilícito criminal do art. 299 do Código Eleitoral, ora comentado, não contém norma penal. Suas conseqüências, na área civil e especialmente política, dizem diretamente com o registro e/ou diploma do candidato, sujeitos à cassação pela Justiça Eleitoral, que poderá impor-lhe, ainda, a multa ali prevista que não deixa de ser uma pena no sentido lato, mas sem conotação criminal.[23]
Além de sanções diversas, o delito penal, segundo Joel J. Cândido, possui um espectro de aplicação mais amplo, pois visa punir tanto o corruptor (corrupção eleitoral ativa), como o eleitor corrompido (corrupção eleitoral passiva), enquanto que o ilícito civil-eleitoral previsto no art. 41-A aplica-se apenas ao candidato infrator[24].
Outrossim, diferentemente do que ocorre no plano cível-eleitoral, em que basta a anuência tácita do candidato, na seara criminal a punição desse mesmo candidato depende de sua colaboração ativa e eficaz para a consumação do delito. Assim, não basta a sua conivência, é necessário o seu concurso, ou seja, que ele tenha contribuído, com eficácia causal, para a consumação do ato.
Nesse contexto, caso o candidato tenha praticado diretamente a “compra de votos”, sua responsabilidade será aferida concomitantemente na seara criminal e extrapenal, haja vista a inexistência de prejudicialidade entre o crime de corrupção eleitoral e o ilícito civil-eleitoral do art. 41-A. Por outro lado, caso não haja comprovação de sua contribuição ativa na consumação do ato, não poderá ser demandado penalmente, pelos motivos anteriormente expostos.
Cabe ressaltar ainda, conforme ensina Marcos Souto Maior Filho, que o delito do art. 299 do Código Eleitoral não exige que o sujeito ativo ostente a condição de candidato. Assim, qualquer pessoa pode cometer crime de corrupção eleitoral, sujeitando-se às consequências previstas no tipo penal. Trata-se, portanto, de crime comum[25].
Além disso, os ritos processuais são diversos. O crime de corrupção eleitoral é apurado pelo rito ordinário da Justiça Eleitoral, enquanto o ilícito civil-eleitoral do art. 41-A observa o procedimento previsto no art. 22 da Lei complementar nº 64/90.
3. DO SUJEITO ATIVO E A PROBLEMÁTICA DA APLICAÇÃO AO NÃO CANDIDATO
Uma primeira leitura do art. 41-A da Lei nº 9.504/97 pode levar à conclusão de que o sujeito ativo da conduta de captação vedada de votos é somente o próprio candidato, entendido como aquele devidamente registrado na Justiça Eleitoral, tendo em vista a expressa referência à terminologia “candidato” no corpo da norma legal.
O entendimento inicial do Tribunal Superior Eleitoral, inclusive, trilhou-se nessa direção, com a exigência da participação direta do candidato na conduta, pois, em tese, mencionado ilícito teria característica personalíssima e guardaria similitude com o crime do art. 299 do Código Eleitoral.
Nada obstante, com o decurso do tempo, a exegese da norma evoluiu e aquela Corte Eleitoral modificou seu entendimento, passando a decidir que o ilícito se perfaz mesmo pela explícita anuência do candidato à conduta ilícita praticada por terceiro. Já no ano de 2001, o TSE sentenciou da seguinte forma:
(...) tem-se por caracterizada a captação de sufrágios com a participação do candidato ou mesmo por sua explícita anuência às práticas ilícitas capituladas naquele artigo. Não fosse isso, em face da costumeira criatividade dos candidatos e dos seus colaboradores, correr-se-ia o risco de tornar inócua a citada norma, mantendo impunes e até mesmo estimulando os candidatos na prática de abusos e ilícitos que a sociedade, notadamente a mais próxima dos fatos, repudia com justificada veemência.[26]
Com efeito, entendimento diverso implicaria no esvaziamento da norma em testilha, pois é notório que infrações desta estirpe, via de regra, são realizadas por cabo eleitoral, secretário, ministro, parente ou correligionário do candidato, de modo a ocultar o real corruptor.
Nada obstante, alguns eleitoristas posicionam-se contrários a essa tese. Marcos Souto Maior Filho sustenta “ser muito perigosa essa dilatação dos efeitos do art. 41-A da Lei 9.504/97, se verdadeiramente não está expresso na norma de regência”[27]. De igual modo, Adriano Soares da Costa aduz que, não sendo “possível emprestar interpretação elástica às normas que prescrevem sanções, apenas o candidato poderá realizar a conduta descrita no suporte fáctico (sic) da norma”[28].
De outro norte, a possibilidade de punição do candidato pela conduta praticada por terceiro suscita uma relevante problemática acerca da aplicação da penalidade descrita no dispositivo legal. A respeito, Rodrigo López Zilio defende uma dupla punição: do candidato, mero partícipe indireto, e do terceiro, praticante da conduta principal, in verbis:
Ora, ao se admitir - além da participação direta - a forma indireta de participação do candidato na conduta reprovável, estar-se-á admitindo, de modo implícito, que a conduta principal foi praticada por outrem. E, em sendo punível a participação indireta do candidato, é de ser admitida, também como punível, a conduta do agente principal que não é candidato. Implausível, raciocínio diverso.[29]
Em que pese tal entendimento, os demais doutrinadores entendem passível de punição pela violação ao art. 41-A apenas o candidato, vez tratar-se de sanção político-administrativa. Nos dizeres de Marcos Souto Maior Filho, “não é possível a aplicação teleológica e sistêmica para imprimir punição que a lei não especificou”[30].
Ademais, nada obsta que o terceiro seja responsabilizado penalmente pelo crime de corrupção eleitoral previsto no art. 299 do Código Eleitoral. Assim, caso verificada a participação de terceiro em sede de representação com base no art. 41-A, o juiz ou relator do processo deverá encaminhar cópia dos autos ao Ministério Público para fins de oferecimento de denúncia, tendo em vista que o delito tipificado no art. 299 do Código Eleitoral é de ação pública incondicionada.
Em suma, a captação ilícita de sufrágio prevista no art. 41-A da Lei nº 9.504/97 é inaplicável para quem não tenha o requisito de ser candidato.
4. PENALIDADES
O art. 41-A da Lei nº 9.504/97 prevê como penalidades decorrentes da prática de captação ilícita de votos a cassação do registro ou do diploma do candidato, bem como a aplicação de multa no valor de mil a cinquenta mil UFIR.
Nessa esteira, se a representação com base no art. 41-A for julgada procedente pela Justiça Eleitoral até o dia da diplomação dos eleitos, referida decisão cassará o registro do candidato e lhe aplicará sanção pecuniária. Conforme ensina Marcos Souto Maior Filho, a cassação do registro obsta a expedição do diploma ao candidato, uma vez que os efeitos da decisão são imediatos[31].
Por outro lado, se o julgamento da representação ocorrer após a diplomação, o juiz ou Tribunal cassará o diploma do candidato, bem como lhe aplicará multa no valor de mil a cinquenta mil UFIR.
Vale lembrar, ainda, que após o advento da Lei Complementar 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), que alterou significativamente a Lei Complementar 64/90, instituindo novas hipóteses de inelegibilidades, a sentença procedente em representação com base no art. 41-A passou a ter como efeito secundário a inelegibilidade do candidato pelo prazo de 08 (oito) anos, a contar da eleição em que se deram os fatos, nos termos do art. 1º, I, “j”, da Lei Complementar 64/90.
Consoante leciona Antônio Veloso Peleja Junior, referida inelegibilidade só produzirá efeitos caso a sentença condenatória se amolde em uma das seguintes hipóteses: a) tenha sido proferida por juízo de primeiro grau e referendada por órgão colegiado da Justiça Eleitoral; b) tenha sido proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral ou; c) tenha transitado em julgado[32].
5. DA DESNECESSIDADE DE AFERIÇÃO DA POTENCIALIDADE LESIVA DA CONDUTA
Como se nota, diferentemente de outras leis eleitorais, o art. 41-A da Lei nº 9.504/97 visa proteger, de forma direta, a vontade do eleitor. O bem jurídico tutelado pelo referido dispositivo legal não é mais propriamente a normalidade e legitimidade das eleições, mas sim a vontade soberana do eleitor, consubstanciada na escolha livre, espontânea e consciente de seus representantes políticos.
A consequência desse novo enfoque protetivo reside no fato de não ser necessário, em sede de representação com base no art. 41-A da Lei nº 9.504/97, a aferição da potencialidade lesiva da conduta de influir na disputa eleitoral.
Em outros termos, não é necessário demonstrar que o agente deu, ofereceu, prometeu ou entregou bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza a um número expressivo de eleitores. Pelo contrário, a compra de um único voto basta para que se tenha caracterizada a violação ao art. 41-A. Conforme ensina Edson de Resende Castro, mesmo que o candidato tenha logrado vitória nas urnas por ampla maioria de votos, terá seu diploma cassado pela Justiça Eleitoral caso fique comprovado que, no curso da disputa eleitoral, tentou corromper um único eleitor que seja[33].
Aliás, essa é uma das principais distinções entre as figuras do abuso de poder econômico e da captação ilícita de sufrágio. No abuso de poder, é imprescindível que se comprove a potencialidade da conduta ilícita de influir na legitimidade e normalidade das eleições.
6. PROCEDIMENTO, LEGITIMIDADE E LITISCONSÓRCIO PASSIVO
De acordo com a Lei nº 9.504/97, a ação cabível no caso de descumprimento de suas disposições, dentre elas o art. 41-A, é a representação eleitoral. Ainda, dispõe que referida representação deverá seguir o rito previsto no art. 22 da Lei Complementar 64/90, observadas, no mais, as instruções normativas expedidas pelo Tribunal Superior Eleitoral.
O rito do art. 22 da Lei Complementar 64/90 é reputado sumaríssimo. Logo, a representação por captação ilícita de sufrágio é submetida a um procedimento célere, com vistas a uma rápida punição do candidato infrator.
Nessa toada, para imprimir ainda mais rapidez aos feitos eleitorais, e em consonância com o princípio constitucional da razoável duração do processo, o legislador infraconstitucional estabeleceu, através da Lei nº 12.034/09, o prazo máximo de 01 (um) ano para as ações que ensejam a perda do mandato eletivo, contado da data de sua propositura (art. 97-A da Lei nº 9.504/97). Assim, nos dizeres de Antônio Veloso Peleja Júnior, a representação por captação ilícita de votos também deverá observar referido lapso temporal, o qual compreende o trâmite em todas as instâncias da Justiça Eleitoral[34].
Por seu turno, a legitimidade ativa para ajuizamento de representação com base no art. 41-A vem prevista no art. 96 da Lei nº 9.504/97. Podem propor a ação candidato, partido político ou coligação, bem como o Ministério Público Eleitoral, que tem participação obrigatória em todas as fases e instâncias do processo eleitoral.
Quanto aos legitimados passivos, entende Carlos Eduardo de Oliveira Lula que “legitimado passivamente é o candidato que comete a ação típica do art. 41-A”[35]. Para Antônio Veloso Peleja Júnior, tal rol é mais amplo. Sustenta referido doutrinador que:
Considerando as sanções previstas no artigo 41-A, acrescidas da hipótese prevista no artigo 1º, I, ‘j’, da LC 64/90 (com redação dada pela LC 135/2010), são legitimados passivos o candidato (cassação + multa + inelegibilidade), pessoa física (multa + inelegibilidade), pessoa jurídica (multa) e partido ou coligação (multa).[36]
Um ponto importante acerca da legitimidade ad causum diz respeito à existência ou não de litisconsórcio passivo necessário entre o candidato titular e seu vice ou suplente nas representações com base no art. 41-A da Lei 9.504/97.
Imperioso destacar, de plano, que no caso de eleição proporcional (cargos de vereador e deputado), na qual inexistem as figuras de vice e suplente, não há tal discussão. Poder-se-ia, no máximo, cogitar da necessidade de litisconsórcio passivo entre o candidato e terceiro que tenha contribuído para a prática do ato ilícito. Porém, neste caso, não há divergência de que o litisconsórcio será facultativo e simples. Isto porque, conforme leciona Antônio Veloso Peleja Junior, o art. 22 da Lei Complementar 64/90, que regula o rito a ser observado nas representações com base no art. 41-A da Lei 9.504/97, não exige a formação de litisconsórcio passivo necessário entre tais pessoas.[37]
No caso de eleições majoritárias (cargos do Poder Executivo e do Senado), o tema passou por significativa mudança de entendimento por parte do Tribunal Superior Eleitoral. Em um primeiro momento, aquela Corte Eleitoral entendeu ser desnecessário que candidatos a vice ou suplente figurassem no polo passivo da demanda.
Segundo ensinamento de Marcos Souto Maior Filho, nada obstante as críticas recebidas da doutrina, o Tribunal Superior Eleitoral manteve sua jurisprudência pacífica sobre o tema até o julgamento do Recurso Contra a Expedição de Diploma - RCED nº 703, de relatoria do Ministro Félix Fischer, no qual passou a entender que o vice deve ser necessariamente citado para integrar todas as ações ou recursos, cujas decisões possam acarretar a perda de seu mandato[38].
Entendeu-se que, em razão do princípio da indivisibilidade ou unidade da chapa majoritária, não há separarem-se as situações jurídicas do titular e do vice, já que a eleição deste último ocorre por arrastamento. Assim, como eventual procedência da representação atinge não apenas a órbita jurídica do titular, mas também do vice, imperioso que este seja citado para se defender do ato impugnado[39].
Com efeito, o atual entendimento do Tribunal Superior Eleitoral é o que mais se coaduna com os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, vez que, em virtude da unidade monolítica da chapa, os vices e suplentes têm interesse direto e inafastável em caso de uma eventual representação com base no art. 41-A da Lei 9.504/97.
7. PRAZO PARA AJUIZAMENTO DA REPRESENTAÇÃO ELEITORAL E COMPETÊNCIA
O prazo para a propositura da representação por captação ilícita de sufrágio vem previsto no próprio art. 41-A da Lei nº 9.504/97. O termo a quo é data da formalização (ou seja, protocolo) do requerimento de registro de candidatura junto à Justiça Eleitoral. Por outro lado, o termo ad quem é o dia da diplomação dos eleitos, consoante o §3º do art. 41-A, introduzido pela Lei 12.034/2009.
Após referido prazo, abre-se a possibilidade de discussão da captação ilícita de votos por meio de RCED (Recurso contra a expedição de diploma) ou AIME (Ação de impugnação de mandato eletivo), a serem propostos, respectivamente, nos 3 ou 15 dias posteriores à diplomação.
Por fim, a competência para conhecimento da dita representação está expressamente prevista no art. 96 da Lei 9.504/97. Segundo mencionado dispositivo legal, em caso de eleições municipais (candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador), a competência será dos juízes eleitorais. Em se tratando de eleições federais, estaduais e distritais (candidatos a senador, governador e vice-governador de Estado e do Distrito Federal, deputado federal, deputado estadual e deputado distrital), a competência é atribuída aos Tribunais Regionais Eleitorais. Por fim, em caso de eleição presidencial (candidatos a Presidente da República e vice-presidente), cabe ao Tribunal Superior Eleitoral a análise do feito[40].
8. EXECUÇÃO IMEDIATA DA DECISÃO
A sentença que julga procedente representação com base no art. 41-A da Lei 9.504/97 tem dupla natureza: sancionatória (aplicação de multa) e desconstitutiva (cassação do registro ou do diploma do candidato infrator).
Para o Tribunal Superior Eleitoral, como a cassação do registro ou do diploma não constitui nova espécie de inelegibilidade, a decisão procedente deve ter imediato cumprimento, mesmo quando o representado interpõe recurso. Aplica-se, neste caso, a regra geral do Código Eleitoral (art. 257), segundo a qual os recursos eleitorais não têm efeito suspensivo[41].
A atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso visa conferir eficácia a referida decisão, vez que o instituto do art. 41-A foi criado com o escopo de afastar imediatamente da disputa aquele que, no curso da campanha eleitoral, praticou a denominada “compra de votos”.
Todavia, conforme leciona Edson de Resende Castro, a executividade imediata da decisão não impede que o recorrente busque junto ao respectivo Tribunal a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, por meio de ação cautelar ou, ainda, via petição autônoma de atribuição de efeito suspensivo direcionada ao relator do recurso[42].
Nessa esteira, para evitar prejuízos irreparáveis aos candidatos, a Lei nº 12.034/2009 acrescentou o art. 16-A à Lei nº 9.504/97, criando um “efeito suspensivo” ao recurso daquele que tiver seu registro cassado antes das eleições. Referido dispositivo legal prevê que os candidatos que tenham seus registros cassados por captação ilícita de sufrágio ainda durante a campanha eleitoral e recorram de tal decisão, devem continuar praticando os atos de campanha, por sua conta e risco. Eles devem, inclusive, participar do horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão[43].
Caso o candidato fosse imediatamente excluído da campanha eleitoral, mesmo obtendo posterior êxito no recurso interposto, não conseguiria recuperar o precioso tempo de propaganda eleitoral perdido entre a cassação do registro e o provimento do apelo. O dano a sua candidatura seria irreparável. E nem se diga de uma eventual reforma da decisão após as eleições. Neste caso, o provimento do recurso não teria sentido prático algum.
Assim, em virtude da inovação trazida pela Lei 12.034/2009, se no dia do pleito eleitoral o recurso do candidato ainda estiver pendente de julgamento, o resultado das eleições será revelado, mas desconsiderando sua candidatura. Conforme ensina Edson de Resende Castro, os votos a ele dados ficam armazenados no sistema. Em caso de provimento do recurso interposto, os votos serão considerados válidos e os cálculos serão refeitos, a fim de se determinar o resultado final da disputa eleitoral[44].
Por seu turno, os recursos contra decisões proferidas após as eleições continuam tendo apenas efeito devolutivo, o que não impede, no entanto, que o recorrente busque a atribuição de tal efeito pelos instrumentos anteriormente mencionados.
Por fim, vale frisar que no tocante à declaração de inelegibilidade pelo prazo de 08 (oito) anos, efeito secundário introduzido pela Lei Complementar 135/2010, somente produzirá efeitos se referendada ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, ou após o trânsito em julgado da decisão.
9. INVALIDADE DAS ELEIÇÕES E ELEIÇÕES INDIRETAS
O Código Eleitoral, em seu capítulo VI, dispõe sobre o rol de hipóteses em que se consideram nulas e anuláveis as votações.
Dentre elas, o art. 222 prevê a possibilidade de anulação da eleição em caso de captação ilícita de votos[45].
Por seu turno, o art. 224 do mesmo diploma legal declara que se a nulidade atingir mais da metade dos votos em caso de eleições majoritárias, julgar-se-á prejudicado o pleito, marcando-se nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias[46].
Logo, certo é que em todas as representações com base no art. 41-A da Lei 9.504/97 não é apenas possível, mas obrigatória a aplicação do art. 224 do Código Eleitoral, nos casos envolvendo os cargos do Poder Executivo. Nos dizeres de Marcos Souto Maior Filho, anulando-se os votos do candidato infrator que tenha seu diploma cassado, impõe-se a realização de novas eleições caso o percentual de votos dados a ele ultrapasse 50% (cinqüenta por cento) do total.[47] Neste sentido:
Prevendo o art. 222 do Código Eleitoral a captação de sufrágio como fator de nulidade da votação, aplica-se o art. 224 do mesmo diploma no caso em que houver a incidência do art. 41-A da Lei nº 9.504/97, se a nulidade atingir mais de metade dos votos.[48]
Por outro lado, se a nulidade não atingir mais da metade dos votos nas eleições majoritárias, Antônio Veloso Peleja Junior assevera que é dispensável a realização de novas eleições, assumindo o mandato o candidato que obteve o segundo lugar[49].
Vale notar que, para fins de renovação do pleito, são desconsiderados os votos nulos e em branco, por se tratar de manifestação apolítica de eleitores.
Outrossim, o Tribunal Superior Eleitoral já firmou o entendimento de que o candidato que deu causa à nulidade da votação não poderá participar da renovação do pleito. Segue aresto que evidencia tal posicionamento:
O ordenamento jurídico eleitoral positivo e jurisprudencial brasileiro, impondo a carga axiológica que o compõe, especialmente a inspirada no princípio ético, não agasalha a possibilidade de candidato que deu causa à nulidade das eleições participar na renovação do pleito. Interpretação do art. 219, parágrafo único, do Código Eleitoral.[50]
Ademais, devido à alteração introduzida pela Lei Complementar 135/2010, a condenação pela prática da captação ilícita de votos passou a ter como efeito secundário a inelegibilidade do candidato. Logo, aquele que deu causa à nulidade da votação ficará, de todo modo, impossibilitado de participar das eleições suplementares, quando for o caso.
Uma das questões mais relevantes acerca da renovação do pleito diz respeito à aplicabilidade ou não do art. 81, §1º, da Constituição Federal quando a anulação da votação ocorrer nos dois últimos anos do mandato do candidato condenado pela prática de captação ilícita de votos.
No âmbito do Tribunal Superior Eleitoral havia duas posições divergentes. Porém, a partir do ano de 2008, aquela Corte Eleitoral, em diversos julgados, passou a posicionar-se pela aplicação do art. 81, §1º, da Constituição Federal, ressaltando, sobretudo, a inconveniência da realização de eleição direta para um breve mandato. Além disso, entendeu-se que a modalidade de eleição direta representaria um dispêndio financeiro vultoso para um curto período de exercício, o que seria contrário aos princípios da razoabilidade e da economicidade[51].
Assim, existem duas situações possíveis, a depender do momento da vacância do cargo nas eleições majoritárias. Se a vacância ocorrer nos dois primeiros anos do mandato e a nulidade da votação não atingir mais da metade dos votos, assume o cargo o segundo colocado; se a nulidade atingir mais da metade dos votos, realizam-se eleições diretas no prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.
Por outro lado, conforme ensina Antônio Veloso Peleja Junior, caso a vacância do cargo ocorrer nos dois últimos anos do mandato e a nulidade não atingir mais da metade dos votos, assume o cargo o segundo colocado; se a nulidade atingir mais da metade dos votos, realizam-se eleições indiretas, nos termos do art. 81, §1º, da Constituição Federal[52].
Vale notar, contudo, que a questão não é tão simples no âmbito dos estados-membros e municípios. Isto porque, no julgamento de Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4298, o Supremo Tribunal Federal decidiu que não há obrigatoriedade dos Estados e municípios reproduzirem o disposto no art. 81, § 1º, da Constituição Federal e que tais entes federativos possuem autonomia para dispor acerca do modo de escolha do substituto, quando ocorrida a dupla vacância dos cargos do Executivo.
Assim, em tese, seria plenamente possível existir previsão expressa na Constituição Estadual ou na lei orgânica municipal de determinado estado ou município de realização de eleição direta em caso de vacância do cargo a ser efetivada no segundo biênio do mandato político.
No julgamento da AIJE nº 182-09.2010.6.18.0007, o magistrado Marcelo Carvalho Cavalcante de Oliveira, em voto vencido, expôs com muita clareza as possíveis consequências práticas resultantes da adoção desse entendimento:
(...) imaginemos um país como o Brasil, com mais de 5.000 (cinco) mil municípios, em que cada um passe a ditar as normas de como será realizada a eleição, em caso de dupla vacância dos cargos do Poder Executivo Municipal. Como explicar para o homem comum do povo que, na cidade vizinha, os munícipes poderão votar, em um pleito para mandato tampão, e no seu, se eventualmente ocorrer a dupla vacância, não poderão? Como justificar essa diversidade de tratamento? Deveras, respeitados os posicionamentos em sentido contrário, considero que o princípio da simetria deve ser obedecido, haja vista que a Lei Fundamental da República estabeleceu um padrão normativo a ser seguido.
Igualmente, como conviver com a instabilidade na vida de um município com eleições diretas tão próximas? Suponhamos a situação de um prefeito que venha a ser cassado no início de 2012, por exemplo. De que maneira ficaria essa conjuntura: duas eleições diretas em períodos contíguos? Isso somente por que a lei orgânica do município tem um disciplinamento diferente? Definitivamente, isso não me parece razoável.[53]
Certo é que o tema ainda é polêmico e deverá ser melhor analisado pelo Tribunal Superior Eleitoral e pelo próprio Supremo Tribunal Federal, a fim de que se chegue a uma resposta uníssona sobre a questão.
CONCLUSÃO
A introdução do art. 41-A da Lei nº 9.504/97 no ordenamento jurídico brasileiro fez nascer um importante instrumento de combate à corrupção eleitoral, o qual busca resgatar a lisura do processo eleitoral por meio de uma efetiva proteção à vontade do eleitor, penalizando a compra de votos com a cassação do registro ou do diploma e aplicação de multa, além do efeito secundário criado pela Lei Complementar 135/2010 consistente na declaração de inelegibilidade do candidato pelo prazo de 08 (oito) anos.
É comum que candidatos gastem milhões com o aliciamento de eleitores, pois sabem que, uma vez investidos do múnus público, todo o dinheiro gasto poderá ser reembolsado através de corrupção, desvio de dinheiro, conchavos, tráfico de influência e outras práticas ilícitas. Atualmente, a participação na política representa uma forma de enriquecimento fácil, voltada aos próprios interesses e conveniências, muitas vezes de não realização dos compromissos feitos durante as campanhas eleitorais.
Em meio a esse caos, o art. 41-A surgiu como verdadeira luz no fim do túnel, fruto de um esforço da sociedade brasileira na arregimentação de quase um milhão de assinaturas, a fim de que o projeto de lei fosse levado à apreciação do Congresso Nacional. A celeridade do processo, somada à execução imediata da decisão, tornam o art. 41-A da Lei nº 9.504/97 um símbolo de combate à nefasta prática da corrupção eleitoral.
Porém, para além de sua simples existência, é necessário conferir real efetividade a esse instrumento. Primeiro, por meio de um Poder Judiciário preparado e alerta para responder as demandas postas em juízo. Muitas vezes, a falta de recursos materiais e humanos dificulta o trabalho da Justiça Eleitoral. O aparelhamento dessa instituição é um passo essencial.
Outrossim, efetividade abrange conhecimento e acesso a esse instrumento, por meio de uma concreta participação do verdadeiro protagonista dessa história: a sociedade brasileira. Muito além da punição, busca-se mais consciência e responsabilidade social, a fim de que a corrupção eleitoral, que também é um problema cultural, seja minimizada e, quiçá um dia, extirpada de nosso sistema político.
REFERÊNCIAS
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[1] COSTA, Adriano Soares da. Captação Ilícita de Sufrágio - Novas Reflexões em Decalque. Disponível em: . Acesso em: 17 abr. 2014.
[2] BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão nº 19.877. Rel. Min. Carlos Velloso - DJ 03.02.2004.
[3] COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. 6ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 316
[4] GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 396.
[5] LULA, Carlos Eduardo de Oliveira. Direito Eleitoral. São Paulo: Imperium Editora, 2008, p. 595.
[6] BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral, Acórdão nº 19.399, Rel. Min. José Paulo Sepúlveda Pertence – DJ 01.04.2002.
[7] BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão nº 21.022. Rel. Min. Fernando Neves da Silva – DJ 07.02.2003, p. 144.
[8] PELEJA JUNIOR, Antônio Veloso; TEIXEIRA BATISTA, Fabrício Napoleão. Direito Eleitoral: aspectos processuais – ações e recursos. Curitiba: Juruá, 2010, p. 248
[9] BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Ordinário 2373, Rel. Min. Arnaldo Versiani Leite Soares - DJ 03.11.2009.
[10] BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão nº 25.146. Rel. Min. Marco Aurélio - DJ 07.03.2006.
[11] BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. AAG nº 6335/RS. Rel. Min. Joaquim Barbosa - DJ 03.10.2008.
[12] PAZZAGLINI FILHO, Marino. Eleições gerais 2010. São Paulo: Editora Atlas, 2010, p. 133.
[13] PARANÁ. Tribunal Regional Eleitoral. Acórdão nº 25.146. Rel. Min. Gil Trotta Telles - DJ 23.08.2001.
[14] CEARÁ. Tribunal Regional Eleitoral. Acórdão nº 12.295. Rel. José Mauri Moura Rocha - DJ 03.04.2001.
[15] MATO GROSSO DO SUL. Tribunal Regional Eleitoral. Acórdão nº 3.775. Rel. Carlos Alberto Pedrosa de Souza - DJ 08.12.2000.
[16] MATO GROSSO DO SUL. Tribunal Regional Eleitoral. Acórdão nº 3.891. Rel. Janete Lima Miguel - DJ 13.06.2001.
[17] SÃO PAULO. Tribunal Regional Eleitoral. Acórdão nº 138.024. Rel. Souza Pires - DJ 16.10.2000.
[18] BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. RO nº 1507. Rel. Min. Enrique Ricardo Lewandowski - DJ 19.11.2010.
[19] GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 395.
[20] BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão nº 19.644. Rel. Min. Raphael de Barros Monteiro Filho - DJ 14.02.2003.
[21] RAMAYANA, Marcos. Comentários Sobre a Reforma Eleitoral. Niterói/RJ: Impetus, 2010, p.85.
[22] SOUTO MAIOR FILHO, Marcos. Direito eleitoral: lei da compra de votos. Curitiba: Juruá, 2006, p. 80.
[23] COSTA, Tito. Crimes eleitorais e processo penal eleitoral. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 55.
[24] CÂNDIDO, Joel J. Direito eleitoral brasileiro. 14ª ed. São Paulo: EDIPRO, 2010, p. 533.
[25] SOUTO MAIOR FILHO, op. cit., p. 86.
[26] BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão nº 19.566/MG. Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira - DJ 26.04.2001, p. 13.
[27] SOUTO MAIOR FILHO, op cit., p. 125.
[28] COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral, op. cit., p. 313.
[29] ZILIO, Rodrigo López. Do terceiro não candidato e da aplicação das sanções pela captação ilícita de sufrágio. Disponível em: <http://www.tre-sc.gov.br>. Acesso em: 20 abr. 2014.
[30] SOUTO MAIOR FILHO, op cit., p. 147.
[31] SOUTO MAIOR FILHO, op. cit., p. 109.
[32] PELEJA JÚNIOR, op. cit., p. 238.
[33] CASTRO, Edson de Resende. Teoria e prática do direito eleitoral. 5ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 289.
[34] PELEJA JUNIOR, Antônio Veloso; TEIXEIRA BATISTA, Fabrício Napoleão. Direito Eleitoral: aspectos processuais – ações e recursos. Curitiba: Juruá, 2010, p. 254.
[35] LULA, Carlos Eduardo de Oliveira, op. cit., p. 611.
[36] PELEJA JUNIOR, op. cit.,p. 250.
[37] PELEJA JUNIOR, op. cit., p. 167.
[38] SOUTO MAIOR FILHO, Marcos. Direito eleitoral: lei da compra de votos. Curitiba: Juruá, 2006, p. 137.
[39] BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. RCED nº 703. Rel. Min. Felix Fischer – DJ 01.09.2009.
[40] Art. 96. Salvo disposições específicas em contrário desta Lei, as reclamações ou representações relativas ao seu descumprimento podem ser feitas por qualquer partido político, coligação ou candidato, e devem dirigir-se:
I - aos Juízes Eleitorais, nas eleições municipais;
II - aos Tribunais Regionais Eleitorais, nas eleições federais, estaduais e distritais;
III - ao Tribunal Superior Eleitoral, na eleição presidencial.
[41] BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Respe 21.221 – Itau de Minas/MG. Rel. Min. Luiz Carlos Lopes Madeira – DJ 10.10.2003.
[42] CASTRO, op. cit., p. 286.
[43] Art. 16-A. O candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior.
[44] CASTRO, op. cit., p. 287.
[45] Art. 222. É também anulável a votação, quando viciada de falsidade, fraude, coação, uso de meios de que trata o Art. 237, ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei.
[46] Art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.
[47] SOUTO MAIOR FILHO, op. cit., p. 159.
[48] BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão nº 21221. Rel. Min. Luiz Carlos Lopes Madeira – DJ 10.10.2003
[49] PELEJA JUNIOR, op. cit., p 239.
[50] BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral nº 26018. Rel. Min. José Augusto Delgado – DJ 27.10.2006
[51] Neste sentido: Acórdão n° 28.194/BA, DJ de 17.10.2008; Acórdão nº 3.643/PE, DJ de 7.8.2008; Acórdão n° 2.3031/SP, DJ de 5.6.2008; Acórdão n° 27.104/PI, DJ de 14.5.2008.
[52] PELEJA JUNIOR, op. cit., p. 241.
[53] PIAUÍ. Tribunal Regional Eleitoral. Acórdão nº 18.909 - DJ 01.02.2011.
servidora pública municipal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FIGUEIREDO, Fernanda Isabela de. Da captação ilícita de sufrágio: principais aspectos materiais e processuais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 abr 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46319/da-captacao-ilicita-de-sufragio-principais-aspectos-materiais-e-processuais. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: SABRINA GONÇALVES RODRIGUES
Por: DANIELA ALAÍNE SILVA NOGUEIRA
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