RESUMO: Este trabalho científico se propõe a analisar, de forma clara e objetiva, aspectos gerais relativos à hipótese de suspensão de causa de inelegibilidade disposta no art. 26-C da Lei Complementar nº 64/1990, introduzida pela Lei Complementar nº 135/2010 (Lei da Ficha Limpa). Inicialmente, analisou-se a origem da Lei da Ficha Limpa para, em seguida, debruçar-se sobre os aspectos específicos do art. 26-C, com sua redação e aplicabilidade. Por fim, foi feito um estudo acerca do entendimento dos Tribunais superiores brasileiros acerca da matéria, principalmente do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal. Utilizou-se como metodologia para a elaboração do presente artigo a leitura de livros, da legislação e da jurisprudência. A presente pesquisa se justifica pela importância do art. 26-C da Lei Complementar nº 64/1990, que pode afastar causas de inelegibilidade de políticos e viabilizar as suas candidaturas, de modo que se faz imperiosa a sua correta interpretação e, principalmente, aplicação para que os dispositivos da Lei da Ficha Limpa e seus objetivos moralizadores sejam observados.
Palavras-chave: Suspensão. Inelegibilidade. Art. 26-C. Lei Complementar nº 64/1990. Órgão colegiado. Decisão monocrática.
Sumário: Introdução. 1 Da origem da Lei Complementar nº 135/2010 (Lei da Ficha Limpa). 2 Da análise do art. 26-C e sua aplicabilidade. 3 Do entendimento dos Tribunais Superiores. 3.1 Do entendimento do Superior Tribunal de Justiça. 3.2 Do entendimento do Tribunal Superior Eleitoral. 3.3 Do entendimento do Supremo Tribunal Federal. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
No âmbito do presente trabalho será abordada, inicialmente, a origem da Lei da Ficha Limpa, oriunda de iniciativa popular e que teve forte clamor social para a sua aprovação pelo Congresso Nacional. Ter-se-ão comentários, também, acerca dos questionamentos sobre a sua constitucionalidade e o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a questão.
Após, a partir da exposição do teor do art. 26-C da Lei Complementar nº 64/1990, buscar-se-á trazer à baila a melhor exegese que se deve extrair da citada norma, a fim de observar o espírito moralizador que deu origem à Lei da Ficha Limpa.
Por fim, concluir-se-á o artigo abordando o entendimento dos Tribunais Superiores brasileiros sobre a aplicabilidade do art. 26-C da LC nº 64/1990, a fim de delinear o entendimento pretoriano quanto à matéria.
Na elaboração do artigo foram consultados livros atinentes à matéria, legislação correlata e, especialmente, precedentes jurisprudenciais acerca do assunto, pois, no âmbito do Processo Eleitoral, dá-se muita relevância ao entendimento dos Tribunais na análise de casos anteriores similares.
1 DA ORIGEM DA LEI COMPLEMENTAR Nº 135/2010 (LEI DA FICHA LIMPA)
Nos termos do art. 61, § 2º, da Constituição Federal, a lei de iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.
Trata-se, como se vê, de possibilidade emanada do poder constituinte conferida ao cidadão (no sentido técnico da palavra, já que é necessário ser eleitor) para apresentar projeto de lei ao Congresso Nacional, em uma clara demonstração do exercício do poder de forma direta pelo povo (democracia direta).
A Lei da Ficha Limpa, como passou a ser conhecida a Lei Complementar nº 135/2010, é oriunda de iniciativa popular, tendo sido coletadas para a sua apresentação ao Congresso Nacional cerca de 1 milhão e 300 mil assinaturas de eleitores de todos os Estados e do Distrito Federal.
O procedimento de apresentação de projeto de lei popular, cuja autenticidade das assinaturas dos proponentes é certificada pela Justiça Eleitoral, é disciplinado por meio do art. 252 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, que assim dispõe:
"Art. 252. A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um centésimo do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três milésimos dos eleitores de cada um deles, obedecidas as seguintes condições:
I – a assinatura de cada eleitor deverá ser acompanhada de seu nome completo e legível, endereço e dados identificadores de seu título eleitoral;
II – as listas de assinatura serão organizadas por Município e por Estado, Território e Distrito Federal, em formulário padronizado pela Mesa da Câmara;
III – será lícito a entidade da sociedade civil patrocinar a apresentação de projeto de lei de iniciativa popular, responsabilizando-se inclusive pela coleta das assinaturas;
IV – o projeto será instruído com documento hábil da Justiça Eleitoral quanto ao contingente de eleitores alistados em cada Unidade da Federação, aceitando-se, para esse fim, os dados referentes ao ano anterior, se não disponíveis outros mais recentes;
V – o projeto será protocolizado perante a Secretaria-Geral da Mesa, que verificará se foram cumpridas as exigências constitucionais para sua apresentação;
VI – o projeto de lei de iniciativa popular terá a mesma tramitação dos demais, integrando a numeração geral das proposições;
VII – nas Comissões ou em Plenário, transformado em Comissão Geral, poderá usar da palavra para discutir o projeto de lei, pelo prazo de vinte minutos, o primeiro signatário, ou quem este tiver indicado quando da apresentação do projeto;
VIII – cada projeto de lei deverá circunscrever-se a um único assunto, podendo, caso contrário, ser desdobrado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania em proposições autônomas, para tramitação em separado; (Inciso com redação adaptada à Resolução nº 20, de 2004)
IX – não se rejeitará, liminarmente, projeto de lei de iniciativa popular por vícios de linguagem, lapsos ou imperfeições de técnica legislativa, incumbindo à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania escoimá-lo dos vícios formais para sua regular tramitação; (Inciso com redação adaptada à Resolução nº 20, de 2004)
X – a Mesa designará Deputado para exercer, em relação ao projeto de lei de iniciativa popular, os poderes ou atribuições conferidos por este Regimento ao Autor de proposição, devendo a escolha recair sobre quem tenha sido, com a sua anuência, previamente indicado com essa finalidade pelo primeiro signatário do projeto." (BRASIL. Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/regimento-interno-da-camara-dos-deputados/RICD%20atualizado%20ate%20RCD%2017-2016.pdf>. Acesso em: 01 out. 2016)
No caso da Lei da Ficha Limpa, advinda do Projeto de Lei Popular nº 518/09, sua apresentação à Câmara dos Deputados deu-se em 24 de setembro de 2009, tendo sido recebida no Congresso Nacional pelo então Presidente da Câmara dos Deputados Michel Temer.
Após análise e discussão da matéria pelos parlamentes, o referido Projeto de Lei foi aprovado na Câmara dos Deputados em 5 de maio de 2010 e no Senado Federal em 19 de maio de 2010, com sanção presidencial realizada em 4 de junho de 2010.
Contudo, em que pese a célere tramitação no Congresso Nacional, a Lei da Ficha Limpa possui sua gênese ainda na década de 1990, iniciando com a campanha “Combatendo a corrupção eleitoral”, de fevereiro de 1997, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, que foi seguida da Campanha da Fraternidade de 1996, também da CNBB, que teve como tema “Fraternidade e Política”.
Cumpre ressaltar, também, que o projeto de lei popular em questão foi aprovado após uma intensa campanha nacional, a campanha Ficha Limpa, conduzida pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e que tinha como liderança o então Juiz Marlon Reis.
Com efeito, a Lei Complementar nº 135/2010 alterou a Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, que estabelece, de acordo com o § 9º do art. 14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências, incluindo na referida Lei hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato.
Após a aprovação da Lei da Ficha Limpa, houve intensa discussão acerca da sua aplicabilidade nos processos judiciais referentes às eleições de 2010, tendo em vista o teor do art. 16 da Constituição Federal, que institui o princípio da anualidade eleitoral e estabelece que “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.”
A questão, inclusive, teve que ser dirimida pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 633703, ocorrido em 23 de março de 2011. Ao analisar referido leading case, a Corte Suprema brasileira entendeu, por 6 votos a 5, que a Lei da Ficha Limpa não poderia ser aplicada a casos relativos às eleições de 2010, em observância à anualidade eleitoral insculpida no art. 16 da Constituição.
E não foi somente esta a discussão que travada após a aprovação da citada lei de iniciativa popular. Questionou-se perante o Supremo Tribunal Federal, também, a constitucionalidade da própria Lei da Ficha Limpa, tendo sido propostas para tanto a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4578 e as Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº 29 e 30, que tiveram como Relator o Ministro Luiz Fux.
O cerne da questão constitucional posta à apreciação do Supremo foi o seguinte: ao estabelecer que decisões colegiadas não transitadas em julgado já dariam ensejo a causas de inelegibilidade, a Lei da Ficha Limpa violaria o princípio constitucional da presunção de inocência. Após intensa discussão sobre a matéria, os Ministros do STF concluíram, em 16 de fevereiro de 2012, o julgamento conjunto das mencionadas Ações, sendo que, por maioria de votos, foi prevalecente o entendimento favorável à constitucionalidade da lei, que poderia ser aplicada às eleições de 2012 alcançando atos e fatos ocorridos antes de sua vigência.
O teor dos acórdãos exarados pela Excelsa Corte brasileira foi o seguinte:
“EMENTA: AÇÕES DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE E AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE EM JULGAMENTO CONJUNTO. LEI COMPLEMENTAR Nº 135/10. HIPÓTESES DE INELEGIBILIDADE. ART. 14, § 9º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MORALIDADE PARA O EXERCÍCIO DE MANDATOS ELETIVOS. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA À IRRETROATIVIDADE DAS LEIS: AGRAVAMENTO DO REGIME JURÍDICO ELEITORAL. ILEGITIMIDADE DA EXPECTATIVA DO INDIVÍDUO ENQUADRADO NAS HIPÓTESES LEGAIS DE INELEGIBILIDADE. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL): EXEGESE ANÁLOGA À REDUÇÃO TELEOLÓGICA, PARA LIMITAR SUA APLICABILIDADE AOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO PENAL. ATENDIMENTO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO: FIDELIDADE POLÍTICA AOS CIDADÃOS. VIDA PREGRESSA: CONCEITO JURÍDICO INDETERMINADO. PRESTÍGIO DA SOLUÇÃO LEGISLATIVA NO PREENCHIMENTO DO CONCEITO. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI. AFASTAMENTO DE SUA INCIDÊNCIA PARA AS ELEIÇÕES JÁ OCORRIDAS EM 2010 E AS ANTERIORES, BEM COMO E PARA OS MANDATOS EM CURSO.
1. A elegibilidade é a adequação do indivíduo ao regime jurídico – constitucional e legal complementar – do processo eleitoral, razão pela qual a aplicação da Lei Complementar nº 135/10 com a consideração de fatos anteriores não pode ser capitulada na retroatividade vedada pelo art. 5º, XXXVI, da Constituição, mercê de incabível a invocação de direito adquirido ou de autoridade da coisa julgada (que opera sob o pálio da cláusula rebus sic stantibus) anteriormente ao pleito em oposição ao diploma legal retromencionado; subjaz a mera adequação ao sistema normativo pretérito (expectativa de direito).
2. A razoabilidade da expectativa de um indivíduo de concorrer a cargo público eletivo, à luz da exigência constitucional de moralidade para o exercício do mandato (art. 14, § 9º), resta afastada em face da condenação prolatada em segunda instância ou por um colegiado no exercício da competência de foro por prerrogativa de função, da rejeição de contas públicas, da perda de cargo público ou do impedimento do exercício de profissão por violação de dever ético-profissional.
3. A presunção de inocência consagrada no art. 5º, LVII, da Constituição Federal deve ser reconhecida como uma regra e interpretada com o recurso da metodologia análoga a uma redução teleológica, que reaproxime o enunciado normativo da sua própria literalidade, de modo a reconduzi-la aos efeitos próprios da condenação criminal (que podem incluir a perda ou a suspensão de direitos políticos, mas não a inelegibilidade), sob pena de frustrar o propósito moralizante do art. 14, § 9º, da Constituição Federal.
4. Não é violado pela Lei Complementar nº 135/10 o princípio constitucional da vedação de retrocesso, posto não vislumbrado o pressuposto de sua aplicabilidade concernente na existência de consenso básico, que tenha inserido na consciência jurídica geral a extensão da presunção de inocência para o âmbito eleitoral.
5. O direito político passivo (ius honorum) é possível de ser restringido pela lei, nas hipóteses que, in casu, não podem ser consideradas arbitrárias, porquanto se adequam à exigência constitucional da razoabilidade, revelando elevadíssima carga de reprovabilidade social, sob os enfoques da violação à moralidade ou denotativos de improbidade, de abuso de poder econômico ou de poder político.
6. O princípio da proporcionalidade resta prestigiado pela Lei Complementar nº 135/10, na medida em que: (i) atende aos fins moralizadores a que se destina; (ii) estabelece requisitos qualificados de inelegibilidade e (iii) impõe sacrifício à liberdade individual de candidatar-se a cargo público eletivo que não supera os benefícios socialmente desejados em termos de moralidade e probidade para o exercício de referido munus publico.
7. O exercício do ius honorum (direito de concorrer a cargos eletivos), em um juízo de ponderação no caso das inelegibilidades previstas na Lei Complementar nº 135/10, opõe-se à própria democracia, que pressupõe a fidelidade política da atuação dos representantes populares.
8. A Lei Complementar nº 135/10 também não fere o núcleo essencial dos direitos políticos, na medida em que estabelece restrições temporárias aos direitos políticos passivos, sem prejuízo das situações políticas ativas.
9. O cognominado desacordo moral razoável impõe o prestígio da manifestação legítima do legislador democraticamente eleito acerca do conceito jurídico indeterminado de vida pregressa, constante do art. 14, § 9.º, da Constituição Federal.
10. O abuso de direito à renúncia é gerador de inelegibilidade dos detentores de mandato eletivo que renunciarem aos seus cargos, posto hipótese em perfeita compatibilidade com a repressão, constante do ordenamento jurídico brasileiro (v.g., o art. 55, § 4º, da Constituição Federal e o art. 187 do Código Civil), ao exercício de direito em manifesta transposição dos limites da boa-fé.
11. A inelegibilidade tem as suas causas previstas nos §§ 4º a 9º do art. 14 da Carta Magna de 1988, que se traduzem em condições objetivas cuja verificação impede o indivíduo de concorrer a cargos eletivos ou, acaso eleito, de os exercer, e não se confunde com a suspensão ou perda dos direitos políticos, cujas hipóteses são previstas no art. 15 da Constituição da República, e que importa restrição não apenas ao direito de concorrer a cargos eletivos (ius honorum), mas também ao direito de voto (ius sufragii). Por essa razão, não há inconstitucionalidade na cumulação entre a inelegibilidade e a suspensão de direitos políticos.
12. A extensão da inelegibilidade por oito anos após o cumprimento da pena, admissível à luz da disciplina legal anterior, viola a proporcionalidade numa sistemática em que a interdição política se põe já antes do trânsito em julgado, cumprindo, mediante interpretação conforme a Constituição, deduzir do prazo posterior ao cumprimento da pena o período de inelegibilidade decorrido entre a condenação e o trânsito em julgado.
13. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga improcedente. Ações declaratórias de constitucionalidade cujos pedidos se julgam procedentes, mediante a declaração de constitucionalidade das hipóteses de inelegibilidade instituídas pelas alíneas “c”, “d”, “f”, “g”, “h”, “j”, “m”, “n”, “o”, “p” e “q” do art. 1º, inciso I, da Lei Complementar nº 64/90, introduzidas pela Lei Complementar nº 135/10, vencido o Relator em parte mínima, naquilo em que, em interpretação conforme a Constituição, admitia a subtração, do prazo de 8 (oito) anos de inelegibilidade posteriores ao cumprimento da pena, do prazo de inelegibilidade decorrido entre a condenação e o seu trânsito em julgado.
14. Inaplicabilidade das hipóteses de inelegibilidade às eleições de 2010 e anteriores, bem como para os mandatos em curso, à luz do disposto no art. 16 da Constituição. Precedente: RE 633.703, Rel. Min. GILMAR MENDES (repercussão geral).” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADC nº 29/DF. Ação Declaratória de Constitucionalidade. Relator: Min. Luiz Fux. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Data de Julgamento: 16 fev. 2012, Diário da Justiça, Brasília, DF, 29 jun. 2012)
Como se vê, o Supremo Tribunal Federal entendeu ser constitucional a Lei da Ficha Limpa, tendo ela sido aplicada no ordenamento jurídico brasileiro desde as eleições de 2012. E, ainda que não tenha sido de forma direta, o STF discutiu, durante os debates referentes ao julgamento supra, acerca da aplicação do art. 26-C da Lei de Inelegibilidades, consoante se demonstrará adiante.
2 DA ANÁLISE DO ART. 26-C E SUA APLICABILIDADE
A grande inovação oriunda da Lei da Ficha Limpa diz respeito à possibilidade de configuração de causas de inelegibilidade a partir de condenações cíveis, eleitorais e criminais realizadas por órgãos colegiados, sem a necessidade do trânsito em julgado da decisão.
E tal modificação deve-se, sem dúvida, à constatação de que a miríade de recursos posta à disposição das partes do processo acaba por prolongar por anos, às vezes décadas, ações que podem ensejar causas de inelegibilidade, de modo que a aceitação de decisões proferidas por órgãos colegiados (de Tribunais) como aptas à configuração de inelegibilidades mostra-se razoável e consentânea com o interesse público na lisura do pleito.
Contudo, a fim de obstar arbitrariedades, a própria Lei de Inelegibilidades, com as alterações da Lei da Ficha Limpa, dispõe que o órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1º poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso.
Confira-se a redação do referido dispositivo, in verbis:
“Art. 26-C. O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1º poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso.
§ 1º Conferido efeito suspensivo, o julgamento do recurso terá prioridade sobre todos os demais, à exceção dos de mandado de segurança e de habeas corpus.
§ 2º Mantida a condenação de que derivou a inelegibilidade ou revogada a suspensão liminar mencionada no caput, serão desconstituídos o registro ou o diploma eventualmente concedidos ao recorrente.
§ 3º A prática de atos manifestamente protelatórios por parte da defesa, ao longo da tramitação do recurso, acarretará a revogação do efeito suspensivo.” (BRASIL. Lei Complementar nº 64/1990 (Lei de Inelegibilidades). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp64.htm>. Acesso em: 02 out. 2016)
Importante trazer à colação, também, os incisos do art. 1º da Lei de Inelegibilidades que estão abarcados pela hipótese de suspensão disposta no art. 26-C, in litteris:
“d) os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
3. contra o meio ambiente e a saúde pública; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
4. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
5. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
7. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
8. de redução à condição análoga à de escravo; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
9. contra a vida e a dignidade sexual; e (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
10. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
(…)
h) os detentores de cargo na administração pública direta, indireta ou fundacional, que beneficiarem a si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou político, que forem condenados em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
(…)
j) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, por corrupção eleitoral, por captação ilícita de sufrágio, por doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem cassação do registro ou do diploma, pelo prazo de 8 (oito) anos a contar da eleição; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
(…)
l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
(…)
n) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, em razão de terem desfeito ou simulado desfazer vínculo conjugal ou de união estável para evitar caracterização de inelegibilidade, pelo prazo de 8 (oito) anos após a decisão que reconhecer a fraude; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)” (BRASIL. Lei Complementar nº 64/1990 (Lei de Inelegibilidades). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp64.htm>. Acesso em: 02 out. 2016)
Pois bem. Conforme se depreende da leitura do art. 26-C anteriormente transcrito, o órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1º da Lei de Inelegibilidades poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso.
Portanto, sem muito esforço hermenêutico, percebe-se claramente que a competência atribuída para a suspensão da inelegibilidade é conferida de forma expressa pelo art. 26-C ao órgão colegiado do tribunal ao qual cabe a apreciação do recurso da decisão que originou a inelegibilidade, não havendo qualquer margem de interpretação que possibilite a suspensão monocrática pelo relator, pois, como preceitua o vetusto brocardo jurídico, in claris cessat interpretatio, ou seja, quando a norma é clara não necessário interpretá-la.
E a ratio subjacente da atribuição ao órgão colegiado da competência para suspensão de inelegibilidade tem uma razão muito simples: ora, se a causa de inelegibilidade foi gerada a partir de decisão colegiada, com amplo debate, direito à defesa e exposição de ideias, não é crível que o relator do recurso no órgão superior, ainda que luminar jurídico, possa tornar ineficaz decisão colegiada quanto a ponto tão importante.
Ora, a mens legis contida na Lei da Ficha Limpa é a de buscar a moralização política do Brasil, impedindo que candidatos mal intencionados e com vida pregressa maculada assumam cargos públicos de tamanha relevância como os de natureza política, de modo que a razão de ser do art. 26-C é justamente dificultar a obtenção de decisões que afastem causas de inelegibilidade surgidas a partir de decisão colegiada, impedindo o afastamento da causa de inelegibilidade sem maiores debates pelos órgãos jurisdicionais superiores.
No mesmo diapasão, assim é o escólio do eleitoralista José Jairo Gomes:
“A competência para a suspensão cautelar foi atribuída ao 'órgão colegiado' a que couber a apreciação do recurso contra as decisões judiciais colegiadas. Se na maioria das situações a competência é do TSE, em alguns casos poderá ser de tribunal não eleitoral. Assim, e. g., na hipótese da alínea e do inciso I do art. 1º da LC no 64/90, a competência poderá ser: (i) do Superior Tribunal de Justiça, se a decisão recorrida for proferida por Tribunal da Justiça comum (TJ ou TRF); (…) Por expressa previsão legal, a suspensão em tela deve resultar de ato jurisdicional emanado do órgão colegiado competente para rever a decisão colegiada impugnada. De sorte que o relator do recurso no tribunal ad quem, isoladamente, é incompetente para decidir o pedido de suspensão; por ser funcional, a incompetência aí tem caráter absoluto.” (GOMES, 2016, p. 269-271)
E nem se diga que, eventualmente, possa haver casos urgentes em que a análise do pedido liminar feita pelo relator seja imprescindível, por estar próxima a realização do registro de candidatura. Mesmo nessa hipótese, a decisão monocrática não se mostra adequada.
Isso porque, como se sabe, o art. 11, § 10, da Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições) estabelece que as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade.
Assim, dado o lapso temporal necessário à formalização e apreciação do registro de candidatura, acrescido de eventuais recursos interpostos, tal período é mais do que suficiente para o julgamento do pedido cautelar de suspensão da inelegibilidade pelo órgão colegiado competente, nos termos do art. 26-C da Lei de Inelegibilidades.
Dessa forma, em razão dos argumentos expostos, verifica-se que a interpretação mais adequada que deve ser conferida ao art. 26-C é de que o órgão competente para a suspensão da causa de inelegibilidade é o colegiado do tribunal responsável pela análise do recurso, sendo defeso ao relator, individualmente, proferir decisão nesse sentido, por desobediência ao requisito da colegialidade.
3 DO ENTENDIMENTOS DOS TRIBUNAIS SUPERIORES
Impende fazer algumas considerações, também, acerca do entendimento dos Tribunais Superiores brasileiros acerca da matéria, já que, na seara eleitoral, dá-se extrema importância para a interpretação pretoriana das normas.
3.1 Do entendimento do Superior Tribunal de Justiça
Em que pese ainda não tenha se pronunciado de forma definitiva acerca da aplicação do art. 26-C da Lei de Inelegibilidades, existem alguns precedentes do Superior Tribunal de Justiça acerca do assunto. No caso a seguir transcrito, a parte havia apresentado medida cautelar perante o STJ e o Relator indeferiu monocraticamente o pedido liminar. Irresignado, o requerente apresentou agravo regimental sustentando que o Relator não poderia ter analisado a questão individualmente, pois, a teor do que dispõe o art. 26-C, tal análise caberia apenas ao órgão colegiado. Confira-se:
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NA MEDIDA CAUTELAR. INELEGIBILIDADE DE CANDIDATO. RECURSO ESPECIAL AINDA SEM EXAME DE ADMISSIBILIDADE PELO TRIBUNAL A QUO. EFEITO SUSPENSIVO. PEDIDO INDEFERIDO LIMINARMENTE PELO RELATOR. ART. 26-C DA LC 64/90 COM ALTERAÇÃO DA LC 135/10. DECISÃO DE ÓRGÃO COLEGIADO. EVENTUAL ÊXITO DO RECURSO ESPECIAL NÃO DEMONSTRADO DE PLANO. APLICAÇÃO DA REGRA DAS SÚMULAS 634 E 635/STF. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. Em que pese o agravante defender a tese, ainda sob melhor exame nas instâncias superiores – é bem verdade–, de que as medidas cautelares que buscam emprestar efeito suspensivo aos recursos interpostos contra decisões de inelegibilidade somente podem ser proferidas por órgão colegiado, impedindo eventual decisão monocrática a seu respeito (art. 26-C da LC 64/90), in casu, tal discussão perde seu objetivo concreto, uma vez que a interposição do presente agravo regimental trouxe, diga-se, em tempo apropriado, para o órgão colegiado o exame da medida cautelar, ainda que de forma transversa, ad referendum.
2. Este Tribunal Superior, perfilhando entendimento do STF, admite a concessão de efeito suspensivo a Recurso Especial através de Medida Cautelar (art. 34, V c/c 288, do RI), desde que aquele recurso já tenha sido admitido perante o Tribunal de origem (Súmulas 634 e 635 do Pretório Excelso).
3. Excepcionalmente, quando ainda não exercido o juízo de admissibilidade mas já interposto o REsp, em hipóteses restritas, nas quais se revelem nítidos os requisitos próprios de toda cautelar fumus boni iuris e periculum in mora, esta Corte tem deferido tal medida.
4. No caso concreto, não há notícia de que a admissibilidade do Recurso Especial tenha sido apreciada pelo Tribunal a quo, e as razões que embasam esta Cautelar, não obstante bem articuladas, não justificam que se afaste da apontada regra para se adotar a exceção, pois sendo esta de juízo estrito, por sua própria natureza, deveria ser evidenciada de plano, o que não ocorreu, para justificar o seu acolhimento.
5. Agravo regimental não provido. Decisão monocrática referendada pelo órgão colegiado.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg na MC nº 17205/RO 2010/0142023-8. Agravo Regimental na Medida Cautelar no Recurso Ordinário. Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima. Órgão Julgador: Primeira Turma. Data de Julgamento: 28 set. 2010, Diário da Justiça, Brasília, DF, 20 out. 2010)
Assim, como a questão foi levada ao colegiado, ainda que de forma “forçada”, em razão do agravo interposto, restou sanado o vício apontado pelo agravante.
Mais recentemente, apreciando reclamação proposta pelo Ministério Público Federal em face da suspensão de inelegibilidade levada a efeito por decisão monocrática de Desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, o Ministro do Superior Tribunal de Justiça Nefi Cordeiro, dentre outros fundamentos, suspendeu referida decisão por não ter sido proferida por órgão colegiado.
Quanto a esse precedente, segue trecho da mencionada decisão:
“Com efeito, a competência para conceder medida cautelar e suspender a inelegibilidade é do órgão colegiado do tribunal competente para apreciar o recurso, nos termos do disposto no art. 26-C da Lei Complementar nº 64/90, verbis:
Art. 26-C. O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1º poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso.
Desse modo, possuindo contra o ora interessado decisão condenatória transitada em julgado e incidindo ao caso a hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, 'e', item 3, da Lei Complementar nº 64/90, verifica-se a plausibilidade do direito a autorizar a concessão da medida liminar requerida nesta reclamação.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Reclamação nº 32.717/TO (2016/0260374-4). Relator: Ministro Nefi Cordeiro. Decisão monocrática. Data de Julgamento: 28 set. 2016, Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=MON&sequencial=65650780&num_registro=201602603744&data=20160930&tipo=0&formato=PDF>. Acesso em: 02 out. 2016)
Portanto, verifica-se que o STJ ainda não se pronunciou de forma efetiva acerca da aplicação do art. 26-C da Lei de Inelegibilidades, podendo fazer tal análise a partir de eventual recurso interposto em face da decisão proferida pelo Ministro Nefi Cordeiro.
3.2 Do entendimento do Tribunal Superior Eleitoral
No âmbito do Tribunal Superior Eleitoral, diferentemente do que ocorre no STJ, há posicionamento bastante sólido acerca matéria. Com efeito, entende o TSE que a menção a órgão colegiado, constante da redação do art. 26-C da LC nº 64/90, não afasta o poder geral de cautela do relator, sendo possível a suspensão da inelegibilidade de forma monocrática.
Nesse diapasão, confira-se o seguinte precedente:
“ELEIÇÕES 2014. RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA. CARGO DE SENADOR DA REPÚBLICA. CONDENAÇÃO POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ÓRGÃO COLEGIADO. ACÓRDÃO SUSPENSO PELO STJ. ART. 26-C DA LC Nº 64/90. PODER GERAL DE CAUTELA DO MINISTRO RELATOR. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, L, DA LC Nº 64/90. AFASTADA. PROVIMENTO.
1. A concessão de medida cautelar suspensiva da condenação por improbidade administrativa, pelo órgão ao qual será dirigido o recurso cabível, nos termos do art. 26-C da LC nº 64/90, afasta a inelegibilidade do art. 1º, I, l, do mesmo diploma legal. Referida circunstância deve surgir enquanto o processo tramita na instância ordinária, em data anterior ao trânsito em julgado do processo de registro e antes da eleição, em nome da estabilização das relações jurídicas.
2. A menção a órgão colegiado, constante da redação do art. 26-C da LC nº 64/90, não afasta o poder geral de cautela do ministro relator, na linha do que vem decidindo o TSE.
3. A confirmação da condenação ou a revogação da medida cautelar não produzem efeitos imediatos no processo de registro de candidatura, devendo-se assegurar o enfrentamento da causa de inelegibilidade que motivou a impugnação, em homenagem ao princípio da efetiva prestação jurisdicional.
4. Recurso ordinário provido, para deferir o registro.” (BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. RO n° 1191-58.2014.6.19.0000. Recurso Ordinário. Relatora: Ministra Luciana Lóssio. Órgão Julgador: Plenário. Data de Julgamento: 23 set. 2014. Publicado em sessão)
A questão, de tão pacífica naquela Corte, inclusive mereceu a edição de verbete sumular assim redigido, in verbis:
“Súmula-TSE nº 44 O disposto no art. 26-C da LC nº 64/90 não afasta o poder geral de cautela conferido ao magistrado pelo Código de Processo Civil.” (BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Súmulas. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/legislacao/codigo-eleitoral/sumulas/sumulas-do-tse/sumula-tse-no-44>. Acesso em: 03 out. 2016)
Portanto, verifica-se que, interpretando a redação do art. 26-C, o TSE possui entendimento pacífico no sentido de ser possível a suspensão de inelegibilidade monocraticamente, com base no poder geral de cautela conferido ao relator.
3.3 Do entendimento do Supremo Tribunal Federal
No Supremo Tribunal Federal, assim como ocorre no STJ, inexiste decisão plenária acerca da interpretação que deve ser dada ao art. 26-C da Lei de Inelegibilidades, havendo apenas posicionamentos individuais de alguns Ministros.
Nesse sentido, importante transcrever trecho de decisão proferida pelo então Ministro Ayres Britto quando da apreciação da Ação Cautelar nº 2661, que objetivava suspender causa de inelegibilidade, in verbis:
“(…) De saída, transcrevo o art. 26-C da Lei Complementar 64/90 (acrescido pela Lei Complementar 135/2010): 'Art. 26-C. O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1º poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso.' 6. Frente ao teor do citado dispositivo legal, não estou plenamente convencido da possibilidade de concessão do pleiteado efeito suspensivo mediante decisão monocrática. É que a lei confere competência para suspender a inelegibilidade ao 'órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso'. É bem verdade que o inciso V do art. 21 do RI/STF prevê a concessão de medidas cautelares pelo relator, ad referendum do Plenário ou da Turma. Ocorre que a lógica perpassante de toda a Lei Complementar nº 135/2010 aponta no sentido da exigência do requisito da colegialidade. Se não é qualquer condenação judicial que torna um cidadão inelegível, mas apenas aquela decretada por um “órgão colegiado”, apenas o órgão igualmente colegiado do tribunal ad quem é que pode suspender a inelegibilidade. O pronunciamento do Plenário ou da Turma, para que se produzam os efeitos do art. 26-C da Lei Complementar nº 64/90, parece-me, pelo menos neste juízo provisório, indispensável. Evidência disso está em que a emenda do Deputado Federal Fernando Ferro ao Projeto de Lei Complementar nº 518, de 2009, embora aprovada pela Câmara dos Deputados, teve a seguinte alteração: substituiu-se a palavra 'relator' pela expressão 'órgão colegiado'. 7. Seja como for, enquanto o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal ostenta a natureza de lei ordinária, a denominada 'lei da ficha limpa', além do seu status de lei complementar, qualifica-se como norma jurídica especial em razão da matéria (eleitoral). 8. Ainda que se possa, monocraticamente, conceder a suspensão pleiteada, tenho que não está presente, no caso, a plausibilidade da pretensão recursal. Note-se que o recurso extraordinário sequer foi admitido na origem, o que já revela a ausência dos pressupostos de cautelaridade, nos termos da jurisprudência desta nossa Corte (…)” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Cautelar nº 2661/MG. Relator: Ministro Ayres Britto. Decisão monocrática. Data de Julgamento: 02 jul. 2010. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/AC_2661MC.pdf>. Acesso em: 03 out. 2016)
Como se nota, na esteira da explanação do Ministro, ainda que se admita que a interpretação jurídica do art. 26-C não afasta o poder geral de cautela do relator da ação, uma interpretação histórica da norma demonstra que é defeso ao magistrado, monocraticamente, afastar a causa de inelegibilidade com fulcro no citado dispositivo legal.
No mesmo sentido, quando do julgamento das ações que questionavam a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa no STF, durante os debates que foram realizados o Ministro Ricardo Lewandowski assim consignou:
“O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - E até para obviar, para ultrapassar essa barreira da subjetividade, essa lei foi mais uma vez inteligente, data venia, e razoável, dizendo que 'O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação', exatamente para afastar uma eventual subjetividade de um Relator individual. Portanto, o próprio colegiado, que anula uma eventual subjetividade da apreciação monocrática de um Relator, é que vai se manifestar e conceder a suspensão dessa hipótese de inelegibilidade. Portanto, eminente Ministro Celso de Mello, sem querer evidentemente contrariar os muitos abalizados argumentos de Vossa Excelência, apenas queria trazer à colação este argumento, mostrando que a própria lei traz mecanismos para atenuar essa eventual dureza ou a impressão que se tem de que seja uma lei 'draconiana'” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADC nº 29/DF. Ação Declaratória de Constitucionalidade. Relator: Min. Luiz Fux. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Data de Julgamento: 16 fev. 2012, Diário da Justiça, Brasília, DF, 29 jun. 2012)
Posteriormente, analisando caso concreto, o Ministro Ricardo Lewandowski reafirmou o seu posicionamento e indeferiu medida liminar requerida no bojo de habeas corpus. Confira-se trecho da referida decisão, in verbis:
“No que concerne ao pedido de suspensão cautelar da inelegibilidade do paciente, melhor sorte não assiste aos impetrantes. Isso porque o art. 26-C da Lei Complementar 64/1990 dispõe que esta providência caberá ao “órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1º (…), desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso”. Em outras palavras, o órgão competente para examinar esse pedido cautelar é o mesmo que detém competência para processar e julgar o recurso interposto pela defesa contra o acórdão recorrido. Ademais, a lei exige que essa providência seja tomada pelo órgão colegiado, e não por decisão monocrática do Relator. Assim, compete à Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça examinar o requerimento, caso a defesa o tenha postulado no momento da interposição do AREsp 24.088/MT, pendente de apreciação naquele Colegiado.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 113103/MT. Habeas Corpus. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Decisão monocrática. Data de Julgamento: 12 abr. 2012. Diário da Justiça, DF, 17 abr. 2012)
Dessa forma, malgrado ainda não exista decisão plenária do STF em relação à aplicação do art. 26-C, há precedentes individuais de Ministros daquela Corte rechaçando a suspensão monocrática de causa de inelegibilidade, inclusive com lapidar estudo do histórico parlamentar da citada norma feito pelo Ministro Ayres Britto.
CONCLUSÃO
À guisa de conclusão, verifica-se que a Lei da Ficha Limpa, que introduziu o art. 26-C na Lei de Inelegibilidades, foi elaborada com finalidades precipuamente moralizadoras para o ingresso em cargos políticos no Brasil.
Nesse sentido, em grande inovação, referida Lei introduziu no ordenamento jurídico hipóteses de inelegibilidade advindas de condenações realizadas por órgão colegiado, prescindindo da necessidade de trânsito em julgado da decisão.
Contudo, a fim de obstar injustiças e arbitrariedades, a Lei da Ficha Limpa trouxe à legislação pátria o art. 26-C, que permite ao órgão colegiado do tribunal ao qual cabe o julgamento do recurso a suspensão cautelar da causa inelegibilidade decorrente da condenação levada a efeito pelo órgão jurisdicional a quo.
Da leitura do referido dispositivo, a sua redação é clara no sentido de caber ao órgão colegiado do tribunal ad quem a suspensão da causa de inelegibilidade, não havendo margem de interpretação para a admissão da possibilidade de decisão monocrática do relator nesse sentido.
Em reforço a tal conclusão, como muito bem explanado pelo então Ministro do STF Ayres Britto quando do julgamento de medida cautelar requerida na Ação Cautelar nº 2661/MG, evidência disso reside no fato de que a emenda do Deputado Federal Fernando Ferro ao Projeto de Lei Complementar nº 518/2009 (Projeto da Lei da Ficha Limpa), embora aprovada pela Câmara dos Deputados, teve a seguinte alteração: substituiu-se a palavra “relator” pela expressão “órgão colegiado”.
Por enquanto, ainda não há decisão plenária do STJ e do STF acerca da melhor interpretação a ser dada ao art. 26-C da Lei de Inelegibilidades, existindo apenas decisões monocráticas. Por outro lado, há entendimento consolidado no âmbito do TSE, inclusive sumulado, de que o referido dispositivo legal não afasta o poder geral de cautela conferido ao relator do recurso, o que lhe permitiria suspender a causa de inelegibilidade monocraticamente.
Contudo, para além da clareza do art. 26-C, a mens legis contida na Lei da Ficha Limpa é a de buscar a moralização política do Brasil, impedindo que candidatos mal intencionados e com vida pregressa maculada assumam cargos públicos de tamanha relevância como os de natureza política, de modo que a razão de ser do art. 26-C é justamente dificultar a obtenção de decisões que afastem causas de inelegibilidade surgidas a partir de decisão colegiada, impedindo o afastamento da causa de inelegibilidade sem maiores debates pelos órgãos jurisdicionais superiores.
Dessa forma, pode-se afirmar que a melhor interpretação a ser dada ao art. 26-C é a de que apenas o órgão colegiado do tribunal ao qual deve ser interposto recurso possui competência para afastar a causa de inelegibilidade advinda da condenação levada a efeito pelo tribunal a quo, não podendo o relator, monocraticamente, proferir decisão nesse sentido, sob pena de tornar tabula rasa a determinação contida no referido artigo.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 01 out. 2016.
______. Lei Complementar nº 64/1990 (Lei de Inelegibilidades). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp64.htm>. Acesso em: 02 out. 2016.
______. Lei Complementar nº 135/2010 (Lei da Ficha Limpa). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp135.htm>. Acesso em: 02 out. 2016.
______. Projeto de Lei Popular nº 518/09. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=452953>. Acesso em: 01 out. 2016.
______. Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/regimento-interno-da-camara-dos-deputados/RICD%20atualizado%20ate%20RCD%2017-2016.pdf>. Acesso em: 01 out. 2016.
______. Superior Tribunal de Justiça. AgRg na MC nº 17205/RO 2010/0142023-8. Agravo Regimental na Medida Cautelar no Recurso Ordinário. Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima. Órgão Julgador: Primeira Turma. Data de Julgamento: 28 set. 2010, Diário da Justiça, Brasília, DF, 20 out. 2010.
______. Superior Tribunal de Justiça. Reclamação nº 32.717/TO (2016/0260374-4). Relator: Ministro Nefi Cordeiro. Decisão monocrática. Data de Julgamento: 28 set. 2016, Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=MON&sequencial=65650780&num_registro=201602603744&data=20160930&tipo=0&formato=PDF>. Acesso em: 02 out. 2016.
______. Supremo Tribunal Federal. Ação Cautelar nº 2661/MG. Relator: Ministro Ayres Britto. Decisão monocrática. Data de Julgamento: 02 jul. 2010. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/AC_2661MC.pdf>. Acesso em: 03 out. 2016.
______. Supremo Tribunal Federal. ADC nº 29/DF. Ação Declaratória de Constitucionalidade. Relator: Min. Luiz Fux. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Data de Julgamento: 16 fev. 2012, Diário da Justiça, Brasília, DF, 29 jun. 2012.
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______. Supremo Tribunal Federal. RE nº 633703/MG. Recurso Extraordinário. Relator: Min. Gilmar Mendes. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Data de Julgamento: 23 mar. 2011, Diário da Justiça, Brasília, DF, 18 nov. 2011.
______. Tribunal Superior Eleitoral. RO n° 1191-58.2014.6.19.0000. Recurso Ordinário. Relatora: Ministra Luciana Lóssio. Órgão Julgador: Plenário. Data de Julgamento: 23 set. 2014. Publicado em sessão.
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Procurador do Município de Araguaína/TO e Advogado. Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Pós-Graduado e Direito Eleitoral e Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Tocantins
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Ciro de Alencar. A suspensão de causa de inelegibilidade e a aplicabilidade do art. 26-C da Lei Complementar Nº 64/1990 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 out 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47682/a-suspensao-de-causa-de-inelegibilidade-e-a-aplicabilidade-do-art-26-c-da-lei-complementar-no-64-1990. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: SABRINA GONÇALVES RODRIGUES
Por: DANIELA ALAÍNE SILVA NOGUEIRA
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