RESUMO: O presente trabalho tem como principal objetivo fazer um breve cotejo analítico da eficácia da norma eleitoral insculpida no art. 8º da Lei nº 9.504/1997. Aborda rapidamente lições de Norberto Bobbio e Tercio Sampaio Ferraz Júnior acerca da teoria da norma jurídica especificamente quanto à valoração da eficácia de uma norma. Colaciona julgados de diversas cortes eleitorais do país em que demonstra a permissividade da Justiça Eleitoral diante da inobservância da norma por parte dos partidos, fundamentando-se na autonomia de que gozam as agremiações partidárias. Chega-se à conclusão de que a norma é ineficaz, por não ser observada a rigor pelos interessados, por não se revestir de caráter sancionador e por não representar empecilho no processo de registro de candidaturas. As eleições municipais de 2016 foram o âmbito de observação da ocorrência.
Palavras-chave: Lei das Eleições. Art. 8º. Ineficácia. Teoria da norma jurídica. Ata de convenção. Publicação. Prazo.
Num cenário político caótico em que se encontra inserido o país, várias são as tentativas de se adequar o processo eleitoral a um modo mais transparente e democrático. Nesse quadro adveio a chamada minirreforma eleitoral, em 2015, para atender àquela demanda do interesse público.
Dentre as normas reformadas está a do art. 8º da Lei das Eleições. O presente artigo visa a uma breve análise de sua eficácia nas últimas eleições municipais, visitando lições conhecidas de Norberto Bobbio e Tercio Sampaio Ferraz Júnior, bem assim trazendo à baila alguns julgados da Justiça Eleitoral.
Não se pretende minimizar a importância dos argumentos elencados nos julgados para justificar a aceitação pelo Judiciário da inobservância da norma pelos partidos. A bem da verdade, o que se pretende é, de alguma forma, demonstrar que o jogo político deve ser mais importante para os cidadãos do que para as agremiações partidárias, no estrito entendimento de que estas devem seguir rigorosamente todas as regras, sob pena de perpetuação da banalização das normas eleitorais, tal como se vê atualmente..
Dessa maneira, o presente artigo buscou demonstrar que o dispositivo analisado é ineficaz no processo eleitoral brasileiro, seja por meio do entendimento doutrinário geral da teoria da norma jurídica, seja por meio de alguns julgados de tribunais regionais e do TSE. Trata-se de assunto ainda não tratado em nenhuma obra doutrinária sobre Direito Eleitoral.
Pata tal mister, utilizou-se como metodologia de pesquisa a bibliográfica, consubstanciada por fontes doutrinárias, que tratam da teoria da norma jurídica, e ainda por pesquisas de jurisprudência das cortes eleitorais relativas às eleições do ano de 2016.
Fundamentação
Para melhor compreensão do que se pretende apresentar neste trabalho, mister que se faça uma breve releitura das normas em que se fundam as convenções partidárias e o registro de candidaturas, notadamente quanto aos períodos destinados para a efetivação, bem como quanto à novel obrigatoriedade de publicação da ata convencional de escolha de candidatos.
Antes da alteração promovida por meio da Lei 13.165/2015, a Lei das Eleições (Lei 9.504/1997) já havia sofrido outra no ano de 2013 (Lei nº 12.891/2013) especificamente no que concerne ao assunto do presente artigo: eficácia da norma do art. 8º da Lei 9.504/1997. Veja-se a redação original do dispositivo e, em seguida, a disposição acerca do último dia para protocolo do pedido de registro de candidaturas:
Art. 8º A escolha dos candidatos pelos partidos e a deliberação sobre coligações deverão ser feitas no período de 10 a 30 de junho do ano em que se realizarem as eleições, lavrando-se a respectiva ata em livro aberto e rubricado pela Justiça Eleitoral. (grifo nosso)
Art. 11. Os partidos e coligações solicitarão à Justiça Eleitoral o registro de seus candidatos até as dezenove horas do dia 5 de julho do ano em que se realizarem as eleições. (grifo nosso)
Agora, com a alteração introduzida pela reforma de 2013, que alterou o período permitido para as convenções e estipulou o prazo de vinte e quatro horas para publicação da ata:
Art. 8º A escolha dos candidatos pelos partidos e a deliberação sobre coligações deverão ser feitas no período de 12 a 30 de junho do ano em que se realizarem as eleições, lavrando-se a respectiva ata em livro aberto, rubricado pela Justiça Eleitoral, publicada em 24 (vinte e quatro) horas em qualquer meio de comunicação. (Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013) (grifo nosso)
Por fim, a redação atual, consequência da minirreforma eleitoral de 2015, que alterou novamente o período destinado à convenção para escolha de candidatos, mantendo-se o mesmo prazo de vinte e quatro horas para publicação da ata:
Art. 8º A escolha dos candidatos pelos partidos e a deliberação sobre coligações deverão ser feitas no período de 20 de julho a 5 de agosto do ano em que se realizarem as eleições, lavrando-se a respectiva ata em livro aberto, rubricado pela Justiça Eleitoral, publicada em vinte e quatro horas em qualquer meio de comunicação. (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015) (grifo nosso)
A chamada minirreforma também cuidou de alterar a data limite para o requerimento de registro de candidaturas perante a Justiça Eleitoral, aumentando em dez dias o intervalo entre o fim do prazo das convenções e o pedido de registro. Veja-se:
Art. 11. Os partidos e coligações solicitarão à Justiça Eleitoral o registro de seus candidatos até as dezenove horas do dia 15 de agosto do ano em que se realizarem as eleições. (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015) (grifo nosso)
Em sua função regulamentar, o TSE editou a Resolução nº 23.455/2015, que dispôs sobre a escolha e registro de candidatos nas eleições do ano de 2016. Ao regulamentar as normas contidas nos artigos 8º e 11 da Lei nº 9.504/1997, assim estabeleceu:
Art. 8º A escolha de candidatos pelos partidos e a deliberação sobre coligações deverão ser feitas no período de 20 de julho a 5 de agosto de 2016, obedecidas as normas estabelecidas no estatuto partidário, lavrando-se a respectiva ata e a lista de presença em livro aberto e rubricado pela Justiça Eleitoral (Lei nº 9.504/1997, arts. 7º e 8º).
§ 1º A ata da convenção, digitada e assinada em duas vias, será encaminhada ao Juízo Eleitoral, em vinte e quatro horas após a convenção, para:
I - publicação em cartório (art. 8º da Lei nº 9.504/1997); (...) (grifo nosso)
É importante salientar que, em função do princípio da anualidade eleitoral, a reforma levada a cabo em 2013, não foi aplicada nas eleições gerais de 2014, bem assim não chegou a ser seguida nas eleições municipais de 2016, em decorrência da superveniência da minirreforma de 2015.
Assim, resumidamente, antes da situação vigente, os partidos deviam se reunir em convenção para escolha de candidatos e deliberar sobre coligações no período compreendido entre 10 e 30 de junho do ano das eleições, tendo como último dia para o registro de candidaturas perante a Justiça Eleitoral a data de 5 de julho.
Nesse contexto, em que pesem os dias anteriores ao dia fatal para registro, é de conhecimento público e notório que as agremiações, em sua quase totalidade, deixavam para registrar seus candidatos justamente no último dia do prazo e também nos minutos finais.
Não raras vezes, os acordos e negociatas sobre coligações e candidatos eram concluídos próximos ao prédio da Justiça Eleitoral, ensejando atropelos de toda ordem no que diz respeito ao devido registro em ata que, na prática, eram feitas fora do ambiente de convenção, como deveria ser.
O fato, para ilustrar, tornou-se notícia, assim como na maior parte do Brasil, no município mineiro de Uberaba, por meio do veículo “Jornal da Manhã” do dia 05/07/2012:
PARTIDOS DEIXAM REGISTRO PARA O ÚLTIMO DIA - Passadas as convenções partidárias realizadas entre 10 e 30 de junho, em que partidos definiram seus candidatos e coligações para as eleições municipais de outubro, termina hoje o prazo estipulado pelo Calendário Eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para a entrega dos pedidos de registros de candidaturas a prefeito, vice-prefeito e vereador. Segundo as zonas eleitorais em Uberaba, até ontem não houve nenhum registro. (...) (Jornal da Manhã, 05.07.2012, http://jmonline.com.br/novo/?noticias,6,POL%CDTICA,64804)
E, nessa situação de atropelos, alguns partidos eram questionados judicialmente em função do descumprimento de normas do processo eleitoral e/ou estatutárias, haja vista a disposição contida em ata no sentido de se permitir, após o período convencional, a inclusão de partidos em coligação ou mesmo a decisão nova de concorrer de forma isolada.
Em nome da autonomia de que gozam os partidos políticos no país, o Tribunal Superior Eleitoral decidia amiúde pela possibilidade e legitimidade de todo o imbróglio gerado por atas corrigidas ou com disposições futuras, que, comumente, feria visceralmente interesses legítimos de filiados e também de partidos. Vejam-se alguns arestos:
Recurso especial. [...] Inclusão de partido em coligação após o prazo para convenções. Viabilidade, desde que tenha sido registrada em ata a possibilidade de coligação futura com outros partidos. [...] Havendo sido deliberado em convenção pela possibilidade futura de coligação com outros partidos, além daqueles expressamente mencionados, não se considera extrapolado o prazo estabelecido nos arts. 8º da Lei nº 9.504/97 e 7º da Res.-TSE nº 22.156, nem daquele previsto no art. 11 da Lei nº 9.504/97 na hipótese de inclusão de outros partidos, na coligação, após o prazo para convenções. [...].(Ac. de 2.6.2009 no ARESPE nº 26.816, rel. Min. Joaquim Barbosa.).
Recurso especial. Registro de candidatura. Eleições suplementares em pleito majoritário municipal. Convenção realizada fora do prazo. Ausência de demonstração de prejuízo. Dissídio jurisprudencial caracterizado. Violação ao art. 219 do Código Eleitoral. É válida a convenção partidária que, a despeito de realizada fora do prazo da resolução regional, escolhe candidatos em tempo hábil para o registro da chapa. Recurso conhecido e provido.” (Ac. nº 19.685, de 11.6.2002, rel. Min. Luiz Carlos Madeira.).
[...] Irregularidade em convenção. Acolhimento da impugnação do Ministério Público em razão das decisões do TCE/PA. Registro indeferido. [...] Convenção. Delegação para órgão de direção partidária a escolha de candidatos. Deliberação após o prazo do art. 8º da Lei nº 9.504/97, mas no prazo do art. 11 da mesma lei. Possibilidade. Precedentes do TSE. [...]. É admissível que a convenção delegue à comissão executiva ou a outro órgão partidário a efetiva formação de coligação ou a escolha de candidatos, o que pode ocorrer até o prazo previsto no art. 11 da Lei nº 9.504/97 para se pedir o registro das candidaturas. [...]” (Ac. de 24.10.2006 no RO nº 1.329, rel. Min. Gerardo Grossi; no mesmo sentido o Ac. de 21.9.2006 no REspe nº 26.763, rel. Min. César Asfor Rocha.)
Não se torna difícil compreender os motivos que moldaram o comportamento dos dirigentes partidários, especialmente no que tange à postura em relação à formalização do pedido de registro e o devido procedimento que deveria seguir.
Nesse cenário, ao que parece, o legislador ordinário, por ocasião da minirreforma, quis por fim a essa balbúrdia, determinando o dia 15 de agosto do ano eleitoral como limite do prazo para registro, bem assim obrigou a publicação da ata de convenção em vinte quatro horas após sua realização em qualquer meio de comunicação.
O TSE, ao regulamentar o dispositivo para as eleições de 2016, exigiu, por meio da resolução supramencionada, a publicação em cartório da aludida ata, o que serviria, inclusive, para adiantar os trabalhos atinentes ao registro por parte dos serventuários, bem como dar mais transparência ao processo perante os cidadãos interessados no pleito.
Em suma, uma vez protocolizada a ata de convenção no máximo até o dia 6 de agosto, tendo-se em conta a convenção realizada no último dia permitido, ter-se-iam todas as situações definidas para posterior registro, com prazo final no dia 15 de agosto. Por óbvio, permaneceram as possibilidades de substituição de candidatos por morte ou renúncia. Todavia, deveriam permanecer incólumes as decisões do partido sobre se coligar com outro(s) partido(s) ou não.
É possível entender, neste ponto, como positiva a intenção do legislador. Todavia, mais uma vez na seara do Direito Eleitoral, fez-se inserir uma norma sem eficácia, na estrita medida em que o aplicador da lei, o Poder Judiciário, malgrado a previsão normativa, manteve o entendimento jurisprudencial do contexto anterior da minirreforma, seja se balizando pela autonomia partidária, seja por minimizar mais uma regra do jogo político, relegando-a à condição de mera formalidade.
Antes de demonstrar a posição atual da Justiça Eleitoral, convém demonstrar como se entende uma norma como ineficaz. O celebrado jusfilósofo Norberto Bobbio, ao trabalhar a teoria da norma jurídica, defende que é preciso analisar a norma mediante três critérios, chamados critérios de valoração, quais sejam, a justiça, a validade e, por fim, a eficácia. Veja-se:
O primeiro ponto que, a meu juízo, é preciso ter bem claro em mente se quisermos estabelecer uma teoria da norma jurídica com fundamentos sólidos, é que toda norma jurídica pode ser submetida a três valorações distintas, e que estas valorações são independentes uma das outras. De fato, frente a qualquer norma jurídica podemos colocar uma tríplice ordem de problemas: 1) se é justa ou injusta; 2) se é válida ou inválida; 3) se é eficaz ou ineficaz. Trata-se dos três problemas distintos: da justiça, da validade e da eficácia de uma norma jurídica. (BOBBIO, 2001, p. 45-46)
Sem adentrar no mérito valorativo de a norma do art. 8º da Lei 9.504/1997 ser ou não justa ou válida, haja vista a desnecessidade, é possível avaliar sua eficácia, considerando-se sua efetividade, ou seja, se a norma se adaptou ao meio social e foi aceita e seguida por seus destinatários. Nesse sentido, ensina Bobbio sobre a eficácia:
O problema da eficácia de uma norma é o problema de saber se essa norma é ou não seguida pelas pessoas a quem se destina (os chamados destinatários da norma jurídica) e, caso seja violada, seja feita valer com meios coercitivos pela autoridade que a estabeleceu. [...] A investigação para averiguar a eficácia ou ineficácia de uma norma é de caráter histórico-sociológico, se volta para o estudo do comportamento dos membros de um determinado grupo social e se diferencia, seja da investigação tipicamente filosófica em torno da justiça, seja da tipicamente jurídica em torno da validade. Aqui também, para usar a terminologia douta, se bem que em sentido diverso do habitual, pode-se dizer que o problema da eficácia das regras jurídicas é o problema fenomenológico do direito. (BOBBIO, 2001, p. 47-48)
Seguindo os ensinamentos de Bobbio, tem-se que a norma contida no art. 8º da Lei das Eleições é justa, válida e ineficaz. Essa ineficácia decorre da ausência de importância de a ata ser publicada ou entregue no Cartório dentro do prazo estipulado de vinte e quatro horas. Não se pretende aqui a abordagem da existência de diversas normas sem sanção no Direito Eleitoral, mas padeceria também desse problema o dispositivo em comento. Certamente assunto para outro artigo.
Tercio Sampaio Ferraz Júnior também tece considerações sobre tal situação, in verbis:
Uma norma válida pode já ser vigente e, no entanto, não ter eficácia. Vigência e eficácia são qualidades distintas. A primeira refere-se ao tempo de validade. A segunda, à produção de efeitos. A capacidade de produzir efeitos depende de certos requisitos. Alguns são de natureza fática; outros, de natureza técnico-normativa. A presença de requisitos fáticos torna a norma efetiva ou socialmente eficaz. Uma norma se diz socialmente eficaz quando encontra na realidade condições adequadas para produzir seus efeitos.[...] Efetividade ou eficácia social é uma forma de eficácia. [...] Discute-se, não obstante e nesse sentido, se a ineficácia social pode tornar inválida uma norma. Kelsen, por exemplo, chega a dizer que uma norma, sem um mínimo de eficácia, perde a validade. (FERRAZ JÚNIOR, 2015, p. 159-160)
Feita essa breve visita aos ensinamentos de Bobbio e Ferraz Júnior, é o momento de se ilustrar com os julgados recentes da Justiça Eleitoral, que, ao que se percebe, manteve o mesmo entendimento de outrora, aceitando normalmente atas redigidas após a convenção, provavelmente sem a presença de convencionais/filiados. Com efeito, são decisões que fatalmente trazem em si indagações acerca da utilidade da norma. Veja-se:
ELEIÇÕES 2016. REGISTRO DE CANDIDATURA. CARGO DE VEREADOR. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL PROVIMENTO. ATA RETIFICADORA DE CONVENÇÃO. INDICAÇÃO DO CANDIDATO. PRAZO ANTERIOR AO REGISTRO DE CANDIDATURA. JUNTADA. INSTÂNCIA ORDINÁRIA. VÍCIO SANADO. DESPROVIMENTO. 1. É viável a apresentação de ata retificadora de convenção partidária antes do termo do prazo para o registro de candidatura. 2. As normas de direito eleitoral devem ser interpretadas de forma a conferir a máxima efetividade do direito à elegibilidade. 3. A juntada tardia de documento, nos processos de registro de candidatura, deve ser considerada pelo julgador enquanto não esgotada a instância ordinária, até mesmo em razão da ausência de prejuízo ao processo eleitoral. Incidência, na espécie, dos princípios da instrumentalidade das formas, da razoabilidade e da proporcionalidade. 4. Na hipótese, o documento foi trazido em data anterior ao prazo limite para o registro de candidatura estabelecido pelo art. 11 da Lei nº 9.504/97 e ainda no prazo para o preenchimento das vagas remanescentes para as eleições proporcionais, nos termos do § 5º do art. 10 da Lei nº 9.504/97. 5. Se é admissível a indicação de candidato após o prazo final para o registro, com maior razão há de ser possível a sua escolha antes dessa data. 6. Não se pode inibir a participação do cidadão no processo político tendo por alicerce tão somente circunstâncias meramente formais. O direito ao sufrágio, no qual se inclui a capacidade eleitoral passiva, em se tratando de direito fundamental garantido pela Lei Maior, participa da essência do Estado Democrático de Direito, operando como diretriz para a ação de todos os poderes constituídos, sem exceção. 7. Agravo regimental desprovido. (TSE-AgR-REspe nº 13781 - Santo Antônio De Pádua/RJ, de 22/11/2016, rel. Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio)
No Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais não foi diferente. O Tribunal mineiro também acatou normalmente as deliberações do partido posteriores ao prazo, também sob o fundamento de previsão em ata da possibilidade. Em tal situação, vale a transcrição da íntegra do mérito do julgado. Onde se lê, “dentro do prazo legal”, entenda-se antes de 15 de agosto, data limite para registro:
REGISTRO DE CANDIDATURA. COLIGAÇÃO PROPORCIONAL. ELEIÇÕES 2016. REGISTRO DE CANDIDATURA. Mérito. Não há nos autos prova da intimação da recorrente para sanar as irregularidades que fundamentaram a sentença guerreada. Por essa razão, conheço dos documentos de fls. 42-53, juntados aos autos em sede de recurso. A alteração das atas do PSB e do SD, em que consignaram a opção de concorrerem ao pleito proporcional em coligação, bem como a substituicão de nomes de candidatos, com o fim de adequar a indicação das candidaturas a esta nova realidade, ocorreram dentro do prazo legal e obedeceram a forma acordada entre os convencionais as fls. 44 e 49. Através do documento de fls. 53, com assinatura dos convencionados, os partidos integrantes da coligação sanaram a divergência entre a data da reunião complementar e a entrega da respectiva ata em cartório. Igualmente, não há irregularidade na segunda ata do partido SD, juntada as fls. 14-16, pois na primeira ata do SD (fls. 11-13), ficou deliberado que o Delegado indicado nessa convenção poderia proceder a substituições de candidatos e eventuais reformulações, como se vê a fl. 12. Sanada a divergência entre a data da reunião complementar e a entrega da respectiva ata em cartório. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO, para deferir o registro da COLIGACÃO FÉ É QUEM FAZ COM O CORACÃO. (TRE-MG, RE 168-15.2016.6.13.0246. Santa Luzia-MG. Rel. Juiz Carlos Roberto de Carvalho, 31.08.2016) (grifo nosso)
Em nome da autonomia partidária, como se depreende da transcrição acima, permite-se aos partidos aparentemente mais do que a previsão normativa, bastando tão somente a consignação em ata de convenção. Nessa esteira, segue excerto de outra decisão do Tribunal mineiro. Nela, nota-se a falha de partido em não consignar em ata o que se pretendia. Do contrário, seria provido o recurso:
Recurso eleitoral. Eleições 2016. Registro de candidatura. DRAP. Partido/coligação. Vereador. Convenção partidária. Validade/invalidade de coligação. Exclusão de partido de coligação. Registro deferido parcialmente. Ata complementar somente juntada com o recurso eleitoral, ou seja, depois da ciência da decisão do Juiz Eleitoral, sendo que ao tempo da primeira manifestação no processo a coligação se manteve silente a respeito. Entre os poderes delegados a comissão provisória, conforme disposto na ata da convenção partidária, não há o de inserir partido político em coligação diversa daquela escolhida expressamente pelos convencionais. Recurso não provido. (TRE-MG – RE 42544. Conceição do Mato Dentro-MG.Rel. Juiz Paulo Rogério de Souza Abrantes, 13.09.2016)
Já o Tribunal de Tocantins, relevou inobservância da norma em função justamente da ausência de previsão de sanção, tal quais diversas outras normas insertas na seara do Direito Eleitoral:
ELEIÇÕES 2016. RECURSO ELEITORAL. IMPUGNAÇÃO AO REQUERIMENTO DE REGISTRO DE CANDIDATURA (RRC).DRAP DA COLIGAÇÃO. ATA PUBLICADA EM CARTÓRIO APÓS O PRAZO DE VINTE E QUATRO HORAS PREVISTO NO ART. 8º DA LEI 9.504/97. MERA FORMALIDADE. AUSÊNCIA DE PENALIDADE. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. RECURSO IMPROVIDO. 1. O art. 8ª da Lei 9.504/97 e art. 8º, § 1º, I da Resolução do TSE n.º 23.455/2015, dispõe que a ata da convenção deve ser publicada 24 (vinte quatro) horas após sua realização, todavia não previu nenhuma penalidade, sendo o objetivo da norma dar ampla publicidade ao ato. 2. A publicação da ata um dia após o prazo não trouxe prejuízos a recorrente. 3. As normas de direito eleitoral devem ser interpretadas de forma a conferir a máxima efetividade do direito à elegibilidade. 4. Recurso conhecido e não provido.
Caminhou no mesmo sentido o Tribunal potiguar, notadamente em função da ausência de previsão legal de sanção por descumprimento do art. 8ª da Lei das Eleições:
ELEIÇÕES 2016. RECURSO ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. VEREADOR. CANDIDATO NÃO ESCOLHIDO EM CONVENÇÃO.REGISTRO INDEFERIDO. ALEGAÇÃO DE CANDIDATURA EM SUBSTITUIÇÃO. INFORMAÇÃO DE DESISTÊNCIA DE CANDIDATO SUBSTITUÍDO. JUNTADA DE ATA DE REUNIÃO DOS PARTIDOS INTEGRANTES DA COLIGAÇÃO. ESCOLHA DO RECORRENTE COMO SUBSTITUTO. ESFERA DE DELIBEAÇÃO INTRAPARTIDÁRIA. CANDIDATO SUBSTITUÍDO NÃO REQUEREU REGISTRO. NÃO SUBSUNÇÃO ÀS HIPÓTESES PREVISTAS NO ART. 67 DA RESOLUÇÃO 23.455/2016. NÃO ENCAMINHAMENTO DA ATA DA REUNIÃO QUE DELIBEROU PELA ESCOLHA DO RECORRENTE. NÃO EXIGÊNCIA. AUSÊNCIA DE IMPEDIMENTOS AO REGISTRO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (...) 3. A exigência de apresentação da ata em 24 horas ao juízo eleitoral é aplicável exclusivamente àquelas referentes à Convenção Partidária responsável pela escolha de candidatos e das coligações firmadas. 4. Mesmo quando exigível, não há previsão legal de penalidade para descumprimento do ato de publicidade em 24 horas da ata de convenção, não cabendo ao Judiciário legislar na ausência de regramento, devendo as normas de direito eleitoral serem interpretadas de forma a conferir a máxima efetividade do direito à elegibilidade. 5. Recurso conhecido e, no mérito, provido. Registro deferido. (TRE-MA - RE nº 27421 - Santo Amaro Do Maranhão-MA. Rel. Juiz Sebastião Joaquim Lima Bonfim, 24.09.2016) (grifo nosso)
Repetiu-se em partes deste trabalho a questão da autonomia partidária. É de ressaltar que essa autonomia é prevista no art. 17, §1º, da Constituição da República, para que os partidos definam sua estrutura interna, organização e funcionamento. Com efeito, trata-se de ente de grande importância no cenário democrático. Nessa linha, explica José Jairo Gomes:
No mundo contemporâneo, os partidos políticos tornaram-se peças essenciais para o funcionamento do complexo mecanismo democrático. Para se ter noção da penetração e influência dessas entidades, basta dizer que detêm o monopólio do sistema eleitoral, chegando a definir o perfil assumido pelo Estado, já que são elas que, concretamente, estabelecem o sentido das ações estatais. Não há, com efeito, representação popular e exercício do poder estatal sem a intermediação partidária. (GOMES, 2016, p. 114)
Concluindo o tópico, é oportuno trazer de volta palavras de Bobbio, nas quais “a sanção tem relação não com a validade, mas com a eficácia, e já vimos que uma norma pode ser válida sem ser eficaz.” (BOBBIO, 2001, p. 167).
Conclusão
Tendo em conta as breves explanações acerca da efetividade da norma contida no art. 8º da Lei nº 9.504/1997, conclui-se que a disposição se reveste do caráter de ineficaz. Ineficaz, em suma, porque se o partido deixar de observar a obrigatoriedade de publicar ou apresentar a ata de convenção em cartório no prazo de 24 horas após a realização da dita reunião não haverá prejuízo algum para sua intenção de registrar seus candidatos para as eleições.
A minirreforma, viabilizada pela Lei 13.165/2015, trouxe a regra de publicação (art. 8º) da ata de convenção em 24 horas após sua realização. É conduta obrigatória. Todavia, o fato de se tratar de uma norma sem sanção (mais uma no Direito Eleitoral) não deveria autorizar o reconhecimento de que a regra extraída se consubstancia em "letra morta".
Muito ao contrário. É possível conceber que a "mens legis" objetivou extirpar, ou pelo menos amenizar, a recorrente promiscuidade político-partidária que se revela justamente após o período das convenções e, pior, com a aquiescência da Justiça Eleitoral, conforme excertos acima transcritos.
Muitos dirigentes partidários, ao que se nota, já se acostumaram com a permissividade da Justiça Eleitoral, mormente no contexto anterior à minirreforma eleitoral. É fácil constatar isso a partir dos julgados do TSE acima transcritos. Já perceberam que, neste caso específico da ata, basta inserir disposições que lhes autorizam a, por exemplo, fazer coligações após as convenções e antes do dia final para o registro. Não é de se esquecer de que há casos em que mesmo após a data final para registro o Judiciário acatou em nome da autonomia partidária.
Deveria o Judiciário adentrar a esfera de autonomia partidária, que não é absoluta, para, em proteção à lisura, à moralidade, ao princípio democrático, ao equilíbrio da disputa, bem assim ao direito de pré-candidatos eventualmente lesados, e passar a ser mais exigente na aplicação da norma, e não praticamente lecionar como se deve fazer para conferir ineficácia a uma norma do processo eleitoral.
Não se desconhece o peso que possui o chamado jus honorum, mas, estando inseridos no jogo político, os seus integrantes, partidos e candidatos, devem entender que seguir à risca as regras é medida natural e perfeitamente exigível, sob pena de se favorecer aqueles que em nada se comprometem com a lisura e a retidão, bem assim de se desencorajar aqueles que caminham corretamente.
BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. 1. ed. Bauru, SP: Edipro, 2001.
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em . Acesso em: 01 fev. 2017.
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução nº 23.455. Rel. Min. Gilmar Mendes. Brasília, 15 dez. 2015. Diário da Justiça Eletrônico de 30 jun. 2016. Disponível em Acesso em 02 fev. 2017.
FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
GALLUPO, Marcelo Campos. Da idéia à defesa: monografias e teses jurídicas. 2. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2008.
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2016.
LULA, Carlos Eduardo Moreira. Direito Eleitoral. 4. ed. Leme, SP: Imperium Editora, 2014.
Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Newton de Paiva. Pós-graduada em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes. MBA/Especialização em Gestão Estratégia no Serviço Público pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Analista do Ministério Público do Estado de Minas Gerais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Liliane Orzil Costa de. Minirreforma eleitoral: ineficácia do art. Lei 13.165/2015 nas eleições municipais de 2016 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 mar 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49768/minirreforma-eleitoral-ineficacia-do-art-lei-13-165-2015-nas-eleicoes-municipais-de-2016. Acesso em: 22 dez 2024.
Por: SABRINA GONÇALVES RODRIGUES
Por: DANIELA ALAÍNE SILVA NOGUEIRA
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