RESUMO: O presente artigo estudará um instrumento da democracia participativa ainda não positivado no sistema jurídico brasileiro: o referendo revogatório de mandato. O objetivo é demonstrar o quanto esse instituto é salutar para o fortalecimento da democracia participativa, razão pela qual ele merece ser introduzido no sistema constitucional brasileiro. Ademais, esse estudo se justifica também porque (1) o referendo revogatório enfrenta enormes resistências da classe política – o que é comprovado pelas inúmeras tentativas frustradas de sua introdução no ordenamento pátrio desde a Assembleia Nacional Constituinte de 1987 e (2) a PEC nº 21/2015, com a redação dada pela Emenda nº 2-CCJ (Substitutivo), pouco acrescentará à democracia participativa brasileira e, na prática, talvez impeça que o instituto seja implementado de forma eficaz. O referendo revogatório de mandato é um instrumento da democracia participativa dentro da democracia semidireta, pelo qual o eleitorado pode revogar o mandato de representante político ou de todos os membros de uma Casa Legislativa, simultaneamente, dissolvendo-se o Parlamento. Sob a perspectiva popular, trata-se de conceder ao povo um direito de revogação dos mandatos eletivos por meio de uma decisão política e não jurídica. O instituto pode ser instrumentalizado de duas formas: (1º) recall político e (2º) abberufungsrecht. Não existe no sistema constitucional brasileiro qualquer instrumento que seja capaz de desempenhar a mesma função. Entende-se que o instituto deve ser introduzido nosistema de democracia participativa do Brasil e que sua abrangência deverá incidir a todos os mandatos políticos eletivos dos entes federados, em relação aos Poderes Executivo e Legislativo. Quanto a este último Poder, deve incidir tanto na forma de recall político, quanto na de abberufungsrecht, porque estes 2 (dois) instrumentos têm raio de atuação diverso e cada um deles é ideal para tipos diferentes de crises políticas e institucionais.
Palavras-chaves: democracia participativa; referendo revogatório de mandato; recall político; abberufungsrecht.
SUMÁRIO: 1 - INTRODUÇÃO 2 – CONCEITO DE DEMOCRACIA 3 – DEMOCRACIA PARTICIPATIVA 4 – REFERENDO REVOGATÓRIO DE MANDATO 4.1 – Conceito 4.2 – Recall Político 4.3 – Abberufungsrecht 4.4 – Pontos Comuns e Divergências entre Recall Político e Abberufungsrecht 4.5 – Mandato Político Representativo, Mandato Imperativo e Referendo Revogatório de Mandato. 4.6 – Instrumentos Democráticos Correlatos 4.7 – O Referendo Revogatório de Mandatos no Direito Estrangeiro 4.8 – Histórico do Instituto no Direito Pátrio; Situação Atual e Perspectivas de Mudanças 5 – CRÍTICAS À EMENDA Nº 2-CCJ (SUBSTITUTIVO) À PEC Nº 21/2015 E AO PARECER (CCJ/SF) Nº 64/2017 e DEFESA DA IMPLANTAÇÃO DO REFERENDO REVOGATÓRIO NO BRASIL 6 – SUGESTÕES PARA A REGULAMENTAÇÃO DO REFERENDO REVOGATÓRIOS DE MANTADO NO DIREITO BRASILEIRO 7 – CONCLUSÕES BIBLIOGRAFIA
A democracia semidireta ou mista mescla elementos das democracias direta e indireta. Nela, o poder político, apesar de pertencer ao povo, é exercido, em regra, pelos representantes desse povo, que são os ocupantes de cargos políticos representativos democraticamente eleitos. Todavia, em determinadas hipóteses, o povo exerce diretamente o poder, como, por exemplo, mediante plebiscito, referendo ou iniciativa popular de lei.
A democracia participativa consiste na participação pessoal e direta do povo nas principais decisões estatais. Seu exercício ocorre por intermédio da utilização de instrumentos de democracia direita dentro da democracia semidireta (Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB –, art. 1º, p. único), ocasiões em que o próprio povo, sem qualquer representação, atua politicamente nos negócios estatais.
O presente artigo estudará um instrumento da democracia participativa ainda não positivado no sistema jurídico brasileiro: o referendo revogatório de mandato, nas vertentes recall político e abberufungsrecht.
O objetivo é demonstrar o quanto esse instituto, em ambas as suas vertentes, é salutar para o fortalecimento da democracia participativa, razão pela qual ele merece ser introduzido no sistema constitucional brasileiro.
Ademais, esse estudo se justifica também porque (1) o referendo revogatório enfrenta enormes resistências da classe política – o que é comprovado pelas inúmeras tentativas frustradas de sua introdução no ordenamento pátrio desde a Assembleia Nacional Constituinte de 1987 e (2) a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n. 21/2015, na redação que lhe deu a Emenda nº 2-Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal (Substitutivo), pouco acrescentará à democracia participativa brasileira e, na prática, talvez impeça que o instituto seja implementado de forma eficaz.
O termo democracia não é unívoco e comporta diversas conceituações de acordo com a teoria – clássica, medieval, moderna – ou sistema político-econômico – liberal, socialista – levados em consideração.
Na verdade, cada corrente ideológica costuma emprestar ao termo a concepção que melhor atende às suas finalidades / interesses. Mesmo os governos ditatoriais – que são indiscutivelmente antidemocráticos – se autodenominam democráticos. Aliás, dificilmente um governo autoritário se classificaria como ditadura, uma tirania ou uma oligarquia.[1]
Portanto, essa diversidade de conceitos é ocasionada, em parte, por divergências ideológicas – nos campos político e econômico –; em parte por má-fé daqueles que querem definir os Governos autoritários dos quais fazem parte como democráticos.
Em que pese multiplicidade de conceitos sobre o que venha a ser democracia, qualquer sistema político deve observar algumas características elementares, que são pontos de convergência ideológica entre os que fazem uma análise imparcial do instituto.
Dito isso, sem ter a menor pretensão de exaurir o significado do instituto, externa-se o seguinte conceito: Democracia é um modo de ser de um povo, caracterizado pela busca da paz, da tolerância, do respeito, da liberdade e da igualdade (formal e material) nos âmbitos público e privado – isto é, nos campos político, jurídico, acadêmico, profissional, econômico, dentre outros. Para tanto, ela tem como requisitos: (1) que os Poderes social, estatal, político e econômico emanam do povo – e não de um monarca ou de uma parcela desse povo –; (2) que o povo sempre deve exercer esse Poder, de forma direita, por meio de instrumentos de democracia participativa, ou indireta, por meio de cargos políticos eletivos; (3) que a ascensão aos referidos cargos deve se dar de acordo com regras e procedimentos objetivos e pré-estabelecidos na Constituição e nas leis e (4) que as Constituições e os governos constituídos – quando do exercício do Poder – devem reconhecer e ter como objetivo agir em prol da concretização dos direitos fundamentais, da justiça social; do bem-estar de todos os governados – e não apenas de determinados grupos ou segmentos sociais – e do combate a quaisquer formas de opressão.[2]
3 – DEMOCRACIA PARTICIPATIVA[3]
A democracia participativa se manifesta em um tipo de democracia chamada de semidireta.[4] Ela mescla elementos das democracias direta e indireta. Na verdade, é uma forma mais evoluída de democracia indireta, pois busca possibilitar ao povo a participação direta na tomada de decisões políticas fundamentais.
Nela, o poder político, apesar de pertencer ao Povo, é exercido, em regra, pelos representantes desse povo, que são ocupantes dos mandatos políticos representativos – Chefes do Poder Executivo e Parlamentares – democraticamente eleitos. Todavia, em determinadas hipóteses, o povo exerce diretamente o poder. Assim, quando o poder é exercido por representantes se dá a democracia indireta ou representativa; quando esse poder é exercido diretamente pelo povo, manifesta-se a democracia direta ou participativa. Por isso o nome “democracia mista”. O Brasil adota esse tipo de democracia (CRFB, arts. 1º, p. único, e 14).
Enquanto a democracia indireta tem como ponto central o mandato político representativo, alcançado mediante eleições; a democracia semidireta, por sua vez, tem seu centro ocupado por dois elementos: (1) o mandato político eletivo (democracia representativa) e (2) a participação direta e pessoal do povo nas decisões políticas (democracia participativa).
Portanto, a democracia participativa consiste na participação – pessoal e direta – do povo nas principais decisões estatais por intermédio de instrumentos específicos que cada ordenamento jurídico reconhece.
...qualquer forma de participação que dependa de eleição não realiza a democracia participativa no sentido atual da expressão. A eleição consubstancia o princípio representativo, segundo o qual o eleito pratica atos em nome do povo.
O princípio participativo caracteriza-se pela participação direta e pessoal da cidadania na formação dos atos de governo.
(SILVA: 2016, p. 143)
No mencionado exercício direto do poder (CRFB, art. 1º, p. único), o próprio povo, sem qualquer representação, atua de forma política nos negócios estatais, aceitando ou rejeitando uma norma ou uma política pública; escolhendo qual medida deve ser adotada; levando ao legislativo um projeto de lei de iniciativa popular e assim por diante.
No Brasil, essa decisão pessoal e direta se dá por intermédio dos instrumentos da democracia participativa, dentre os quais estão positivados na Constituição de 1988:
(1) o plebiscito (art. 14, inc. I)
(2) o referendo (art. 14, inc. II);
(3) a iniciativa popular de lei (art. 14, inc. III)
A execução desses três primeiros institutos foi regulamentada na Lei nº 9.709/1988. De acordo com essa norma, “o Plebiscito e referendo são consultas formuladas ao povo para que delibere sobre matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa.”. Entretanto, enquanto “o plebiscito é convocado com anterioridade a ato legislativo ou administrativo, cabendo ao povo, pelo voto, aprovar ou denegar o que lhe tenha sido submetido”; “o referendo é convocado com posterioridade a ato legislativo ou administrativo, cumprindo ao povo a respectiva ratificação ou rejeição”. (Lei nº 9.709/1988, art. 2º, caput, §§ 1º e 2º) (destacou-se).
Quanto à iniciativa popular de lei, como próprio nome indica, consiste na possibilidade de a comunidade dar início ao procedimento legislativo destinado a criar uma norma jurídica. No âmbito da União, ela “...pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles” (CRFB, art. 61, § 2º).
A Constituição também prevê a existência do instituto em âmbito estadual (art. 25, § 4º), bem como dispõe que os Municípios devem disciplinar, em suas respectivas Leis Orgânicas, “a iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico dos Município, da cidade ou de bairros, através de manifestação de, pelo menos, cinco por cento do eleitorado” (art. 29, inc. XIII). Assim, de forma implícita, o Distrito Federal também foi autorizado a criar o instituto.[5]
(4) a ação popular, que pode ser proposta por qualquer cidadão para buscar “...anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência” (art. 5º, inc. LXXIII);
(5) a determinação de que as contas dos Municípios fiquem, “...durante sessenta dias, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos termos da lei” (art. 31, § 3º);
(6) a “...participação do usuário na administração pública direta e indireta”, especialmente no que diz respeito às “...reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços”, ao “...acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo” e à “...disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública” (art. 37, § 3º);
(7) a possibilidade de qualquer cidadão – além de partidos políticos, associações e sindicatos – de ser “...parte legítima, para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União” (art. 74, § 2º);
(8) o princípio da “gestão democrática do ensino público, na forma da lei” (art. 206, inc. VI);
(9) comunidade colaborar com o Poder Público na promoção e na proteção do “...patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outros formas de acautelamento e preservação” (art. 216, § 1º).
O rol acima reproduz, parcialmente, as hipóteses elencadas por JOSÉ AFONSO DA SILVA (SILVA: 2016, p. 143/145 e 148). Entretanto, o autor faz referências a 03 (três) situações que não foram acima citadas por se entender que elas não dizem respeito à democracia participativa, quais sejam:
(I) a "participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação" (art. 10);[6]
(II) caráter democrático e descentralizado da administração a Seguridade Social, “...mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados” (art. 194, p. único, inc. VII);
(III) a eleição de um representante dos empregados, “nas empresas de mais de duzentos empregados, (...) com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores” (art. 11).
Na verdade, as três situações mencionadas são formas de representação do cidadão. As duas primeiras tratam de representação perante o Poder Público e a última, perante instituições da iniciativa privada. Cuidam-se, portanto, de situações que privilegiam a democracia em instituições públicas e privadas, mas a democracia indireta, isto é, representativa.
Existem outros institutos de democracia participativa no direito estrangeiro que não foram adotados por nossa Constituição, dentre os quais se destacará aqui o veto popular, o referendo revogatório de mandato e, por fim, o recall judicial.
O veto popular “...é a faculdade que permite ao povo manifestar-se contrário a uma medida ou lei, já devidamente elaborada pelos órgãos competentes, e em vias de ser posta em execução” (BONAVIDES: 2016, p. 316). Quando se trata de lei, o direito de os cidadãos exercer o veto sobre a lei já publicada, desde que o façam dentro de determinado prazo. Entretanto, expirado o prazo para requerimento ou provocação da consulta popular “...admite-se que a lei está perfeita, ‘aplicando-se por si mesma’”.[7]
O instituto possui semelhanças com o referendo consagrado na legislação brasileira, todavia, no veto popular são os eleitores que requererem a utilização instrumento; no referendo, o CN ou a Casa legislativa estadual, distrital ou municipal.
Quanto ao referendo revogatório de mandato e recall judicial, dadas as suas especificidades, esses serão abordados em tópico próprio.
Isso ocorre causa da inação dos ocupantes de cargos eletivos em viabilizar o fortalecimento desses mecanismos de participação direta. Por exemplo: em questões de relevância nacional, cabe ao CN “autorizar referendo e convocar plebiscito” (CRFB, art. 49, inc XV). Atuação esta que, em regra, é facultativa – exceto nos casos em que a Constituição de 1988 obriga a realização de plebiscito.
Portanto, notório o descompasso de grande parte de nossa classe política com os objetivos traçados pela Constituição da República, com a democracia e com o povo brasileiro.
É lamentável dizer que, aparentemente, os motivos para essa postura acanhada não são nada republicanos. Ao contrário, trata-se do interesse das oligarquias que pretendem se perpetuar no poder – os coronéis de sempre –, bem como da aversão que os políticos corruptos têm à ideia de se submeterem a um controle popular mais efetivo. Na prática, uma elite minoritária acaba monopolizando o poder político em prejuízo da maioria.
No caso especifico da iniciativa popular de lei, o Presidente da Câmara dos Deputados, Excelentíssimo Senhor RODRIGO MAIA, em 20/02/2017, fez uma afirmação curiosa e trágica: a Secretaria-Geral do referido Órgão teria estrutura apenas fazer “uma contagem formal” das mais de 2 (duas) milhões de assinaturas dos cidadãos que apoiram um Projeto de Lei com medidas para combate a corrupção. Assim, não haveria condições de verificar a veracidade dessas assinaturas[8].
Ora, a Constituição vigora a cerca de 30 (trinta) anos e o Órgão competente ainda não tem condições de efetivar, adequadamente, esse instrumento de tamanha magnitude. O Congresso até poderia buscar alternativas para se desincumbir de tal mister, como, por exemplo, fazer parceria com a Justiça Eleitoral, que administra o Cadastro Nacional de Eleitores e tem vasta experiência em conferência de assinaturas para aferir se partido político um em formação possui o apoiamento mínimo exigido por lei. [9]
DALMO ABREU DALLARI, logo após sustentar a inviabilidade da democracia direta no mundo atual, faz uma interessante ponderação:
No momento em que os mais avançados recursos técnicos para captação e transmissão de opiniões, como terminais de computadores, forem utilizados para fins políticos será possível a participação direta do povo, mesmo nos grandes Estados. Mas para isso será necessário superar as resistências dos políticos profissionais, que preferem manter o povo dependente de representantes.
(DALLARI, 2016, p. 152) (destacou-se)
Esse raciocínio pode ser utilizado para a defesa de uma maior utilização de institutos de democracia participativa dentro da democracia representativa. Isso porque, com a evolução dos meios de comunicação e das tecnologias da informação, os discursos que se apegam a impossibilidades práticas da participação popular nas decisões políticas tendem a ficar enfraquecidos.
Portanto, cumpre ao povo brasileiro buscar erradicar a essa inaceitável situação de exclusão da democracia participativa no cotidiano político brasileiro. Para tanto, deve exigir a utilização dos instrumentos de participação direita previstos na Constituição de 1988, especialmente quando se deva tomar decisões estatais – administrativas ou legislativas – de grande importância e impacto para o Brasil.
A democracia participativa é, provavelmente, o instrumento de maior impacto social no que diz respeito ao fortalecimento da democracia plena. Isso porque a participação direta do povo nas decisões estatais significa o próprio povo exercendo o governo. Assim, trata-se de um instituto de democracia formal por excelência.
Além disso, ninguém melhor que o próprio povo para tutelar seus direitos e interesses e combater a quaisquer formas de opressão. Portanto, é também um poderoso instrumento para efetivação da democracia substancial.
4 – REFERENDO REVOGATÓRIO DE MANDATO
O referendo revogatório de mandato é um instrumento da democracia participativa dentro da democracia semidireta, pelo qual o eleitorado pode revogar o mandato de representante político ou de todos os membros de uma Casa Legislativa, simultaneamente, dissolvendo-se o Parlamento. Sob a perspectiva popular, trata-se de conceder ao povo o direito de revogação dos mandatos eletivos por meio de uma decisão política e não jurídica. O instituto pode ser instrumentalizado de duas formas: (1º) recall político e (2º) abberufungsrecht.
As normas que disciplinam este instituto exigem um apoiamento mínimo bastante expressivo como pré-requisito para essa petição popular: em regra, 10% (dez porcento) do eleitorado envolvido.
Determinado número de cidadãos, em geral a décima parte do corpo de eleitores, formula, em petição assinada, acusações contra o deputado ou magistrado que decaiu da confiança popular, pedindo sua substituição no lugar que ocupa, ou intimando-o a que se demita do exercício de seu mandato.
Decorrido certo prazo, sem que haja a demissão requerida, faz-se votação, à qual, aliás, pode concorrer, ao lado de novos candidatos, a mesma pessoa objeto do procedimento popular. Aprovada a petição, o magistrado ou funcionário tem o seu mandato revogado. Rejeitada, considera-se eleito para novo período.
(BONAVIDES: 2016, p. 314)
Entretanto, se, mesmo diante dessa petição popular altamente representativa do eleitorado, o governante não se demite do cargo, a revogação do mandato é votada pela respectiva circunscrição eleitoral.[10]
Portanto, existem 1 (uma) ou 2 (duas) etapas em que ocorre a participação popular direta: (1ª) parcela do eleitorado reúne o apoiamento mínimo exigido pela norma para buscar a destituição do governante e, em caso de recalcitrância do governante, (2ª) todo a circunscrição eleitoral envolvida no recall pode votar, decidindo pela manutenção ou revogação do mandato. Os eleitores decidem se aprovam ou não o pleito de destituição feito por parte do eleitorado.
Tanto o apoiamento mínimo, quanto a votação de toda a circunscrição eleitoral envolvida trata-se de atos políticos – e não jurídicos – praticados pelos cidadãos. O voto popular sequer é fundamentado. Quanto à petição popular, as acusações contra o agente público podem ser de “má conduta (não necessariamente crimes ou ilícitos)” (GALINDO: 2016, p. 39). Portanto, não se exige prova de que o governante praticou atos como, por exemplo, crimes contra a Administração Pública, crimes de responsabilidade, atos de desonestidade ou corrupção. Pode-se até indicar uma dessas razões. Isso, porém, não é necessário, se a legislação assim o permitir.[11] Trata-se de um procedimento em que “o debate será eleitoral e não judicial; político e não necessariamente jurídico” (SANTANA: 2004, p. 51).[12]
O recall político é adequado para abreviar mandatos eletivos exercidos por pessoas que, por um lado, não praticaram atos ilícitos (ou ao menos existem sérias dúvidas se elas realmente praticaram os ilícitos dos quais são acusados); mas, por outro, para grande parte dos cidadãos, (I) traíram a confiança popular (por exemplo: mentiram para ganhar as eleições); (II) são maus gestores (instituem governos ineficientes, incompetentes, dentre outros) ou, (III) por qualquer outro motivo, não possuam mais o respaldo popular. Tudo isso, sem desnaturar o processo democrático, pois a escolha é feita pela maioria dos cidadãos.
O abberufungsrecht é um instrumento que possibilita a revogar, simultaneamente, os mandatos de todos os membros uma Casa Legislativa, isto é, de todos os Senadores, no caso do Senado Federal; de todos os Deputados Federais, no Caso da Câmara dos Deputados e assim por diante. Logo, trata-se de instrumento de revogação coletiva de mandatos.[13]
Quanto ao procedimento, uma vez “...requerida a dissolução, por determinada parcela do corpo eleitoral, a assembleia só terá findo seu mandato após votação da qual resulte patente pela participação de apreciável percentagem constitucional de eleitores que o corpo legislativo decaiu realmente da confiança popular” (BONAVIDES: 2016, p. 316).
O abberufungsrecht é conveniente quando o povo deseja abreviar legislaturas nas quais os Parlamentares – de forma majoritária – traíram a confiança popular: para serem eleitos prometeram buscar o bem da população; após tomarem posse, desprezam as causas populares e atuam apenas na defesa de proveito próprio ou de interesses ilegítimos do chefe do Poder Executivo, de grupos econômicos poderosos ou até mesmo de Estados imperialistas, dentre outros. Nesses casos, em regra, não existem provas de que essas atitudes desleais decorrem de atos ilícitos (como a venda do voto parlamentar em troca de dinheiro) ou de interesses nada republicanos (como o apoio parlamentar incondicional, inconsequente e, por vezes, irracional em troca da possibilidade de indicar apadrinhados para cargos públicos de livre nomeação).
4.4 – Pontos Comuns e Divergências entre Recall Político e Abberufungsrecht
O referendo revogatório de mandato talvez seja o mais impactante mecanismo de democracia participativa que se tem conhecimento, pois permite ao povo, na condição de titular da soberania estatal, abreviar mandatos políticos eletivos. Tanto o recall político e abberufungsrecht conferem ao cidadão o mesmo direito, qual seja: o de revogar mandatos em curso. Portanto, ambos ampliam, e muito, o raio de ação política dos eleitores.
A principal diferença entre essas vertentes refere-se à abrangência: (1) no recall político, a revogação abrange um mandato individual e específico, isto é, do mandato do governante submetido ao procedimento: determinado Deputado, por exemplo; (2) no abberufungsrecht, revogação estende-se a todos os membros da Casa Legislativa avaliada, de forma simultânea.
Além disso, se no Brasil houvesse referendo revogatório de mandato nas duas modalidades aqui tratada, seria importante atentar para uma especificidade: a circunscrição eleitoral dos Deputados e Senadores é o Estado da federação que o elegeu (Código Eleitoral, art. 86).
Em razão disso, existe outra diferença prática entre os institutos: (1) apenas os eleitores do Estado[14] que elegeu o Deputado Federal ou Senador poderiam votar em um eventual recall político; (2) se o caso fosse de abberufungsrecht, poderiam votar todos os eleitores brasileiros, pois se trata da possibilidade de revogação coletiva de todos os mandatos da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal[15].
4.5 – Mandato Político Representativo, Mandato Imperativo e Referendo Revogatório de Mandato.
O mandato político representativo é um elemento capital tanto da democracia direita, como da democracia semidireta, “...porque constitui uma situação jurídico-política com base na qual alguém, designado por via eleitoral, desempenha uma função política na democracia representativa” (SILVA: 2016, p. 140).
DALMO DE ABREU DALLARI esclarece que “...o mandato político é uma das mais importantes expressões da conjunção do político e do jurídico, o que também influi em suas características mais importantes”, quais sejam:
a) O mandatário, apesar de eleito por uma parte do povo, expressa a vontade de todo o povo, ou, pelo menos, de toda a circunscrição eleitoral onde foi candidato, podendo tomar decisões em nome de todos os cidadãos da circunscrição, ou mesmo de todo o povo do Estado se tiver sido eleitora para um órgão de governo do Estado.
b) Embora o mandato seja obtido mediante um certo número de votos, ele não está vinculado a determinados eleitores, não se podendo dizer qual o mandato conferido por certos cidadãos.
c) O mandatário, não obstante decidir em nome do povo, tem absoluta autonomia e independência, não havendo necessidade de ratificação das decisões, além do que as decisões obrigam mesmo os eleitores que se oponham a elas.[16]
d) O mandato é de caráter geral, conferindo poderes para a prática de todos os atos compreendidos na esfera de competência do cargo para o qual alguém foi eleito.
e) O mandatário é irresponsável, não sendo obrigado a explicar os motivos pelos quais optou por uma ou por outra orientação.
f) Em regra, o mandato é irrevogável, sendo conferido por prazo determinado. A exceção a esse princípio é o recall, que dá possibilidade à revogação do mandato por motivos exclusivamente políticos.
(DALLARI, 2016, p. 159).
JOSÉ AFONSO DA SILVA explica que no mandato político representativo se consubstanciam dois princípios:
(1º) Princípio da representação: este “...significa que o poder, que reside no povo, é exercido, em seu nome, por seus representantes periodicamente eleitos, pois uma das características do mandato é ser temporário”;
(2º) Princípio da autoridade legítima: este expressa “...que o mandato realiza a técnica constitucional por meio da qual o Estado, que carece de vontade real própria, adquire condições de manifestar-se e decidir”. Assim ocorre, “...porque é pelo mandato que se constituem os órgãos governamentais, dotando-os de titulares e, pois, de vontade humana, mediante os quais a vontade do Estado é formulada, expressa e realizada, ou por outras palavras, o poder se impõe” (SILVA: 2016, p. 140).
Por tudo o que foi explicado, fica claro que o mandato representativo não deve ser confundido com o mandato imperativo, o qual
...sujeita os atos do mandatário à vontade do mandante; que transforma o eleito em simples depositário da confiança do eleitor e que ‘juridicamente’ equivale a um acordo de vontades ou a um contrato entre o eleito e o eleitor e ‘politicamente’ ao reconhecimento da supremacia permanente do corpo eleitoral, é mais técnica das formas absolutas de poder, quer monárquico, quer democrático, do que em verdade instrumento autêntico do regime representativo.
(BONAVIDES: 2016, p. 282)
O mandato imperativo vigorou antes da Revolução Francesa, de acordo com o qual seu titular ficava vinculado a seus eleitores, cujas instruções teriam que seguir nas assembleias parlamentares; se aí surgisse fato novo, para o qual não dispusesse de instrução, ficaria obrigado a obtê-la dos eleitores, antes de agir; estes poderiam cassar-lhe a representação. Aí o princípio da revogabilidade do mandato imperativo.
(SILVA: 2016, p. 141).[17]
De fato, o mandato imperativo é uma técnica que não atribui ao governante eleito a autonomia e a independência para exercer seu dever. Tem-se assim, que um mandato sem autonomia funcional vicia o exercício do poder político e, por consequência, a própria democracia.
Portanto, a ideia de mandato imperativo é incompatível com a de mandato representativo. Neste, o representante político eleito possui independência funcional, isto é, exerce as atribuições do mandato com independência para tomar as escolhas políticas que entender ser as mais adequadas à situação concreta, não estando sujeito a qualquer obediência hierárquica quando do exercício das competências constitucionalmente atribuídas ao seu cargo eletivo. Razão pela qual, é dever implícito do governante eleito zelar pela autonomia e pelas prerrogativas constitucionais do cargo que ocupa.
O sistema representativo ainda é o mais eficiente para Estados com grande população e vasta extensão territorial, pois a expressiva quantidade de questões estatais a serem resolvidas torna inviável que todo o povo participe direta e constantemente de todas as soluções políticas.
Além da inviabilidade prática de efetivação – que talvez seja superada com a evolução dos processos de tecnologia da informação –, existe a impossibilidade quanto à disponibilidade de tempo das pessoas: a maioria das pessoas têm que estudar, trabalhar ou exercerem outras atividades – além das atividades políticas. Elas não podem ficar todo o período produtivo ocupadas com a solução de questões estatais.
Adicionalmente, “não se há de pretender eliminar a representação política para substituí-la por representação orgânica ou profissional antidemocrática, mas se deverá possibilitar a atuação das organizações populares de base na ação política” (SILVA: 2016, p. 138). Em outras palavras: a atuação política da população de forma indireta, por intermédio de seus representantes políticos, não pode ser substituída por uma elite intelectual ou burocrática. Isso seria a morte da democracia.
Assim, se por um lado, a ideia de mandato imperativo não é defensável; por outro, a representação política é uma realidade necessária, que não contraria a democracia e a ideia de que a maior participação popular, por intermédio de instrumentos da democracia direita, é uma circunstância necessária ao aprimoramento da democracia, pois proporciona concretude ao pensamento corrente de que os Poderes social, estatal, político e econômico pertencem, de fato, ao povo.
A democracia não teme, antes requer, a participação ampla do povo e de suas organizações de base no processo político e na ação governamental. Nela, as restrições a essa participação hão de limitar-se tão só às situações de possível influência antidemocrática, como as irreelegibilidades e inelegibilidades por exercício de funções, empregos ou cargos, ou de atividades econômicas, que possam impedir a liberdade do voto, a normalidade e a legitimidade das eleições (art. 14, §§ 5º a 9º). (...) Embora os tempos atuais não permitam, dada a complexidade da organização social, que se retorne ao mandato imperativo, é certo que há mecanismos capazes de dar à representação política certa concreção. Tais mecanismos são a atuação partidária livre, a possibilidade de participação permanente do povo no processo político e na ação governamental por meio dos institutos de democracia direta (...).
(SILVA: 2016, p. 138) (destacou-se)
Logo, a incidência do referendo revogatório sobre os mandatos representativos, como visto, torna esses mandatos revogáveis. Todavia, isso não torna os representantes eleitos hierarquicamente subordinados a quaisquer determinações ou instruções dos eleitores. Por isso, a existência de recall ou de abberufungsrecht não implica na adoção do instituto do mandato imperativo.
Em suma: o referendo revogatório do mandato possibilita de abreviar mandatos eletivos, mas os seus detentores, enquanto estiverem no exercício do cargo, podem e devem atuar com independência, isto é, não estão sujeitos a qualquer obediência hierárquica em relação aos seus eleitores.
4.6 – Instrumentos Democráticos Correlatos
O recall judicial[18] – instituto também não positivado no direito brasileiro – é um mecanismo de democracia participativa se assemelha ao referendo revogatório de mandato. Ambos tratam de uma decisão tomada mediante voto popular a respeito de uma questão estatal.
Todavia, o objeto da decisão popular é completamente diverso: enquanto no referendo revogatório se decide se um mandato deve ser revogado; no recall judicial, o voto da maioria dos eleitores pode anular decisões de juízes e tribunais – exceto as decisões da Suprema Corte – que negam a aplicação de uma lei, sob o fundamento de que a norma é inconstitucional. Anulada a decisão judicial, “...a lei seria considerada constitucional, devendo ser aplicada” (DALLARI, 2016, p. 154).
PAULO BONAVIDES também chama de recall judicial o procedimento de recall político voltado para a destituição de magistrados. Afirma o autor que os Estados do Oregon e da Califórnia disciplinam este tipo de recall.[19] Claro que nesta última acepção, recall político e judicial são, na verdade, sinônimos.
Ademais, no que diz respeito ao instituto do impedimento (impeachment), este pode levar a destituição de ocupantes de elevados cargos públicos. O que o aproxima do referendo revogatório.
Porém, enquanto o referendo revogatório incide sobre ocupantes de cargos eletivos; no Brasil, o impedimento, no âmbito da União, pode incidir sobre o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como sobre os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles; sobre os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade (art. 52, incs. I e II). Como pode ser observado, de todos esses cargos, apenas os de Presidente e Vice-Presidente da República são eletivos.
Outro fator de diferenciação entre esses mecanismos refere-se à fundamentação para sua incidência, uma vez que no referendo revogatório ela é ampla e, a depender da legislação local, até mesmo facultativa. Entretanto, o processo de impedimento disciplinado pela CRFB exige-se, para a condenação, a prova de crime de responsabilidade. Portanto, o impedimento possui um filtro jurídico mais rigoroso[20].
Por fim, a diferença capital é que o referendo revogatório é peticionado diretamente pelos cidadãos, os quais também tomam a decisão política de manter ou não o mandato representativo. O processo de impedimento é decidido pelo Senado Federal (CRFB, art. 52, incs. I e II e p. único), e, caso se tratar de processo é contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado, deve haver prévia autorização da Câmara dos Deputados para sua instauração (CRFB, art. 51, inc. I)
4.7 – O Referendo Revogatório de Mandatos no Direito Estrangeiro
O direito concedido aos cidadãos de revogar mandatos eletivos é consagrado em diversos ordenamentos jurídicos. O recall político “...é uma instituição norte-americana” (DALLARI: 2003, p. 154). Nos Estados Unidos da América, doze Estados-membros aplicam tal recurso “...que tem mais voga na esfera municipal do que na estadual. Cerca de mil municípios americanos o adotam.”, todavia, não está positivo no plano federal.[21] Logo, não pode ser utilizado, por exemplo, para a revogação do mandato do Presidente da República. [22]Ademais, nos Estados da Califórnia, Colorado e Oregon é possível a utilização do recall “...até mesmo em relação a juízes diretamente eleitos” (GALINDO: 2016, p. 39).
A Venezuela instituiu o direito revogatório. A Constituição desse país tornou revogáveis todos os mandatos de cargos eletivos, sendo que, “no caso de cargos executivos, a revogação se dá em plebiscito, que somente pode ser convocado por solicitação de no mínimo vinte por cento dos eleitores da circunscrição, após o transcurso de metade do mandato” (SANTANA: 2004, p. 130).
Observa BRUNO GALINDO que
...são os países presidencialistas do chamado “novo constitucionalismo latino-americano” que adotam o mecanismo para revogação antecipada de mandatos presidenciais sem que seja necessário o cometimento de crimes e outros ilícitos, como exigido no impeachment. Em uma acepção ampla fazem parte desse “novo constitucionalismo” as atuais constituições da Colômbia, Venezuela, Equador e Bolívia (BRANDÃO, 2015, p. 15ss.; UPRIMNY, 2011, p. 109). Todas elas preveem impeachment, mas, para além deste, também o referendo revogatório de mandato eletivo, o recall presidencial.
(GALINDO: 2016, p. 39) (destacou-se)
Além dos mencionados países, na América Latina, também adotam o direito de revogação os seguintes países: Argentina (em nível provincial e local); Panamá (em nível nacional – mas nunca utilizado) e Peru (para alcaides e regidores)[23].
Outros países também apresentam precedentes históricos. Na Alemanha, o art. 71 da Constituição de Weimar instituía o recall, dispondo a respeito da “...destituição do Presidente do Reich, a pedido do Reichstag, através de votação popular”. Na extinta União Soviética, o art. 142 da Constituição previa o direito de revogação. De acordo, institui-se “...uma espécie de mandato imperativo dos chamados representantes das classes trabalhadoras”, de forma que “os deputados ficavam obrigados a prestar conta aos eleitores de seu trabalho, e podiam ter o mandato revogado a qualquer momento” (BONAVIDES: 2001, p. 292).
Quanto ao Abberufungsrecht, trata-se de um instituto suíço, local onde é adotado nas instituições de “sete cantões (...) e um semicantão” (BONAVIDES: 2016, p. 316).
4.8 – Histórico do Instituto no Direito Pátrio; Situação Atual e Perspectivas de Mudanças
O Brasil tem um longo histórico no que diz respeito ao direito de revogação de mandatos.
O recall foi, pela primeira vez, utilizado no Brasil, em 1822, pelo Decreto de 16 de fevereiro daquele ano, que criou o Conselho de Procuradores Gerais das Províncias do Brasil. Em discurso, falando pela Província de São Paulo, José Bonifácio, tido como idealizador do Conselho, pedira ao Príncipe Pedro que convocasse ‘uma junta comum de Procuradores Gerais ou representantes, legalmente nomeados pelos eleitores de paróquia, para que nesta corte e perante Vossa Alteza Real o aconselhem e advoguem a causa das suas respectivas províncias; podendo ser revogados seus poderes e nomeados outros, se se não comportarem conforme as vistas e desejos das mesmas províncias’.
E o Decreto de 16 de fevereiro de 1822 previu a substituição dos procuradores, caso não desempenhassem ‘devidamente suas obrigações’, por dois terços da Câmara, em ‘vereação geral e extraordinária’.
Mas o tempo curto de duração do Conselho – sua primeira sessão foi em 2 de junho de 1822 e a última, de que há documentação, em 7 de abril de 1823 – não permitiu de operasse o mecanismo de substituição.
(COSTA PORTO. Dicionário do Voto. Apud SANTANA: 2004, p. 88 – nota de rodapé)
Deve-se observar que, enquanto o motivo se aproximava do referendo revogatório, por ser aberto – comportar-se em desacordo com “as vistas e desejos” da província e não desempenhar devidamente as obrigações –; o procedimento era similar de impedimento, em razão da exigência de “dois terços da Câmara, em ‘vereação geral e extraordinária’”, inexistindo, portanto, a atuação popular direta em seu processamento.
Além disso, “no período Republicano, mais especificamente na República Velha, o direito de revogação constou das constituições dos Estados do Rio Grande do Sul, Goiás, Santa Catarina e São Paulo” (SANTANA: 2004, p. 89).
Na Assembleia Constituinte de 1987, o então Deputado Lysâneas Maciel tentou introduzir a possibilidade de os eleitores revogarem, por voto destituinte, os mandatos de representantes eleitos para cargos legislativos e o Deputado Domingos Leonellio buscou proporcionar aos eleitores o poder de destituírem do cargo quem decaísse da confiança coletiva no exercício do mandato[24]. Todavia, as iniciativas não prosperaram.
Atualmente, não existe no Brasil o referendo revogatório de mandato. Entretanto, a situação pode ser alterada a qualquer momento, pois, ao menos no Senado Federal o tema vem sendo abordado há muitos anos.
A PEC nº 80/2003[25], de autoria do Senador Antônio Carlos Valadares e outros, buscou inserir no art. 14 da CRFB “o direito de revogação, de membros dos poderes Executivo e Legislativo, individual e coletivo”, bem como o veto popular. A proposta não regulamentava os institutos, delegando a tarefa ao legislador ordinário.
A PEC nº 82/2003[26], de autoria do falecido Senador Jefferson Péres e outros, tentou introduzir o referendo revogatório para os cargos majoritários – Prefeitos, Governadores e respectivos Vices, Senadores e Presidente da República e Vice-Presidente. Na Proposta, o instituto é denominando plebiscito de confirmação e é regulamentando ricamente.
De acordo com a referida PEC, no âmbito municipal, esse plebiscito ocorreria de forma concomitante com as eleições estaduais, desde que 10% (dez por cento) do eleitorado daquele município subscrevesse uma petição de revogação de mandato. Ademais, junto com o plebiscito, haveria candidaturas para o mandato a ser ou não confirmado, ou seja, na prática, haveria uma eleição em que o Prefeito avaliado seria candidato. Se ele obtivesse mais votos, permaneceria no cargo; caso contrário, o posto seria assumido pelo candidato mais votado, para um mandato tampão de 2 (dois) anos. Nos municípios com mais de duzentos mil eleitores, a maioria absoluta dos eleitores teriam que se posicionar pela revogação do mandato.
O plebiscito referente ao Presidente da República exigiria petição assinada por 10% (dez por cento) do eleitorado nacional. O Presidente somente perderia o cargo se a maioria absoluta do eleitorado votasse nesse sentido, situação em que o mandato do Vice-Presidente também estaria automaticamente revogado. Simultaneamente ao plebiscito, ocorria uma nova eleição, na qual o Presidente avaliado seria um dos candidatos. Ainda que a maioria absoluta decidisse pelo afastamento dele, a eleição que ocorreria junto com o plebiscito seria apenas o primeiro turno da eleição presidencial. Ademais, o novo Presidente teria apenas um mandato de 2 (dois) anos, isto é, seria um mandato tampão. O plebiscito para Governadores e Vice-Governadores estaria sujeito as mesmas regras do plebiscito presidencial.
No caso dos Senadores, o plebiscito seguiria o mesmo procedimento acima mencionado e ocorreria juntamente com as eleições estaduais subsequentes à da eleição do Senador avaliado, de forma que o Senador que tivesse seu mandato revogado o exerceria por 4 (quatro) – e não mais pors 8 (oito) anos.
Além dessas propostas, por intermédio da PEC nº 73/2005[27], o Senador Eduardo Suplicy e outros buscaram implementar o referendo revogatório em relação aos mandatos do Presidente da República e dos Congressistas, seja de forma individual (recall), seja por intermédio da dissolução total da Câmara dos Deputados (abberufungsrecht), após o transcorrido pelo menos 01 (um) ano do início do mandato. Em relação aos mandatos individuais de Senadores, a decisão seria tomada pelos eleitores do respectivo Estado. Os requerimentos exigiriam assinatura de 2% (dois porcento) do eleitorado nacional ou, conforme o caso, do eleitorado do respectivo Estado. No caso do mandato do Presidente da República, além da inciativa popular, a convocação também poderia ocorrer mediante requerimento da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional. Em todas as hipóteses a petição popular ou o requerimento do Congresso seria dirigido ao Tribunal Superior Eleitoral.
Ademais, a proposta prevê a determinação de os Estados, o Distrito Federal e os Municípios introduzirem o instituto em suas Constituições ou Leis Orgânicas.
Como se verá adiante, as PECs 82/2003 e 73/2005 possuem muitas virtudes. Todavia, em relação à última, cabe uma crítica: não é adequada a ideia de se permitir ao Congresso Nacional, por autoridade própria, convocar referendo revogatório de mandato em face do Chefe do Poder Executivo Federal. Como visto, o instituto não exige fundamentação jurídica. Razão pela qual, a referida possibilidade abriria espaço para distorção do instituto, porque possibilitaria que ele seja utilizado como instrumento de pressão política indevida de Parlamentares contra o Presidente da República. A crítica que se estende a qualquer tentativa de possibilitar que Poderes ou órgãos públicos possam dar início ao processo em questão.
Essas 3 (três) PECs encontram-se arquivadas. Todavia, a PEC nº 21/2015, também de autoria do Senador Antonio Carlos Valadares e outros, teve parecer favorável na Comissão de Constituição e Justiça Senado Federal (CCJ/SF) em 21/06/2017, com as alterações trazidas pela a Emenda nº 2-CCJ (Substitutivo)[28], promovidas em razão do Parecer nº 64/2017, de autoria do Senador Antonio Anastasia. Esta última PEC, atualmente, se encontra pronta para deliberação do Plenário da referida Casa Legilativa.[29]
A PEC nº 21/2015, em sua redação original, é semelhante a PEC nº 80/2003, ambas de autoria do Senador Antonio Carlos Valadares e outros. As duas propõem “direito de revogação de mandato de membros dos poderes Executivo e Legislativo” e “veto popular”. As mudanças que se observam são: (I) a PEC nº 21/2015 afirma expressamente que a revogação dos mandatos de Presidente da República e Membros do Congresso Nacional somente poderia ocorrer após “transcorrido dois anos da data da posse nos referidos cargos”; na PEC n. 80/2003 isso poderia ocorrer após “transcorrido um ano”; (II) a PEC nº 21/2015 não se refere à revogação coletiva de mandatos (abberufungsrecht); na PEC nº 80/2003, havia referência expressa sobre o instrumento.
O ponto positivo dessa PEC nº 21/2015, foi o fato de ela ter buscado criar mais 2 (dois) institutos de democracia direta no Brasil: o “direito de revogação de mandato de membros dos poderes Executivo e Legislativo” e o “veto popular”. Todavia, exceto pelo fato de ela prever um prazo mínimo para a utilização do referendo, não foram trazidas diretrizes para introdução desses institutos tão impactantes no sistema jurídico.
A Emenda nº 2-CCJ (Substitutivo) à PEC nº 21/2015 pouco acrescentará para o nosso sistema democrático, porque:
(1) a ausência de qualquer previsão de abberufungsrecht[30] empobrece o instituto do referendo revogatório ao não conceder à sociedade a possibilidade de revogar todos os mandatos de uma Casa Legislativa, mesmo quando essa seja a alternativa adequada para caso concreto – justo no momento em que o Congresso Nacional sofre forte pressão popular e até mesmo institucional para fazer uma verdadeira reforma política;
(2) o fato de o Presidente da República ter mais atribuições e poderes do que os demais mandatários não justifica torná-lo o único representante popular passível de recall, conforme prevê a Emenda à PEC. O mesmo raciocínio se amolda ao caso de o referendo puder ser expandido tão somente para os Governadores, se assim o dispuser as respectivas Constituições Estaduais ou Lei Orgânica do Distrito Federal, como cogita o Parecer (CCJ/SF) nº 64/2017;
(3) a Emenda nº 2 dispõe que o apoiamento popular mínimo para desencadear o processo é de “...um décimo [dos eleitores] que compareceram à última eleição presidencial, distribuídos por pelo menos quatorze Estados, cada um deles com não menos de cinco por cento dos eleitores que votaram no referido pleito”. Quantitativo inviável para a realidade brasileira. A iniciativa popular de lei, que exige bem menos, poucas vezes é exercida. Sabe-se que o quantitativo, por um lado, deve ser grande o suficiente para que não se banalize o instituto; por outro, deve ser sensível à dificuldade de se conseguir apoiamento popular no Brasil, país que, infelizmente, ainda não está habituado com o exercício dos mecanismos de democracia participativa;
(4) a referida proposta legislativa também submete a petição popular à apreciação das 2 (duas) Casas do Congresso Nacional, que deverá aprovar o pleito pelo “... voto favorável da maioria absoluta dos membros de cada uma das Casas”. Assim, de acordo com essa sistemática, o Congresso decidiria se o referendo se justifica ou não. Tal intuito, caso existente, não é aceitável, porque: (4.1) a petição popular, pelo simples fato de ter um apoiamento extremamente expressivo, deve possuir autoridade própria para desencadear a realização do referendo revogatório de mandato; (4.2) o controle deveria ser apenas de ordem formal, isto é, para verificar: (i) se o pedido contém o apoiamento mínimo necessário e (ii) se a sua apresentação foi na data limite anterior às eleições em que se pretende realizar o referendo – data essa que deve ser imposta por lei; (4.3) esse o controle formal deveria ser realizado pela Justiça Eleitoral, por não ser um órgão político e por estar melhor aparelhada para execução das tarefas necessárias, pois administra o Cadastro Nacional de Eleitores e verifica uma infinidade de assinaturas para aferir se partidos políticos em formação possuem o apoiamento mínimo, exigido por lei, à sua criação.[31] Ademais, em declaração recente, o atual Presidente da Câmara dos Deputados afirmou que a Casa não tem estrutura para verificar se as assinaturas de uma iniciativa popular de lei – que contém mais de 2 (dois) milhões de apoiamentos – são ou não verdadeiras[32]. Portanto, da forma como está previsto na PEC, o referendo revogatório, provavelmente, não será viabilizado;
(5) ao prever que “é vedada proposta de revogação durante o primeiro e o último ano do mandato”, perdeu-se a oportunidade de incorporar a feliz ideia da PEC nº 82/2003: realizar o referendo, concomitantemente, com as eleições que ocorrem 2 (dois) anos após a eleição do mandatário avaliado. No caso dos Senadores, que possuem mandatos de 8 (oito) anos, seria concomitantemente com as eleições que ocorrem 4 (quatro) anos após essa eleição. Caso o mandato viesse a ser revogado, o mandatário exerceria o mandato até a metade, para dar lugar ao governante eleito para o cargo na mesma votação popular que determinou a troca (PEC nº 82/2003).
Essas propostas da PEC nº 82/2003, no aspecto temporal, portanto, os referendos revogatórios e as eleições para os cargos a serem possivelmente desocupados ocorrem perto do meio dos mandatos: um marco temporal bastante razoável para se evitar julgamentos políticos precipitados do mandatário avaliado.
Além disso, como os referendos revogatórios e as novas eleições ocorrerá na mesma data em que já ocorrem eleições obrigatórias, o que propiciaria significativa redução dos custos operacionais do chamamento popular e das novas eleições. O que contribuirá para que o instituto tenha aplicabilidade prática.[33]
Ademais, apesar de não dizer respeito ao tema desse artigo, registra-se que a Emenda excluiu o veto popular anteriormente previsto no texto original da PEC, o que é lamentável, por se tratar de outro instituto relevante, que muito poderia acrescentar à democracia participativa no Brasil.
O Parecer nº 64/2017, de autoria do Senador Antonio Anastasia, estabeleceu a concepção ideológica da Emenda nº 2-CCJ (Substitutivo) à PEC nº 21/2015, merecendo, portanto, todas as críticas apresentadas acima.
Dentre os apontamentos, abordar-se-á o seguinte item de forma particularizada: ele defende, de forma expressa, que o referendo revogatório não deve incidir sobre uma grande amplitude de cargos, sob pena de o instituto ser fator de instabilidade política e jurídica.
Para tanto, o referido Senador afirma: (1) que a PEC nº 21/2015 acertou “...em trazer a possibilidade de recall apenas para alguns tipos de mandato.[34]Se não, poderíamos criar um verdadeiro caos institucional, com revogações de mandatos ocorrendo sem controle em todos os níveis federativos”; (2) que as diversas PECs que tentaram criar o recall e tramitam no Senado Federal não prosperaram porque trataram o tema de maneira “...excessivamente ampla, instituindo-o em todas as esferas federativas e para todos os mandatos, o que poderia gerar grande instabilidade política e jurídica”; (3) que “...ainda que não se possa negar a relevância, no âmbito da União, dos membros do Congresso Nacional na condução política do País”, na ordem constitucional do Brasil os Poderes se concentram no Presidente da República, o que “..Carlos Santiago Nino definiu como ‘hiper-presidencialismo’ (NINO, Carlos Santiago. Fundamentos de derecho constitucional: análisis filosófico, jurídico y politológico de la práctica constitucional. Buenos Aires: Astrea, 1992)”; (4) por isso, em um contexto em que o Presidente da República é Chefe de Governo e de Estado e tem “...maiores responsabilidades e poderes que qualquer outro governante ou membro eleito”, o mandato dele – e somente o dele – “...possa ser retirado, por vontade do Legislativo, desde que aprovado pela maioria da população” (ANASTASIA: 2017, p. 3/5).
O Parecer também afirma que a alteração proposta “...representa uma solução de equilíbrio entre a concretização do princípio da soberania popular e a responsabilidade, evitando-se o risco de a revogação ser utilizada como mero instrumento de instabilidade política”. Porém, pondera o Senador que não visualiza qualquer impedimento “...para que, a partir da aprovação da PEC, nos termos propostos pelo substitutivo, possam vir também os Estados e o Distrito Federal a adotarem, em suas respectivas Constituições e Lei Orgânica, o instituto da revogação de mandato para os Governadores” (ANASTASIA: 2017, p. 4/5).
Entende-se aqui que a tese defendida no parecer é equivocada. A posição que se adota é a de que o referendo revogatório de mandato, na verdade, é instrumento de fortalecimento da democracia participativa, bem como permite solucionar graves crises institucionais.
Não tem como o instituto ser instrumento de instabilidade porque (I) o quórum para sua utilização é muito elevado e (II) a população não votaria pela destituição de um bom mandatário em um país como o Brasil, que é marcado por políticos corruptos e incompetentes.
O máximo que pode ocorrer são breves momentos de incertezas políticas e econômicas momentâneas durante o processo de referendo, porque ele proporciona uma dúvida: ocorrerá ou não a transição de mandatários? Porém, trata-se de incertezas similares às existentes durante as eleições regulares. Não se trata de uma instabilidade do sistema político e/ou jurídico, pois essas situações fazem parte do próprio processo democrático.
De qualquer forma, tais incertezas podem ser atenuadas com medidas simples, como: (I) caso o mandato venha a ser revogado, o mandatário avaliado exercerá o mandato apenas até a metade e candidato eleito na eleição extemporânea assumirá o cargo no dia imediatamente seguinte (proposta da PEC nº 82/2003); (II) o novo exercente do cargo terá apenas uma mandato tampão, isto é, só terminaria o mandato do mandatário retirado antes do término de sua gestão (proposta da PEC nº 82/2003); (III) o novo mandatário, em se tratando de cargo de chefia do Poder Executivo, não poder tentar a reeleição.
Quanto à primeira regra, o cargo não ficará vago 1 (um) dia sequer, o que atenua incertezas políticas e econômicas existentes durante o processo de referendo revogatório; quanto às duas últimas regras, o fato de o mandato tampão ser relativamente curto, e, no caso do Poder Executivo, o novo mandatário não ter possibilidade de buscar a reeleição, ficam enfraquecidos os ânimos daqueles que queiram a realização do referendo revogatório para torná-lo um meio ascender ao exercício de um cargo eletivo tendo como plataforma política apenas o desgaste, junto ao eleitorado, do candidato legitimamente eleito em eleições regulares. Portanto, elas também evita a utilização do instituto como forma de instabilizar uma gestão pública.
A mera positivação do referendo, por si só, pode criar um efeito muito positivo: o fato de os mandatários saberem que os mandatos deixaram de ser irrevogáveis e que o próprio povo passou a ter poder para por termo a mandatos frágeis e debilitados, representa um enorme poder político popular de pressão. Uma pressão positiva, que induz os políticos eleitos a serem mais eficientes e comprometidos com os anseios populares. [35]
Em razão de todo o exposto, entende-se que é recomendável a introdução do instituto no sistema de democracia participativa do Brasil e que sua abrangência deverá incidir a todos os mandatos políticos eletivos dos entes federados, em relação aos Poderes Executivo e Legislativo. Quanto a este último Poder, deve incidir tanto na forma de recall político, quanto na de abberufungsrecht, porque estes 2 (dois) instrumentos têm raio de atuação diverso e cada um deles é ideal para tipos diferentes de crises políticas e institucionais.
Se for regulamentado de forma adequada, ele será fator de fortalecimento da democracia. Quanto mais forte a democracia, menos vulnerável a crises é o sistema político e jurídico, bem como das instituições públicas. O que o torna fator de enfraquecimento de discursos populistas, extremistas ou antidemocráticos.
6 – SUGESTÕES PARA A REGULAMENTAÇÃO DO REFERENDO REVOGATÓRIOS DE MANTADO NO DIREITO BRASILEIRO
As sugestões que se fazem adiante são no sentido de contribuir para que o referendo revogatório de mandato seja não apenas criado no direito brasileiro, mas especialmente para que isso ocorra de forma adequada, de modo a fazer com que o instituto atinja seu propósito de contribuir para o aperfeiçoamento da democracia participativa, mediante o empoderamento dos eleitores – verdadeiros donos dos mandatos políticos representativos –, que passam a ter legitimidade direta e pessoal para abreviar a gestão de políticos desonestos, incompetentes ou ineficientes.
(1) Faz-se necessário, para o fortalecimento da democracia participativa, possibilitar a revogação de quaisquer mandatos eletivos dos Poderes Executivos e Legislativos por intermédio do instituto do referendo revogatório de mandato;
(2) Quanto ao Poder Legislativo, deve ser possível tanto a revogação de mandatos de forma individual (recall); quanto de forma coletiva, no caso, de toda uma Casa Legislativa simultaneamente (abberufungsrecht);
(3) No abberufungsrecht em nível federal, a votação tem que ser em relação a uma Casa Legislativa especificamente – Câmara dos Deputados ou Senado Federal –, de forma que se a população quiser votar a respeito das 2 (duas) Casas, deverá haver 2 (dois) abberufungsrecht, ainda que simultâneos;
(4) Conforme sugerido pela PEC nº 73/2005, o apoiamento mínimo teria que ser de 2% (dois porcento) do eleitorado nacional ou, conforme o caso, do eleitorado do respectivo Estado ou do Distrito Federal.
(5) Em relação aos Municípios, seguindo a simetria de ser o dobro do apoiamento exigido para iniciativa popular de lei, o quórum deve ser de 10% (dez por cento) do eleitorado da municipalidade (analogia com inc. VII do art. 29 da CRFB);
(6) A petição de convocação do referendo revogatório deve ser de iniciativa popular, jamais do Poder Público;
(7) A proposta deve ser dirigida à Justiça Eleitoral conforme a seguinte regra de competência: (I) Tribunal Superior Eleitoral, no caso de recall em relação ao cargo de Presidente da República e de abberufungsrecht em relação à Câmara dos Deputados ou ao Senado Federal; (II) Tribunal Regional Eleitoral (TRE) respectivo, no caso de recall para Governadores, Deputados Estaduais e Deputados Distritais, bem como de abberufungsrecht em relação às Assembleias Legislativas estaduais ou Câmara Legislativa do Distrito Federal e (III) o Juízo Eleitoral respectivo, no caso de recall para Prefeitos e Vereadores ou abberufungsrecht em relação às Câmaras Municipais. Essa forma é a que mais se adequa ao sistema de repartição de competências para realização das eleições de acordo com a circunscrição eleitoral: Código Eleitoral, art. 86.
Observa-se que as PEC nº 73/2005 e PEC nº 82/2003 afirmam que a petição deverá ser encaminhada à Justiça Eleitoral, sendo que a última afirma que, quando se tratar de cargo de Presidente da República, Deputados Federais e Senadores, a competência seria do TSE;
(8) O órgão competente da Justiça Eleitoral avaliará somente os seguintes requisitos formais: (I) se o pedido contém o quantitativo de apoiamento mínimo necessário e (II) se apresentação foi no prazo a ser legalmente estipulado;
(9) Quando a petição popular atingir o apoiamento mínimo, com a antecedência das eleições a ser exigida por lei, o referendo revogatório requerido deve ocorrer compulsoriamente – jamais devendo estar sujeito à aprovação de qualquer órgão público no que diz respeito ao seu mérito político;
(10) o referendo revogatório ocorrerá concomitantemente com as eleições seguintes, que ocorrem 2 (dois) anos após a eleição regular do mandatário avaliado. Exceção seria o caso dos Senadores, que possuem mandatos de 8 (oito) anos, razão pela qual, em relação a eles, o referendo ocorrerá concomitantemente com as eleições que ocorrem 4 (quatro) anos após essa eleição regular (proposta da PEC nº 82/2003);
(11) a eleição para o cargo submetido ao referendo será realizada concomitantemente com esse referendo, sendo o mandatário avaliado um dos candidatos (proposta da PEC nº 82/2003);
(12) caso o mandato venha a ser revogado, o mandatário avaliado exercerá o mandato apenas até a metade e candidato eleito na eleição extemporânea assumirá o cargo no dia imediatamente seguinte (proposta da PEC nº 82/2003).
Com essa regra, o cargo não ficará vago 1 (um) dia sequer, o que atenua incertezas políticas e econômicas existentes durante o processo de referendo revogatório, que são similares às existentes durante as eleições regulares;
(13) O novo exercente do cargo terá apenas uma mandato tampão, isto é, só terminaria o mandato do mandatário retirado antes do término de sua gestão (proposta da PEC nº 82/2003);
(14) O novo mandatário, em se tratando cargo de chefia do Poder Executivo, não poder tentar a reeleição.
Quanto às duas últimas regras, o fato de o mandato tampão ser relativamente curto, e, no caso do Poder Executivo, o novo mandatário não ter possibilidade de buscar a reeleição, ficam enfraquecidos os ânimos daqueles que queiram a realização do referendo revogatório para torná-lo um meio ascender ao exercício de um cargo eletivo tendo como plataforma política apenas o desgaste, junto ao eleitorado, do candidato legitimamente eleito em eleições regulares. Portanto, elas também evita a utilização do referendo revogatório como forma de instabilizar uma gestão pública.
O referendo revogatório de mandato é um instrumento da democracia participativa dentro da democracia semidireta, pelo qual o eleitorado pode revogar o mandato de representante político ou de todos os membros de uma Casa Legislativa, simultaneamente, dissolvendo-se o Parlamento. Sob a perspectiva popular, trata-se de conceder ao povo um direito de revogação dos mandatos eletivos por meio de uma decisão política e não jurídica. O instituto pode ser instrumentalizado de duas formas: (1º) recall político e (2º) abberufungsrecht.
A principal diferença entre essas vertentes refere-se à abrangência: (1) no recall político, a revogação abrange um mandato individual e específico, isto é, do mandato do governante submetido ao procedimento: determinado Deputado, por exemplo; (2) no abberufungsrecht, revogação estende-se a todos os membros da Casa Legislativa avaliada, de forma simultânea.
O referendo revogatório é um instrumento de empoderamento dos eleitores, que passa a ter legitimidade direta e pessoal para abreviar a gestão de políticos desonestos, incompetentes ou ineficientes ou que, por qualquer outro motivo, não possuam mais respaldo popular para governarem.
A mera positivação do referendo, por si só, pode criar um efeito muito positivo: o fato de os mandatários saberem que os mandatos deixaram de ser irrevogáveis e que o próprio povo passou a ter poder para por termo a mandatos frágeis e debilitados, representa um enorme poder político popular de pressão. Uma pressão positiva, que induz os políticos eleitos a serem mais eficientes e comprometidos com os anseios populares.
Não existe no sistema constitucional brasileiro qualquer instrumento que seja capaz de desempenhar a mesma função. O processo de impedimento (impeachment), por exemplo, não é decidido diretamente pelo povo – como ocorre no referendo revogatório – e exige, para a condenação, a prova de crime de responsabilidade. Portanto, o impedimento possui um filtro jurídico mais rigoroso, já que fundamentação para incidência do referendo é ampla e, a depender da legislação local, até mesmo facultativa.
Introdução do instituto no sistema de democracia participativa do Brasil e que sua abrangência deverá incidir a todos os mandatos políticos eletivos dos entes federados, em relação aos Poderes Executivo e Legislativo. Quanto a este último Poder, deve incidir tanto na forma de recall político, quanto na de abberufungsrecht, porque estes 2 (dois) instrumentos têm raio de atuação diverso e cada um deles é ideal para tipos diferentes de crises políticas e institucionais.
A PEC nº 21/2015, na redação que lhe deu a Emenda nº 2-CCJ (Substitutivo), pouco acrescentará para o nosso sistema democrático, porque: (1) a ausência de qualquer previsão de abberufungsrecht empobrece o instituto ao não conceder à sociedade a possibilidade de revogar todos os mandatos de uma Casa Legislativa, mesmo quando essa seja a alternativa adequada para caso concreto; (2) o fato de o Presidente da República ter mais atribuições e poderes do que os demais mandatários não justifica torná-lo o único representante popular passível de recall, conforme prevê a Emenda à PEC. O mesmo raciocínio se amolda ao caso de o referendo puder ser expandido tão somente para os Governadores, se assim o dispuser as respectivas Constituições Estaduais ou Lei Orgânica do Distrito Federal, como cogita o Parecer (CCJ/SF) nº 64/2017; (3) o quantitativo de apoiamento popular exigido para desencadear o processo é inviável para a realidade brasileira; (4) a referida proposta legislativa também submete a petição popular à apreciação das 2 (duas) Casas do Congresso Nacional, o que não é aceitável, porque: (4.1) a petição popular, pelo simples fato de ter um apoiamento bastante expressivo, deve possuir autoridade própria para desencadear a realização do referendo revogatório de mandato; (4.2) o controle deveria ser apenas de ordem formal, isto é, para verificar se o pedido contém o apoiamento mínimo necessário e se a apresentação foi dentro do prazo a ser previsto em lei; (4.3) esse o controle formal deveria ser realizado pela Justiça Eleitoral, por não ser um órgão político e por estar melhor aparelhada para execução das tarefas necessárias; (5) perdeu-se a oportunidade de incorporar a ideia da PEC nº 82/2003: realizar o referendo, concomitantemente, com as eleições que ocorrem 2 (dois) anos após a eleição do mandatário avaliado. No caso dos Senadores, que possuem mandatos de 8 (oito) anos, seria concomitantemente com as eleições que ocorrem 4 (quatro) anos após essa eleição.
ANASTASIA, Antonio. Parecer (CCJ/SF) nº 64/2017. Senado Federal: Brasília, 21/06/2016. Fonte: http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias. Acesso em: 26/06/2017.
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[1] DALMO DE ABREU DALLARI, afirma que “consolidou-se a ideia de Estado Democrático como o ideal supremo, chegando-se a um ponto em que nenhum sistema e nenhum governante, mesmo quando patentemente totalitários, admitem que não sejam democráticos” (DALLARI: 2016, p. 149).
Essa afirmação ocorreu após o autor afirmar que as Revoluções Inglesa, Americana e Francesa foram os “três grandes movimentos político-sociais” que transpuseram, do plano teórico para o prático, “...os princípios que iriam conduzir ao Estado Democrático”; analisa detidamente tais revoluções e concluir que “foram esses movimentos e essas ideias, expressões dos ideais preponderantes na Europa do século XVIII, que determinaram as diretrizes na organização do Estado a partir de então” (DALLARI: 2016, p. 149).
[2] Inspirado especialmente em conceitos e/ou explicações de ABRAHAM LINCOLN (LINCOLN: 1863); NORBERTO BOBBIO (BOBBIO: 2010, p. 326/329); JOSÉ AFONSO DA SILVA (SILVA: 2016, p. 128 e 135); SAHID MALUF (MALUF: 2013, p. 313/315) e Luiz Vergilio Dalla-Rosa (DALLA-ROSA: 1999, p. 107/119) e CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (MELLO: 1998, p. 57/62).
[3] O autor deste trabalho possui um artigo intitulado “DEMOCRACIA PARTICIPATIVA”, no qual aborda, com maior riqueza de detalhes, os temas desse tópico, além de outros ligados a essa face tão importante da democracia.
[4] A forma pela qual o povo participa do poder dá origem a três tipos de democracia (...)
Democracia direta é aquela em que o povo exerce, por si, os poderes governamentais, fazendo leis, administrando e julgando; constitui reminiscência histórica.
Democracia indireta, chamada de democracia representativa, é aquela na qual o povo, fonte primária do poder, não podendo dirigir os negócios do Estado diretamente, em face da extensão territorial, da densidade demográfica e da complexidade dos problemas sociais, outorga as funções de governo aos seus representantes, que elege periodicamente.
Democracia semidireta é, na verdade, democracia representativa com alguns institutos de participação direta do povo nas funções de governo, institutos que, entre outros, integram a democracia participativa.”
(SILVA: 2016, p. 138)
[5] O Distrito Federal possui todas as prerrogativas, competências e atribuições dos Estados e dos Municípios, exceto aquelas que lhe foram expressamente retiradas pela Constituição (CRFB, arts. 21, inc. XIII e XIV, e 22, inc. XVII, 23, 24, 32, § 1º, 147, dentre outros).
[6]Todavia, o próprio autor ressalva que "a participação de trabalhadores e empregadores na administração, (...), na verdade, vai caracterizar-se como uma forma de participação por representação, já que certamente vai ser eleito algum trabalhador ou empregador para representar as respectivas categorias, e, se assim é, não se dá a participação direta, mas por via representativa". (SILVA: 2016, p. 148).
[7] BONAVIDES: 2016, p. 316.
[8] CALGARO, G1: 20/02/2017. Atualizado em: 15/03/2017.
[9] Lei nº 9.096/1995 (Lei dos Partidos Políticos):
“Art. 7º O partido político, após adquirir personalidade jurídica na forma da lei civil, registra seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral.
“§ 1o Só é admitido o registro do estatuto de partido político que tenha caráter nacional, considerando-se como tal aquele que comprove, no período de dois anos, o apoiamento de eleitores não filiados a partido político, correspondente a, pelo menos, 0,5% (cinco décimos por cento) dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não computados os votos em branco e os nulos, distribuídos por um terço, ou mais, dos Estados, com um mínimo de 0,1% (um décimo por cento) do eleitorado que haja votado em cada um deles.”
Apesar de a competência para decisão ser do TSE, existem atribuições que são da responsabilidade dos Tribunais Regionais Eleitorais e dos Juízos Eleitorais de 1º grau neste processo, conforme pode ser observado na Resolução TSE nº 23.465/2015. Aliás, quem recebe as fichas de apoiamento e confere as assinaturas são os Cartórios Eleitorais (art. 14 da referida resolução). Dessa forma, esse serviço é inicialmente administrativo. Porém, Se houver impugnações às listas ou formulários de apoiamento apresentados, cabe ao Juízo Eleitoral de 1º grau decidir a questão (art. 15).
[10] Código Eleitoral: “Art. 86. Nas eleições presidenciais, a circunscrição serão País; nas eleições federais e estaduais, o Estado; e nas municipais, o respectivo município.”
[11] “Para a revogação, podem-se apresentar os mais diversos motivos, dentre os quais pode estar a ilegitimidade do mandato, ou outros motivos (ineficiência, prática de um crime de responsabilidade, desonestidade, corrupção, etc).
“Ou, ainda, pode-se não apresentar nenhum motivo: apenas a manifestação popular (nas urnas) da vontade de pôr fim ao mandato do representante. É como o administrador público demitir um funcionário ocupante de cargo em comissão: apenas demite, não é necessário fornecer motivos.”
(SANTANA: 2004, p. 51)
[12] Posição semelhante é a de BRUNO GALINDO, que, após abordar Abberufungsrecht na Suíça e o Recall nos Estados Unidos da América (EUA) e em diversos países da América Latina, afirma que
“...nenhuma dessas previsões revogatórias de mandato se confunde com o impeachment, pois, se nesse normalmente se exige o cometimento de delitos para ser acionado, nas diversas formas de recall referidas, isso é desnecessário, sendo essencialmente um mecanismo revogatório de mandato eletivo antes de seu término, em princípio por razões de natureza estritamente política”.
(GALINDO: 2016, p. 43) (destacou-se)
[13] Na Suíça, esse instituto “...só admite a destituição de todo o colegiado, sendo uma revogação antecipada coletiva” (GALINDO: 2016, p. 39).
[14] Ou do Distrito Federal, se for o caso.
[15] Em relação ao abberufungsrecht – instituto que promove um processo eleitoral sem similitude com os atualmente existentes no Brasil – fez-se o enquadramento utilizando-se da lógica: não tem sentido um TRE, por exemplo, receber a petição popular para um abberufungsrecht que pode levar a revogação de todos os mandatos da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal.
[16] “Segundo a teoria da representação política, que se concretiza no mandato, o representante não fica vinculado aos representados, por não se tratar de uma relação contratual.” (SILVA: 2016, p. 141)
[17] Relata PAULO BONAVIDES que, na extinta União Soviética, o art. 142 da Constituição previa o direito de revogação. Nesse artigo se instituiu “...uma espécie de mandato imperativo dos chamados representantes das classes trabalhadoras”, de forma que “os deputados ficavam obrigados a prestar conta aos eleitores de seu trabalho, e podiam ter o mandato revogado a qualquer momento” (BONAVIDES: 2016, p. 314).
[18] Esse instituto foi defendido por THEODORE ROOSEVELT, em 1912, e foi adotado por inúmeros estados os EUA, com o objetivo de permitir a superação de “...obstáculos à aplicação de leis sociais, opostos pela magistratura eletiva precionada pelos grupos econômicos que decidiam as eleições” (DALLARI, 2016, p. 154).
[19] BONAVIDES: 2016, p. 314/315.
[20] Tanto é assim, que, juridicamente, a doutrina entende que o Senado, no processo de impedimento, converte-se em um tribunal jurídico.
[21] BONAVIDES: 2016, p. 314.
[22] GALINDO: 2016, p. 39.
[23] SANTANA: 2004, p. 5-6 – nota de rodapé. Esse autor afirma ter obtido a informação em ZOVATTO G., D. Las instituciones de democracia directa a nivel nacional em América Latina un balance comparado: 1978 – 2002. Disponível em http://www.observatorioelectoral.org/biblioteca/?bookID=28. Acesso em: 26 jul. 2004.
[24] SANTANA: 2004, p. 94.
[25] Fonte: http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias. Acesso em: 26/06/2017.
[26] Fonte: http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias. Acesso em: 26/06/2017.
[27] Fonte: http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias. Acesso em: 26/06/2017.
[28] Na decisão da CCJ/SF de 21/06/2017 consta: “A comissão aprova o relatório, que passa a constituir o parecer da CCJ, favorável à proposta nos termos da Emenda nº 2-CCJ (Substitutivo)” (Fonte: http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias. Acesso em: 26/06/2017).
[29] http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias. Acesso em: 26/06/2017.
[30] Este é o único aspecto negativo aqui destacado, no qual a Emenda apenas repete o texto original da PEC nº 21/2015, que também não faz referência expressa à revogação coletiva de mandatos.
[31] Lei nº 9.096/1995 (que dispõe sobre os partidos políticos):
“Art. 7º O partido político, após adquirir personalidade jurídica na forma da lei civil, registra seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral.
“§ 1o Só é admitido o registro do estatuto de partido político que tenha caráter nacional, considerando-se como tal aquele que comprove, no período de dois anos, o apoiamento de eleitores não filiados a partido político, correspondente a, pelo menos, 0,5% (cinco décimos por cento) dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não computados os votos em branco e os nulos, distribuídos por um terço, ou mais, dos Estados, com um mínimo de 0,1% (um décimo por cento) do eleitorado que haja votado em cada um deles.”
Apesar de a competência para decisão ser do TSE, existem atribuições que são da responsabilidade dos Tribunais Regionais Eleitorais e dos Juízos Eleitorais de 1º grau neste processo, conforme pode ser observado na Resolução TSE nº 23.465/2015. Aliás, quem recebe as fichas de apoiamentos e confere as assinaturas são os Cartórios Eleitorais (art. 14 da referida resolução). Dessa forma, esse serviço é, inicialmente, administrativo. Porém, Se houver impugnações às listas ou formulários de apoiamentos apresentados, cabe ao Juízo Eleitoral de 1º grau decidir a questão (art. 15).
[32] CALGARO: em 20/02/2017. Atualizado em: 15/03/2017. Fonte: http://g1.globo.com/politica/noticia. Acesso: em 16/06/2017).
[33] A Justiça Eleitoral já vem caminhando nesse sentido, no que diz respeito ao plebiscito institucionalizado no art. 14, inc. I da CRFB, de forma que os 2 (dois) últimos plebiscitos se deram de forma concomitantemente com às eleições municipais. Tratam-se (I) da consulta plebiscitária realizada junto a 02 (dois) municípios do Estado do Amazonas (Senador La Rocque e João Lisboa): sobre a possibilidade de desmembramento de territórios do Município de João Lisboa para serem anexados ao Município de Senador La Rocque e (II) da consulta plebiscitária no Município de Rosana/SP: sobre a possibilidade de criação do Distrito de Primavera na cidade de Rosana (http://www.tse.jus.br/eleicoes/plebiscitos-e-referendos/plebiscito-e-referendo).
[34] Observa-se que houve um equívoco no Parecer, na parte em que afirma que a PEC trouxe “...a possibilidade de recall apenas para alguns tipos de mandato”. Isso porque a PEC n. 21/2015, em seu texto original, previa o “direito de revogação de mandato de membros dos poderes Executivo e Legislativo”, expressão ser genérica o suficiente para abranger todos os mandatos eletivos dos Poderes Executivo e Legislativo, em todos os entes federados, ao menos na modalidade recall.
[35] No Brasil existe um péssimo costume de os chefes do Poder Executivo se programarem para inaugurar obras e entregarem todos os resultados de suas gestões apenas próximo das eleições seguintes, visando benefícios eleitorais. Parecem ignorar que o povo precisa de um bom governo todos os dias, em todos os anos.
Defensor Público do Distrito Federal. Anteormente, Analista Judiciário na Justiça Eleitoral. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás (2004). Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes/Praetorium (2008).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Leonardo Corrêa dos. Referendo revogatório de mandato Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 jul 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50477/referendo-revogatorio-de-mandato. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: SABRINA GONÇALVES RODRIGUES
Por: DANIELA ALAÍNE SILVA NOGUEIRA
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