Resumo: O presente artigo trata do princípio da ajenidad como um atributo essencial da relação de emprego contemporânea e que complementa, ao mesmo tempo, as noções de subordinação e de alteridade.
Palavras-chave: relação de emprego; princípio da ajenidad.
O princípio da ajenidad, originário do direito espanhol, presente especialmente na doutrina de Manuel Alonso Olea e Américo Plá Rodrigues[1], é, de certa forma, ainda pouco explorado pelos doutrinadores pátrios, embora se possa afirmar que ele se situa no cerne das relações de emprego, sendo, em verdade, um relevante preceito a ser incorporado, com maior ênfase, ao Direito do Trabalho brasileiro, aplicado nas relações laborais cotidianas e utilizado na solução dos conflitos trabalhistas atuais.
Ainda sem uma tradução adequada para o português, porém por alguns sugerida a denominação equivalente, no vernáculo, de “alienidade” ou “alheiabilidade”, este princípio, nas lições de Vólia Bomfim Cassar[2], significa nada mais do que “aquisição originária de trabalho por conta alheia”, acrescentando a referida autora que dele despontam duas noções fundamentais:
a) que a aquisição do trabalho gera o vínculo de emprego com o tomador que originariamente recebe os serviços do empregado, daí porque a aquisição é originária; b) que o trabalho é exercido para e por conta de outra pessoa. Isto quer dizer que a energia desprendida pelo trabalhador destina-se a outro que não ele próprio e que é por conta deste tomador que ele exerce seus serviços, logo, é o empregador quem corre os riscos deste negócio.
Em outras palavras: a ideia central do princípio da ajenidad é a de que, nas relações laborais, existe uma dicotomia básica entre o trabalho que é realizado por conta própria e o trabalho que é realizado por conta alheia. Assim, a ajenidad expressa, genuinamente, a alienação da força de trabalho, isto é, o fato de o produto do trabalho daquele que presta serviços não ser revertido a seu favor, mas em proveito de um terceiro, que, em virtude disso, é quem assume os riscos do empreendimento, o que se contrapõe, ainda, e de outro lado, ao que se entende por trabalho autônomo.
E assim delimitado o princípio da ajenidad, pode-se dizer que, no âmbito da terceirização trabalhista, fenômeno cada vez mais presente nas relações laborais do mundo contemporâneo, sua aplicação possui contornos específicos, na medida em que, nesta hipótese, “a aquisição do trabalho se dá de forma derivada para a empresa que terceiriza a mão de obra” [3], a qual figura nessa relação como empregadora formal ou aparente, distinta do tomador dos serviços - empregador real ou natural.
A aplicação, pela jurisprudência pátria, do princípio em exame, ao qual também se faz alusão como expressão da bilateralidade clássica dos contratos de trabalho, já é uma tendência visível, conforme se infere dos julgados abaixo colacionados:
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. TOMADOR DOS SERVIÇOS. PRINCÍPIO DA AJENIDAD. O tomador de serviços é responsável subsidiário pelas parcelas não adimplidas pelo empregador, nos termos da Súmula nº 331, IV, do TST. A terceirização de serviços, ainda que lícita, enseja a responsabilidade subsidiária do tomador pelos créditos trabalhistas inadimplidos, nos termos da Súmula nº 331, item IV, do TST e, também, do princípio da ajenidad, que estabelece a responsabilidade (ônus), daquele que se beneficiou da prestação de serviços do autor (bônus). (TRT 3ª Região, RO: 0010196-62.2017.5.03.0151; Decima Primeira Turma; Relatora Desembargadora Adriana Goulart de Sena Orsini, Disponibilização: 14/12/2017, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 2757)
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. A alheiabilidade a que se refere a doutrina e que significa a aquisição originária da energia de trabalho por conta alheia deu-se no presente caso concreto diretamente para o empregador do autor, qual seja, a primeira reclamada, já que era a banca de advocacia a destinatária direta das atividades exercidas pelo reclamante. Na hipótese, as recorrentes foram beneficiárias do resultado das atividades jurídicas que foram prestadas pela primeira reclamada. Atuaram as recorrentes como consumidoras e não como tomadoras dos serviços. Responsabilidade subsidiária que não se reconhece. (TRT 2. Região, RO 0002617-56.2012.5.02.0025, 17. Turma, Relator Alvaro Alves Noga, Publicado em 06/02/2015)
COOPERATIVA RELAÇÃO DE EMPREGO. ALTERIDADE E ALHEAMENTO. Uma vez não evidenciado que o trabalho prestado - de forma pessoal e habitual, resultasse em proveito comum da própria coletividade de trabalhadores, é de se presumir que o produto desse trabalho se efetivasse em proveito alheio. Em se tratando de atividade perfeita e essencialmente inserida na esfera produtiva do tomador de serviço, sujeitada ao seu poder de organização, a presunção ordinária é a de que tal labor seja logrado a benefício do empreendimento contratante do trabalho. Para configuração do autêntico trabalho cooperado, o essencial não é propriamente a inexistência de alteridade, já que esta última decorre da própria prestação de serviço a outro, mas, sim, e, sobretudo, da inexistência de alheamento dos frutos do trabalho prestado. Nessa mesma linha, inclusive, a tradição da doutrina espanhola, por exemplo, foca-se primordialmente na existência ou não de trabalho em proveito alheio " ajenidad" e não especificamente na subordinação hierárquica, já que a subordinação decorre muito mais da forma rígida de organização da produção " regime taylorista " do que especificamente do modo de apropriação do excedente econômico gerado pelo trabalho. Se há apropriação desse excedente por outrem que não o trabalhador, não há falar em regime de trabalho cooperado, senão em trabalho economicamente alienado e tornado estranho ao seu produtor imediato e, enquanto tal, sujeito ao regime de tuição normativa da CLT. (RO-00586-2007-134-03-00-6- D.J. de 26/09/2007). (TRT 3ª Região, RO-01667-2006-043-03-00-5, Quarta Turma, Relator Desembargador José Eduardo Resende Chaves Júnior, Publicado no DJ de 06 de novembro de 2007)
Desta feita, revela-se a ajenidad como um atributo essencial da relação de emprego e que complementa, ao mesmo tempo, as noções de subordinação e alteridade, também presentes nas relações empregatícias, embora sem se restringir a tais conceitos, identificando, assim, aquele que seria a figura do empregador natural[4]. Afinal, o tomador, por ser quem se enriquece originariamente com a energia de trabalho e o produto do serviço prestado pelo trabalhador, é também aquele com quem o vínculo de emprego naturalmente se forma.
Nessa perspectiva, tem-se que a relação jurídica que se desenvolve sob o regime do contrato de emprego caracteriza-se não apenas por contar com a presença de um trabalho realizado mediante subordinação jurídica a outrem, mas também por conta de outra pessoa que não o próprio trabalhador, o que significa dizer que esse terceiro é o beneficiário e titular direto da força despendida pelo obreiro e dos frutos do seu trabalho, sendo, em contrapartida, aquele que responde por essa relação e pelos riscos do negócio[5].
REFERÊNCIAS
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2012.
KUMMEL, Marcelo Barroso. Novos princípios para uma nova disciplina: o direito ambiental do trabalho. Disponível em: . Acesso em: 07 jul. 2013.
[1] KUMMEL, Marcelo Barroso. Novos princípios para uma nova disciplina: o direito ambiental do trabalho. Disponível em: . Acesso em: 07 jul. 2013.
[2] CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2012, p. 229.
[3] Ibid., p. 229 e 473-475.
[4] GUEIROS, Hugo, apud CASSAR. Direito do Trabalho. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2012, p. 229.
[5] CASSAR, op. cit., p. 229.
analista do Ministério Público da União graduada pela Universidade Federal de Minas Gerais e pós-graduada em Direito do Trabalho pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRITO, Luiza Prado Lima Santiago Rios. Princípio da Ajenidad Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 jan 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51246/principio-da-ajenidad. Acesso em: 23 dez 2024.
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