RESUMO: A Reforma Trabalhista inovou na ordem jurídica e trouxe profundas mudanças no objeto de pactuação coletiva. Temas então pacificados pela jurisprudência passaram a ter previsão diametralmente oposta. A chamada reação legislativa. O presente trabalho tem como escopo convidar o leitor a uma análise crítica, afastando uma interpretação meramente literal dos dispositivos, buscando, sobretudo, efetivar os princípios justrabalhistas e as normas constitucionais.
PALAVRAS-CHAVE: Normas Coletivas. Acordo e Convenção Coletiva. Direito Coletivo do Trabalho. Proteção do Trabalhador. Reforma Trabalhista.
SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Desenvolvimento 3. Conclusão 4. Referências Bibliográficas
1. Introdução
A Revolução Industrial foi o grande acontecimento que disseminou o trabalho subordinado, nos moldes atualmente concebidos, por todo o planeta. No entanto, em um primeiro momento, não havia normas que regulassem essa nova relação, gerando, em razão da referida ausência de normas, bem como da grande massa de trabalhadores disponíveis, uma superexploração, com a submissão destes últimos a condições desumanas de labor.
Verificando que não teriam forças nem condições de, individualmente, reivindicar direitos e melhorias em situação laboral, os trabalhadores passaram a se reunir, ocasionando o nascimento dos primeiros sindicatos.
As primeiras leis trabalhistas surgiram, portanto, dessa pressão da classe laboral. No entanto, as leis trabalhistas, desde sempre, eram e são genéricas, não sendo aptas a reger todas as especificidades de todas as categorias. Assim, com o passar do tempo, sindicatos de trabalhadores passaram a celebrar instrumentos normativos coletivos com empresas e/ou sindicatos patronais, com vistas a adequar as leis às suas particularidades.
2. Desenvolvimento
Segundo o Ministro Mauricio Godinho Delgado, há, pelo menos, dois modelos democráticos de negociação coletiva adotados no mundo.
O primeiro é chamado de “normatização autônoma e privatística”. Nesse modelo, a norma coletiva tem o poder de criação ampla, sendo produzida através da negociação livre entre sindicatos e/ou sindicatos profissionais e empresas, independentemente da atuação estatal. Tal prática é muito comum nos países da “common law” (Reino Unido e EUA).
O segundo é denominado “normatização privatística subordinada”. Nesse caso, o Estado regulamenta a produção normativa coletiva, estabelecendo limites de observância obrigatória pelos agentes privados. Não se trata de impedimento da criatividade normativa das partes, mas apenas o estabelecimento de um piso mínimo que deverá ser necessariamente considerado. Exemplos: França e Brasil.
No entanto, forçoso reconhecer que também modelos autoritários que impedem a gestão democratizante dos entes privados. É o chamado “modelo de normatização subordinada estatal”. Nesse caso, a legislação praticamente veda a negociação coletiva, com pouquíssima participação social na formulação de suas regras dentro das suas especificidades. Exemplos: Itália fascista e Alemanha nazista.
A Constituição Federal de 1988 claramente abraçou o model “normatização privatística subordinada”. Com efeito, o Art. 7º, XXVI dispõe expressamente que:
São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho
Conclui-se, pois, da leitura do “caput”, que as normas coletivas não podem estabelecer regras que diminuam o previsto na lei ordinária.
Surgem, portanto, a necessidade de saber quais são os limites da negociação coletiva.
O Princípio da Adequação Setorial Negociada dispõe que as normas coletivas prevalecem sobre a legislação ordinária quando (i)implementam um padrão de direitos superior ao geral; ou (ii) as normas coletivas transacionam parcelas de natureza de indisponibilidade apenas relativa, sendo estas compreendidas quando a própria Constituição autoriza sua flexibilização (jornada e salário, por exemplo) ou quando a própria natureza da parcela permite essa negociação (modalidade de pagamento, por exemplo).
Não obstante tudo o que foi explanado, doutrina e jurisprudência não permitem que haja mera renúncia de direitos, devendo haver uma contrapartida, em caso de eventual flexibilização de direito dos trabalhadores. Nesse sentido:
RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELA LEI 11.496/2007. HORAS IN ITINERE. ACORDO COLETIVO. EXCLUSÃO DA JORNADA DE TRABALHO E DO CÁLCULO DAS HORAS EXTRAS. O debate se trava acerca da validade de cláusula de norma coletiva que atribuiu à remuneração do tempo in itinere a característica de ser parcela indenizatória, devida sem o adicional de horas extras e sem reflexo no cálculo de outras verbas. Em rigor, discute-se sobre tal cláusula revestir-se de eficácia que derivaria da autonomia privada coletiva ou, por outra, se teria tal preceito excedido o limite de disponibilidade reservado à autodeterminação dos atores sociais. Ao considerar, tendo em perspectiva o caso dos autos, que a remuneração do tempo de trabalho ou do tempo à disposição do empregador, nos limites da lei, não poderia ter sofrido redução ou desvirtuamento, o Tribunal Superior do Trabalho remete às seguintes razões de decidir: 1. Em sistemas jurídicos fundados em valores morais ou éticos, a autonomia privada não é absoluta; 2. Os precedentes do STF, como os precedentes em geral, não comportam leitura e classificação puramente esquemáticas, como se em seus escaninhos se acomodassem, vistos ou não, todos os fragmentos da realidade factual ou jurídica. Para além das razões de decidir, acima enumeradas, cabe registrar que os precedentes do STF (RE 590.415/SC e RE 895759/PE) que enlevam a autodeterminação coletiva cuidam de situações concretas nas quais a Excelsa Corte enfatizou a paridade de forças que resultaria da participação de sindicato da categoria profissional, não se correlacionando com caso, como o dos autos, em que o Tribunal Regional do Trabalho constata não ter havido qualquer contrapartida, sob as vestes da negociação coletiva, para compensar a renúncia de direito pelos trabalhadores. Embargos conhecidos e não providos. (TST, Pleno-E-RR-205900-57.2007.5.09.0325 . Rel. Min. AUGUSTO CÉSAR LEITE DE CARVALHO . Publ: 03.02.2017).
O próprio STF, em julgamento importante acerca da validade da quitação geral dos Planos de Demissão Voluntária, contrariando o entendimento consolidado na OJ 270 da SDI-I do C.TST, afirma que, no referido plano, havia previsão de vantagens aos trabalhadores.
DIREITO DO TRABALHO. ACORDO COLETIVO. PLANO DE DISPENSA INCENTIVADA. VALIDADE E EFEITOS. 1. Plano de dispensa incentivada aprovado em acordo coletivo que contou com ampla participação dos empregados. Previsão de vantagens aos trabalhadores, bem como quitação de toda e qualquer parcela decorrente de relação de emprego. Faculdade do empregado de optar ou não pelo plano. 2. Validade da quitação ampla. Não incidência, na hipótese, do art. 477, § 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, que restringe a eficácia liberatória da quitação aos valores e às parcelas discriminadas no termo de rescisão exclusivamente. 3. No âmbito do direito coletivo do trabalho não se verifica a mesma situação de assimetria de poder presente nas relações individuais de trabalho. Como consequência, a autonomia coletiva da vontade não se encontra sujeita aos mesmos limites que a autonomia individual. 4. A Constituição de 1988, em seu artigo 7º, XXVI, prestigiou a autonomia coletiva da vontade e a autocomposição dos conflitos trabalhistas, acompanhando a tendência mundial ao crescente reconhecimento dos mecanismos de negociação coletiva, retratada na Convenção n. 98/1949 e na Convenção n. 154/1981 da Organização Internacional do Trabalho. O reconhecimento dos acordos e convenções coletivas permite que os trabalhadores contribuam para a formulação das Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 8410971. Supremo Tribunal Federal Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 56 Ementa e Acórdão RE 590415 / SC normas que regerão a sua própria vida. 5. Os planos de dispensa incentivada permitem reduzir as repercussões sociais das dispensas, assegurando àqueles que optam por seu desligamento da empresa condições econômicas mais vantajosas do que aquelas que decorreriam do mero desligamento por decisão do empregador. É importante, por isso, assegurar a credibilidade de tais planos, a fim de preservar a sua função protetiva e de não desestimular o seu uso. 7. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho, em razão de adesão voluntária do empregado a plano de dispensa incentivada, enseja quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas objeto do contrato de emprego, caso essa condição tenha constado expressamente do acordo coletivo que aprovou o plano, bem como dos demais instrumentos celebrados com o empregado” (STF. Pleno. RE 590415. Rel. Min. Luis Roberto Barroso
Ocorre que a Lei 13467/2017, em total descompasso com a jurisprudência então predominante, inseriu o Art. 611-A, §2º, dispondo:
“A inexistência de expressa indicação de contrapartidas recíprocas em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho não ensejará sua nulidade por não caracterizar um vício do negócio jurídico”.
Como se não bastasse, também houve a previsão, no Art. 611-B, §único, de que
“regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo “
Assim, não é difícil perceber que o interesse do legislador foi simplesmente confrontar o entendimento então prevalecente, na denominada “reação legislativa”.
Lamentavelmente, não há como conceber que regras sobre duração de jornada e intervalos não estejam inseridas como regras de medicina, higiene e saúde, na medida em que um empregado cansado, em razão de sobrejornada, estará muito mais suscetível a causar e sofrer um acidente de trabalho.
Imprescindível, portanto, que a leitura dos dispositivos deve ser efetuada à luz da Constituição Federal e dos princípios que norteiam o Direito do Trabalho, sob pena de flagrante retrocesso social.
3. Conclusão
As profundas mudanças operadas pela Lei 13467/2017 não podem simplesmente ser interpretadas sob uma ótica meramente literal. Com efeito, a previsão contida nos Artigos 611-A, §1º e 8º, §3º da CLT violam o Princípio da Separação dos Poderes, porquanto não compete ao Poder Legislativo dizer como Poder Judiciário deve interpretar as leis, na medida em que esta última é sua função precípua.
Assim, toda a qualquer norma coletiva não prescinde de uma interpretação sistemática e lógica, devendo ser feita à luz do Texto Maior, observando todo o arcabouço principiológico desta ramo especializado construído ao longo de todos esses anos.
A possibilidade de a norma coletiva flexibilizar direitos irrenunciáveis, sem quaisquer contrapartidas, a ponto de atingir o mínimo existencial, viola gravemente não apenas a Constituição Federal, como as normas internacionais de Direitos Humanos.
É imprescindível que a doutrina e jurisprudência estejam atentas ao perigo de uma interpretação meramente literal, sob pena de vilipendiar os direitos mais comezinhos dos trabalhadores.
4. Referências Bibliográficas
DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves, . A Reforma Trabalhista no Brasil com os comentários à Lei 13467/2017, RT, 2017.
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Ed.LTr. 12ªed., 2013
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Universidade Gama Filho.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIAS, Rafael Pazos. Os limites das normas coletivas e sua nova sistemática prevista na Lei 13.467/2017 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 abr 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51605/os-limites-das-normas-coletivas-e-sua-nova-sistematica-prevista-na-lei-13-467-2017. Acesso em: 23 dez 2024.
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