LIANA SILVA DO AMARAL [1]
(Orientadora)
RESUMO: O ano de 2017 foi abundante em discussões sobre reformas no sistema político, as quais desaguaram em modificações de pequenas proporções, materializadas em uma singela emenda à Constituição Federal de 1988. Como novidades, a referida emenda constitucional trouxe à luz a cláusula de barreira e a vedação da celebração de coligações em pleitos proporcionais, isto é, naqueles em que se elegem deputados federais e estaduais e vereadores. Nesse sentido, em que pese as consequências da vedação às coligações proporcionais apenas se conhecerem com propriedade a partir de 2020, o presente artigo tem por fito perscrutar as mais significativas repercussões que tais institutos exercem e poderão vir a empreender sobre a organização político-partidária nacional e sobre o pluripartidarismo.
Palavras-chave: Pluripartidarismo. Cláusula de barreira. Coligações.
ABSTRACT: The year 2017 was abundant in discussions about reforms in the political system, which resulted in minor modifications, materialized in a simple amendment to the Federal Constitution of 1988. As news, this constitutional amendment brought to light the barrier clause and the prohibition of coalitions in proportional disputes, that is, those in which federal and state deputies and councilors are elected. In this context, although the consequences of the prohibition on proportional coalitions will only be properly known from 2020, this article aims to examine the most significant repercussions that such institutes carry out and may undertake on the national political-partisan organization and on multiparty system.
Keywords: Multiparty. Barrier clause. Coalitions.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Os partidos políticos. 1.1. Breve histórico. 1.2. Conceituação. 2. O pluripartidarismo. 2.1. O pluripartidarismo como valor fundamental. 2.2. Controvérsias. 3. A cláusula de barreira ou de desempenho. 3.1. A inconstitucionalidade do artigo 13 da Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/1995). 3.2. A constitucionalização da cláusula de desempenho. 4. A vedação de coligações em pleitos proporcionais. Considerações finais. Referências. Notas.
A dramática crise de representatividade vivida perenemente pelo Brasil ensejou, recentemente, a emergência de fartos debates no cenário político nacional. O ano de 2017, em particular, foi palco de várias tentativas de se alterar as regras eleitorais, tendo em vista oferecer um sistema mais íntegro e moderno ao País. Não obstante, as discussões congressuais acabaram por resultar em uma “minirreforma”, muito aquém do que esperava parte considerável dos brasileiros, materializada na Emenda Constitucional n° 97/2017, que se limitou a vedar as coligações em eleições proporcionais a partir de 2020 e estabelecer uma cláusula de barreira, a qual crescerá até 2030, quando será fixada em 3%.
Os verdadeiros efeitos fáticos dessa medida seguem desconhecidos, não obstante se possa projetar o que intentou a Emenda. Ante os debates para alterar o sistema de votação, que não prosperaram, percebeu-se um esforço do Legislativo para implantar, em 2018, o chamado “distritão”, o qual visivelmente fortaleceria o personalismo no pleito, substituindo-o, a partir de 2022, pelo “distrital misto”, em que eleitores de um distrito votariam em um candidato e em um partido político, fortalecendo a coesão partidária em face de um corpo legislativo fragmentadíssimo.
Percebe-se, então, que o propósito de tal mudança fora fortalecer os grandes partidos e reduzir o esfacelamento. Rejeitada a alteração desse sistema, os legisladores recorreram a medidas mais elementares, incorporadas na Emenda 97, de 2017, a qual adicionou ao ordenamento jurídico pátrio a cláusula de barreira e a vedação de celebração de coligações em pleitos proporcionais, institutos que, por sua vez, trouxeram à tona uma série de debates acerca do pluripartidarismo e de seus vícios.
O presente artigo, portanto, além de apresentar considerações a respeito das agremiações partidárias e do pluripartidarismo, isto é, o sistema constitucional democrático que permite a existência de diversos partidos políticos, busca se debruçar sobre uma análise mais precisa acerca da cláusula de barreira, também chamada de cláusula de desempenho, e das coligações em eleições proporcionais, bem como os possíveis efeitos de sua recente vedação pelo legislador constitucional.
Após a independência brasileira e a implantação do Império, dois partidos, surgidos no Período Regencial, foram responsáveis por levar a cabo a vida eleitoral moderna no País: o Partido Conservador e o Partido Liberal, que dominaram o contexto político partir da ascensão de Dom Pedro II ao trono, no Segundo Reinado (GOMES, L., 2013). A Constituição de 1824, por seu turno, era categoricamente silente a respeito dos partidos, o que não deixa de configurar um equívoco, tendo em vista a importância destes para o estabelecimento de uma estrutura de governo participativa.
Na República Velha, o fenômeno do coronelismo tornou inviável a efetiva competição por votos e o livre debate de ideias no plano eleitoral, características presentes quando da existência de partidos políticos íntegros.
Em 1932, já na Era Vargas, é editado o primeiro Código Eleitoral brasileiro. Porém, apenas a Constituição de 1946 trataria mais seriamente das agremiações partidárias, regulando, por exemplo, que o registro e a cassação dos Partidos Políticos seria atribuição da Justiça Eleitoral, devendo a lei regular a competência de seus Juízes (Art. 119 da CF/46). O mesmo texto constitucional, tratando das agremiações políticas, vedava o funcionamento daquelas que gozassem de programa ou ação que contrariasse o regime democrático, baseado na pluralidade dos Partidos e na garantia dos direitos fundamentais do homem (Art. 141, § 13).
O tratamento dos partidos pela Constituição de 1967, por sua vez, não ultrapassou a mera formalização. Com a edição do Ato Institucional de n° 2, de 1965, todos os partidos políticos existentes à época no Brasil foram extintos (Art. 18 do AI-2), restando apenas dois na seara eleitoral nacional: o ARENA e o MDB.
Enfim, com o retorno à democracia e com a adoção da Constituição Cidadã de 1988, os partidos voltaram a ser livremente criados no País, com sede no princípio fundamental do pluralismo político (Art. 1°, V, da CF/88), sendo este consagrado como “fundamento que assegura a realização dos postulados democráticos, garantindo a multiplicidade de opiniões, de crenças, de convicções e de ideias” (CUNHA JÚNIOR, 2012, p. 560).
Sob o magistério de José Afonso da Silva (2005, p. 394), partido político seria “uma forma de agremiação de um grupo social que se propõe organizar, coordenar e instrumentar a vontade popular com o fim de assumir o poder para realizar seu programa de governo”. A partir desses institutos, emergem os candidatos eleitos pelo povo para exteriorizar seus planos governamentais e políticos no âmbito da democracia representativa, por intermédio, sobretudo, do Poder Legislativo. Compete anotar que várias são as acepções de partidos políticos, institutos estes que podem assumir diversos sentidos.
Nathalia Masson (2016, p. 384) destaca a importância das agremiações partidárias para a democracia ao ressaltar que
(…) são instrumentais que propiciam aos indivíduos a condição de se expressarem nos acontecimentos políticos nacionais e participarem com efetividade da vida política estatal. Indispensáveis no regime representativo, é por meio deles que se origina a vontade popular, na busca da realização de projetos comuns.
Tratando da relevância dos partidos políticos, Dirley da Cunha Júnior (2012, p. 820) focaliza, igualmente, a democracia, ao afirmar que os partidos são “um dos instrumentos mais significativos e expressivos para a consolidação da democracia”.
Ainda nesse sentido, pontue-se que a filiação partidária é imprescindível à elegibilidade, funcionando como um importante requisito, conforme bem preceitua a norma do art. 14, § 3°, V, da Constituição Federal.
Por seu turno, a conceituação legal de partido político reside no art. 1° da Lei n° 9.096/1995, o qual destaca que “o partido político, pessoa jurídica de direito privado, destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal”. Sobre a resguarda dos direitos fundamentais, já cuidara o legislador constituinte em fixar os próprios partidos políticos como partes legítimas para propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade (Art. 103, VIII, da CF/88). Ante o exposto, fica insuspeita a relevância concedida às agremiações políticas pelo ordenamento jurídico pátrio.
A Norma Fundamental de 1988 adotou, de forma expressa, o sistema pluripartidário, igualmente conhecido como multipartidarismo.
Nesse passo, pluripartidarismo faz menção à existência de diversos partidos em um quadro eleitoral nacional. Em algumas democracias, caso dos Estados Unidos, devido a sua tradição política secular, apenas duas grandes agremiações disputam efetivamente as eleições no país, sendo eles o Partido Democrata e o Partido Republicano.
Assim como na maioria das nações democráticas contemporaneamente, o Brasil assegura o pluralismo político como valor fundamental e, por conseguinte, garante a existência do pluripartidarismo (art. 17 da Constiuição Federal), salientando que é livre a criação de partidos políticos.
É importante anotar que a importância do pluripartidarismo para a democracia reside precipuamente no fato de este ser o oposto do unipartidarismo, isto é, do sistema de partido único, que caracterizou e ainda caracteriza muitas ditaduras.
O referido modelo de pluralismo partidário, no entanto, tem sido alvo de dúvidas quanto ao seu real objetivo. Hamati (1994, p. 25) destaca que “o número considerável de legendas tem dado ensejo ao aluguel das respectivas, fato este que importa no agravamento do oportunismo”.
Ademais, relata Nicolau (1996, p. 105) que “o Brasil tem a menos exigente norma de acesso ao Parlamento entre todas as democracias. Ou seja, em nenhum outro país é tão fácil eleger um deputado”. Um dos mais nítidos resultados de tal processo, à vista disso, é a fragmentação partidária.
Através de rápida consulta ao portal eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), consta-se que, atualmente, existem em atividade no território nacional 35 partidos políticos [2], sendo que o primeiro a ser registrado no Tribunal fora o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), em 30 de junho de 1981, enquanto o mais recente fora o Partido da Mulher Brasileira (PMB), em 29 de setembro de 2015.
Dessa forma, despontam as suspeitas acerca de qual seria o real objetivo de tantas legendas no plano eleitoral nacional, as quais nos últimos anos têm apontado para uma tendência de crescimento, isto é, para a criação de ainda mais partidos. À vista disso, como parte da “minirreforma” política de 2017, o legislador constitucional, com vistas nitidamente a conter a fragmentação partidária, acrescentou à Norma Fundamental os institutos da cláusula de barreira e da vedação de coligações em pleitos proporcionais. O primeiro visa impedir que legendas que não atinjam a porcentagem estabelecida assegurem cadeiras no Legislativo, enquanto o segundo busca atentar para o fortalecimento da ideologia partidária, em muito prejudicada e, até mesmo, deturpada pela celebração irrestrita de coligações, conforme doravante se verá.
3.1 A INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 13 DA LEI DOS PARTIDOS POLÍTICOS (LEI 9.096/1995)
É importante dar realce ao fato que a cláusula de barreira já fora considerada inconstitucional pelo plenário do Supremo Tribunal Federal em 2006, no julgamento de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 1351 e 1354) movidas, respectivamente, pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B) e pelo Partido Socialista Cristão (PSC). O argumento sustentado por esses partidos se baseava no princípio da autonomia partidária (assegurada pelo artigo 17, o mesmo alterado pela EC 97/2017) e na tese de que lei ordinária não poderia estabelecer limites ou restrições às agremiações.
Destaque-se que o artigo 17 da Lei Maior brasileira igualmente ratifica o “pluripartidarismo”, que poderia ser ferido pela restrição ordinária materializada na cláusula de desempenho. O dispositivo buscava balizar o acesso ao horário gratuito de rádio e de televisão e aos recursos provenientes do Fundo Partidário. Eis o disposto pelo dispositivo da Lei 9.096 (Lei dos Partidos Políticos) julgado inconstitucional:
Art. 13. Tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas Legislativas para as quais tenha elegido representante, o partido que, em cada eleição para a Câmara dos Deputados obtenha o apoio de, no mínimo, cinco por cento dos votos apurados, não computados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento do total de cada um deles.
Constata-se que, de fato, tal dispositivo impunha rígidas restrições aos partidos, estabelecendo uma cláusula de barreira de 5% dos votos válidos, os quais deveriam ser divididos em ao menos 1/3 dos Estados, tendo um mínimo de 2% do total de cada um deles. O relator das ADIs, ministro Marco Aurélio Mello, enfatizou que, dos 29 partidos existentes àquele tempo no País, somente 7 atingiriam os requisitos conjecturados naquele dispositivo [3].
Mais de dez anos após o julgamento das ADIs, em 2017, em sua sabatina no Senado Federal, o agora ministro do Supremo Federal Alexandre de Moraes criticou a decisão do referido Tribunal de declarar a cláusula de desempenho inconstitucional, apontando que o Poder Judiciário cambiara uma decisão legítima do legislador [4]. Ainda de acordo com Moraes, o Judiciário não deveria intervir em questões eleitorais. No entanto, entende-se que, por se tratar de direitos fundamentais, os direitos políticos, envolvendo a questão dos partidos políticos, envolvem eventual apreciação judicial.
3.2. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DA CLÁUSULA DE DESEMPENHO
Quase como que em resposta à decisão do Supremo, é aprovada a Emenda 97, que fixa, na própria Constituição, a cláusula de desempenho. Localiza-se no artigo 17, § 3° (acrescido pela EC 97/2017):
§ 3º Somente terão direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei, os partidos políticos que alternativamente:
I - obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 3% (três por cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 2% (dois por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou
II - tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação.
É digno de nota que a porcentagem de 3% dos votos apenas valerá a partir das eleições de 2030. Esse número é relativamente baixo se comparado com a cláusula alemã, a qual fixa um obstáculo de 5% aos partidos, a “barreira dos cinco por cento”. Em virtude dessa regra, na legislatura do Bundestag (equivalente à Câmara dos Deputados no Brasil) de 2017-2021, apenas terão representação sete partidos, os quais concorreram às eleições alemãs em seis coalizões [5].
Diferentemente da alteração no âmbito das coligações proporcionais, que serão vedadas a partir do pleito municipal de 2020, a cláusula de desempenho valerá a partir de 2018 para a Câmara dos Deputados, mas com porcentagem de 1,5% dos votos válidos distribuídos em pelo menos 1/3 das unidades da Federação (em substituição a “Estados”, mencionado pelo artigo declarado inconstitucional da Lei 9.096), com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas. Alternativamente, para ter acesso ao Fundo Partidário e à propaganda gratuita, os partidos também podem preencher outro requisito: eleger pelo menos nove Deputados Federais distribuídos em ao menos 1/3 das unidades federativas. Repise-se: essa regra é válida para a legislatura seguinte às eleições de 2018, que se elegerá neste ano.
Até 2030, a cláusula de desempenho será crescente, de tal forma que apenas terão acesso aos recursos do fundo partidário e à propaganda gratuita no rádio e na televisão os partidos políticos que
II - na legislatura seguinte às eleições de 2022:
a) obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 2% (dois por cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 1% (um por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou
b) tiverem elegido pelo menos onze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação;
III - na legislatura seguinte às eleições de 2026:
a) obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 2,5% (dois e meio por cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 1,5% (um e meio por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou
b) tiverem elegido pelo menos treze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação.
Em 2030, enfim, valerá o disposto no artigo 17, § 3°, da Constituição Federal. Nota-se que o legislador cuidou para não estabelecer medidas restritivas severas demais, provavelmente como estratégia para obter mais adesão congressista e, por conseguinte, aprovar a mudança prevista na Emenda.
Em uma das medidas para evitar a pulverização partidária no Legislativo nacional, Jairo Nicolau (2017, p. 157) defende a adoção de uma cláusula de barreira de 1,5%, exatamente a que será usada este ano para preencher a legislatura de 2019-2022. Todavia, a Constituição fixa tal cláusula em 3%, o dobro do recomendado pelo citado pesquisador, não obstante, reitere-se, apenas passe a ser utilizado tal percentual para a legislatura seguinte à eleição de 2030.
Como não há modelos perfeitos, existem críticas que podem ser feitas à cláusula de barreira, sendo que uma delas diz respeito ao eventual considerável desperdício de votos. Nas eleições alemãs de 2013, por exemplo, “15% dos votos válidos em toda a Alemanha foram simplesmente desconsiderados na distribuição das cadeiras do Parlamento (Bundestag), vez que foram dados a partidos políticos que não lograram alcançar a cláusula de desempenho” (PONTES, HOLTHE, 2015, p. 4).
Nicolau (2017, p. 55), ao tratar sobre a preferência dos partidos em fazer coligações a concorrer sozinhos nos pleitos, indica que uma das razões dessa ocorrência reside no fato de o quociente eleitoral funcionar como uma “barreira” nas eleições para vereadores e deputados. Assim, legendas coligadas teriam chances maiores de concorrer à distribuição de cadeiras do que se competissem sozinhos, sobretudo os de menor influência no plano nacional. É interessante que se esclareça que, de forma simplificada, o quociente eleitoral é a relação entre o total de votos válidos pelo número de cargos em disputa. Excluem-se, dessarte, os votos nulos e brancos. Para obter o número de eleitos de cada agremiação, utilizam-se os votos válidos recebidos por cada partido ou coligação e se divide pelo quociente eleitoral.
Outro fator de peso na decisão dos partidos em se coligar é a necessidade de aumentar o tempo de horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão, isto é, quanto mais partidos coligados, maior é a duração de sua publicidade de campanha. Coligadas as legendas, somam-se os seus respectivos tempos de publicidade.
No Brasil, na vigência da possibilidade de os partidos poderem coligar-se, inexiste qualquer regra ou requisito acerca da afinidade ideológica dos eventuais coligados, sendo as alianças feitas, muitas vezes, na esfera estadual. Atualmente, a título de exemplo, apesar de distantes na órbita federal desde o processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff, o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) já combinam coligações em alguns estados do Nordeste [6].
Destarte, é provável que nas eleições deste ano se observem ainda muitas distorções promovidas pelo uso generalizado das coligações nas esferas federal e estadual, que muitas vezes acabam por desvirtuar o anseio do eleitor. Para ilustrar: nas eleições para deputado federal em Pernambuco, em 2014, uma única coligação contou com quinze partidos (PSB / PMDB / PC do B / PV / PR / PSD / PPS / PSDB / SD / PPL / DEM / PROS / PP / PEN / PTC) [7].
Nesse sentido, pontue-se a confusão ideológica observada ali, ao se juntarem partidos que na esfera federal se confrontavam: o PMDB e o PC do B apoiaram Dilma Rousseff; o PSDB era a agremiação de Aécio Neves, que, por sua vez, recebeu apoio do DEM; e o PSB era o partido de Marina Silva.
A supracitada coligação elegeu 18 deputados federais, sendo 8 do PSB, 3 do PSDB, 2 do PR, 1 do PP, 1 do PMDB, 1 do PC do B, 1 do PSB e 1 do DEM. Assim, é visível que o voto de um eleitor em um candidato de direita, espectro atual do DEM, ajudou a eleger um postulante de esquerda, ideologia do PC do B.
Antes da Emenda 97, assim dispunha o parágrafo 1° do artigo 17 da Constituição Federal de 1988:
§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.
Com a aprovação da Emenda 97, de 2017, o mesmo parágrafo passou a ser assim exposto:
§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária (Grifamos).
Pelos dados selecionados por Nicolau (2017, p. 59), em interessantíssimo quadro comparativo entre o número de deputados federais por partido eleitos na vigência da possibilidade de coligação e o número de legisladores federais eleitos por agremiação sem a possibilidade de coligação, considerando cada partido como unidade de distribuição de cadeiras, tem-se que 2 partidos perderiam todos os seus poucos representantes na Câmara dos Deputados (PTC e PMN) caso não houvesse coligações, enquanto as 4 maiores agremiações na Câmara após as eleições de 2014 (PT, PMDB, PSDB e PSB) teriam mais representantes (22, 13, 8 e 5, respectivamente). Dessarte, fica transparente o elemento positivo que possui as coligações, principalmente, para os grandes partidos.
Percebe-se, portanto, que a adoção da cláusula de barreira e a vedação das coligações em pleitos proporcionais trouxe à tona o debate acerca de alguns questionamentos, quais sejam, as delicadas conexões entre governabilidade, pluralismo político o regime democrático e a expressão de minorias.
Em relação a conspícua fragmentação do quadro partidário, fica patente ser imprescindível que seja assegurada a representação das minorias, da mesma forma que impende garantir a consistência das maiorias e, portanto, possibilitar a governabilidade (GOMES, J., 2017). Esta última, em particular no excêntrico presidencialismo de coalizão brasileiro, tem sido constantemente lesada pelo grande número de partidos. É consabido que, quanto maior o número de agremiações, mais complexas se tornam as negociações para montar uma base governista nas Casas congressuais, sendo, por conseguinte, maior o número de concessões políticas.
Por fim, nesse tocante, o que se observa é uma aparente colisão entre o direito de representação das minorias partidárias no Parlamento, materializadas pelas pequenas agremiações, e a facilitação da governabilidade. Com a adoção simultânea da cláusula de barreira e da vedação às coligações proporcionais, o legislador parece ter prezado pelo desembaraço partidário e, logo, pela descomplicação na governabilidade.
Conforme se atestou, a Emenda Constitucional 97, de 2017, trouxe para o contexto político-partidário brasileiro o instituto da cláusula de barreira ou de desempenho, mais branda do que aquela adotada pela Lei dos Partidos Políticos, de 1995. Com o intento de não promover mudanças bruscas no panorama dos partidos, o legislador cuidou para estabelecer uma cláusula nacional porcentagem crescente: 1,5% em 2018, 2% em 2022, 2,5% em 2026 e, por fim, 3% a partir das eleições de 2030.
Além disso, fixou-se uma alternativa à cláusula percentual, condicionando, alternativamente, o acesso aos recursos do fundo partidário e à propaganda gratuita no rádio e na televisão os partidos políticos que elegerem certo número de deputados federais distribuídos em 1/3 das unidades da Federação. Na legislatura seguinte às eleições de 2018, serão pelo menos 9 representantes da Câmara Baixa. Após o pleito de 2022, serão pelo menos 11 deputados federais. Em 2026, deverão ser pelo menos 13 deputados federais. Enfim, em 2030 deverão ser pelo menos 15 deputados federais.
Por fim, a Emenda 97 vedou a celebração de coligações nas eleições proporcionais, isto é, para deputados federais, estaduais e distritais e para vereadores (a situação da coligação para cargos do Executivo permanece inalterada) a partir de 2020, ou seja, a inovação eleitoral será testada nos pleitos para os legislativos municipais.
Os impactos mais visíveis da proibição de coligações serão conhecidos com mais propriedade apenas após as eleições de 2020 e, finalmente, no pleito geral de 2022, quando se verão as repercussões nos corpos legislativos federal e dos Estados. O que se pode dizer atualmente é que há uma tendência ao fortalecimento de grandes partidos consolidados e conhecidos nacionalmente, enquanto que agremiações com pouca influência no cenário nacional tendem a eleger menos representantes, argumento reforçado pelo fato de que não se cuidou de um meio eficaz para estabelecer conexões mais íntegras entre os eleitores e os respectivos princípios defendidos pelas agremiações partidárias.
Por outro lado, ao vedar as coligações em eleições proporcionais, a Reforma Constitucional permitirá combater, a partir de 2020, a miscelânea ideológica observada em pleitos anteriores, tornando o processo democrático mais coerente. Assim, prezou-se pelo desembaraço partidário e pela facilitação da governabilidade no âmbito da formação de coalizões no Legislativo.
Por fim, a dinâmica a ser adotada por partidos menores, aparentemente desfavorecidos pelas mudanças eleitorais, certamente ditará o futuro de sua representação no âmbito nacional.
REFERÊNCIAS
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______. Casa Civil. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946. Rio de Janeiro, DF, 18 set. 1946. Disponível em . Acesso em 24 mai. 2018.
______. Casa Civil. Emenda Constitucional n° 97, de 4 de outubro de 2017. Altera a Constituição Federal para vedar as coligações partidárias nas eleições proporcionais, estabelecer normas sobre o acesso dos partidos políticos aos recursos do fundo partidário e ao tempo de propaganda gratuito no rádio e na televisão e dispor sobre regras de transição. Disponível em: . Acesso em: 25 mai. 2018.
______. Casa Civil. Lei n° 9.096, de 19 de setembro de 1995. Dispõe sobre partidos políticos, regulamenta os arts. 17 e 14, § 3°, inciso V, da Constituição Federal. Disponível em: . Acesso em: 25 mai. 2018.
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GOMES, Laurentino. 1889: como um imperador cansado, um marechal vaidoso e um professor injustiçado contribuíram para o fim da monarquia e a proclamação da República no Brasil. São Paulo: Editora Globo, 2013.
HAMATI, Cecília Maria Marcondes. A crise política no Brasil. In: Cadernos de Direito Constitucional. São Paulo, n. 25, 1994, p. 23-29.
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NICOLAU, Jairo. Multipartidarismo e democracia. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996.
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[3] <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=68591>. Acesso em 23 mai. 2018.
[4] <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/02/21/moraes-stf-substituiu-legislador2019-ao-derrubar-clausula-de-barreira-para-partidos>. Acesso em 23 mai. 2018.
[5] Na Alemanha, adota-se o sistema distrital misto, em que parte dos membros do Bundestag é eleita pela forma proporcional, tal qual no Brasil, mas em uma lista fechada oferecida previamente pelos partidos, e outra parte é escolhida pela forma distrital, majoritária, em cada um dos distritos alemães. Para mais informações, consultar <https://de.wikipedia.org/wiki/Bundestagswahl_2017>. Acesso em 27 mai. 2018.
[6] <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,pt-e-pmdb-negociam-aliancas-em-cinco-estados-no-nrdeste,70002013556> Acesso em 22 mai. 2018.
[7] <http://apuracao.gazetadopovo.com.br/resultados-eleicoes-2014-1-turno/pernambuco/deputado-federal/> Acesso em 22 mai. 2018.
Bacharelando do curso de Direito na Universidade Estadual do Piauí.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUSA, João Pedro Martins de. A cláusula de barreira e a vedação de coligações proporcionais: perspectivas para o cenário eleitoral brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 jul 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52000/a-clausula-de-barreira-e-a-vedacao-de-coligacoes-proporcionais-perspectivas-para-o-cenario-eleitoral-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: SABRINA GONÇALVES RODRIGUES
Por: DANIELA ALAÍNE SILVA NOGUEIRA
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