RESUMO: Este artigo analisa os sistemas eleitorais do Brasil e dos Estados Unidos da América (EUA), apresentando de maneira resumida um panorama comparativo entre ambos. Partindo-se das similaridades de ambos os países, discute-se o motivo das marcantes diversidades de seus sistemas eleitorais, buscando-se aferir as vantagens e desvantagens de cada um. Como resultado, após pesquisa bibliográfica e documental, foram analisadas possíveis modificações a serem implementadas nos dois países, tendo em vista as transformações sociais e políticas atravessadas pelas aludidas nações.
Palavras-chave: Sistemas eleitorais. Brasil. Estados Unidos da América.
ABSTRACT: This article analyzes the electoral systems of Brazil and the United States of America, presenting in a summarized way a comparative panorama between both. Starting from the similarities of both countries, the reason for the marked diversities of their electoral systems is discussed, trying to assess the advantages and disadvantages of each one. As a result, after bibliographical and documentary research, possible changes to be implemented in both countries were analyzed, considering the social and political changes undergone by the aforementioned nations.
Keywords: Electoral systems. Brazil. United States of America.
Sumário: 1. Introdução; 2. Sistemas Eleitorais; 3. O sistema eleitoral brasileiro de acordo com a Constituição de 1988; 4. O sistema eleitoral dos Estados Unidos da América; 5. Análise comparativa entre os sistemas eleitorais do Brasil e dos Estados Unidos; 6. Considerações finais; 7. Referências
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa analisar os sistemas eleitorais do Brasil e dos Estados Unidos da América (EUA), apresentando de maneira resumida um panorama comparativo entre ambos.
Com efeito, os dois países possuem similaridades marcantes: dimensões continentais, forma federativa de Estado, regime democrático, população diversa e multicultural. A despeito de tais semelhanças, Brasil e Estados Unidos, em decorrência dos diversos processos históricos que levaram à formação de cada país, têm sistemas eleitorais bastante diferentes.
Nesse contexto, uma análise transversal dos sistemas eleitorais dos dois países pode levar à visualização das vantagens e desvantagens de cada um, o que proporcionará uma maior compreensão acerca das possibilidades de aperfeiçoamento da democracia nos dois países.
A importância do tema revela-se diante das frequentes propostas de reforma política no Brasil, bem como em face das recentes discussões travadas nos Estados Unidos a respeito da adequação de seu sistema eleitoral aos tempos atuais, notadamente no que concerne à utilização da sistemática de voto indireto para as eleições presidenciais e ao voto distrital puro nas eleições parlamentares.
Para atingir o objetivo do trabalho, realizou-se pesquisa de caráter bibliográfico e documental, apontando-se, inicialmente, uma breve descrição dos diversos sistemas eleitorais e sua conceituação, para, posteriormente, passar-se à descrição dos sistemas eleitorais adotados no Brasil e nos Estados Unidos, traçando-se, ao final, um panorama comparativo entre ambos, com a análise de possíveis modificações a serem implementadas nos dois países, tendo em vista as modificações sociais e políticas atravessadas pelas aludidas nações.
2 SISTEMAS ELEITORAIS
Em um regime democrático, faz-se necessária a realização de eleições, tanto para que os cidadãos possam escolher os seus representantes e governantes, como, além disso, para que os eleitores manifestem sua aderência a uma determinada política, conferindo assim legitimidade à escolha dos mandatários. (SILVA, 2016, p. 372) Essas eleições, por seu turno, podem ser efetuadas mediante diversos procedimentos e técnicas, que, tomadas em conjunto, configuram os denominados “sistemas eleitorais”, os quais podem ser entendidos, nas palavras de Bernardo Gonçalves Fernandes, como “os métodos de transformação de votos em mandatos”. (FERNANDES, 2014, p. 646)
Conforme aponta José Afonso da Silva (2016, p. 373), os sistemas eleitorais, vistos sob a ótica do modo de realizar a representação, se distinguem em sistema majoritário, sistema proporcional e sistema misto.
Pelo sistema majoritário, é eleito aquele candidato que tiver mais votos dentro de determinada circunscrição territorial, obtendo assim a maioria – absoluta ou relativa, a depender do caso – dos sufrágios. Assim, em regra, despreza-se os votos dos demais postulantes. Essa situação, contudo, pode levar a uma pequena – ou mesmo inexistente – representação das minorias, notadamente em eleições parlamentares. Por esse motivo, o sistema majoritário tem sido objeto de modificações nos locais em que adotado, conjugando-o com a adoção de circunscrições mais amplas, em que são eleitos vários candidatos, em vez de apenas o mais votado (SILVA, 2016, p. 374).
De outra banda, no sistema proporcional, os cargos são distribuídos proporcionalmente às votações dos partidos, garantindo-se a representação das diferentes tendências partidárias existentes na sociedade, de acordo com os seus respectivos tamanhos.
O aludido sistema, entretanto, comporta subdivisões. Cite-se, inicialmente, o critério da lista fechada, em que os eleitores não votam direta e individualmente nos candidatos; mas sim em uma lista de representantes previamente ordenada pelos partidos políticos. Em última análise, no referido sistema, vota-se no partido, e não na pessoa do candidato. Trata-se de modelo adotado majoritariamente nos países que têm o parlamentarismo como sistema de governo (AGRA, 2011). Cabe referir, ainda, o modelo de lista aberta, no qual os partidos apresentam uma lista de candidatos, mas cabe aos eleitores votar individualmente nos postulantes, de modo que a ordem dos representantes de cada agremiação partidária se dará mediante escolha dos eleitores, e não dos partidos. À primeira vista poder-se-ia pensar que tal modelo seria mais democrático; contudo, trata-se de sistema que possui diversas desvantagens:
A desvantagem desse modelo é que ele forceja uma disputa entre os candidatos de um mesmo partido, sem contribuir para a sedimentação dos programas partidários. Por conseguinte, os eleitores que desconhecem o sistema eleitoral nacional votam diretamente naquela celebridade, por tudo que ela representa ou representou, dando ensejo ao voto com base na afinidade ou simpatia, valorizando-se o voto pessoal e depreciando-se as instituições políticas. O sistema proporcional em lista aberta estimula a prática do clientelismo e da venda de votos, permitindo que candidatos sem vivência partidária, apenas por terem certa notoriedade, possam ser eleitos, até mesmo realizando uma concorrência desleal com candidatos de seu próprio partido. (AGRA, 2011)
Por fim, existem os sistemas mistos. Elenca-se, por exemplo, o modelo alemão, em que metade dos parlamentares em cada Estado é eleito de forma direta nos distritos eleitorais (sistema majoritário) e a outra metade em lista apresentada pelos partidos (sistema proporcional de lista fechada). Outro modelo misto a ser consignado é o mexicano, cuja Câmara dos Deputados é integrada por 500 (quinhentos) representantes, 300 (trezentos) eleitos pelo sistema de maioria relativa nos distritos e 200 (duzentos) eleitos pelo sistema de representação proporcional. (SILVA, 2016)
3 O SISTEMA ELEITORAL BRASILEIRO DE ACORDO COM A CONSTITUIÇÃO DE 1988
A estruturação do sistema eleitoral brasileiro decorre do princípio maior da soberania popular, previsto no art. 1º, parágrafo único, da Constituição de 1988, segundo o qual “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Visando dar eficácia a esse postulado, o próprio constituinte estabeleceu as linhas mestras do sistema de eleições que deve vigorar em nosso País, as quais são desenvolvidas pela legislação infraconstitucional, notadamente o Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65), bem como pelo Tribunal Superior Eleitoral, quando no exercício de seu poder regulamentar.
A primeira característica desse sistema a ser observada é a adoção do voto direto e secreto, conforme preceitua o caput do art. 14 da Constituição Federal, o qual, cabe frisar, consiste em cláusula pétrea da atual Constituição, conforme preceituado em seu art. 60, §4º, inciso II. É importante salientar, ainda, que o voto no Brasil é, em geral, obrigatório, sendo excepcionados desse dever apenas os analfabetos, os adolescentes entre dezesseis e dezoito anos de idade, e aqueles cidadãos que possuam mais de setenta anos, de acordo com o art. 14, §1º da Constituição da República ora vigente. Demais disso, vislumbra-se que foi adotada a sistemática de eleições proporcionais para a Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas, Câmara Legislativa do Distrito Federal e Câmaras Municipais; e de eleições majoritárias para o Senado e para a chefia dos Poderes Executivos, nas diversas esferas federativas.
No Brasil, existem circunscrições nacionais, estaduais, distritais e municipais, nas quais são tomados os votos de forma majoritária para os cargos de Presidente da República, Governadores dos Estados e do Distrito Federal, Senadores e Prefeitos Municipais, respectivamente. Em nosso País, utiliza-se a votação por maioria simples para a eleição majoritária dos cargos de Senador da República e Prefeito de municípios com menos de 200.000 (duzentos mil) habitantes, nos termos do art. 29, inciso II, da Constituição Federal. Nas demais hipóteses de utilização do sistema majoritário, aplica-se o critério de maioria absoluta, realizando-se um segundo turno de votação caso a maioria qualificada não seja atingida em primeiro turno.
Por outro lado, no Brasil, usa-se o sistema proporcional – mediante o modelo de lista aberta – para as eleições legislativas, referentes aos cargos de Vereador, Deputado Estadual, Deputado Distrital e Deputado Federal. Assim, após a incidência dos quocientes eleitoral e partidário, as cadeiras destinadas aos partidos com direito a representação serão ocupadas pelos candidatos que obtiveram dentro do partido o maior número de votos.
Esse sistema eleitoral – proporcional de lista aberta –, na forma como estruturado no Brasil, engendrou uma grande autonomia dos políticos em relação aos partidos, com consequências deletérias:
Nenhuma democracia do mundo ocidental dá aos políticos tanta autonomia com relação aos partidos quanto o Brasil. A questão não diz respeito a nenhuma medida isolada, mas sim a um conjunto de medidas que faz a legislação brasileira sobressair. As conseqüências dessa legislação eleitoral foram deletérias. Ao lado de outros fatores - a importância massiva da burocracia estatal, as desigualdades sociais extremas, o desenvolvimento precoce (se comparado aos níveis de renda per capita) de uma sofisticada mídia moderna, um sistema presidencialista e intervenções freqüentes do Poder Executivo nos partidos –, a legislação eleitoral impediu a construção partidária. Essa legislação institucionaliza um sistema que estimula a ausência de compromisso, solidariedade, disciplina e coesão partidária. (MAINWARING, 1997)
Tais consequências são ainda mais exacerbadas em virtude do sistema de governo presidencialista e da forma de estado federativa adotados no Brasil. Com efeito, o parlamentarismo estimula a coesão partidária, mesmo em sistemas proporcionais de lista aberta, haja vista que, caso o parlamentar não vote com o governo do partido pelo qual se elegeu, pode se sujeitar a ver o governo dissolvido, tendo de passar por novas eleições. Por outro lado, o presidencialismo oferece uma estrutura de incentivos oposta, porquanto, independente de como o parlamentar vote, seu partido continuará (ou não) no poder, sem que exista a possibilidade de novas eleições serem convocadas. Do mesmo modo, a forma federativa de Estado também favorece uma maior autonomia dos políticos em face dos partidos, em virtude da maior diversidade regional das organizações partidárias (MAINWARING, 1997)
4 O SISTEMA ELEITORAL DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
O sistema eleitoral dos Estados Unidos da América, por outro lado, rege-se por regras diferentes das brasileiras. Os americanos decidiram privilegiar em sua estruturação política o princípio federativo, em detrimento da soberania popular. Afirma-se isso porque naquele país os Estados federados gozam de ampla autonomia para organizar o seu sistema político, no que está incluso o processo eleitoral. Exemplo disso é o fato de que, na eleição presidencial, não há uma totalização nacional dos votos, sendo a apuração realizada por estado (FRANCISCO NETO, 2008)..
Acrescente-se que a eleição presidencial americana é realizada de modo indireto, isto é, os eleitores não escolhem diretamente quem ocupará a chefia máxima da Nação. A escolha do presidente, nos EUA, é realizada pelo Colégio Eleitoral, formado por 538 (quinhentos e trinta e oito) delegados, provenientes de cada Estado da federação, os quais terão o seu número de assentos no Colégio determinado proporcionalmente ao peso de suas populações na composição nacional.
Os delegados dos Estados no Colégio Eleitoral, em sua maioria, conferem todos os seus votos ao candidato que obteve a preferência majoritária da população, sendo tal sistema chamado winner takes all (o vencedor leva tudo). Exceções a essa sistemática são os Estados do Nebraska e do Maine, que dividem os seus delegados de forma proporcional à votação obtida por cada candidato à presidência nas eleições locais (FRANCISCO NETO, 2008). Ressalte-se, todavia, que em alguns estados existe a possibilidade – não muito comum, é verdade – de que os delegados confiram seus votos a candidato diverso do que os eleitores escolheram (BALIARDO, 2010)
Para ser eleito presidente, o candidato deve, portanto, obter a maioria de votos no Colégio Eleitoral, ou seja, 270 (duzentos e setenta) votos. Caso nenhum candidato consiga obter essa quantia, a escolha do presidente será feita pela Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados brasileira), sendo o vice-presidente escolhido pelo Senado, tudo nos termos da 12ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América. É interessante registrar que duas eleições presidenciais americanas já foram decididas pela Câmara dos Representantes, nos anos de 1800 e 1824 (UNITED STATES OF AMERICA, online)..
Cabe ressaltar que a eleição para a Câmara dos Deputados americana (House of Representatives) também guarda diferenças em relação à brasileira. É que naquele país os deputados não são eleitos pelo voto proporcional, como ocorre no Brasil, mas sim pelo voto majoritário. Isso significa que vários candidatos concorrem a uma cadeira específica, relacionada a um determinado distrito; aquele que conseguir mais votos naquela circunscrição territorial torna-se representante. João Francisco Neto (2008) vê vantagens nessa forma de escolha dos deputados, pois “Já que o mandato é obtido individualmente, isso os incentiva apoiar os interesses locais de seus Estados e distritos, quando entram em conflito com temas de interesses nacionais”. De outra banda, pode-se argumentar que esse sistema prejudica a representação de minorias e a pluralidade política. Ademais, há sempre o problema da definição territorial dos distritos, que pode eventualmente ser manipulada para favorecer os interesses de uma ou outra corrente partidária.
Diferentemente do que ocorre em nosso País, o voto nos Estados Unidos é facultativo, sendo a idade mínima para exercer o sufrágio de 18 anos, conforme a 26ª Emenda à Constituição americana. Note-se, nesse tocante, que no Brasil a idade mínima é de 16 (dezesseis) anos, embora o voto não seja obrigatório para os que ainda não tenham completado 18 (dezoito) anos.
Critica-se o modelo eleitoral americano, principalmente pela utilização do voto indireto, que possibilita a eleição de um candidato que não tenha sido sufragado pela maioria da população. Foi o que ocorreu, por exemplo, nas eleições presidenciais do ano 2000, em que o democrata Al Gore, embora tenha tido vantagem na apuração do voto popular, perdeu a eleição para o republicano George W. Bush, que obteve mais votos no Colégio Eleitoral (LEVY, online). O mesmo aconteceu nas eleições realizadas no ano de 2016, nas quais o republicano Donald Trump sagrou-se vencedor no Colégio Eleitoral, conquanto tenha obtido menos votos do que a democrata Hillary Clinton entre a população (BECKWITH, online).
Nessa ordem de ideias, têm surgido movimentos nos Estados Unidos visando abolir a sistemática do voto indireto, diante das diversas distorções causadas pelo referido modelo de eleições. De fato, os votos no Colégio Eleitoral por estado não são distribuídos de acordo com a população, gerando assim subrepresentação dos votos de eleitores dos estados mais populosos. Ademais, o sistema levou a campanha presidencial a se torna estadual, em vez de nacional, haja vista que os candidatos acabam por priorizar os denominados swing states, que não possuem preferência partidária definida, relegando os eleitores de estados tradicionalmente apoiadores de um ou outro partido a segundo plano. Outro problema é que o sistema inviabiliza o crescimento de outros partidos. (MELO, 2016)
Contudo, também é necessário observar os méritos do sistema norte-americano, que vem funcionando de maneira relativamente estável há mais de dois séculos, proporcionando uma grande harmonia institucional aos Estados Unidos da América. Prova disso é a inocorrência de golpes de estado ou regimes ditatoriais naquele país, situação muito diferente da vivenciada por países latino-americanos e europeus, muitos dos quais foram submetidos a governos autoritários no último século, situação desconhecida nos Estados Unidos.
E isso se dá por diversos motivos, elencados por João Francisco Neto (2008): em primeiro lugar, o presidente, para ser eleito, precisa ter apoios em muitos Estados federados, não bastando possuir a maioria dos votos nas regiões mais densamente povoadas. Tal fato contribui para a coesão nacional, pois, ao serem forçados a fazer campanha em áreas menos populosas – as quais provavelmente seriam ignoradas em eleições diretas -, os candidatos acabam conhecendo toda a realidade do país. Ademais, torna-se bastante improvável a eleição de candidatos com base unicamente regional, tendo em vista que nenhuma região dos Estados Unidos, sozinha, reúne votos eleitorais suficientes para determinar a eleição de um presidente. Essa maior distribuição dos votos proporcionada pelo sistema de votação indireta confere, portanto, uma maior legitimidade nacional aos mandatários americanos, por mais incrível que possa parecer.
5 ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS SISTEMAS ELEITORAIS DO BRASIL E DOS ESTADOS UNIDOS
Como visto, o sistema eleitoral brasileiro privilegiou a soberania popular em sua estruturação, tanto pela adoção irrestrita do voto direto como pela escolha do sistema proporcional de lista aberta para a escolha dos membros da Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais.
A adoção do voto direto para os cargos executivos, embora fortaleça a soberania popular e o princípio democrático, acarreta uma menor efetividade da forma federativa de Estado, haja vista que o presidente da República pode ser eleito com votação majoritária em poucos estados mais populosos, em detrimento da coesão nacional entre as entidades federadas.
Deve-se lembrar, nesse ponto, que o federalismo brasileiro decorreu de movimento centrífugo, ou seja, passou-se de um Estado monárquico, unitário e centralizador para uma república federativa. Entretanto, mesmo na história republicana brasileira estão presentes períodos de maior centralização, como durante o Estado Novo e o Regime Militar. Depreende-se, por conseguinte, que a formação histórica brasileira tem na centralização política um traço marcante, de sorte que o sistema eleitoral adotado no País reflete esse fato.
Noutro giro, o uso do modelo eleitoral proporcional de lista aberta para os cargos legislativos, ao passo que permite uma grande influência dos eleitores no ordenamento das listas de representantes que irão compor o Parlamento, traz, por outro lado, aspectos negativos dignos de nota, como a ausência de vinculação dos políticos aos programas partidários e o estímulo ao clientelismo e à eleição de “celebridades” sem vivência político-partidária.
Por seu turno, o sistema eleitoral americano tem na descentralização a sua característica fundamental, o que decorre de sua formação histórica, de federalismo centrípeto, isto é, originado da união de Estados originariamente independentes, e que mantiveram grande dose de autonomia mesmo após a formação dos Estados Unidos da América.
Em virtude disso, estruturou-se um sistema eleitoral em que os Estados-membros possuem grande importância, o que se evidencia na realização do procedimento eleitoral em si, haja vista a ausência de uma totalização nacional dos votos ou mesmo de um órgão central que organize o processo, tal como a Justiça Eleitoral brasileira, bem como na adoção do sistema de voto indireto para a Presidência da República, no qual a escolha dos Estados-membros individualmente considerados possui, em última instância, mais peso do que a vontade popular.
No que concerne às eleições parlamentares americanas, a adoção de um sistema de voto distrital puro, ao passo que aproxima os representantes de seus constituintes, facilitando a cobrança dos eleitores e a compreensão do modelo, de fácil assimilação pela população comum, leva a uma sub-repesentação de minorias étnicas e políticas, o que é agravado pela possibilidade de eventuais manipulações na configuração territorial das circunscrições eleitorais (distritos).
Percebe-se, em suma, que as diferenças estabelecidas entre os sistemas eleitorais do Brasil e dos Estados Unidos derivam de suas diversas conformações históricas, mormente no que se refere à (des)centralização do poder político. Todavia, é certo que ambos os países têm passado, historicamente, por modificações na estruturação do Estado, com o Brasil conferindo uma maior autonomia às entidades federativas, especialmente a partir da Constituição de 1988, e os Estados Unidos caminhando na direção de um maior centralismo na União, muito embora ainda confiram um considerável grau de liberdade aos entes subnacionais.
Nada obstante, afigura-se pouco provável que o Brasil, mesmo que fortaleça seu sistema federativo, adote um sistema eleitoral nos moldes do americano, com voto indireto para a Chefia do Executivo e voto distrital puro para a Câmara dos Deputados. Quanto ao voto indireto, seu estabelecimento afigura-se inviável em face do atual ordenamento constitucional, tendo em vista a cláusula pétrea constante do art. 60, §4º, inciso II, da Constituição de 1988, segundo o qual não será objeto de deliberação a proposta de emenda constitucional tendente a abolir o voto direto, secreto, universal e periódico. De outro norte, a adoção de um sistema de voto distrital puro nas eleições parlamentares, conquanto não ostente inconstitucionalidade material prima facie, também se mostra de pouca probabilidade no atual cenário político brasileiro. Com efeito, os problemas decorrentes desse modelo apontados anteriormente – baixa pluralidade na representação, possível manipulação político-partidária na estruturação das circunscrições eleitorais etc. - tornam sua utilização menos atrativa em nosso País. Entende-se mais viável, todavia, que se busque a conjugação das vantagens dos sistemas majoritário e proporcional, levando ao estabelecimento de um sistema de voto distrital misto, similar ao adotado na Alemanha. Consigne-se, inclusive, que já existem projetos de lei parcialmente aprovados nesse sentido.
No que diz respeito à situação norte-americana, cumpre salientar, de plano, as naturais dificuldades de se modificar um sistema mais que centenário de organização eleitoral, que, como dito, vem funcionando de forma relativamente satisfatória ao longo de todo esse tempo, não obstante as críticas de que é alvo. Entretanto, diante da progressiva centralização que vem ocorrendo no sistema político americano, bem como da cada vez maior diversidade étnico-cultural de sua população, em virtude das sucessivas ondas de imigração, tornam-se mais prováveis mudanças na sistemática eleitoral daquele país. Como visto, têm ganhado força movimentos no sentido da abolição do voto indireto, tido como antidemocrático e gerador de distorções. Demais disso, com a maior presença de minorias na sociedade americana, a percepção de sua relativa baixa representatividade no sistema político, decorrente do modelo de voto distrital puro, tende a acentuar as pressões pela reforma do sistema eleitoral, na direção, ao menos, do voto distrital misto, que conjuga as vantagens dos sistemas majoritário e proporcional.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do que foi até aqui exposto, conclui-se que os sistemas eleitorais brasileiro e americano possuem profundas diferenças, decorrentes, em grande medida, das diversas formações históricas pelas quais passaram os dois países. O Brasil sempre teve uma grande tendência a um Estado mais centralizador, embora formalmente seja uma república federativa, enquanto os Estados Unidos, de outra face, são, desde sua origem, uma autêntica federação, em que os governos locais possuem grande amplitude de competências. Tais distinções, sem dúvida, influenciaram de forma importante os sistemas eleitorais de cada nação.
Não se pode dizer, contudo, que um sistema seja superior ao outro. Cada país deve estruturar sua formatação política de acordo com suas peculiaridades e experiências políticas e sociais. Deveras, se é possível dizer que o sistema eleitoral norte-americano tem funcionado relativamente bem, não se pode afirmar que o aludido modelo seja livre de falhas, como se depreende do presente debate na sociedade americana a respeito da modificação de aspectos do seu sistema eleitoral. O mesmo se diga do sistema eleitoral estabelecido no Brasil a partir da Constituição de 1988, que também tem se mostrado relativamente eficaz, proporcionando o maior período de continuidade constitucional vivenciado pelo Brasil em muitas décadas, ao mesmo tempo que enseja profundas críticas acerca da funcionalidade da representação eletiva, sendo frequente o clamor por reformas políticas em nosso País.
Nesse contexto, é importante salientar a tendência de maior descentralização no Brasil e, ao revés, de uma maior concentração de poderes no governo federal nos Estados Unidos. Vislumbra-se ainda, neste país, uma mudança em sua configuração demográfica. Essas situações, aliadas às desvantagens dos sistemas eleitorais utilizados nos dois países, podem, progressivamente, levar a modificações no sistema eleitoral de ambas as nações, sendo a maior probabilidade de que se busque um sistema eleitoral híbrido, combinando as vantagens dos modelos majoritário e proporcional.
7 REFERÊNCIAS
AGRA, Walber de Moura. A panaceia dos sistemas políticos. Estudos Eleitorais, Brasília, DF, v. 6, n. 1, p. 45-63, jan./abr. 2011.
BALIARDO, Rafael. EUA não dispõem de um sistema eleitoral nacional. Revista Consultor Jurídico, 11 de novembro de 2010. Disponível em: . Acesso em: 18 mai. 2019.
BARROS, Francisco Dirceu. Resumo de direito eleitoral. 5 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
BECKWITH, David C. United States Presidential Election of 2016. In: Encyclopædia Britannica. Disponível em: . Acesso em: 14 mai. 2019.
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. 6. ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2014.
FRANCISCO NETO, João. O sistema eleitoral norte-americano e a eleição presidencial. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1879, 23 ago. 2008. Disponível em: . Acesso em: 30 jan. 2013 .
LEVY, Michael. United States presidential election of 2000. In: Encyclopædia Britannica. Disponível em: . Acesso em: 14 mai. 2019.
MAINWARING, Scott. Políticos, partidos e sistemas eleitorais: o Brasil numa perspectiva comparativa. Estudos Eleitorais, Brasília, DF, v. 1, n. 2, p. 335-381, maio/ago. 1997.
MELO, João Ozório de. Americanos intensificam movimento para acabar com o Colégio Eleitoral. Revista Consultor Jurídico, 14 de novembro de 2016. Disponível em: . Acesso em: 18 mai. 2019.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 39. ed. São Paulo: Malheiros, 2016.
UNITED STATES OF AMERICA. History, Art & Archives, U.S. House of Representatives. Electoral College Fast Facts. Disponível em: . Acesso em: 18 mai. 2019.
Advogado da União. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Samuel Cunha de. Sistemas eleitorais dos Estados Unidos e do Brasil: um estudo comparativo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jun 2019, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53111/sistemas-eleitorais-dos-estados-unidos-e-do-brasil-um-estudo-comparativo. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: SABRINA GONÇALVES RODRIGUES
Por: DANIELA ALAÍNE SILVA NOGUEIRA
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