Resumo: O presente trabalho objetiva traçar um panorama a respeito da inovação legislativa na LC 02/1990, do estado de Sergipe, fazendo uma contraposição a princípios basilares insertos implícita ou explicitamente na Constituição Federal de 1988, como o principio da vedação ao retrocesso social.
Palavras-chave: capacidade eleitoral passiva, formação lista tríplice, Ministério Público.
INTRODUÇÃO
A partir da vigência da Constituição de 1988, o Ministério Público recebeu status de “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”[1].
Em decorrência da relevância constitucional na formação e preservação do regime democrático, além da delimitação constitucional de atribuições e garantias funcionais, a CRFB/88 preocupou-se, igualmente, em delinear diretrizes organizacionais, dentre elas a escolha da Chefia do respectivo Ministério Público, mediante formação de “lista tríplice dentre integrantes da carreira.
No final do ano de 2019, um tema de interesse de todos os Ministérios Públicos do país ganhou novo capítulo, a capacidade eleitoral passiva dos membros do Ministério Público prevista no art. 128, §3º da Constituição Federal, foi objeto de anteprojeto de Lei Complementar pela Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de Sergipe, e após tramitação no Legislativo Estadual, a matéria foi deliberada e aprovada, sendo na sequência, sancionada pelo Sr. Governador do Estado.
Em síntese, a alteração legislativa objetivou alterar o art. 8º da Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de Sergipe (LCE nº 02/1990), restringindo da capacidade eleitoral passiva de Membros do Ministério Público do Estado de Sergipe aptos a concorrer na formação de lista tríplice para o cargo de Procurador-Geral de Justiça.
O presente artigo visa provocar o debate a respeito da constitucionalidade de lei complementar estadual possibilitar a restrição da capacidade eleitoral passiva dos membros dos Ministérios Públicos dos Estados que desejem participar da formação de lista tríplice para escolha da Chefia da Procuradoria-Geral de Justiça.
O estudo será pautado pela análise da “nova redação”[2] do art. 8º da Lei Complementar Estadual nº 02/1990 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de Sergipe – LOMPSE), tomando como pressuposto princípio constitucional da vedação ao retrocesso e pelos recentes julgados do Supremo Tribunal Federal - STF.
2 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA. DA OFENSA DIRETA AO ART. 128, §3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. SUPRESSÃO DE DIREITO INDIVIDUAL DO MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O constituinte originário, malgrado tenha conferido à Chefia do Executivo Estadual a prerrogativa de nomear o Chefe do Ministério Público em seu respectivo Estado, trouxe, de outra banda, um direito fundamental dos Membros do Ministério Público, o relativo ao exercício da capacidade eleitoral passiva, possibilitando disputa democrática na formação de lista tríplice.
Art. 128. O Ministério Público abrange:
I - o Ministério Público da União, que compreende:
II - os Ministérios Públicos dos Estados.
§ 1º O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução.
§ 3º Os Ministérios Públicos dos Estados e o do Distrito Federal e Territórios formarão lista tríplice dentre integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, para escolha de seu Procurador-Geral, que será nomeado pelo Chefe do Poder Executivo, para mandato de dois anos, permitida uma recondução.
A leitura do texto constitucional, de forma objetiva e serena, é precisa e não dá margens para interpretação contrária. Tanto nos Ministérios Públicos dos Estados, quanto no Ministério Público da União, está assegurado direito fundamental aos integrantes da carreira do Ministério Público, o direito fundamental de exercer capacidade eleitoral passiva para formação da respectiva lista tríplice.
Resta claro, portanto, que nenhum processo legislativo formalmente impulsionado nos termos da Constituição da República Federativa do Brasil, poderá remover o direito individual de os Membros do Ministério Público concorrerem à formação da respectiva lista tríplice, sob pena de a espécie legislativa estar imergida de completa ofensa material à vontade do legislador originário.
De igual maneira, adotando simetria à Constituição Federal, o Poder Legislativo do Estado de Sergipe, malgrado tenha conferido à Chefia do Executivo Estadual a prerrogativa de nomear o Chefe do Ministério Público em seu respectivo Estado, trouxe, de outra banda, um direito fundamental dos Membros do Ministério Público, o de exercer capacidade eleitoral passiva, possibilitando disputa democrática na formação de lista tríplice. Vejamos texto da Constituição do Estado de Sergipe.
Art. 116 - O Ministério Público do Estado de Sergipe é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
§ 1º - O Ministério Público tem por chefe o Procurador Geral de Justiça, nomeado pelo Governador do Estado dentre integrantes da carreira maiores de trinta e cinco anos, indicados em lista tríplice organizada pelo Colégio de Procuradores de Justiça, para mandato de dois anos, permitida recondução.
Simetricamente, objetivando a preservação de direito fundamental aos integrantes da carreira do Ministério Público do Estado de Sergipe, qual seja, o direito fundamental de exercer capacidade eleitoral passiva para formação da respectiva lista tríplice, da leitura do colacionado texto da Constituição do Estado de Sergipe, verificamos que, de igual forma, a alteração legislativa impulsionada pela Procuradoria-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado de Sergipe, não encontra amparo em balizas constitucionais, seja na CFRB, seja na Constituição Estadual, afinal, tal propositura encontraria óbice no postulado do princípio da vedação ao retrocesso.
Pois bem, balizados pela diretriz constitucional, passemos a analisar o teor do art. 8º da Lei Complementar nº 02, de 12 de novembro de 1990, com a redação conferida pela Lei Complementar Estadual nº 332, de 31 de outubro de 2019, cuja expressões, postas em negrito, entendemos carreados de inconstitucionalidade.
Art. 8º. A Procuradoria-Geral de Justiça, órgão executivo da Administração Superior do Ministério Público, tem como titular o Procurador-Geral de Justiça, nomeado pelo Governador do Estado, para um mandato de 2 (dois) anos, a partir de lista tríplice formada por Procuradores de Justiça e por Promotores de Justiça de entrância final, que estejam no primeiro quinto do quadro geral de antiguidade previsto no art. 37, X, desta Lei, e que tenham mais de 35 (trinta e cinco) anos de idade e 15 (quinze) anos de carreira, requisitos a serem comprovados na data de registro da candidatura.
*atual redação do art. 8º, da LCE nº 02/90.
A antiga redação desse dispositivo legal, vigente há quase 10 anos (Lei Complementar nº 182/2010), estabelecia o seguinte:
Art. 8º. A Procuradoria-Geral de Justiça, órgão executivo da Administração Superior do Ministério Público, tem como titular o Procurador-Geral de Justiça, nomeado para um mandato de 02 (dois) anos, dentre uma lista tríplice integrada de membros do Ministério Público com mais de 35 (trinta e cinco) anos de idade e 10 (dez) anos de carreira.
*antiga redação do art. 8º, da LCE nº 02/90.
Da leitura da antiga e da atual redação, relevante indagação que carece de análise sob a ótica do controle de constitucionalidade se refere sobre hipótese de lei complementar reduzir a capacidade eleitoral passiva dos membros do Ministério Público na disputa para composição de lista tríplice nos moldes do art. 128, §3º da CRFB e do art. 116,§1º da Constituição do Estado de Sergipe.
Modelos simétricos aos balizados pelo art. 128, §3º da Constituição Federal que espelham as legislações orgânicas de praticamente todos os ministérios públicos do país, a exceção dos Ministérios Públicos do Estado de São Paulo, Minas Gerais e Sergipe. Sendo que todos já estão sendo objeto de questionamento no Supremo Tribunal Federal (ADI’s nº 6231/SP, nº 5704/MG, e, nº 6294/SE).
Além das ações diretas de inconstitucionalidade já citadas, normas do Estado do Amapá (ADI nº 5171/AP), do Estado do Piauí (ADI nº 5700/PI) e do Estado de Rondônia (ADI nº5653/RO), também enfrentaram a temática, demonstrando que além de não ser um tema novo na Suprema Corte, há uma tendência de consolidação da jurisprudência do Supremo.
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5171/AP, o Ministro Luiz Fux, ao relatar o caso, lançou manifestação no seguinte sentido.
"Desta maneira, é forçoso reconhecer que a emenda à constituição estadual nº 48/2014 restringiu o âmbito de elegibilidade dos membros do Ministério Público estadual do Amapá para integrar lista tríplice na escolha do Procurador-Geral de Justiça, quando determina que somente os ocupantes dos cargos de Procurador de Justiça seriam habilitados. Com efeito, ao alterar a previsão de requisitos necessários para concorrer ao cargo de chefia do órgão ministerial, o novel diploma normativo retira a identidade com o texto constitucional, constante no art. 128, §3º"
Válido destaque de que a mencionada ação direta do Estado do Amapá, teve o seu mérito julgado à unanimidade, reconhecendo a fustigada inconstitucionalidade, em sessão concluída em 30/08/2019. No mesmo sentido, em 23/08/2019, foi julgada procedente a ação direta do Estado do Piauí e em 13/09/2019, julgada procedente a ação direta do Estado de Rondônia.
Com a devida vênia aos que defendem a supressão da capacidade eleitoral passiva dos membros do Ministério Público, mas a ordem constitucional brasileira, além de impor limites pela razoabilidade e proporcionalidade para afastar a tese na novel legislação do Estado de Sergipe, afinal, um promotor de justiça do Estado de Sergipe, que não atendesse às novas exigências do art. 8º da LOMPSE, não poderia concorrer ao cargo de Procurador-Geral de Justiça, mas estaria apto a ser Conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público, e até Corregedor Nacional do Ministério Público (art. 130-A da CRFB), também oferece resistência pelo princípio da vedação ao retrocesso.
Ao debruçarmos sobre o princípio da vedação ao retrocesso, o Ministro do STF, Roberto Barroso[3] estabelece, como modalidades de eficácia dos princípios constitucionais, as seguintes: a) eficácia positiva ou simétrica; b) eficácia interpretativa; c) eficácia negativa; e d) eficácia vedativa do retrocesso.
Logo, no tocante à eficácia vedativa do retrocesso, Barroso ensina que se trata de uma variação da eficácia negativa, intrinsecamente relacionada à manutenção de direitos e garantias fundamentais tão sólidos, que se constituem em verdadeiros pilares do estado democrático de direito, não sujeitos a supressão, ainda que por emenda à constituição.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante todas as diretrizes e balizas constitucionais apresentadas acima, sobretudo, da aplicação da força normativa à Constituição, não podemos jamais olvidar que essa impõe vinculação do legislador infraconstitucional como ensina de Canotilho:
A vinculação do legislador à constituição sugere a indispensabilidade de as leis serem feitas pelo órgão, terem a forma e seguirem o procedimento nos termos constitucionalmente fixados. […] A constituição é, além disso, um parâmetro material intrínseco dos actos legislativos, motivo pelo qual só serão válidas as leis materialmente conformes com a constituição[4] (grifos do autor).
Não obstante a demonstração de ofensas diretas à Constituição Federal e Estadual, a novel legislação do Ministério Público do Estado de Sergipe, encontra obstáculo no art. 9º da Lei Federal nº 8.625/1993, que instituiu a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e dispõe sobre normas gerais para organização do Ministério Público nos Estados.
Art. 9º - Os Ministérios Públicos nos Estados formarão lista tríplice, dentre os integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, para a escolha de seu Procurador-Geral, que será nomeado pelo Chefe do Poder Executivo, para mandato de dois anos, permitida uma recondução, observando o mesmo procedimento.
O texto contido na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625/1993), além de replicar direito individual dos membros do Ministério Público de exercer capacidade eleitoral passiva, ratifica, no campo infraconstitucional, diretriz a ser obedecida, de forma obrigatória, pelos Ministérios Públicos nos Estados da Federação.
Outrossim, a Suprema Corte também vem conferindo interpretação conforme a todas as normas que contrariem o art. 128, §3º da CRFB, determinando que a nomeação do Procurador-Geral de Justiça deve ser feita pelo Governador do Estado, com base em lista tríplice encaminhada com o nome de integrantes da carreira conforme o §3º do art. 128 da Constituição da República.
Por outro giro, mas não se apartando da básica inicial, quanto aos seus resultados jurídicos, ao regulamentar o disposto no §3º, do art. 128, da CF/1988, a Lei Federal nº 8.625/1993 (LONMP), em seu art. 9º, também não previu distinções quanto à acessibilidade dos membros do Ministério Público ao cargo que enfeixa as responsabilidades atinentes à sua Chefia, como então admitir que Lei Complementar Estadual colidisse com as apontadas normas gerais.
Por fim, conclui-se que a Lei Complementar Estadual nº 332/2019, que mudou a redação do art. 8º da LOMPSE, adotou postura colidente com o postulado da vedação ao retrocesso, e de orientação serena do Supremo Tribunal Federal, demonstrando ofensas materiais diretas à Constituição Federal e à Constituição do Estado de Sergipe, reduzindo de forma desproporcional e desarrazoada a capacidade eleitoral passiva dos membros do Ministério Público do Estado de Sergipe.
REFERÊNCIAS
BARROSO, Luís Roberto. O Novo Direito Constitucional Brasileiro: Contribuições para a construção lógica e prática da Jurisdição Constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2013, pag. 169-174.
BRASIL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Disponível em <www.planalto.gov.br>Acesso em out. 2019
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 216.
SERGIPE. Constituição 1989. Constituição do Estado de Sergipe: 1989/Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe, 7 ed. Aracaju-SE: Assembleia Legislativa, 2013.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF. Disponível em: www.stf.jus.br. ADI’s: nº 6231/SP, nº 5704/MG, nº 6294/SE, nº 5171/AP nº 5700/PI, e nº 5653/RO.
[1] - literalidade da cabeça do art. 127 da CRFB/88
[2] - Alterada pela Lei Complementar Estadual nº 332/2019.
[3] - BARROSO, Luís Roberto. O Novo Direito Constitucional Brasileiro: Contribuições para a construção lógica e prática da Jurisdição Constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2013, pag. 169-174.
[4] CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 216.
Graduada em Direito pela Universidade Tiradentes – UNIT/SE e pós graduada em Ciências Criminais pela Estácio de Sá em parceria com o CERS. Servidora pública do Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Alana Mendonça. Capacidade eleitoral passiva dos membros do Ministério Público do Estado: análise constitucional sob a ótica do princípio da vedação ao retrocesso Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 jan 2020, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54125/capacidade-eleitoral-passiva-dos-membros-do-ministrio-pblico-do-estado-anlise-constitucional-sob-a-tica-do-princpio-da-vedao-ao-retrocesso. Acesso em: 22 dez 2024.
Por: SABRINA GONÇALVES RODRIGUES
Por: DANIELA ALAÍNE SILVA NOGUEIRA
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