Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar o fenômeno da pejotização no âmbito trabalhista e suas implicações nas relações de emprego. Abrangem ainda, os princípios trabalhistas mais relevantes no combate á prática da pejotização, as vantagens e desvantagens, a diferença entre pejotização e terceirização. Por fim, importante salientar que após analisadas as características inerentes a pejotização, não obstante, toda a divergência que cerca o tema, observa-se que a pejotização continua sendo considerada uma fraude às relações de emprego mesmo diante das significativas mudanças na legislação laboral.
Palavras chave: Pejotização. Pessoa jurídica Fraude às relações de emprego.
Sumário: 1. Introdução. 2. Contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços. 3. Princípios trabalhistas 4. Pejotização. 4.1 Vantagens e desvantagens da Pejotização 4.2.. Pejotização e terceirização. 5. Conclusão
1. Introdução
No mundo moderno, o modelo de contratação tradicional e protecionista do direito do trabalho mostrou-se inadequado diante da constante evolução da economia e de novos modelos empresariais, bem como, deixou de atender às necessidades das relações de emprego.
Diante dessas constantes transformações sociais e econômicas, a flexibilização das normas trabalhistas surgiu para atender a necessidade de se pensar novas formas de contratação e também como um mecanismo para manter a saúde financeira e competitividade das empresas.
No entanto, a flexibilização das normas trabalhistas que gerou novos modelos de vínculos laborais e novas categorias de empregados, teve como consequência a diminuição da proteção dos direitos laborais, ou seja, a flexibilização precarizou as relações trabalhistas fragilizando a proteção laboral conferida ao trabalhador.
A matéria a ser tratada neste artigo versa sobre um desses novos modelos de contratação cuja prática é muito comum em diversos meios laborais: a pejotização.
A pejotização é um modelo de contratação que surgiu no cenário laboral na década de 90 e ganhou espaço graças à flexibilização das normas trabalhistas e a consequente precarização das relações de emprego. É um modelo de contratação que tem sido considerado majoritariamente fraudulento pela doutrina e jurisprudência trabalhista.
O objetivo desse artigo é avaliar o que está envolvido no conceito e características da pejotização e qual o alcance desse modelo de contratação nas relações de emprego e suas consequências.
O artigo visa esclarecer que a pejotização é uma modalidade de contratação que burla a legislação trabalhista, e que não deve ser confundida com a terceirização licita e nem com o trabalho autônomo, além disso, a pejotização não foi amparada legalmente pela Reforma trabalhista.
2. Contrato de trabalho e Contrato de prestação de serviços
Segundo o art. 442 da CLT, o contrato de trabalho é o acordo tácito ou expresso que formaliza a relação de emprego. Existem várias teorias que buscam explicar a natureza jurídica do contrato de trabalho, dentre essas teorias, duas se mostram mais relevantes: a teoria anticontratualista e a teoria contratualista.
Segundo a teoria anticontratualista, a relação de emprego se concretiza no momento da inserção do empregado na empresa. Esse entendimento é corroborado por Sérgio Pinto Martins que ensina que: “Para a teoria anticontratualista, o trabalhador incorpora-se à comunidade de trabalho visando cumprir os objetivos almejados pela produção nacional, sem existir autonomia de vontade na discussão das cláusulas contratuais” (MARTINS, 2001, p.94).
Já a teoria contratualista, adotada majoritariamente pela doutrina trabalhista, assevera que contrato de trabalho é um pacto de vontade entre empregador e empregado que resulta na relação de emprego. “Com efeito, o elemento volitivo é essencial para a formação da relação empregatícia, o que demonstra a existência de um contrato, expressão máxima da liberdade de constituir obrigações mútuas, para as partes pactuantes” (PAULO; ALEXANDRINO, 2010, p.37).
O contrato de trabalho é definido como bilateral, oneroso, comutativo, consensual, pessoal, de execução continuada, subordinativo e para alguns é também definido como um contrato de adesão.
Importante salientar a definição de empregado e empregador respectivamente prevista nos artigos 2º e 3º da CLT. Vejamos os dispositivos legais:
Art. 2º. Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.
Art. 3º. Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste a mediante salário.
A leitura dos dispositivos supracitados permite destacar cinco características essenciais do contrato de trabalho, quais sejam: a pessoalidade, habitualidade, onerosidade, subordinação e alteridade.
A pessoalidade define que o contrato de trabalho é personalíssimo e só pode ser prestado pessoalmente pelo empregado (pessoa física).
Para José Cairo Jr (JUNIOR, 2006, p.156): “O contrato de trabalho é celebrado intuitu personae em relação à pessoa do empregado. É um contrato personalíssimo e, por conta disso além de não se admitir que o empregado seja pessoa jurídica, a prestação de serviço deverá ser executada pessoalmente, vedada a substituição por outra pessoa”.
A habitualidade significa que o contrato de trabalho é de prestação sucessiva, contínua e não eventual, ou seja, não se esgota em uma única prestação.
A onerosidade determina que o trabalho prestado não seja gratuito devendo existir uma contraprestação pecuniária pelo serviço executado.
A característica da subordinação expressa que a atividade do empregado é permanentemente dirigida pelo empregador, ou seja, o empregado não tem autonomia na execução do serviço prestado.
E por fim, a alteridade é a característica que determina que os riscos da atividade empresarial não possam ser imputados ao empregado. Para Sergio Pinto Martins (MARTINS, 2001, p.96): ”O empregado presta serviços por conta alheia (alteridade). Alteridade vem de alteritas, de alter, outro. É um trabalho sem assunção de qualquer risco pelo trabalhador. O empregado pode participar dos lucros da empresa, mas não dos prejuízos. Quando está prestando um serviço para si ou por conta própria, não será empregado, podendo ocorrer apenas a realização de um trabalho, ou a configuração do trabalho autônomo. É requisito do contrato do trabalho o empregado prestar serviços por conta alheia e não por conta própria”.
É por fim, salientamos que, o contrato de trabalho só tem validade jurídica quando estão presentes todos os seus requisitos ou características.
Também é importante tecer algumas considerações sobre o contrato de prestação de serviços. Esse contrato tem sua previsão legal no art. 594 do Código Civil e prescreve que “toda espécie de serviço ou trabalho licito, material ou imaterial, pode ser contratado por meio de retribuição”.
No contrato de prestação de serviços o objeto é o serviço autônomo e não o serviço subordinado, ou seja, o profissional prestador de serviços tem autonomia para decidir qual seja a melhor forma de execução do serviço contratado. Ressalte-se que mesmo que haja algumas diretrizes estabelecidas pelo contratante (tomador de serviços) sobre o trabalho pactuado não retira a autonomia do prestador de serviços.
Esse tipo de contrato também pode ser firmado entre duas pessoas jurídicas o que pressupõe igualdade entre as partes inexistindo o elemento da subordinação que é imprescindível no contrato de trabalho.
A importância de diferenciar o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviço é relevante, porque a legislação laboral só tutela os integrantes de uma relação de emprego formalizada por meio de um contrato de trabalho. Além disso, para o direito do trabalho o empregado, necessariamente, só pode ser uma pessoa física e nunca uma pessoa jurídica.
Essa diferenciação também é importante, pois, no caso da pejotização o contrato civil de prestação de serviços é utilizado para substituir o contrato de trabalho fraudulentamente.
3. Princípios trabalhistas
Alguns princípios trabalhistas têm sido utilizados pelo judiciário trabalhista no intuito de expor as relações de emprego mascaradas pela pejotização.
Dentre esses princípios trabalhistas vamos destacar dois que entendemos serem os principais e mais relevantes: o princípio da primazia da realidade e o princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas.
O princípio da primazia da realidade determina que a realidade dos fatos seja mais importante do que os contratos ou ajustes celebrados pelas partes, algumas de forma fraudulenta ou abusiva, ou seja, no âmbito trabalhista o que importa mais os fatos concretos do que está consubstanciado nos documentos, contratos ou ajustes formalizados entre as partes.
Mauricio Godinho Delgado (DELGADO, 2015, p 211): [...] O princípio do contrato realidade autoriza, assim, por exemplo, a descaracterização de uma pactuada relação civil de prestação de serviços, desde que no cumprimento do contrato despontem, concretamente, todos os elementos fáticos jurídicos da relação de emprego (trabalho por pessoa física, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação)”.
A justiça laboral entende que o contrato de trabalho é um contrato realidade, ou seja, os fatos devem ser considerados da forma como aconteceram e não somente como estão previstos no contrato firmado entre as partes, é importante considerar que o empregado permanece sendo a parte hipossuficiente da relação de emprego e por isso mesmo, muitas vezes se vê forçado a aceitar condições extremamente desfavoráveis em prol da manutenção do emprego.
Assim, a aplicação desse princípio nas demandas trabalhistas permite que o magistrado busque a verdade real dos fatos seja de forma direta, confrontando documentos e realidade dos fatos, ou ainda de forma indireta, aplicando-o em conjunto com outros dispositivos legais, buscando a solução mais adequada e justa para a resolução do caso concreto.
Nesse sentido, vejamos jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região:
Vínculo Empregatício. Pejotização. Uma vez caracterizados os requisitos relativamente à pessoalidade, habitualidade, subordinação e onerosidade, tudo configura o contrato de trabalho, tal como definido nos arts. 2º e 3º da CLT, atuando o trabalhador no desempenho de atividades relacionadas ao objeto finalístico da Empregadora, em homenagem ao princípio da primazia da realidade, não há o que se falar em existência de contrato civil celebrado entre as partes, mas de efetiva relação empregatícia. (Processo: 01069-2010-008-10-007 RO. Relatora Desembargadora Flavia Simões Falcão. Publicado no DEJT de 17/11/2015).
Já o princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas prevê a impossibilidade do trabalhador dispor de seus direitos trabalhistas sempre que essa renúncia resultar em prejuízo para o mesmo.
A CLT em seu art. 9º define bem esse princípio ao determinar que “serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos trabalhistas”. O mesmo diploma, em seu art. 468 preceitua que, a alteração das condições de trabalho só pode ser feitas com a anuência do empregado, desde que não lhe acarrete prejuízos, sob pena de nulidade.
Assim, quando no caso concreto é configurada uma relação de emprego fraudulenta, a aplicação desse princípio serve como embasamento para que todos os direitos trabalhistas suprimidos em decorrência de uma relação empregatícia fraudulenta sejam restaurados, ou seja, ele “devolve” a proteção legalmente conferida ao trabalhador.
4. Pejotização
O fenômeno da pejotização surgiu sob a égide do empreendedorismo, do trabalho autônomo, da flexibilização das relações de emprego e da consequente precarização das normas trabalhistas.
É considerada uma prática muito comum nas relações de emprego e pode ser observada em diversos segmentos empresariais.
A pejotização pode ser definida como a modalidade de contratação ou recontratação na qual o empregado (pessoa física) é obrigado a constituir uma pessoa jurídica (PJ) para a prestação de serviços ao empregador como condição indispensável para a manutenção do emprego. Após a contratação ou recontratação como pessoa jurídica (PJ) o empregado passa a emitir notas fiscais para o empregador (contratante) isentando-o de diversos direitos e encargos trabalhistas tais como férias, horas extras, 13º salário e também das contribuições previdenciárias e depósitos do FGTS.
No entendimento de Simone Costa e Felipe Ternus (COSTA, TERNUS, 2012. p.201):
Em decorrência da busca de maior produtividade e lucro por parte das empresas é que surge o fenômeno da pejotização. Atualmente pode ser considerada uma nova modalidade fraudulenta ao sistema jurídico trabalhista brasileiro. Consiste basicamente, em uma contratação, realizada através de contrato de prestação de serviços, de determinada pessoa jurídica, empresa devidamente constituída, para a prestação de algum serviço específico.
Normalmente esta contratação ocorre para burlar uma relação de emprego, em que a empresa contratante deveria assumir as expensas e encargos trabalhistas a seu funcionário, em sendo assim, a não contratação direta, não o faz responsabilizar-se por despesas decorrentes da relação de trabalho como férias, décimo terceiro salário, entre outras contribuições.
A legislação trabalhista considera a pejotização uma fraude, pois, descaracteriza o vínculo empregatício formal e mascara a verdadeira relação de emprego existente entre as partes, já que favorece o empregador que tem considerável redução nos encargos trabalhistas, sociais e fiscais, além de potencializar seus lucros, e por outro lado, suprime importantes e essenciais, direitos trabalhistas.
É relevante observar que, a prestação de serviços efetuada por uma pessoa jurídica ou um profissional autônomo é sempre feita de forma independente e sem subordinação jurídica à empresa contratante, ora tomadora do serviço. Isso porque a pessoa Jurídica ou o profissional autônomo tem legalmente assegurado liberdade e autonomia para prestar o serviço da forma que lhe for mais conveniente e desde que cumpra o que foi estipulado no contrato entre as partes e nesse caso, não se observa nenhuma ilegalidade.
No entanto, na pejotização a Pessoa Jurídica constituída para a prestação de serviços ao empregador (contratante) continua mantendo todas as obrigações formais de um empregado contratado sob as regras previstas na CLT, ou seja, permanecem as características de pessoalidade, habitualidade, onerosidade, subordinação e alteridade.
Ademais, na pejotização é fácil observar a relação de emprego fraudulenta, pois, a empresa constituída pelo empregado, em geral, não tem sede própria, não presta serviços para outras empresas, o tempo de constituição da empresa é mínimo e é evidente a subordinação jurídica ao empregador/ contratante.
Normalmente a pejotização tem maior incidência entre os trabalhadores que prestam serviços intelectuais (médicos, advogados, jornalistas, profissionais de TI, a classe artística etc.), mas também ocorre no meio esportivo e em outras categorias profissionais com menor incidência.
Essa incidência maior em relação aos serviços intelectuais se justifica pela previsão do art. 129, da Lei nº 11.906/2005, que assevera que:
Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil.
De fato, os que defendem a pejotização como uma prática legal acreditam que, trabalhadores que prestam serviços essencialmente intelectuais, não estariam sendo lesados em seus direitos trabalhistas porque, nesse caso particular, eles não seriam vistos como parte hipossuficiente da relação de emprego uma vez que possuem conhecimento e liberdade para definir qual relação contratual que lhes seria mais vantajosa.
No entanto, é preciso ressaltar que a considerável autonomia que o trabalho intelectual concede ao empregado não pode e nem deve ser entendida como uma renúncia aos direitos e proteção previstos na legislação trabalhista, uma vez constatado que houve o intuito de mascarar a relação de emprego e lesar o empregado, independente da categoria profissional atingida, toda fraude deve ser combatida com rigor.
Como já dissemos anteriormente, a CLT em seu art. 9º prescreve que “serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos trabalhistas”.
É evidente que nem toda contratação de uma pessoa jurídica é fraudulenta e ilegal, desde que o contrato de prestação de serviços atenda a todos os dispositivos legais e não estejam presentes os requisitos essenciais que configuram uma relação de emprego, a contratação de uma pessoa jurídica não encontra nenhum obstáculo legal.
Consideramos que a pejotização, por ser uma fraude trabalhista, tem como principal consequência a precarização das relações do trabalho impondo ao empregado/PJ a supressão dos direitos e garantias trabalhistas, e por outro lado, dando ao empregador -/contratante a possibilidade de aumentar seus lucros burlando a lei e os cofres públicos também, pois deixa de recolher as contribuições previdenciárias, sociais e fiscais.
4.1. Vantagens e Desvantagens da Pejotização
Para o empregador (empresa contratante) a pejotização traz várias vantagens dentre elas, destacam-se a redução de custos na folha de pagamento, pois com a contratação de um empregado PJ o empregador se livra dos encargos trabalhistas (férias, horas extras, 13º salario etc.), além das contribuições previdenciárias, fiscais e depósitos do FGTS.
Além disso, o empregador/contratante também reduz custos com a contratação em si, pois o empregado PJ não precisa realizar exames admissionais, não necessita de exames médicos periódicos etc., e a burocracia é bem menor, e na ocasião do término do contrato não há verbas rescisórias a serem pagas.
A maior desvantagem para o empregador/contratante seria o risco de sofrer uma ação judicial após o encerramento do contrato para reconhecimento do vínculo empregatício e a condenação ao pagamento de todas as verbas trabalhistas devidas ao empregado, bem como, os depósitos do FGTS, multas, e recolhimentos previdenciários e fiscais acrescidos de juros e correção monetária. Ademais, em alguns casos pode haver a condenação em danos morais, e ainda deve-se considerar o pagamento de honorários advocatícios.
Já as vantagens para o empregado /PJ seria principalmente, a remuneração superior àquela auferida nas relações de emprego regidas pela CLT, além disso, supostamente o empregado teria maior autonomia de tempo o que permitiria a prestação de serviços para outras empresas possibilitando o aumento de renda, além disso, outra vantagem seria a redução na alíquota do imposto de renda.
As desvantagens do empregado/PJ são muitas e podemos citar a obrigatoriedade de arcar com os custos para constituir e manter uma pessoa jurídica, contratação de contador, emissão de notas fiscais etc.
Mas a maior desvantagem, com certeza é a perda dos direitos trabalhistas e da proteção assegurada na legislação laboral.
4.2. Pejotização e Terceirização
Outro ponto importante a se esclarecer é que a pejotização e a terceirização não são iguais, pelo contrário, suas características são distintas e não se confundem.
No entendimento Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (PAULO, ALEXANDRINO, 2010, p.77):
A terceirização no sentido estrito, ou prestação de serviços, tem sido largamente utilizada no Brasil, seja como técnica de especialização das atividades, seja para propiciar uma melhor gestão dos negócios da empresa, por meio do incremento da produtividade e da redução de custos na contratação de pessoal. Na terceirização, a empresa, sem executar determinados serviços com seus próprios empregados, contrata os serviços de outra empresa, para que esta os realize com o seu pessoal, sob sua responsabilidade (da empresa contratada).
Nota-se que na terceirização existe uma relação trilateral que compreende a empresa tomadora de serviços (contratante), a empresa prestadora de serviços (contratada), e o empregado que efetivamente executa o serviço. Ressalte-se também que na terceirização a relação de emprego se dá entre a empresa prestadora de serviço e o empregado.
Sobre a trilateridade presente na terceirização, Gustavo Filipe Barbosa Garcia (GARCIA, 2015, p.209) entende que:
Entre o empregado e o empregador (que é uma empresa prestadora de serviços) verifica-se a relação de emprego, ou seja, o contrato de trabalho (art. 422, caput, da CLT).
O vínculo entre o tomador (quem terceirizou alguma de suas atividades) e a empresa prestadora decorre de outro contrato, de natureza civil ou comercial, cujo objetivo é a prestação do serviço empresarial.
Antes do advento da Lei nº 13.429/2017 (reforma trabalhista) só era possível terceirizar as atividades-meio das empresas e nesses casos, a terceirização era considerada lícita, mas quando a terceirização era direcionada para as atividades-fim das empresas configura-se a terceirização ilícita.
Esclarecemos que atividade-meio é aquela importante para o desempenho e bom funcionamento da empresa, já atividade-fim é aquela que determina o núcleo definidor da principal atividade desenvolvida pela empresa.
No entanto, a Lei nº 13.429/2017 (reforma trabalhista) alterou a Lei nº 6.019/74 essa alteração tornou possível a terceirização da atividade-fim das empresas tomadoras de serviço, desde que sejam observados os requisitos legais.
Assim, o texto legal normatizou a prática da terceirização possibilitando maior liberdade na contratação de serviços terceirizados e regras mais claras e específicas, além da possibilidade de se terceirizar as atividades-fim das empresas.
No entanto, as alterações instituídas pela Lei nº 13.429/17 na legislação trabalhista não legalizou a prática da pejotização. Logo, se for provado judicialmente que o empregado contratado como PJ, na verdade, exerce suas atividades com as mesmas características de um empregado celetista, em especial a subordinação, configura-se a fraude e há o reconhecimento do vínculo empregatício pela justiça laboral, condenando-se o empregador (empresa contratante) ao pagamento de todas as verbas trabalhistas, depósitos do FGTS e recolhimentos previdenciários.
Nesse sentido, vejamos jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região:
Vínculo de emprego. Pejotização. A celebração de contrato de prestação de serviços através do fenômeno da “pejotização” com o intuito de configurar um suposto trabalho autônomo, somente evidenciou a tentativa da reclamada de mascarar típica relação empregatícia, não restando outra alternativa a não ser declarar incidentalmente a nulidade do contrato de prestação de serviços estabelecido entre a reclamada e a pessoa jurídica da qual a reclamante é sócia, com fulcro no art. 9º da CLT, reconhecendo-se a existência do vínculo de emprego entre as partes, na forma do art. 2º e 3º da Consolidação. Recurso da reclamada desprovido. (TRT1- RO: 0100209072015011173RJ, Relator José Luís Campos Xavier. Data do julgamento: 02/10/2019, sétima turma. Data de publicação: 11/10/2019.).
Dessa forma fica claro que, a pejotização e a terceirização não se confundem: a primeira configura uma fraude trabalhista se comprovado entre o empregado (pessoa jurídica) e a empresa contratante o vínculo empregatício; já a segunda é uma forma de contratação licita entre uma empresa prestadora de serviços e uma empresa tomadora de serviços, lembrando que todos os empregados terceirizados têm seus direitos trabalhistas assegurados conforme previsto na CLT.
5. Conclusão
Neste artigo, buscamos esclarecer alguns pontos controvertidos sobre a prática da pejotização, suas características, sua incidência nos serviços intelectuais, e as diferenças entre a pejotização e a terceirização. O enfoque é demonstrar que, mesmo com as mudanças da legislação laboral, a pejotização não foi normatizada.
As características da pejotização demonstram que a constituição de uma pessoa jurídica pelo empregado tem o intuito de mascarar a relação empregatícia, uma vez que estão presentes todos os requisitos que caracterizam o contrato de trabalho regido pela CLT.
Foi demonstrado que a pejotização não se confunde com a terceirização, uma vez que na pejotização o empregado constitui uma pessoa jurídica, mas mantêm todos os requisitos de uma relação empregatícia, em especial, a subordinação o que configura a fraude trabalhista.
Assim, a prática da pejotização permanece sendo entendida pela doutrina e pela jurisprudência trabalhista como uma fraude, e uma vez provado que inexiste uma relação de prestação de serviços, mas sim, uma relação de emprego o Judiciário Trabalhista tem desconstituído a pejotização, reconhecido o vínculo laboral e condenado o empregador/contratante ao pagamento de todos os direitos assegurados na legislação trabalhista ao empregado e em alguns casos, também incide a condenação em danos morais.
Referências
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BRASIL. Lei n. 11.196, de 21 de novembro de 2005. Institui o Regime Especial de Tributação para a Plataforma de Exportação de Serviços de Tecnologia da Informação - REPES, o Regime Especial de Aquisição de Bens de Capital para Empresas Exportadoras - RECAP e o Programa de Inclusão Digital. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11196.htm>. Acesso em: 10 abr. 2020.
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região. Recurso Ordinário. Processo 01002090720175010073 RJ. Relator José Luís Campos Xavier. Data do julgamento: 02/10/2019, Sétima turma. Data de publicação: 11/10/2019.
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região. Recurso Ordinário. Processo n.01069-2010-008-10-007. Relatora Desembargadora Flávia Simões Falcão. Publicado no DEJT de 17/11/2015.
COSTA, Simone da; TERNUS, Felipe. A pejotização e a precarização das relações de trabalho no Brasil e a relação dos princípios da proteção e da primazia da realidade no direito do trabalho. Simpósio Internacional de Direito: Dimensões materiais e eficaciais dos direitos fundamentais-DESCONTINUADO, v. 2, n. 2, p. 193-216, 2012. Disponível em: <http:// editora.unoesc.edu.br/index.php/.../ article/download/2285/1308>. Acesso em: 07 abr.2020.
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso do direito de trabalho. 14. ed., São Paulo: LTr, 2015.
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PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Manual de Direito do Trabalho. São Paulo: Método, 2010.
Bacharel em Direito, Universidade Católica de Brasília - UCB, Especialista em Direito Administrativo, LFG/Anhaguera. Advogado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Leonardo Ribeiro da. O fenômeno da pejotização nas relações de emprego Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 maio 2020, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54512/o-fenmeno-da-pejotizao-nas-relaes-de-emprego. Acesso em: 23 dez 2024.
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