RESUMO: O presente artigo aborda o estudo acerca do posicionamento jurisprudencial no que concerne ao desvirtuamento do estágio como fraude à legislação trabalhista brasileira. A efetiva atividade do estágio tem por finalidade proporcionar a preparação para o trabalho, por meio da integração do conhecimento teórico com a experiência prática. O estágio deve servir como aperfeiçoamento e desenvolvimento do estudante para o início do exercício profissional. A despeito da relevância social do estágio, este elemento curricular vem sendo objeto de fraude à legislação trabalhista com o fito de obter mão de obra barata ao camuflar a relação de emprego e sonegar encargos trabalhistas e previdenciários. Diante da problemática, este artigo traz breve explanação acerca da legislação e da jurisprudência especialmente no que se refere a possibilidade de reconhecimento do vínculo empregatício nas relações de estágio em desrespeito aos requisitos formais e materiais da lei nº 11.788/2008.
PALAVRAS-CHAVE: Estágio; Desvirtuamento; Jurisprudência; Fraude.
ABSTRACT: The present article is about a study about the jurisprudential positioning about the misrepresentation of the internship as a fraud to the Brazilian labor legislation. The effective activity of the internship aims to provide preparation for work, through the integration of theoretical knowledge with practical experience. The internship should serve as the student's improvement and development for the beginning of the professional practice. Despite the social relevance of the internship, this curricular element has been subject to fraud in the labor legislation with the aim of obtaining cheap labor by disguising the employment relationship and evading labor and social security charges. In view of the problem, this article provides a brief explanation of the legislation and jurisprudence, especially with regard to the possibility of recognizing the employment relationship in internship relationships in disregard of the formal and material requirements of Law nº. 11.788/2008.
KEYWORDS: Internship; Misrepresentation; Jurisprudence; Fraud.
O presente estudo teve o intento de abordar o tema “o posicionamento jurisprudencial acerca do desvirtuamento do estágio como fraude à legislação trabalhista, no Brasil”, fazendo breve explanação no que se refere à legislação e a jurisprudência no tocante à possibilidade de reconhecimento do vínculo empregatício nas relações de estágio em desrespeito aos requisitos formais e materiais da lei nº 11.788/2008.
O estágio é o meio previsto na legislação para o aprimoramento, aprendizagem e qualificação de estudante no caminho para o mercado de trabalho. Esse elemento curricular possui grande importância para a formação profissional dos discentes, propiciando o seu amadurecimento no ambiente de trabalho.
Entretanto, tal atividade vem sendo objeto de fraudes, maculando os princípios inerentes ao estágio que é uma espécie de contrato de trabalho sem vínculo empregatício. Em linhas gerais, a fraude consiste na admissão de estagiários para, na prática, desempenhar atividades comuns aos empregados celetistas - regidos pela CLT – o que torna o estágio uma mão de obra barata e o desvincula das premissas da lei nº 11.788/2008.
Ocorre que, conforme veremos de maneira mais aprofundada no decorrer do artigo, sendo configurada o desvirtuamento do estágio, a relação pode ser considerada fraude à legislação trabalhista e vínculo empregatício pode ser reconhecido entre o estudante estagiário e o concedente tomador de serviço.
A lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008, ampliou a proteção para o estudante estagiário no Brasil. O estatuto inovador do estágio garantiu mais benefícios ao estudante por estabelecer requisitos de atendimento obrigatório na relação com o objetivo de cumprir a finalidade do estágio, que tem caráter social, pedagógico e especializado.
O presente artigo tem como objetivo contribuir para a informação da sociedade sobre o verdadeiro conceito de estágio, que está estritamente ligado a preparação do estudante para o exercício profissional. Aborda-se as situações em que se configura o desvirtuamento da relação de estágio, gerando uma nova caracterização da atividade desempenhada, que deve ser amparada pelo Direito do Trabalho. Buscou-se abordar a relevância do estágio para toda a sociedade e para a ordem econômica brasileira, haja vista que o estágio proporciona alicerces de conhecimento prático ao estudante.
Outrossim, o estudo foi realizado em sua maior abrangência com base em referências bibliográficas por meio de consulta a selecionada literatura jurídica e, ainda, julgados dos Tribunais do Trabalho sobre o respectivo tema.
O artigo é composto por uma análise da jurisprudência brasileira acerca do desvirtuamento do contrato de estágio como fraude a legislação trabalhista. O trabalho divide-se em três tópicos, iniciando-se com uma explanação acerca do dos aspectos gerais do estágio, seguido de uma breve abordagem do desvirtuamento do estágio como fraude à legislação trabalhista e encerrando com estudo do posicionamento jurisprudencial brasileiro acerca do tema.
O estágio é importante componente curricular na formação do estudante para a vida profissional, é a consolidação do aprendizado da vida acadêmica, partindo da base teórica adquirida na sala de aula para aplicar, de forma prática, tais conhecimentos em âmbito profissional.
Em linhas gerias, o objetivo do estágio é o aperfeiçoamento do estudante, por meio da aplicação efetiva do aprendizado teórico e pedagógico para o melhor desempenho do estágio.
Consistindo em atuação profissionalizante, o estágio deve ser realmente desenvolvido no meio laborativo, no qual o estagiário possa vivenciar de maneira eficaz o funcionamento da prática trabalhista, para Sergio Pinto Martins o estágio é ato educativo escolar, no qual se desenvolve um processo de integração entre o que o estagiário aprende na escola e aplica de maneira prática no trabalho, servindo o ambiente de trabalho como extensão da sala de aula. (MARTINS, 2012 apud GONTIJO, 2018, p. 11).
A experiência proporcionada pelo estágio constitui-se bastante relevante para a formação integral do aluno, haja vista a crescente exigência de habilidades profissionais para ingresso no mercado de trabalho. Na sala de aula, o aluno tem à sua disposição vasto conhecimento teórico, porém para a aplicação prática do aprendizado é fundamental que o estudante tenha a oportunidade de vivenciar atividades reais no cotidiano profissional. Nesse ponto, Martinez leciona:
A trajetória do conhecimento prático está indispensavelmente vinculada ao cumprimento do estágio porque ele proporciona o aprendizado de competências próprias da atividade profissional, a contextualização curricular e o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho. (MARTINEZ, 2020, p. 205).
Diante da importância da realização responsável do estágio nessa trajetória revela-se a necessidade de intervenção do Estado de maneira eficaz, para que esse processo não se distancie do conceito legal de estágio desvirtuando tal atividade.
O conceito de Estágio, está previsto no artigo 1º, § 2º, da lei nº 11.788/2008, in verbis:
O estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos [...] Objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho.
Nesse sentido que aduz a lei é que o estágio visa ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando que o estagiário seja submetido ao desenvolvimento e ao aprimoramento de seus conhecimentos. (LEITE, 2020, p. 332)
Todavia, se as regras trazidas na lei de estágio não forem devidamente obedecidas ocorrerá a desconfiguração do estágio como relação de trabalho, passando a ser tratado como relação de emprego com aplicação de todas as garantias e direitos previstos da Consolidação das Leis do Trabalho, pois a violação às diretrizes da nº 11.788/2008 acarreta na alteração da natureza jurídica da atividade desenvolvida pela estudante.
A lei do estágio objetiva o aperfeiçoamento pedagógico e social do estudante, de forma maior prática, abrangente e juridicamente protegida para que, de fato o estágio não venha a se desvincular da sua finalidade e tornar a experiencia inefetiva.
O estágio visa o oportunizar a aplicação experimental das competências adquiridas na sala de aula, estabelecendo um elo entre o ambiente educacional e o laboral, levando em conta que o mercado de trabalho anseia por profissionais com habilidades diversificadas para uma melhor atuação profissional. A experiência obtida no estágio proporciona ao estudante a aquisição dessas habilidades, no campo prático, as quais não são possíveis aprender em sala de aula.
Neste contexto, a Constituição Federal prevê no seu art. 205 a qualificação para o trabalho como elemento essencial de promoção da educação, in verbis:
Art. 205 A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Observa-se que constitucionalmente a educação é fundamental ao desenvolvimento social. Definitivamente, o estágio é a atividade que propicia a qualificação para o trabalho, sendo a ponta do processo educacional, haja vista que o estudante absorve os conhecimentos teóricos da classe e os aplica no ambiente laboral.
Eis o caráter pedagógico conferido legalmente ao estágio, com o objetivo de formação profissional. Como assegura Maurício Godinho Delgado: “Em agregação a essas inovações significativas trazidas pela nova Lei do Estágio, cabe se enfatizar que o diploma jurídico acentuou ainda mais o necessário caráter educativo desse contrato de trabalho especial não empregatício”. (DELGADO, 2019, p. 378)
Como foi abordado no capítulo anterior, a função social do estágio é atuar em busca da melhoria da educação e do desenvolvimento da sociedade. Para o cumprimento dessa uníssona finalidade é imprescindível que a realização do estágio alcance o aprimoramento do estudante, sendo subsídio aos conhecimentos adquiridos durante a formação curricular para concretizar o desenvolvimento acadêmico, formando um profissional com uma melhor qualificação.
O novo diploma que regulamenta o estágio - lei nº 11.788/2008 - visa amparar e proteger mais efetivamente a função social do estágio, posto que a norma implementou regras, requisitos e princípios que concretamente estabelecem a natureza jurídica e a finalidade social do estágio, ressaltando o foco na aprendizagem.
Lado outro, o estágio corriqueiramente não tem conseguido alcançar a sua finalidade, pois ainda vem sendo utilizado como maneira de obter mão de obra barata no mercado de trabalho e a sua contratação tem sido realizada apenas com o fito de suprir as necessidades ordinárias da concedente. Sobre a descaracterização do estágio como veículo de aprendizagem, Martinez (2020) ensina:
Quando o estágio deixa de ser veículo de aprendizagem prática em determinada linha teórica e passa a ser apenas um meio de sustentação do estudante, quando ele se divorcia dos seus propósitos, manifesta-se em verdade a figura do “trabalho”. Com isso não se quer dizer que o pagamento de bolsa de estágio em valor vultoso encubra necessariamente um mascarado vínculo de trabalho, mas, apenas, que isso, de fato, produzirá uma presunção indicativa da existência desse trabalho. (MARTINEZ, 2020, p. 191)
Ausentes os requisitos exigidos na lei do estágio, resta configurado o desvirtuamento do estágio, devendo, assim, ser reconhecimento o vínculo empregatício. Nesse sentido, assevera Maurício Godinho Delgado:
Frustradas, entretanto, a causa e a destinação nobres do vínculo estagiário formado, transmutando-se sua prática real em simples utilização menos onerosa de força de trabalho, sem qualquer efetivo ganho educacional para o estudante, esvai-se o tratamento legal especialíssimo antes conferido, prevalecendo, em todos os seus termos, o reconhecimento do vínculo empregatício.
O estágio, portanto, tem de ser correto, harmônico ao objetivo educacional que presidiu sua criação pelo Direito: sendo incorreto, irregular, trata-se de simples relação empregatícia dissimulada. (DELGADO, 2019, p. 374)
O legislador, ao redigir a lei nº 11.788/2008, trouxe o entendimento de que o estágio não se confunde com a relação de emprego. Essa diferenciação da lei objetivou a ampliação da oferta de vagas de estágio no mercado de trabalho, garantindo, primordialmente, um melhor aprimoramento do estagiário e valorizando a qualificação para o trabalho. Todavia, nem sempre isso ocorre na prática.
Nesse ínterim, quando a concedente contrata um estudante como estagiário para atuar em atividades quem não possuem relação com o curso de formação do estagiário ou quando a jornada de trabalho ultrapassa a estabelecida no termo de compromisso, por exemplo, resta configurado a desvirtuação da contratação do estagiário, sendo possível reconhecer a não inefetividade do estágio e existência de relação de emprego. Martinez (2020) destaca:
O abuso do direito de contratar estagiários tornou-se tema recorrente. Muitas concedentes de oportunidade de estágio, diante da evidência dos baixos custos para a contratação desse educando, extrapolaram os limites de sua responsabilidade social e, de forma conveniente, substituíram a autêntica força laboral pela atuação do estagiário. A jurisprudência revela múltiplos casos de abusos, nos quais os estagiários simplesmente substituíam o pessoal regular e permanente. O legislador da nova Lei do Estágio preocupou-se com essa realidade e criou alguns dispositivos para tentar coibir a anunciada abusividade. (MARTINEZ, 2020, p. 224)
Exemplificando melhor, é possível mencionar a contratação de estudante do curso de direito para atuar como estagiário no ramo da engenharia civil. É flagrante o desvirtuamento do contrato de estágio, consistindo a contratação, em verdade, como meio de prover mão de obra barata.
Pode-se ainda citar como exemplo de incompatibilidade a contratação de um acadêmico de Administração para estagiar num escritório de Advocacia exercendo atividades de peticionamento e/ou atendimentos jurídicos. Evidente a fraude no contrato de estágio, consubstanciado no princípio da primazia da realidade, em face a submissão do estagiário à atividade desvinculada da área de atuação do seu curso acadêmico.
De tal sorte, caso o estagiário perceba ter sido contratado apenas para integrar o quadro funcional da empresa, deve imediatamente acionar a Justiça do Trabalho diante do desvirtuamento estágio, para que as medidas judiciais sejam tomadas para obstar o desvio de finalidade na relação, isso porque a competência a JT nesses casos é determinação constitucional, nos seguintes termos:
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
O aumento exagerado na contratação de estagiários também pode ser indício de fraude, já que se apresenta muito mais econômico e benéfico para empresa que teria custos diminuídos ao compor o quadro da empresa com estagiários, tendo em vista que nessas contratações, além da remuneração baixa, não incidiriam contribuições trabalhistas e previdenciárias.
Acerca da contratação de estagiários como mecanismo de mão de obra barata, Juscelindo Vieira Santos (apud MARTINS, 2014) assevera:
A figura do estagiário brasileiro é a antítese entre a salvação e o pecado. Para o sistema capitalista globalizado, os direitos trabalhistas assegurados e elevados a status constitucional, no entendimento da maioria do empresariado e grande parte da classe política brasileira, elevaram o chamado "custo Brasil", inviabilizando economicamente a competição, no mercado internacional, de produtos e serviços produzidos no país. A contratação de estagiários é uma das tábuas de salvação em face do baixo custo, pois não há a presença de encargos, e a lei não impede a jornada de trabalho-estágio, por 8 (oito) horas diárias para estudantes universitários, estágio em dias não úteis e feriados, não havendo outros custos trabalhistas que onerem a produção como pagamento de horas extras, adicional de horário noturno, licença-maternidade, aviso prévio, férias [...]. (SANTOS, 2009 apud MARTINS, 2014, p. 186)
De toda sorte, observa-se que muito embora a lei nº 11.7.88/2008 estabeleça diversas regras para evitar que ocorra a fraude no contrato de estágio, muitas vezes o desvirtuamento é a realidade mais frequente nessas contratações. São muitas as formas burlar o contrato de estágio e macular os princípios a ele inerentes, porém alguns requisitos tem sido objeto de fraude mais frequentemente, abordaremos adiante as principais hipóteses em que o estágio pode ser desconfigurado.
Conforme previsto na lei do estágio, o termo de compromisso é o marco inicial para a contratação do estágio, pois ali são estabelecidas as regras, direitos e deveres acerca do estágio. Sem a celebração desse contrato, entre estagiário, parte concedente e instituição de ensino, pode ser configurado o vínculo empregatício, nos termos do artigo 3º, §2º, in verbis:
Art. 3o O estágio, tanto na hipótese do § 1o do art. 2o desta Lei quanto na prevista no § 2o do mesmo dispositivo, não cria vínculo empregatício de qualquer natureza, observados os seguintes requisitos:
I – matrícula e frequência regular do educando em curso de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e nos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos e atestados pela instituição de ensino;
II – celebração de termo de compromisso entre o educando, a parte concedente do estágio e a instituição de ensino;
III – compatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e aquelas previstas no termo de compromisso.
§ 1o O estágio, como ato educativo escolar supervisionado, deverá ter acompanhamento efetivo pelo professor orientador da instituição de ensino e por supervisor da parte concedente, comprovado por vistos nos relatórios referidos no inciso IV do caput do art. 7o desta Lei e por menção de aprovação final.
§ 2o O descumprimento de qualquer dos incisos deste artigo ou de qualquer obrigação contida no termo de compromisso caracteriza vínculo de emprego do educando com a parte concedente do estágio para todos os fins da legislação trabalhista e previdenciária.
O descumprimento dos citados dispositivos, acarreta a caracterização de vínculo empregatício, e evidencia a fraude no contrato de estágio por parte concedente de estágio. Assim como, caso sejam formadas outras regras no contrato de estágio, que não estejam expressas em lei, se descumpridas, a relação de emprego restará configurada.
De igual maneira, o vínculo empregatício será declarado se o contrato de estágio estabelecer duração superior aos limites impostos pela lei do estágio - dois anos, salvo nos casos de contratos firmados com estagiários que com necessidades especiais,
O artigo 9º, IV, da lei nº 11.788/2008, prescreve a imprescindibilidade do seguro contra acidentes pessoais, que deve ser proporcionado ao estagiário pela concedente, sem o qual o contrato de estágio constitui-se irregular. Veja-se:
Art. 9º As pessoas jurídicas de direito privado e os órgãos da administração pública direta, autárquica e fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como profissionais liberais de nível superior devidamente registrados em seus respectivos conselhos de fiscalização profissional, podem oferecer estágio, observadas as seguintes obrigações:
IV – contratar em favor do estagiário seguro contra acidentes pessoais, cuja apólice seja compatível com valores de mercado, conforme fique estabelecido no termo de compromisso;
Noutra banda, se na realização do estágio não se possibilitar total aproveitamento por parte do estagiário no que concerne à aprendizagem e ao aprimoramento dos conhecimentos adquiridos em sala de aula, conforme estabelecido na lei, poderá se reconhecer os direitos trabalhistas existentes. É rotineira a contratação de estagiários para alocação de estagiários em setores incompatíveis com a área de atuação do curso do estagiário.
Conforme já reportado, o estágio tem como principal objetivo o vínculo pedagógico de aprendizado e aperfeiçoamento do aluno no mercado de trabalho, todavia inúmeras concedentes têm se valido da contratação de estagiários para dotar-se de mão de obra barata e beneficiar-se da supressão dos efeitos financeiros inerentes às relações de emprego regidas pela CLT.
Essa forma de execução do estagiário, ao submeter o estudante a funções meramente administrativas, se distancia do que é pactuado no termo de compromisso e difere do que estabelece a lei do estágio e do que é proposto no plano curricular pedagógico do curso.
Maurício Godinho Delgado diz que:
Note-se que, aqui, o mais importante não é se saber se o tomador de serviços está auferindo (ou não) ganhos econômicos com o estágio — já que tais ganhos sempre existirão em qualquer situação de prestação laborativa de alguém a outrem (mesmo prestação laborativa não onerosa, insista-se). Tais ganhos são inevitáveis a qualquer prestação de trabalho, sendo que esse fato não descaracteriza a regularidade do estágio. O fundamental, portanto, é aferir-se se o estágio está, efetivamente, cumprindo seus objetivos legais de permitir ganhos educacionais e profissionais para o estudante-obreiro. Ou seja, aferir-se o papel agregador real do estágio para a escolaridade e a formação educacional e profissional do estagiário. (DELGADO, 2019, p. 386)
Essa prática acarreta graves consequências para a sociedade como um todo. Um exemplo é o desemprego que desatina em decorrência da substituição empregados efetivos por estagiários. Esse fenômeno, por óbvio, também contribui para o empobrecimento da população, haja vista que submete as pessoas a menores remunerações, bem como desencadeia aumento no déficit da Previdência Social, já que não há os estagiários não contribuem.
Nesse sentido, Sérgio Pinto Martins diz que:
A contratação de estagiário não deve ter por objetivo apenas o aproveitamento de mão de obra mais barata, sem pagamento de qualquer encargo social, mascarando a relação de emprego, exigindo do trabalhador muitas horas diárias de trabalho. É o que se chama de escraviário ou de Office boy de luxo. Deve realmente proporcionar o aprendizado ao estagiário. Estando o estágio em desacordo com as regras de Lei nº 11.788/08, haverá vínculo de emprego entre as partes, atraindo a aplicação do artigo 9º da CLT. Nesse ponto, havia muitos abusos na prática, pois era desvirtuado o estágio, que a Lei nº 11.788 pretende inibir e coibir. (MARTINS, 2014, p.94)
Observe-se a imprescindibilidade de fiscalização do estágio para garantir a aplicabilidade da lei do estágio. Nesse diapasão, a Consolidação das Leis do Trabalho, no art. 626, delega a fiscalização ao Ministério do Trabalho por meio das Delegacias do Trabalho. A lei do estágio ampliou a proteção dos estagiários trazendo punições para a concedente de estágio e para os agentes de integração que se servirem do estagiário apenas como captação de mão de obra barata, deixando de atender o que dispõe a aludida lei.
Destaca-se que, configurada a fraude em contrato de estágio, a concedente será penalizada com vedação de contratar estagiários por dois anos, conforme imposição prevista na lei nº 11.788/2008. Caso exista a intermediação de uma agência de integração, que atua como fiscalizadora na relação de estágio e deve impedir a formação de vínculo empregatício, esta será responsabilizada civilmente pela desvirtuação do contrato de estágio, conforme previsto no §3º, artigo 5º, do mesmo diploma.
As instituições públicas também podem contratar estagiários, observando o que é previsto na lei de licitações e contratos administrativos. Todavia, nos contratos celebrados pela administração pública não é possível reconhecer o vínculo empregatício, pois existe previsão constitucional nesse sentido, entendimento inclusive ratificado na Orientação Jurisprudencial 366, SDD-I do Tribunal Superior do Trabalho. Nesse ponto:
O efeito formativo do vínculo de emprego, entretanto, não acontecerá se a concedente da oportunidade de estágio for um ente político, uma entidade pública ou uma empresa estatal. Nesse âmbito merece destaque a Orientação Jurisprudencial 366 da SDI-1 do TST, segundo a qual, “ainda que desvirtuada a finalidade do contrato de estágio celebrado na vigência da Constituição Federal de 1988, é inviável o reconhecimento do vínculo empregatício com ente da Administração Pública direta ou indireta, por força do art. 37, II, da CF/1988, bem como o deferimento de indenização pecuniária, exceto em relação às parcelas previstas na Súmula n. 363 do TST, se requeridas”. (MARTINEZ, 2020, p. 208)
Portanto, mesmo maculado de fraude, o contrato de estágio celebrado com a administração pública não caracteriza o vínculo empregatício, sendo garantido ao estagiário somente o direito às verbas trabalhistas, pois reconhece-se o desvirtuamento do estágio e, conforme prescrevem os princípios da relação de emprego, não pode existir trabalho sem a devida remuneração.
3 O POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL
Como foi visto, o estágio não se configura como relação de natureza trabalhista, mas propriamente educativa, sendo, conforme prescrito na lei que o regula, “ato educativo escolar supervisionado”. Embora seja desenvolvido no âmbito do ambiente de trabalho, não se confunde com trabalho, mas somente a preparação para ele.
Por essa evidência, em regra, a relação jurídica proveniente do contrato de estágio não se submete à jurisdição trabalhista, ressalvados os casos em que de desvirtuamento do estágio. Somente a descaracterização do estágio transformará a relação em emprego, acarretando a atração da competência da Justiça do Trabalho (art. 114, I, da CF). Aliás, o primeiro pedido de quem postula a descaracterização do estágio é justamente o de reconhecimento da existência de um vínculo de emprego, por força do disposto no § 2º do art. 3º da lei do estágio. (MARTINEZ, 2020, p. 230)
Muito também foi falado sobre as diversas formas de descumprimento da lei do estágio, o que pode caracterizar o reconhecimento do vínculo empregatício, no caso concreto. Por óbvio, se a competência jurisdicional é determinada em função da causa de pedir e do pedido, a discussão sobre a ocorrência de fraude no contrato de estágio também ficará sob a jurisdição trabalhista.
Diante da inobservância dos requisitos legais do estágio, a jurisprudência pátria consolidou entendimento de que essas desconformidades caracterizam fraude à legislação trabalhista, que enseja a declaração de desvirtuamento do estágio e o reconhecimento do vínculo empregatício. Vejamos julgado do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (Estado de Minas Gerais):
EMENTA: CONTRATO DE ESTÁGIO X CONTRATO DE EMPREGO. De acordo o artigo 15 da Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008, o contrato de estágio pressupõe a observância de regras de forma e de fundo, sem as quais fica caracterizado o vínculo empregatício. Os requisitos formais estão ligados às partes envolvidas (educando-trabalhador, tomador dos serviços e instituição de ensino), à documentação pertinente a essa vinculação especial (termo de estágio, relatórios periódicos etc.), e às demais obrigações a serem cumpridas pelo tomador dos serviços (contratação de seguro de acidentes pessoais, entre outras). Os requisitos materiais, por sua vez, estão ligados ao conteúdo do estágio e à sua finalidade pedagógica. Nesse segundo aspecto (requisitos materiais) habitam as questões mais sutis do estágio, e nele se impõe a necessidade inexorável de preparar o educando para o trabalho, na estrita área de sua formação. A empresa que abriga o estagiário em suas dependências deve proporcionar ao estudante um ambiente educativo, preparando-o para o trabalho produtivo, sempre com acompanhamento e supervisão, tudo em consonância com a sua área de aprendizagem. Em contrapartida, o empregador, partícipe da realização desses objetivos, recebe o benefício legal do não reconhecimento da figura do estágio como relação de emprego, embora presentes todos os requisitos (pessoa física, pessoalidade, onerosidade, subordinação e não eventualidade), ficando isento dos custos típicos de um contrato celetista. Assim, considerando o intuito maior do estágio, apenas não será reconhecido o vínculo empregatício acaso se observem os requisitos formais e materiais desse contrato especialíssimo. Caso contrário, o reconhecimento do vínculo de emprego é mera consequência. TRT da 3.ª Região; Processo: 0000686-65.2014.5.03.0010 RO; Data de Publicação: 17/07/2015; Disponibilização: 16/07/2015, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 98; Órgão Julgador: Primeira Turma; Relator: Luiz Otavio Linhares Renault; Revisor: Emerson Jose Alves Lage. (grifou-se) (Fonte: http://www.trt3.jus.br) Evidenciada a fraude no contrato de estágio, a realidade da relação, o verdadeiro modo como a atividade era prestada pelo estudante, deve prevalecer diante dos termos pactuados, por força da aplicação do princípio da primazia da realidade. Nesse diapasão, destaca-se o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho: RECURSO DE REVISTA. PROFISSIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA. DESVIRTUAMENTO DE CONTRATO DE ESTÁGIO. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. VEDAÇÃO LEGAL. CONTRATO-REALIDADE. Independentemente do título sob o qual o profissional foi contratado, é a realidade do contrato de trabalho que define a função do Profissional de Educação Física. É sabido que o contrato de trabalho é um contratorealidade, e portanto é a execução cotidiana das funções, objetivamente realizadas, durante o curso da relação de trabalho que determina qual a função exercida pelo empregado (e que determina a realidade do contrato), conforme disposto no já mencionado artigo 3º da CLT. Sendo assim, em havendo divergência entre o trabalho realizado pelo empregado e a dos termos firmados no contrato de trabalho (estágio), prevalece o primado da realidade sobre o pactuado. A regra é corolário da realidade que permeia o contrato de trabalho em sua execução, ou seja, do primado da substância sobre a forma. Assim, não pode o empregador que se utiliza de estagiário como se profissional e empregado seu fosse, desvirtuando o contratoformal, se socorrer no óbice legal que visa justamente coibir sua conduta. Certo é que a lei obstaculiza o exercício das atividades de Educação Física ao trabalhador não registrado no conselho profissional; no entanto, tal óbice não veda o cumprimento das obrigações trabalhistas por aquele que empregou trabalhador em tais funções. Recurso de Revista conhecido e provido (TST-RR 94915.2011.5.02.0242 – Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga – 6ª T. – DEJT 06.12.2013). (grifou-se) Observa-se que o TST já adotou o entendimento de que, na relação jurídica originada pelo contrato de estágio que deve prevalecer o princípio da primazia da realidade, ou seja, a real vivência do estagiário no ambiente laborativo é que pode configurar a relação de natureza trabalhista. Quanto as provas para a desconfiguração do estágio, muito embora impere o entendimento pela aplicação da distribuição do ônus probatório, comumente o desvirtuamento do estágio tem sido reconhecido pela ausência de provas do cumprimento dos requisitos do estágio, bastando que o reclamante faça prova mínima do desempenho de atividades à revelia dos preceitos do termo de compromisso e da lei do estágio. Vejamos julgado do TST: RECURSO DE REVISTA. PROCESSO ANTERIOR À LEI N. 13.467/2017. NULIDADE DO CONTRATO DE ESTÁGIO. DESVIRTUAMENTO. O e. TRT, a partir da valoração da prova documental produzida, concluiu pela nulidade do contrato decorrente do estágio desvirtuado, por não terem vindo aos autos avaliações semestrais, relatórios semestrais das atividades ou acompanhamento e avaliação do estágio, bem como com base na prova testemunhal, de que houve desvirtuamento do contrato de estágio, que visou mascarar verdadeiro vínculo de emprego. Nesse cenário, com base nas premissas registradas no acórdão recorrido, não há como se chegar a conclusão contrária, pois para tanto seria necessário o revolvimento dos fatos e prova, procedimento vedado nesta esfera extraordinária, ante o óbice da Súmula n. 126 do TST. Incólumes os arts. 3º da Lei 11.788/08 e 9º da CLT. Quanto à divergência jurisprudencial, revela-se inespecífica, na esteira da Súmula 296, I, do TST. Recurso de revista não conhecido. HORAS EXTRAS. O Tribunal Regional confirmou que os controles de horários não são válidos como prova da jornada realizada, pelo que são devidas as horas laboradas além da sexta hora diária. Nesse cenário, com base na premissa registrada no acórdão recorrido, não há como se chegar a conclusão contrária, pois para tanto seria necessário o revolvimento dos fatos e prova, procedimento vedado nesta esferaextraordinária, ante o óbice da Súmula n. 126 do TST. Recurso de revista não conhecido. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NA JUSTIÇA DO TRABALHO. Na Justiça do Trabalho, o deferimento de honorários advocatícios sujeita-se à constatação da ocorrência concomitante de dois requisitos: o benefício da justiça gratuita e a assistência por sindicato (nova redação da Súmula n. 219, item I, do TST, que incorporou a Orientação Jurisprudencial n. 305 da SBDI-1). Logo, não estando satisfeitos esses dois requisitos, não há como manter a condenação ao pagamento de honorários advocatícios. Recurso de revista conhecido por contrariedade à Súmula 219, I, do TST e provido. CONCLUSÃO: Recurso de revista parcialmente conhecido e provido (TST-RR 2224520135040205, Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, 3ª T., DEJT 31.08.2018). (grifou-se) |
Nesse sentido, quando se constata que as atividades desempenhadas pelo estudante estão em desacordo com o pactuado no termo de compromisso, há o reconhecimento do vínculo de emprego, conforme já decidiram vários tribunais regionais por todo o país, a exemplo do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região (Estado do Mato Grosso do Sul):
VÍNCULO DE EMPREGO - CONTRATO DE ESTÁGIO – DESVIRTUAMENTO. Não havendo prova do efetivo acompanhamento das atividades de estágio por parte da empresa concedente, nem do cumprimento das obrigações previstas no termo de compromisso como compatibilidade das atividades desenvolvidas com as previstas no respectivo termo, cabe reconhecer o vínculo de emprego, conforme o § 2º do artigo 3º da Lei n. 11.788/2008. Recurso provido. (TRT-24 0001364-50.2013.5.24.0004-RO.1 Relator: Juiz TOMÁS BAWDEN DE CASTRO SILVA, 1ª. TURMA, Data da decisão: 10 de março de 2015, Disponibilizado: 10 de março de 2015. Tribunal Regional do Trabalho da 24º Região. Processo: 0001364-50.2013.5.24.0004-RO. Data da decisão: 10 de março de 2015. Disponibilizado: 10 de março de 2015. (grifou-se)
(Fonte: http://www.trt24.jus.br)
Portanto, pacífico que o descumprimento dos requisitos elencados na lei do estágio possibilita a configuração do vínculo empregatício, pois a violação dos requisitos do estágio - formais e/ou materiais – permite que a função social do estágio - formação e a qualificação - seja desvinculada da relação.
Por vezes, as concedentes se valem da contratação de estagiários, apenas para suprir as necessidades do empreendimento em relação ao seu quadro de funcionários, utilizando-os como mão de obra barata, tendo em vista que a contrapartida remuneratória é menos onerosa e dispensa o pagamento de encargos funcionais.
Noutra banda, quando constatado o desvirtuamento do estágio, a concedente ficará obrigada a realizar o pagamento dos encargos trabalhistas. Eis a decisão da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (Distrito Federal e Estado de Tocantins):
01064-2013-012-10-00-6 RO Data de Publicação: 19/06/2015 Data de Julgamento: 10/06/2015 Órgão Julgador: 1ª Turma Juiz(a) da Sentença: Eliana Pedroso Vitelli Relator: Desembargadora Elaine Machado Vasconcelos Revisor: Juiz João Luis Rocha Sampaio. Ementa: 1. CONTRATO DE ESTÁGIO. DESVIRTUAMENTO. VÍNCULO DE EMPREGO. A caracterização do contrato de estágio está condicionada à satisfação dos requisitos previstos em lei, cujo descumprimento macula a relação jurídica existente entre as partes, justificando o reconhecimento do vínculo empregatício quando evidenciado o nítido intuito de fraude aos preceitos que regulamentam a relação de emprego. 2. JORNADA LABORAL. ENQUADRAMENTO COMO BANCÁRIO. Comprovado que o objetivo social da empresa ré se coaduna com conceito de instituição financeira estampado no art. 17 da Lei nº 4.595/64, deve a reclamante ser tratada como bancária, para efeito da jornada, nos termos da Súmula nº 55 do col. TST. 3. INTERVALO INTRAJORNADA. NATUREZA JURÍDICA DA PARCELA. O pagamento pela não fruição do intervalo regular visa remunerar e não indenizar o intervalo não concedido, haja vista que o propósito da lei foi compensar financeiramente o desgaste orgânico e mental experimentado pelo trabalhador quando não se lhe assegura o descanso e um tempo para refeição. Aliás, a matéria atualmente não comporta maiores debates na esfera dos tribunais trabalhistas ante o claro teor da Súmula 437/III/TST. 4. REPERCUSSÃO DAS HORAS EXTRAS NO RSR. Constatado o trabalho excedente sem a devida contraprestação, e deferido o labor extraordinário, são devidos os reflexos das horas no repouso semanal remunerado (Súmula n.º 172, do TST). 5. APLICAÇÃO DAS CONVENÇÕES COLETIVAS DE TRABALHO. As Convenções Coletivas de Trabalho jungidas aos autos pela reclamante e àquelas apresentadas pela reclamada se referem ao mesmo ente sindical (FENACREFI – Federação Interestadual das Instituições de Crédito). Assim, confirmada a representatividade e reconhecido o vínculo de emprego, há que se dar provimento ao pleito obreiro para deferir-lhes as parcelas de auxílio refeição, cesta alimentação e PLR. 6. DIVISOR APLICÁVEL. Por força de disposição coletiva, aplica-se à espécie o divisor 180 (Súmula 124, item II, “a”), ante a falta de ajuste individual expresso ou coletivo no sentido de considerar o sábado como dia de descanso remunerado. 7. AVISO PRÉVIO. PROJEÇÃO. A exigência legal é que o pedido seja expresso, certo e determinado (art. 286/CPC), sendo irrelevante a sua posição topográfica na exordial. Constatados, pois, os requisitos mínimos legais do art. 840, § 1º, da CLT e comprovado o desvirtuamento do contrato de estágio e reconhecido o vínculo, há que se deferir o aviso prévio à autora (art. 515, §3º, do CPC). Recursos conhecidos. (grifou-se)
(Fonte: http://www.trt10.jus.br)
Nessa esteira, é seguro apontar que as decisões desses diversos Tribunais do Trabalho, ao se fundarem na relevância da função social do estágio, visam coibir a admissão de estagiários como forma de fraudar a legislação trabalhista, fazendo preponderar a finalidade legal do estágio, tendo em vista que o íntegro desenvolvimento do estudante para o trabalho beneficia toda a sociedade.
O caminho jurisdicional é de permanente enfrentamento ao infortúnio desvirtuamento do estágio, buscando solucionar os abusos cometidos conta o estagiário por meio do reconhecimento do vínculo empregatício e de todos os consectários legais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Lei do Estágio – lei nº 11.788/2008 trouxe várias inovações acerca da proteção do estágio, já que ao longo dos anos até a publicação da lei vigente não havia a efetiva fiscalização e amparo eficaz ao estagiário.
O estágio visa proporcionar ao estudante a preparação para o exercício da sua futura profissão, sendo o pilar de uma proveitosa jornada estudantil, haja vista possibilitar o corolário da teoria estudada em sala de aula e a vivência no ambiente de trabalho.
Apesar de constituir rica experiência para o ingresso do estudante no mercado de trabalho, tendente a beneficiar toda a sociedade, o estágio vem sendo utilizado como manobra para fraudar a legislação trabalhista por parte de muitos tomadores de serviço – concedentes - o que macula a verdadeiro finalidade do estágio, por submeter o estagiário a um mero trabalho sem aprouver qualquer aperfeiçoamento para o exercício profissional.
Perspicaz afirmar que o objetivo das concedentes ao fraudar a relação de estágio é obter força de trabalho sob baixa remuneração e sem a obrigação de pagar encargos trabalhistas e previdenciários, vez que ao se admitir estagiários ao invés de contratar empregados com carteira assinada, não se tem os custos sociais inerentes à relação de emprego. Sem dúvidas, essa manobra possibilita que o empresário obtenha lucros maiores.
É importante que estudante ao perceber qualquer desrespeito aos requisitos do estágio, como extrapolação da jornada, desincompatibilidade das atividades, ausência de avaliações periódicas etc., procure a instituição de ensino ou as delegacias regionais do trabalho para denunciar a desvirtuação do estágio e possibilitar a responsabilização do tomador de serviços e da agência de integração, sendo o caso, conforme determina a lei.
Verificadas irregularidades na relação de estágio por parte da concedente, quer seja a desvinculação ao termo de compromisso, quer seja o desrespeito à lei do estágio, o estagiário poderá pleitear, na Justiça do Trabalho, o reconhecimento do vínculo empregatício e todos os direitos consectários, conforme amparo da lei nº 11.788/2008 e do disposto nos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho.
A proteção conferida pela legislação ao estagiário e amplamente garantida pelo judiciário demonstra a importância do estágio na formação de novos profissionais. A relação de estágio, para alcançar sua finalidade, deve atender ao caráter pedagógico da atuação prática do estudante, na qual deve prevalecer o aprendizado e o aperfeiçoamento.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado,1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 16 jan 2021.
BRASIL. Decreto Lei n.º 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 16 jan 2021.
BRASIL. Lei nº. 11.788, de 25 de setembro de 2008. Dispõe sobre o estágio de estudantes. Brasília, DF, 25 set. 2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11788.htm. Acesso em: 24 nov 2020.
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Processo: 01064-2013-012-10-00-6 Ro. Data De Publicação: 19/06/2015 Data De Julgamento: 10/06/2015. Disponível em: https://trt-10.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/112905401/recurso-ordinario-ro-1064201310110000-df-01064-2013-101-10-00-0-ro/relatorio-e-voto-112905470. Acesso em: 10 fev 2021.
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Da 1º Região. Processo: 0000087-97.2012.5.01.0222 – RTOrd, Data de Julgamento: 05/11/2013. Disponível em: https://trt-1.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/114839001/recurso-ordinario-ro-879720125010222-rj/inteiro-teor-114839100. Acesso em: 10 fev 2021.
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Da 24º Região. Processo: 0001364-50.2013.5.24.0004-RO, Data da decisão: 10 de março de 2015, Disponibilizado: 10 de março de 2015. Disponível: http://www.trt24.gov.br/documents/20182/1426315/03+-+MAR%C3%87O+-+10+a+26. Acesso em: 10 fev 2021.
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Da 3º Região. Processo: 0000686-65.2014.5.03.0010 RO. Data de Publicação: 17/07/2015; Disponibilização: 16/07/2015. Disponível em: https://juris.trt3.jus.br/juris/detalhe.htm?conversationId=3452. Acesso em: 10 fev 2021.
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso se direito do trabalho. 18. ed. São Paulo: LTR, 2019.
GONTIJO, Flávia Belo. Lei 11.788/08: Utilização do contrato de estágio como instrumento de fraude à legislação trabalhista. 2018. 53f. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Direito) - Centro Universitário de Formiga (UNIFOR-MG), 2018. Disponível em: https://repositorioinstitucional.uniformg.edu.br:21074/xmlui/bitstream/handle/123456789/712/TCC_FlaviaBeloGontijo.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 10 jan. 2021.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho. 12. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
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Advogada. Bacharela em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Palmas - CEULP (2016). Pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Federal do Tocantins – UFT.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, CYNTIA VALÉRIA OLIVEIRA. O posicionamento jurisprudencial acerca do desvirtuamento do estágio como fraude à legislação trabalhista, no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 ago 2021, 04:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57093/o-posicionamento-jurisprudencial-acerca-do-desvirtuamento-do-estgio-como-fraude-legislao-trabalhista-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
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