GRAZIELE CRISTINA LOPES RIBEIRO[1]
(orientadora)
RESUMO: As plataformas digitais estão acarretando mudanças nas relações trabalhistas contemporâneas, neste cenário muito se discute acerca da existência ou não da relação empregatícia, motivo que impulsionou os trabalhadores a postularem ações para o reconhecimento deste vínculo, fomentando inúmeras discussões nos tribunais trabalhistas. Diversos teóricos do direito afirmam existir este vínculo devido a existência da subordinação e apontam a fragilidade e riscos decorrentes dessas relações. Diante disso, o principal objetivo deste estudo foi compreender os posicionamentos dos tribunais quanto ao reconhecimento do vínculo empregatício, entre o trabalhador e essas plataformas. Utilizou-se o método de pesquisa bibliográfica através de doutrina, (livros, artigos, sites, teses etc.) para entender os fundamentos do posicionamento teórico, e análise de cinco julgados, sendo um do TST e quatro dos TRT’s, com intuito de verificar a existência ou não do vínculo empregatício segundo a ótica dos tribunais. Conclui-se, que apesar do esforço dos doutrinadores, no entendimento dos tribunais trabalhistas não é possível a configuração do vínculo empregatício entre os trabalhadores e as plataformas digitais.
Palavras-chave: Plataformas digitais; Uberização; Relação de emprego; Subordinação; Jurisprudências.
Sumário: 1. Introdução. 2. Relação de Trabalho e emprego. 2.1 Relação de trabalho. 2.2 Relação de emprego e seus pressupostos. 3. Das plataforma digitais. 3.1 Impactos nas relações de trabalho e no direito do trabalho. 4. Análises jurisprudenciais. 4.1 TRT-SP. RORSum.1000898-23-2020.502.0719 2ª Região. 4.2 TRT-SP RT Ordinário 0010547.59.2020.5.03.0109 3ª Região. 4.3 TRT-MG RORSum.0010239-49.2021.5.03.0186- 3ª Região. 4.4 TRT-SP ROT 1000313.56.2021.5.02.0444- 2ª Região. 4.5 TST-RR-10555-54.2019.5.03.0179. 5. Considerações finais. 6. Referências.
1 INTRODUÇÃO
As plataformas digitais vem promovendo impactos nas relações trabalhistas contemporâneas, devido a sua complexidade no modo operacional, que vem rompendo com paradigmas, essas empresas de aplicativos buscam uma relação de flexibilidade com o trabalhador, sem contrato e sem vínculo , essa nova perspectiva de trabalho está gerando bastante discussão no que se refere a existência de vínculo empregatício, pois há uma controversa no que se diz respeito a definição desta relação trabalhista contida nesta forma de trabalho, e que está fomentando inúmeras discussões nos tribunais.
Diante deste cenário de instabilidade sobre a presença ou não do vínculo empregatício nos trabalhos via plataformas digitais, o presente estudo propõe analisar a possibilidade da existência da relação de emprego nos trabalhos por plataformas digitais, através do conceito de subordinação jurídica.
Os principais objetivos do trabalho é investigar a possibilidade ou impossibilidade de haver uma relação empregatícia nas atividades desenvolvidas via plataformas digitais, para isso o estudo foi divido nos seguintes objetivos específicos I) Análise da teoria para entender os principais conceitos acerca da relação de trabalho e relação de emprego, visando a compreensão destes dois institutos. II) Análise da jurisprudência relativas às demandas que envolvem plataformas digitais, no que concerne ao reconhecimento de vínculo destas entre seus trabalhadores, com ênfase na subordinação jurídica. III) Compreender se existe uma correlação entre teoria e jurisprudência.
Para alcançar os principais objetivos utilizou-se em a pesquisa bibliográfica (artigos, livros, para entender o posicionamento), e posteriormente a pesquisa documental, onde foi feito a análise e descrição de cinco julgados dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRT) para entender o posicionamento destes órgãos quanto à problemática aqui discutida.
O trabalho está organizado nas seguintes etapas: Primeiro, fez se um breve estudo sobre a relação de trabalho e emprego e seus principais aspectos teóricos. Em seguida, aborda-se os principais conceitos e definições sobre as plataformas digitais e seus impactos nas relações de trabalhos segundo a visão de renomados autores. Por fim, apresenta-se um compilado de algumas decisões jurídicas sobre o tema em foco, para fins de comprovar se existe ou não o vínculo empregatício nas novas formas de trabalho por plataformas digitais.
2 RELAÇÃO DE TRABALHO E EMPREGO
2.1 DA RELAÇÃO DE TRABALHO
Neste primeiro tópico abordaremos os principais conceitos acerca da relação de trabalho e relação de emprego, visando a compreensão destes dois institutos que se destacam no Direito do Trabalho. Para o ramo científico jurídico existe uma nítida diferenciação entre a Relação de Trabalho e a relação de emprego, a doutrina distingue claramente esses dois institutos.
A relação de trabalho pode ser entendida como um gênero da prestação de serviço a partir da qual outras espécies se originam, considerando a existência de uma relação trabalhista sempre que se verificar a realização de um trabalho desenvolvido por uma pessoa em benefício de outra, independentemente de ser um meio ou um resultado (CAIRO JUNIOR, 2017). Ou seja, possui caráter genérico, pois, refere-se a todas as relações jurídicas que tem como finalidade a prestação de trabalho vinculada a uma obrigação de fazer, concretizada pelo labor humano.
A relação de trabalho refere-se as variadas formas de contratação de labor humano atualmente admitidas (DELGADO, 2019), é a universalidade de atividades exercidas pelo homem que resulte na prestação de trabalho (LEITE, 2020). Verifica-se que a expressão relação de trabalho compreende a relação de emprego, a relação de trabalho autônomo, a relação de trabalho eventual, de trabalho avulso dentre outras modalidades de pactuação de prestação de labor (como trabalho de estágio, etc.), em síntese, é o gênero a que comporta todas as formas de pactuação de prestação de trabalho existentes no mundo jurídico contemporâneo (DELGADO, 2019).
2.2 DA RELAÇÃO DE EMPREGO E SEUS PRESSUPOSTOS
No que se refere a relação empregatícia, temos que ela se estabelece como uma relação que vincula o trabalhador ao empregador através do vínculo empregatício, e que a constituição desta relação é o meio fundamental para alcançar a proteção que o Direito laboral garante ao trabalhador empregado (CAIRO JUNIOR, 2017). Na perspectiva jurídica, a relação de emprego, definida segundo as normas jurídicas, trata-se de uma entre as várias espécies de relação de trabalho existentes. Não se confunde com as demais modalidades de trabalho, pois essa relação possui características próprias que lhe são conferidas por normas jurídicas (DELGADO, 2019).
Compreende-se que a relação de emprego é uma espécie de relação de trabalho, oriunda do vínculo que se estabelece entre o empregado e o tomador, cujo objeto é a prestação pessoal de serviços, de modo não eventual e subordinada, compensada com o pagamento de salário. É a relação jurídica que tem como fato social original o trabalho subordinado, realizado com pessoalidade, mediante remuneração e que tem como disciplina jurídica, o conjunto humano não eventual e de normas, que compreende o Direito do Trabalho. O vínculo jurídico existente na relação de emprego se estabelece entre empregado e empregador, sujeitos da relação ora mencionada, e é regulado pelas normas jurídicas trabalhistas (ROMAR, 2018).
A relação de emprego refere-se exclusivamente ao trabalho subordinado, que é prestado pela figura do empregado, um tipo especial de trabalhador, neste âmbito o que prevalece é a relação regida juridicamente que vincula o empregado e o tomador (ainda que este seja indivíduo de direito público interno ou externo) (LEITE, 2020).
Constata-se que todas s relações de emprego (espécie) é uma relação de trabalho (gênero). Entretanto, nem toda relação de trabalho (gênero) é de fato uma relação de emprego (espécie). Pois, a relação de emprego é uma forma estrita, que está contida dentro de relação de trabalho, possui características próprias e critérios essenciais para sua caracterização, ambos regulamentados pela CLT (Consolidação das leis Trabalhistas).
A definição da relação de emprego é imprescindível para o Direito do Trabalho, ao ser identificada ela se torna um objeto deste ramo específico da Ciência do Direito e sujeita-se a aplicação dos princípios, regras e institutos que lhe são próprios. A relação de emprego pode ser verificada sempre que os serviços prestados por uma pessoa física a outrem possuir características específicas que a distinguem de outras formas de prestação de serviços (ROMAR, 2018).
A Relação empregatícia possui critérios definidores, que a distinguem das demais relações trabalhistas, ao mesmo tempo que a torna específica, pois é composta por elementos característicos e delimitadores, estabelecidos juridicamente. A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) fornece em seus artigos 2º e 3º estes elementos que caracterizam a relação de emprego, com a seguinte redação:
Art. 2º- Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
Art. 3º- Considera-se empregada toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário (BRASIL, 1943).
Os artigos citados apresentam cinco elementos essenciais da relação empregatícia, quais sejam: trabalho por pessoa física, pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação. Leite (2020) frisa que a presença de todos esses requisitos é de suma importância para a caracterização da relação de emprego, e que a ausência de pelo menos um deles desconfigura a relação empregatícia.
Sendo assim é indispensável caracterizar cada um desses elementos começando pelo trabalho prestado por pessoa física, a prestação de serviço apreciada pelo Direito do Trabalho é a aquela concretizada por uma pessoa física (ou natural), em que o trabalhador há de ser, sempre, uma pessoa natural, uma vez que, a palavra trabalho refere-se a dispêndio (gasto) de energia pelo ser humano visando alcançar resultado útil, contudo, desconsidera qualquer forma de dispêndio de energia por seres irracionais ou pessoa jurídica (DELGADO, 2019).
O segundo elemento fático-jurídico é a pessoalidade, para Cassar (2014) o indivíduo é contratado para prestar pessoalmente os serviços, por possuir qualificações pessoais (formação técnica, acadêmica, perfil profissional etc.) não podendo ser substituído por outro qualquer de sua escolha. pois o contrato de emprego é pessoal em relação ao empregado, porém, pode o empregador, dispor de um substituto de sua preferência ou ceder à substituição indicada pelo empregado. Ressalta-se que o contrato é pactuado com certa e determinada pessoa. É, portanto, uma relação de caráter intuitu personae, neste tipo de relação jurídica o objeto de contrato não é o serviço como resultado, mas, sim, o serviço prestado pessoalmente por alguém, ou seja, o empregado se obriga a prestar pessoalmente os serviços contratados (ROMAR, 2018).
Na relação de emprego, o critério da não eventualidade consiste na prestação de serviços contínuos pelo empregado, isto é, de maneira permanente, nesta modalidade a prestação de serviço deve ser de forma habitual, reiterada, rotineira, na qual empregado se obriga a prestar os seus serviços com continuidade. Deste modo o trabalho realizado em face da relação de emprego não é esporádico, não é eventual, não ocorre de vez em quando, entretanto, exige que o trabalhador tenha comprometimento de execução contínua de atividades na qual o empregador pode indubitavelmente confiar (ROMAR, 2018).
A onerosidade é o quarto elemento fático-jurídico que se caracteriza pelo ajuste da troca de trabalho por salário, que se materializa sempre que houver o pagamento em pecúnia dos serviços realizados pelo empregado, visto que a relação de emprego não é gratuita ou voluntária. Através da onerosidade ambas as partes recebem vantagens, de um lado o empregado, que recebe sua remuneração pela mão de obra exercida, e do outro lado o empregador que recebe os serviços realizados pelo empregado (ROMAR, 2018).
O último e mais relevante elemento fático-jurídico componente da relação empregatícia é a subordinação, pois é ela quem ganha maior evidência na configuração do tipo legal da relação empregatícia. Para Romar (2018) a subordinação é a sujeição do empregado às ordens do empregador, o trabalhador se relaciona com o empregador de maneira dependente, transferindo-lhe o poder de direção sobre o seu trabalho.
“Na subordinação jurídica entende-se que o empregado se submete à direção e às ordens do empregador ou seus prepostos, mediante determinação de horário de trabalho e sua fiscalização” (JÚNIOR, 1980 apud OLIVEIRA, 2020, p.08). A subordinação, existente na relação empregatícia, deve ser enxergada sob um prisma objetivo, em que, o modo de realização da prestação de serviço pelo empregado é o objeto que deve ser considerado, e não a pessoa do trabalhador. Sendo assim, é incorreta, do ponto de vista jurídico, a ótica subjetiva deste instituto, ou seja, a ideia que compreenda a subordinação como atuante sobre a pessoa do trabalhador, que o coloque no estado sujeição (DELGADO, 2019)
Ao longo dos últimos séculos a subordinação vem sofrendo ajustes e adequações, decorrentes de alterações na realidade do mundo do trabalho, e também, em consequência dos novos entendimentos dadas pela Ciência do Direito no que diz respeito a este importante elemento fático-jurídico da relação de emprego, devido a essas mutações, para o ponto de vista jurídico a subordinação tornou-se um fenômeno. Três dimensões principais, nesse cenário, destacam-se com relação ao fenômeno da subordinação: a clássica, a objetiva e a estrutural (DELGADO, 2019).
Clássica (ou tradicional) é a subordinação oriunda do contrato de trabalho, na qual o trabalhador assume o compromisso e acata o poder de direção empresarial no que tange ao modo de realização de sua prestação de laborativa. Denota-se pela intensidade de ordens emanadas do empregador sobre o trabalhador. É a dimensão original da subordinação, pois foi a que surgiu, imediatamente, posterior a servidão, substituindo historicamente a servidão europeia. Atualmente, é mais comum modalidade de subordinação (DELGADO, 2019).
Objetiva é a subordinação que está vinculada a um critério exclusivamente objetivo: a incorporação do trabalhador nos fins e objetivos do empreendimento do tomador de serviços, nesta modalidade o trabalhador está estritamente vinculado aos objetivos da empresa, ainda que “...as amarras do vínculo empregatício” estejam afrouxadas. Nesta modalidade de subordinação pode-se captar uma relação coordenada, participativa, colaborativo e íntegra, entre o empregado e o tomador de serviços, na qual a execução das atividades pelo empregado se harmonizam com as atividades da empresa (VILHENA, 1975 apud DELGADO, 2019 p.352).
Estrutural é a subordinação que se exprime pela inserção do empregado na dinâmica de organização e funcionamento do empreendimento do tomador de serviços. Nesta modalidade não importa se o empregado irá ou não receber ordens diretas do tomador de serviços, entretanto, deve se enquadrar, nas dinâmicas de organização e funcionamento. Ademais, não necessita atender aos objetivos da empresa. O que importa é estar estruturalmente vinculado à organização operativa da atividade do tomador de serviços (DELGADO, 2019).
Essas classificações são o suporte que contribuem para a superação das recorrentes dificuldades de enquadramento dos fatos novos do mundo do trabalho ao tipo jurídico da relação de emprego, elas se completam harmonicamente.
3 DAS PLATAFORMAS DIGITAIS
Nesta seção faremos um estudo acerca das plataformas digitais, com intuito de compreendermos o seu conceito, classificações, e o impacto destas nas relações trabalhistas contemporâneas e no direito do trabalho.
O conceito de plataformas digitais pode ser entendido como, uma “rede digital” que tem como atribuição, organizar e conduzir transações otimizadas por algoritmo, a rede compreende um ambiente digital sistematizado na qual os bens e serviços podem ser ofertados e demandados. Esta ambiente coleta, organiza e armazena de modo sistematizado uma vasta quantidade de dados acerca dos usuários das plataformas digitais e das transações realizadas.
Compreende-se que as plataformas digitais é o conjunto de algoritmos que organiza e direciona as transações automaticamente, elas são comandadas por algorítmicos que oferecem uma estrutura de direcionamento através da inserção de normas codificadas e do acompanhamento monitorado (MARTÍN, 2020). Verifica-se que as plataformas digitais são infraestruturas digitais que viabiliza a interação de dois ou mais grupos, servindo como intermediadora das relações dos seus diferentes usuários, quais sejam: clientes, anunciantes, provedores de serviços, produtores, distribuidores, entre outros (SNIRCEK, 2018).
Neste mesmo sentido Brasil (2018) entende que a palavra “plataforma” exprime uma ideia semelhante ao de serviços de aplicativos, de modo que as “plataformas digitais de prestação de serviços” podem ser compreendidas como software, que facilita a contratação, pelo usuário, em ambiente virtual, de um determinado serviço, este poderá ser realizado seja no ambiente digital ou também no ambiente fora das plataformas digitais, através da utilização de processamento de dados e em consonância a um conjunto de regras e mecanismos determinados pelo programa, pois, conforme dita Snircek (2018) as plataformas quase sempre vem acompanhadas de várias ferramentas que permitem que seus usuários produzam seus produtos, serviços e espaços de operações.
Para os autores, Oliveira; Carelli e Grillo (2020) a concepção de plataforma vai além do meio digital, é proveniente de uma logística empresarial que não é recente, no entanto, se revela agora como modelo para toda espécie de empresa, isto é, uma referência de negócio que viabiliza a interação entre dois ou mais grupos.
As plataformas digitais podem ser classificadas em três grandes categorias. As plataformas de venda e aluguéis, como a Airbnb, que figura como intermediária entre os proprietários ou prestadores de serviços e seus tomadores. A segunda refere-se as plataformas de anúncios de serviços profissionais autônomos, em que a plataforma é responsável por estabelecer a conexão entre trabalhadores e clientes. E a terceira remete-se às plataformas de prestação de serviços específicos e padronizados, na qual, evidencia-se uma habitualidade dos trabalhadores, que são qualificados como parceiros autônomos, nesta categoria a atividade é executada de modo offline, compreendido como labor no mundo real, embora conectado à plataforma. Uber, Cabify, UberEats, Deliveroo, Ifood, entre outros compreendem essa terceira categoria de plataformas (MARTÍN, 2020).
Oliveira; Santos e Rocha (2020) destacam que as plataformas digitais são referências empresariais, tendência, neste cenário de modernismo tecnológico. A modificação das empresas em ambientes digitais e das plataformas digitais em empresas grandes é um processo em andamento (OLIVEIRA; CARELLI; GRILO, 2020).
Seguindo as transformações produzidas pelo desenvolvimento de um mundo através de plataformas digitais as relações laborais e a forma com que o trabalho passou a ser desenvolvido pelos trabalhadores, também foram impactadas. Observa-se que as plataformas virtuais vêm fomentando um novo modelo organizacional, ocasionando o surgimento de novas formas laborais, causando um grande impacto no Direito do Trabalho, tendo em vista a inexistência de regulamentação na legislação para essa forma de contratação do serviço (LIMA, 2021).
Existe uma gama de conceitos para abordar as novas formas de trabalho via plataformas digitais, dentre as mais populares se destacam: economia de compartilhamento, economia de bico (gig economy), uberização e capitalismo de plataforma (KALIL, 2019). Adotaremos aqui a “uberização”, este termo, a “uberização” do trabalho não se restringe somente ao aplicativo Uber, mas sim ao enfático contrato de trabalho oriundo dessa nova modalidade de trabalho, em que o próprio trabalhador, negocia sua remuneração, seu tempo de serviço, e até mesmo suporta os custos que essa demanda irá causar, é como se fosse uma autonomização dos contratos de trabalho (POCHMANN, 2016).
Essa “uberização” propaga na sociedade uma nova forma de organização do trabalho que é traçado pela desvinculação de regulamentação trabalhista e ausência de vínculo empregatício. Seguindo essa linha, os trabalhadores por aplicativos, disponibilizam seus serviços sujeitando-se a riscos, pois não possuem nenhum tipo de proteção, diversificadas vezes em motos ou bicicletas sem equipamentos de segurança necessários, em busca de intensificar o trabalho por meio de longos períodos laborais, com o objetivo de obter rendimento suficiente para a sobrevivência (LIMA, 2021).
Essas novas modalidades de trabalho possibilitadas pelo uso das plataformas digitais são acompanhadas por uma flexibilização do trabalho, que é prestado de modo temporário e sob demanda e, em alguns casos, o trabalho é executado de forma remota ou por meio dos aplicativos digitais. Esses trabalhadores são classificados pelas plataformas como autônomos, o que impede o trabalhador de fazer jus ao direito de recebimento de benefícios trabalhistas, deixando-os desprotegidos. As características do trabalho sob demanda por meio de aplicativos tornam evidente que a classificação dos trabalhadores como autônomo é insuficiente para abarcar algumas situações que ocorrem nessas formas de trabalho (SALOMÃO, 2020).
Os trabalhadores são classificados como autônomos, pois, segundo as empresas, eles possuem a faculdade de planejar os seus horários de trabalho, ademais inexiste a obrigação em realizar uma quantidade mínima dos horários de labor por dia, semana ou mês, nessa perspectiva o trabalho via plataforma não interfere em nada nos fazeres pessoais do trabalhador, que fica disponível para desempenhar os demais compromissos pessoais e profissionais (KALIL, 2019).
3.1 IMPACTOS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO E NO DIREITO DO TRABALHO
A partir do estudo desta nova forma de relação de trabalho, constata-se que essas empresas de aplicativos buscam uma relação de flexibilidade com o trabalhador sem contrato, sem vínculo com a própria empresa que utiliza a plataforma do aplicativo, ensejando uma falsa concepção de empreendedor, com uma enorme carência de amparo e proteção e salários minimizados, reduzindo a segurança dos trabalhadores, tornando-se um perigo para estes por não estarem assegurados por garantias protecionistas (VENÇO, 2018).
Neste sentido Fabrellas (2018) pontua que a justificativa das empresas-plataformas para que esses trabalhadores sejam considerados como autônomos é que eles são livres para determinar seus horários de trabalho, bem como o volume de serviços a serem prestados, utilizam de meios de produção próprios e a própria assunção dos riscos do negócio, tais características permitem uma forte semelhança do trabalhador por conta própria. Essas características permitem que as plataformas justifiquem a ausência de vínculo empregatício com seus colaboradores e, consequentemente, se eximem de toda responsabilidade trabalhista e previdenciária.
Ademais, a ausência de autonomia pode ser evidenciada na organização do negócio, pois, as plataformas exercem um controle das atividades exercidas pelos trabalhadores, no que concerne ao rendimento do serviço desempenhado e da qualidade na presteza dos serviços, além disso, a plataforma controla o trabalhador para que este não preste serviços fora do aplicativo, ou seja, impossibilita-o de captar os clientes para si, sob pensa de suspensão imediata (FABRELLAS, 2018).
Verifica-se que existe uma subordinação em relação à plataforma, contornada pelo controle através de sanções e premiações, na qual o trabalhador é premiado por seguir as recomendações do algoritmo, ao passo que a não observação dessas recomendações pode ocasionar em penalidades e mesmo exclusão da plataforma (KALIL, 2019; SALOMÃO, 2020). Uma forma de inibir o trabalhador, e controlar a realização das suas atividades por meio de algoritmos.
Existem plataformas que implementam um sistema para obter feedback dos clientes, permitindo-lhes após cada viagem ou solicitação que estes avaliem o serviço atribuindo pontuação ao prestador. Esta pontuação permite que você forneça informações para futuros usuários sobre a qualidade do serviço. Tais informações são usadas pelas plataformas para tomar decisões de negócios. A Uber, por exemplo, reserva o direito de desligar da plataforma os motoristas que não alcançarem uma pontuação mínima de 4,5. Ao exercer esse controle corporativo, e estabelecer níveis mínimos de desempenho e aplicar sanções aos trabalhadores que não cumprem as metas, demonstra que há uma manifestação de trabalho subordinado (FABRELLAS, 2018).
O dirigismo por meio de algoritmo, já é suficiente para configurar a subordinação e que a relação entre a plataforma e o trabalhador deve ser caracterizada como empregatícia, acarretando para as plataformas digitais a responsabilidade de arcarem com todos os direitos trabalhistas. Entretanto, tal reconhecimento, consequentemente, implica na perda do direito de exercer as atividades de forma flexível para os trabalhadores, uma vez que as plataformas é que iriam gerenciar os horários de trabalho, além disso, acarretaria prejuízos financeiros para a empresa (LIMA, 2021).
Bernardi Kalil (2019) argumenta que criação de uma categoria intermediária para regular o trabalho no capitalismo de plataforma parte da pressuposição de que o trabalho sob demanda por meio de aplicativos engloba simultaneamente características do trabalho subordinado e do trabalho autônomo. Assim, o modelo tudo ou nada prevalecente no Direito do Trabalho negaria proteção aos trabalhadores, uma vez que inexistentes alguns elementos fático-jurídicos para classificá-los como empregados.
Nessa mesma linha, Oitaven, Carelli e Casagrande (2018) argumentam que as relações na economia de compartilhamento não se encaixam dentro dos institutos trabalhistas, haja vista que, ao mesmo tempo em que não há vínculo empregatício, não se verifica o trabalho autônomo. Haveria uma nebulosidade que complexifica a caracterização do trabalho, ensejando a necessidade da criação de uma nova figura trabalhista. Pois trata-se de uma nova espécie de trabalhadores quase independentes, revestidos de características que lhes insere em uma posição entre trabalhador autônomos e o empregado (OITAVEN; CARELLI; CASAGRANDE, 2018).
4 ANÁLISES JURISPRUDENCIAIS
Nesta seção analisaremos algumas jurisprudências relativas às demandas que envolvem plataformas digitais, no que concerne ao reconhecimento de vínculo destas entre seus trabalhadores, com ênfase na subordinação jurídica, a fim de responder ao seguinte questionamento: é possível regulamentar a relação de trabalho via plataforma digital através da ampliação e redefinição do conceito de subordinação jurídica?
Analisaremos cinco jurisprudências, sendo uma do Tribunal Superior do Trabalho, duas do Tribunal Regional do Trabalho da segunda região, e duas do Tribunal Regional do Trabalho da terceira região, para compreendermos qual a fundamentação dos magistrados, acerca da situação em destaque.
4.1 TRT-SP. RORSum.1000898-23-2020.502.0719 2ª REGIÃO
A primeira jurisprudência analisada, é do Tribunal Regional Trabalhista da 2ª região, trata-se de um recurso ordinário na qual o recorrido postula o reconhecimento de vínculo empregatício pelos serviços por ele prestado na plataforma Ifood. Após analisar todo o conjunto probatório apresentados pelo recorrente em conjunto com a análise dos requisitos que configuram a relação empregatícia, a relatora, Dra. Sonia Maria Lacerda, não reconheceu o vínculo, pois, no seu entendimento não houve configuração do requisito de subordinação, a relatora chegou a esta conclusão através do relato das testemunhas da recorrente e do recorrido, que surpreendentemente confirmam a conclusão da desembargadora. Veja-se os trechos do depoimento testemunhal da recorrida, e posteriormente, trecho do depoimento testemunhal do recorrente:
Trecho 1- [...]que são os motoboys que tem autonomia sobre o aplicativo ligando e desligando quando querem; [...] que o entregador pode logar no aplicativo do iFood e em outro como Uber eats, ao mesmo, e escolher as corridas que melhor lhe convier; [...]que o empregador pode escolher o horário em que quer trabalhar, pois são Autônomos; [...] que podem se deslocar e atender algum assunto pessoal; [...] que não há por parte da primeira reclamada nenhuma fiscalização de horário de trabalho ou de percurso; [...] que quando o entregador não vai trabalhar a primeira reclamada não aplica punição, nem a segunda reclamada; [...] que o entregador pode pausar o aplicativo a hora que quiser; [...] que quando o entregador não ia trabalhar não era solicitado atestado médico (TRT da 2ª Região; Processo: 1000898-23.2020.5.02.0710; Data: 06-10-2021; Órgão Julgador: 5ª Turma - Cadeira 4 - 5ª Turma; Relator(a): SONIA MARIA LACERDA))
Trecho 2- [...]que o depoente recusou algumas entregas não muitas, tendo sido cobrado para explicar o motivo e depois que o depoente explicou ficou por isso mesmo (TRT da 2ª Região; Processo: 1000898-23.2020.5.02.0710; Data: 06-10-2021; Órgão Julgador: 5ª Turma - Cadeira 4 - 5ª Turma; Relator(a): SONIA MARIA LACERDA).
Para a relatora do processo aquele que administra sua força de trabalho, considerando a sua conveniência, vinculando-se a vários aplicativos, e que possui a opção de recusar corridas e escolher sua rota de entrega, não pode ser empregado, tal comportamento se revela totalmente adverso da relação empregatícia (LACERDA, Sonia Maria- TRT-SP. RORSum.1000898-23-2020.502.0719- 2ª região). Neste contexto verifica-se a arbitrariedade do empregado no cumprimento de suas atividades, tornando ausente o requisito de subordinação, conforme expões a decisão da desembargadora, veja-se o trecho:
[...] Comprovado, portanto, que não há obrigatoriedade de se colocar à disposição para receber chamadas para entregas, podendo o entregador permanecer dias, semanas ou meses com o aplicativo desligado, sendo que, ao se colocar à disposição, pode fazê-lo para mais de um aplicativo (mais de uma empresa exploradora do mesmo modelo de negócio), podendo recusar sem qualquer punição, as chamadas recebidas e não havendo um período mínimo para se colocar à disposição. Ainda, que não há número mínimo de entregas e que pode se colocar à disposição e se retirar quantas vezes desejar durante o mesmo dia. Resta demonstrado, assim não estar presente na relação em análise a indispensável figura da subordinação, seja na dimensão clássica, objetiva ou estrutural, para a caracterização do vínculo empregatício (TRT da 2ª Região; Processo: 1000898-23.2020.5.02.0710; Data: 06-10-2021; Órgão Julgador: 5ª Turma - Cadeira 4 - 5ª Turma; Relator(a): SONIA MARIA LACERDA).
Sendo assim a 5ª turma do Tribunal Regional da 2ª Região, não reconhece o vínculo empregatício do entregador de aplicativo Ifood, em virtude da ausência dos elementos constituintes da relação empregatícia, principalmente o da subordinação, por entenderem que o trabalhador é quem direciona a forma como trabalha em conformidade com a sua necessidade.
4.2 TRT-SP RTOrd 0010547.59.2020.5.03.0109- 3ª REGIÃO
A segunda jurisprudência analisada é do Tribunal Regional da 3ª região, na qual o recorrente também pleiteia o reconhecimento do vínculo empregatício, pela plataforma Ifood. O Desembargador, Dr. Manoel Barbosa da Silva, após apreciar todas as provas apresentadas pelo recorrente, inclusive, ouvidas as testemunhas de ambas as partes, se pronunciou no sentido de desconhecer o vínculo empregatício alegado pelo motociclista.
Na ocasião o desembargador, através do depoimento do recorrente constatou que, ele somente realizava as entregas para a plataforma, quando lhe fosse conveniente, e que ele tinha a livre escolha de aceitar ou rejeitar a corrida quando lhe aprouvesse, essa dinâmica, segundo o desembargador, não ocorre nas relações de trabalho entre o empregado e o patrão, o Dr. Manoel Barbosa faz uma simples comparação, “é como se um garçom quisesse escolher quais clientes gostaria de servir em restaurante” (SILVA, Manoel Barbosa- TRT-MG ROT 0010547.59.2020.5.03.0109- 3ª Região). Ademais a testemunha da recorrida, alegou em seu depoimento fatos que tornou mais evidentes para o desembargador a inexistência de relação de emprego. Veja-se o trecho do depoimento testemunhal da recorrida:
[...] os entregadores poderiam logar em outro aplicativo de entrega; que sabe disso porque os entregadores enviam às vezes print da tela, e aí consegue ver; que o reclamante pode recusar quantas entregas quiser ao longo do dia; que normalmente quando o entregador trabalha para outro aplicativo é quando ele atua como "nuvem", ou seja, loga e trabalha o horário que quiser; que se o reclamante recusar mais de 3 corridas fica bloqueado por 30min." Nada mais. (SILVA, Manoel Barbosa- TRT- MG. ROT 0010547.59.2020.5.03.0109- 3ª Região).
O relator do processo salienta que, para que haja o vínculo empregatício é necessário a presença dos elementos fáticos- jurídicos (trabalho prestado por pessoa física, com pessoalidade, não-eventualidade, onerosidade e subordinação jurídica). Havendo a ausência de qualquer um desses elementos fáticos, não há como admitir-se que existe o vínculo empregatício. Ainda, o relator aduz que, a ausência de subordinação jurídica entre o recorrente e o recorrido ficou demonstrada através do depoimento apresentado pela recorrida, em conjunto com as informações prestadas pelo próprio recorrente, no momento em que este afirmou que poderia trabalhar no horário que lhe fosse conveniente e recusar entregas (SILVA, Manoel Barbosa- TRT- MG. ROT 0010547.59.2020.5.03.0109- 3ª Região).
Desta maneira os desembargadores da 5ª turma do Tribunal Regional da 3ª região, acordaram, por voto de maioria, julgar improcedentes o pedido de reconhecimento do vínculo empregatício entre o motociclista e a plataforma Ifood, pela ausência do requisito de subordinação, elemento essencial da relação de emprego.
4.3 TRT-MG RORSum.0010239-49.2021.5.03.0186- 3ª REGIÃO
A terceira jurisprudência examinada é do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª região, desta vez o recorrente pleiteia o reconhecimento de vínculo empregatício pelos serviços prestados na plataforma 99, após ter sido negado o vínculo empregatício na primeira instância, este, insatisfeito com a decisão, recorreu para a segunda instância requerendo a reforma da decisão e o reconhecimento do vínculo empregatício.
Entretanto a relatoria não reconheceu o vínculo, argumentando a ausência de subordinação, elemento chave que constitui a relação empregatícia, vejamos o trecho da decisão que demostra a ausência da subordinação:
[...] Assim, pelo que até aqui exposto, entende-se que houve entre as partes a prestação de serviços por pessoa física, com pessoalidade, não-eventualidade e onerosidade. Contudo, sob a ótica deste juízo, faltou à relação estabelecida entre as partes o requisito da subordinação, sem o qual não se reconhece o vínculo de emprego.
[...]Cumpre esclarecer que o padrão de prestação de serviços determinado pela reclamada, como a utilização de veículos com até cinco anos de uso, a utilização de determinado tipo de roupas pelo motorista ou a forma com que o motorista se comunicava com o passageiro, não é suficiente para a configuração da subordinação própria da relação de emprego (...). Por essas razões, ausente o requisito da subordinação jurídica no vínculo estabelecido entre as partes, não se reconhece a pretendida relação de emprego, julgando-se improcedentes todos os pedidos formulados na inicial." (MACIEL JÚNIOR, V.P- TRT-MG ROR Sum. 0010239-49.2021.5.03.0186-3ª Região).
Para a relatoria a subordinação é o elemento qualificador da relação de emprego que se formaliza na submissão do empregado ao poder diretivo do empregador, no caso em estudo verificou-se a ausência deste elemento ao perceber que o motorista do aplicativo poderia trabalhar nos horários que lhe coubesse. A recorrida ofertava várias corridas em horários de maiores demandas, e oferecia bonificação para o motorista caso ele aceitasse realizar as corridas, o motorista não era obrigado a aceitar as corridas e nem a trabalhar naquele horário oferecido pela plataforma, podendo rejeitar as chamadas, inexistem provas de que o recorrente sofreu alguma punição por esse fato, caso ele optasse por não trabalhar nos horários de maior demanda, receberia apenas o valor básico das corridas, sem acréscimos. No que se refere as exigências da recorrida acerca da utilização de carros com até cinco anos de uso, no modo como se comunicar com o passageiro, no entendimento do desembargador isso não se configura uma subordinação. É apenas uma estratégia da recorrida para captar um maior número de clientes (MACIEL JÚNIOR, V.P- TRT-MG ROR Sum. 0010239-49.2021.5.03.0186 -3ª Região).
Portanto os desembargadores da 3ª turma do Tribuna Regional do Trabalho da 3ª região, acordaram em não conhecer do vínculo empregatício, pois a maioria entende pela ausência de subordinação entre o motorista e a plataforma, mantendo a r. sentença proferida pelo Juízo da Vara do Trabalho da 48ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte.
4.4 TRT-SP ROT 1000313.56.2021.5.02.0444- 2ª REGIÃO
Outro julgado analisado é do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região, na qual o recorrido pleiteia a reforma da decisão de primeiro grau que não reconheceu o vínculo empregatício na plataforma Uber.
Em seu depoimento o recorrente apresentou diversas alegações, entre elas destacam-se: a de que prestou serviços para a Uber por volta de 2017 até junho/julho de 2019; que gastava por volta de R$ 300,00 por semana de combustível, quando recebia R$800,00; que não tem horário fixo, mas tinha que cumprir o horário para fazer um valor melhor na semana que não havia punição se não fizesse as corridas; a plataforma é o intermédio entre as duas pessoas; que se tivesse que ir ao médico ou viajar não tinha que comunicar ninguém.
Ouvidas as alegações da parte recorrente, a relatora fundamentou que não houve a comprovação da subordinação nos fatos elencados, pois o próprio recorrente confessou que arcava com os custos da produção, o que não ocorre no trabalho subordinado, pois, sabe-se que na relação empregatícia os custos e os riscos da atividade econômica recaem sobre o empregador.
[....] Ora, de fato, da análise da prova oral produzida conclui-se que o elemento da subordinação não foi comprovado. O reclamante reconheceu que trabalhava com veículo próprio e arcava com seus custos. Na circunstância analisada, a descrição das obrigações pelo recorrente em relação ao uso do aplicativo e as regras impostas pela ré não revelam subordinação jurídica ou caracterizam ingerência na prestação pessoal dos serviços (TRT da 2ª Região; Processo: 1000313-56.2021.5.02.0444; Data: 04-11-2021; Órgão Julgador: 9ª Turma - Cadeira 4 - 9ª Turma; Relator(a): VALERIA PEDROSO DE MORAES).
Não obstante a decisão da 9ª turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região, foi no sentido de não reconhecer o vínculo empregatício havido entre o recorrente e a recorrida, desta maneira mantendo a sentença, não havendo que falar em reconhecimento do vínculo de emprego entre as partes.
4.5 TST-RR-10555-54.2019.5.03.0179
Por último foi analisado uma jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, para fins de verificar qual a manifestação do órgão máximo da justiça do Trabalho no que se refere ao reconhecimento de vínculo empregatício no trabalho por plataformas digitais.
Trata-se de um recurso de revista, apreciado pela quarta turma, e teve como relator o Ministro, Ives Gandra, que reconheceu a transcendência jurídica da matéria, visto que paira sobre uma temática que é novidade para a seara trabalhista. Importante ressaltar que esta é a terceira decisão do órgão superior do Trabalho, cuja demanda é em torno do reconhecimento do vínculo empregatício entre a plataforma Uber e o motorista que nela operam, e seguindo o entendimento das demais decisões prolatadas por este órgão, esta Corte não reconheceu o vínculo empregatício entre as partes, recorrente e o recorrido. Dentre as várias justificativas apresentadas pelo recorrente para um suposto reconhecimento da relação empregatícia destacaremos alguns:
[...] Alega a existência de subordinação, já que não lhe é possibilitado gerenciar a forma de prestação de serviços nem os valores a serem cobrados, além de a empresa impor código de conduta e instruções de comportamento, fiscalizar remotamente por meio da avaliação controlada dos clientes e de recursos do próprio aplicativo, como localizador, e aplicar sanções em caso de descumprimento das regras. [...] Afirma que não afasta a subordinação a utilização do aplicativo no momento que lhe for mais favorável. [...] Assevera ainda existir a subordinação estrutural, uma vez que função de motorista se encontra inserida na organização, dinâmica e estrutura do empreendimento (MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva- TRIBUNAL SUPERIOR TRABALHO- RR 10555-54.2019.5.03.0179- 4ª turma).
Após apreciar as justificativas apresentas pela parte recorrente, o Ministro Ives Gandra, refutou respectivamente, argumentando que o requisito da subordinação, que se denota pelo controle do empregador sobre a atividade executada pelo empregado, sucedendo a uma dependência do empregador, figura da qual o empregado recebe as ordens- não ficou comprovada na relação havida entre o motorista de aplicativo e a plataforma Uber. No que se refere a liberdade de poder escolher os dias, horários e forma de trabalho, podendo ficar offline a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, o relator identifica que o que existe é uma autonomia do motorista uma outra relação de trabalho, distinta da relação empregatícia.
O fato de a recorrida estabelecer regras de comportamento de seus motoristas, tais como instruí-los no comportamento, impor-lhe código de conduta, entre outros, consolidou o entendimento do relator no sentido de que é uma estratégia de organização da recorrida para conservar a credibilidade e a manutenção do aplicativo em meio a concorrência no mercado, para o ministro isso não se configura uma subordinação jurídica(MARTINS, Ives Gandra da Silva- TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALH-RR 10555-54.2019.5.03.0179- 4ª Turma). Referindo-se a subordinação estrutural, alegada pelo recorrente, segundo o ministro, não restou configurada, pelos seguintes motivos:
Primeiro porque esse conceito, que visa enquadrar como empregado qualquer profissional que se encontre inserido na organização do empreendimento, oferecendo labor indispensável aos fins da atividade empresarial, ainda que não esteja sob o seu comando direto, não encontra amparo na legislação trabalhista (arts. 2º e 3º da CLT). Não cabe ao Poder Judiciário ampliar conceitos jurídicos a fim de reconhecer o vínculo empregatício de profissionais que não atuam enquadrados no conceito legal de subordinação, devendo ser respeitada a modernização das formas de trabalho, emergentes da dinâmica do mercado concorrencial atual e, principalmente, de desenvolvimentos tecnológicos, nas situações em que não se constata nenhuma fraude. Segundo porque, mesmo que se entendesse aplicável o conceito de subordinação estrutural, não seria a hipótese dos autos, pois as empresas provedoras de aplicativos de tecnologia, como a Uber, têm como finalidade conectar quem necessita da condução com o motorista credenciado, sendo o serviço prestado de motorista, em si, competência do profissional e apenas uma consequência inerente ao que propõe o dispositivo. Por todas as razões aqui expostas, não merece reforma o acórdão regional que não reconheceu o vínculo de emprego pleiteado na presente reclamação, sob o fundamento de ausência de subordinação jurídica entre o motorista e a empresa provedora do aplicativo Uber. Logo, NEGO PROVIMENTO ao recurso de revista. (MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva- TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO- RR 10555-54.2019.5.03.0179- 4ª turma).(grifo nosso)
Além disso, o ministro asseverou que o art.6°, parágrafo único, da legislação trabalhista, cuja redação informa que: os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão são equiparados aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio, para fins cumprir o requisito da subordinação jurídica – não recai ao caso, uma vez que, ficou demonstrado que inexiste comando direto, controle e supervisão das atividades desempenhadas (MARTINS, Ives Gandra da Silva- TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO-RR 10555-54.2019.5.03.0179- 4ª Turma).
No julgamento o ministro, Ives Gandra, pontua que esta é uma nova forma de trabalho aliada a tecnologia digital no trato das relações interpessoais, e que está gerando uma transformação profunda no Direito do Trabalho, pontua também que é um equívoco enquadrar essas novas formas de trabalho em uma legislação antiquada, que surgiu para reger as relações de produção próprias da 1ª revolução industrial, e que o Brasil ainda não possui um marco regulatório legal para o trabalho com uso de plataformas digitais, diante deste cenário não cabe ao Poder Judiciário ampliar conceitos jurídicos com intuito de reconhecer o vínculo empregatício de profissionais que não atuam enquadrados no conceito legal de subordinação, devendo ser respeitada a modernização das formas de trabalho, emergentes da dinâmica do mercado concorrencial atual e, principalmente, de desenvolvimentos tecnológicos, nas situações em que não se constata nenhuma fraude (MARTINS, Ives Gandra da Silva- TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALH-RR 10555-54.2019.5.03.0179- 4ª Turma).
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Constatou-se, que o Direito do Trabalho regula as relações trabalhistas, dentre elas a relação empregatícia, que somente se dá pela presença de cinco requisitos, são eles: ser prestado por pessoa física, com pessoalidade, não eventualidade, com onerosidade e subordinação, ausentes um que seja desses elementos, não se pode falar que existe uma relação empregatícia, ademais é a presença desses elementos que permite que o trabalhador seja empregado, e que assim tenha garantido o seus direitos tutelados pelo Direito do Trabalho
Verificou-se que os trabalhadores das plataformas podem exercer suas atividades somente quando lhes convém, podem determinar os seus horários, arcam com os gastos e riscos das atividades, são submetidos ao código de condutas, são submetidos a avaliação- após prestar os serviços, e as plataformas os classificam como autônomos, é neste cenário que nasce o debate sobre a existência ou não da relação empregatícia, que vem repercutindo nos tribunais do Trabalho.
Do ponto de vista, de alguns teóricos, existe uma subordinação na medida em que o trabalhador é comandado por algoritmos, e por ter que seguir as recomendações exigidas pelas plataforma, além de poder sofrer sanções caso não siga as orientações, para estes autores as plataformas oferecem essa flexibilidade para não ficar configurado a relação empregatícia .Por outro lado, os tribunais refutam essa ideia de que existe uma relação empregatícia, por não restar configurado o elemento da subordinação.
Na análise de jurisprudências, confirmou-se que, no entendimento dos tribunais trabalhistas não é possível a configuração do vínculo empregatício entre os trabalhadores e as plataformas digitais, primeiramente porque não ficou configurada a subordinação jurídica; e em um segundo momento porque esta é uma modalidade de trabalho singular e moderna, e a legislação trabalhista vigente não abarca esta nova modalidade por ser uma lei que foi instituída quando não se imaginava que trabalhos algoritmizados pudessem surgir.
Os julgadores ressaltam que numa relação patronal e empregado, o empregado não tem a arbitrariedade para definir seus horários e dias de trabalho, o empregado não pode recusar serviços ou escolher executá-lo quando lhe convier, pois a legislação é clara quando enquadra a relação empregatícia dentro daqueles cinco elementos essenciais. Não obstante, para o entendimento dos tribunais, existe a flexibilidade, que se figura no instante em que o trabalhador opta por executar as atividades quando lhe convier e que as plataformas não aplicam sanções nos trabalhadores, com isso, não há que se falar em subordinação jurídica.
Por todo o exposto pode-se concluir que é impossível a relação empregatícia via plataforma digital, pois não existe a subordinação jurídica, consoante o entendimento dos tribunais trabalhistas até o presente estudo, pois, o que está ocorrendo é o surgimento de uma nova relação de trabalho que necessita ser disciplinada por uma legislação específica, haja vista que, o Direito do Trabalho deve cumprir com a sua função social, a de proteger o trabalhador, para isso, cabe aos tribunais e aos renomados autores discutirem acerca do enquadramento desta nova relação de trabalho.
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[1] Doutora em Direito Constitucional, Mestre em Direito Internacional Econômico, professora dos cursos de Direito do Ceulp/Ulbra e da Universidade Federal do Tocantins. E-mail: [email protected].
Bacharelanda do Curso de Direito do CEULP/ULBRA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINTO, Sara Cristina Oliveira. A relação de emprego via plataforma digital: uma análise à luz da doutrina x jurisprudência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 dez 2021, 04:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57919/a-relao-de-emprego-via-plataforma-digital-uma-anlise-luz-da-doutrina-x-jurisprudncia. Acesso em: 23 dez 2024.
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