ALEXANDRE GOODMAN ORION REGINATTO
(orientador)
RESUMO: Por meio da Resolução nº 181, 7 de agosto de 2017, foi instituído no Brasil o acordo de não persecução penal, que em linhas gerais é um acordo que pode ser celebrado entre o Ministério Público e o investigado, acompanhado por seu advogado, e, uma vez cumprido, ensejará a promoção de arquivamento da investigação. Desde o seu surgimento, muitas questões foram discutidas, pelos quais ainda não estão resolvidas plenamente. A título de exemplo, encontra-se a relevância do Poder Judiciário nesse cenário, a atuação do Ministério Público, os pontos positivos e negativos do presente acordo na seara jurídica e social, dentre outros. Para esse estudo, buscou-se discutir o impacto que o presente acordo possui na diminuição da propositura de ações penais e seus efeitos. A metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica, a partir de livros e periódicos, nacionais e internacionais, para melhor descrever, argumentar e delinear os objetivos da pesquisa. Nos resultados, ficou claro observar que o presente acordo é eficaz em reduzir os números processos encontrados nas varas criminais.
Palavras-chave: Persecução penal. Celeridade processual. Poder Judiciário. Gestão.
ABSTRACT: Through Resolution nº. 181, August 7, 2017, the non-prosecution agreement was established in Brazil, which in general terms is an agreement that can be entered into between the Public Prosecutor's Office and the investigated, accompanied by their lawyer, and, once fulfilled, it will lead to the promotion of archiving the investigation. Since its inception, many issues have been discussed, for which they are still not fully resolved. As an example, there is the relevance of the Judiciary in this scenario, the performance of the Public Ministry, the positive and negative points of this agreement in the legal and social field, among others. For this study, we sought to discuss the impact that this agreement has on reducing the number of criminal proceedings and their effects. The methodology used was the bibliographic review, based on national and international books and periodicals, to better describe, argue and outline the research objectives. In the results, it was clear to observe that the present agreement is effective in reducing the number of cases found in the criminal courts.
Keywords: Criminal prosecution. Procedural celerity. Judicial power. Management.
Sumário: 1. Introdução. 2. Metodologia. 3. Desafogamento do Poder Judiciário: Aspectos gerais. 4. O acordo de não persecução penal. 5. Da eficácia do acordo no desafogamento judicial. 6. Considerações Finais. 7. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
O Conselho Nacional do Ministério Público editou a Resolução nº 181, 7 de agosto de 2017, publicada em 8 de setembro do mesmo ano, dispondo sobre a instauração e a tramitação do procedimento investigatório criminal a cargo do Ministério Público, e, em seu art. 18, introduzindo no direito brasileiro a figura do “acordo de não persecução penal” (GARCIA, 2018).
O acordo, com as alterações introduzidas pela Resolução nº 183/2018, pode ser celebrado entre o Ministério Público e o investigado, acompanhado por seu advogado, e, uma vez cumprido, ensejará a promoção de arquivamento da investigação. Pressupõe que a infração penal tenha pena cominada inferior a 4 (quatro) anos, não tenha sido praticada com violência ou grave ameaça à pessoa e que o investigado confesse formalmente a prática da infração penal e ainda cumpra, de forma cumulativa, ou não (GARCIA, 2018).
Ocorre que desde a sua entrada no regimento jurídico brasileiro, muito tem-se discutido os pontos positivos e negativos do presente acordo, uma vez que ele fora criado com o escopo da relativização da ação penal, adentrando na esfera da possibilidade da realização de acordos.
Com base nisso, estudos científicos tem se debruçado em analisar as suas implicações no sistema judiciário como um todo, além de identificar a sua eficácia quanto à celeridade processual e o desafogamento dos processos judiciais.
Frente a esse cenário, essa pesquisa tem como base a seguinte indagação: quais os efeitos jurídicos trazidos pelo acordo de Não Persecução Penal na justiça brasileira? Portanto, discutiu-se com esse tema, analisar os impactos gerados pelo acordo de não persecução penal no âmbito processual e social.
2. METODOLOGIA
A metodologia utilizada para a realização do presente estudo se pautou no método indutivo e qualitativo. Caracterizada como uma revisão de literatura, a pesquisa bibliográfica foi feita através de leituras das leis, da Constituição Federal, de revistas jurídicas, de livros e artigos científicos relacionados ao tema proposto.
A presente pesquisa foi realizada mediante o levantamento de documentos. Assim, a coleta de dados é resultado de uma busca feita em bases de dados, tais como: Scielo; Google, dentre outros, entre os meses de agosto e setembro de 2022.
3. DESAFOGAMENTO DO PODER JUDICIÁRIO: ASPECTOS GERAIS
Nas últimas décadas o Poder Judiciário vem sendo cometido por inúmeros problemas. Processos atolados, estrutura excessivamente burocrática, morosidade na resolução dos litígios, alto custo do sistema judicial, dentre outros vários fatores, tem resultado em um Poder Judiciário pouco eficaz (ROMAN, 2020).
A título de exemplo, o Poder Judiciário brasileiro — proporcionalmente, é considerado o mais caro do mundo ocidental. No ano de 2019, essa estrutura teve um custo de R$ 49,9 bilhões. É o mesmo que R$ 134,2 milhões por dia, ou R$ 5,5 milhões por hora, ou ainda R$ 93,2 mil por minuto (COSTA, 2020).
No entanto, a par desses problemas um se destaca: o crescente número de processos no Judiciário. Seja por uma briga de rua ou apenas por uma ‘ofensa’ irrelevante, o Poder Judiciário tem sido palco de numerosos processos ao longo do ano. Por conta disso, há uma superlotação de processos no Poder Judiciário.
Atualmente, o cenário do Poder Judiciário é formado por inúmeros processos que ainda não possuem previsão de julgamento. Em razão do volume de demandas propostas perante o Judiciário, que são muitas, e por não dar conta da exigência, o sistema tornou-se moroso, resultando na ineficácia da justiça e em prejuízo ao indivíduo que se utiliza do serviço prestado (QUEIROGA, 2012).
De acordo com Costa (2020) tramitam no Judiciário aproximadamente 100 milhões de processos. Segundo ele, muito em parte desse número é por conta de processos irrelevantes, ou seja, de pouco potencial ofensivo. Em suas palavras, “minorias que perdem no Legislativo estão levando para a Justiça questões políticas. Isso acaba por encarecer os custos e torna o Judiciário moroso. É preciso diminuir os recursos que acabam ampliando o prazo do processo e também o número de funcionários” (COSTA, 2020, p. 01).
Na busca por uma solução para essa realidade, em 2010 uma comissão de juristas entregou ao Senado Federal o anteprojeto de um Novo Código de Processo Civil, que tinha como meta evidenciar o uso mais acentuado da simplicidade na linguagem e da ação processual, e uma maior celeridade do processo e a efetividade do resultado da ação (BRASIL, 2010).
No âmbito penalista, existem as figuras dos acordos. Os acordos no processo penal, de certa forma, no Brasil, não são uma novidade. Com a Lei nº 9.099/95, que instituiu os juizados especiais criminais, trouxe consigo um instrumento inovador, para a época, a ser implementado na justiça criminal, visando reduzir os números de processos encaminhados ao poder público: a transação penal, que permite que o acusado transida com o Ministério Público (MP) para, em crimes não superiores a 2 (dois) anos, faça um tipo de acordo com o MP para não responder a um processo criminal, aceitando o cumprimento antecipado da pena, que se dará em multa e/ou restrição de direitos, tendo o processo sido arquivado em contrapartida (CUNHA, 2021).
Com advento da lei 13.964/19 (pacote anticrime), a transação penal foi incrementada, trazendo à baila uma nova modalidade, o Acordo de Não Persecução Penal, que ante a um crime de pena inferior a 4 anos e sem violência ou grave ameaça, poderá o acusado realizar uma espécie de “barganha” com o Ministério Público.
Os acordos penais, como o citado acima, possuem como principal característica a voluntariedade, tanto do Ministério Público em oferecer e negociar, quanto do acusado em aceitar e negociar os termos do acordo/transação. A voluntariedade se faz parte essencial do negócio jurídico, e tais instrumentos são um tipo de negócio jurídico, e, para tanto, uma das regras para sua validade é a manifestação de vontade e boa-fé (CRUZ, 2021).
De acordo com Cruz (2021) as ações de acordos, trazem maior efetividade em condenações pelo estado e maior celeridade processual. Entretanto, as condições sujeitas a essas composições devem ser observadas, mesmo que circunstanciais; a saber:
Para que haja a composição dos acordos, devem ser observadas as vontades das partes, devendo ser observados sua legitimidade circunstancial. Veja bem, os acordos se tratam de negócios jurídicos, bilaterais, onde as partes se comprometem em direitos e deveres entre si, portanto, assim como nos negócios do direito privado, no direito público que rege uma ação penal incondicionada, os negócios seguem os mesmos preceitos de validade, como a legítima vontade, objeto, forma e agente (CRUZ, 2021, p. 01).
Dessa forma, a paridade de armas deve ser respeitada em um acordo, onde se tem o Ministério Público e réu como iguais, transigindo entre si a fim de se evitar todo um processo longo e moroso. Assim, o instrumento processual dos acordos no Brasil apenas garante maior celeridade àqueles que optem pelo instrumento, buscando benefícios jurídicos com os acordos, efetivando a celeridade da justiça, e para aqueles que forem inocentes, poderão optar por prova-la no curso do processo.
Dentre os acordos penais existentes, para fins desse estudo, há o acordo de não persecução penal, que será melhor entendido no tópico seguinte.
4 O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
Historicamente, o presente acordo aqui analisado por esse estudo teve início em 2017 por meio da Resolução nº 181, ao qual dispôs sobre a instauração e tramitação dos procedimentos investigatórios criminais a cargo do Ministério Público. Em seu texto, mais especificamente sobre esse acordo, tinha-se:
Art. 18. Não sendo o caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor ao investigado acordo de não persecução penal quando, cominada pena mínima inferior a 4 (quatro) anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça a pessoa, o investigado tiver confessado formal e circunstanciadamente a sua prática. (BRASIL, 2017)
Figueiredo (2021) nos explica que o acordo é a negociação entre as partes, ou seja, entre o agente do ilícito penal e o representante público a cargo de dar início no processo legal para exercer a pretensão punitiva estatal. Contudo, ainda exaurindo o artigo supracitado, há em seus incisos as condições para processamento do acordo, que deverão ser ajustadas ao agente. São elas:
I – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, salvo impossibilidade de fazê-lo;
II – renunciar voluntariamente a bens e direitos, indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;
III – prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito, diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo Ministério Público;
IV – pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Código Penal, a entidade pública ou de interesse social a ser indicada pelo Ministério Público, devendo a prestação ser destinada preferencialmente àquelas entidades que tenham como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito;
V – cumprir outra condição estipulada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal aparentemente praticada.
(BRASIL, 2017).
Quando promulgada, a doutrina jurídica brasileira em grande parte, entendeu que a resolução do CNMP era inconstitucional, pois tratava de matéria de direito material penal, o que feria o disposto no art. 22, I da Constituição de 1988, onde a competência é unicamente da União legislar sobre direito penal, dentre outros (BRASIL, 1988).
Tanto o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, quanto a Associação dos Magistrados Brasileiros levaram à análise do Poder Judiciário a Resolução 181/17 do CNMP. Foram propostas, pelas instituições acima, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal a fim de discutir a constitucionalidade da resolução. Ambas as instituições alegaram que falece ao Conselho Nacional do Ministério Público competência para legislar acerca do processo penal (FIGUEIREDO, 2021).
Contudo, filio ao entendimento de que essas ações perderam seus objetos quando da promulgação da Lei 13.964/19 que incluiu o acordo de não persecução penal na realidade processual brasileira. Corroborando ao que foi exposto acima, diz Santos (2020):
Ao inseri-lo no CPP, a Lei nº 13.964/19 remedia a origem espúria do instituto, introduzido no ordenamento normativo pátrio por meio da Resolução nº 181, n/f da Resolução nº 183, do CNMP. Por impactar diretamente no exercício da ação penal, com reflexos diretos no estado de inocência e na liberdade do imputado, preservando-os, o acordo de não persecução penal (ANPP) possui unívoca natureza processual material, sujeitando-se à competência legislativa privativa da União (art. 22, I, da CRFB/88). Por conseguinte, jamais poderia vir por meio de resolução, extrapolando os limites do Poder Regulamentar, que, em hipótese alguma, sob pena de ofensa ao art. 2º da CRFB/88, pode inovar direitos.
Nota-se que o instituto do ANPP desde a sua entrada na norma brasileira, foi motivo de divergências doutrinárias, tendo inclusive pouco uso pelos membros do Ministério Público em razão da sua natureza afastada do princípio da legalidade. Essa situação foi parcialmente resolvida quando em 2019 foi instituída a Lei nº 13.964/19 (Pacote Anticrime) que incluiu em seu texto, mais especificamente no art. 28-A 19 o presente acordo no Código de Processo Penal Brasileiro. O que completa com juridicidade tal instituto, essencial para introdução da justiça negocial na realidade brasileira.
Conceitualmente o acordo em destaque pode ser entendido como um negócio jurídico extrajudicial, entre acusação e defesa, homologado por juízo competente, podendo ser o Juiz de Garantias, previsto na Lei 13.964/19, ou o juiz com competência penal na comarca.
Em uma definição mais clara, cabe citar:
[...] cuida-se de negócio jurídico de natureza extrajudicial, necessariamente homologado pelo juízo competente – pelo menos em regra, pelo juiz das garantias – celebrado entre o Ministério Público e o autor do fato delituoso – devidamente assistido por seu defensor -, que confessa formal e circunstancialmente a prática do delito, sujeitando-se ao cumprimento de certas condições não privativas de liberdade, em troca do compromisso do Parquet de não perseguir judicialmente o caso penal extraído da investigação penal, leia-se, não oferecer denúncia, declarando-se a extinção da punibilidade caso a avença, seja integralmente cumprida (LIMA, 2020, p. 30).
A princípio, a grande diferença entre o acordo de não persecução penal e os outros institutos de justiça negociada já existentes no Brasil é a necessidade da confissão circunstanciada e formal da prática delituosa. Sendo que, sem ela, não haverá acordo (SANTOS, 2020).
Em possível revogação do acordo e prosseguimento da persecução penal, a confissão outrora realizada não poderá ser utilizada em desfavor do réu, haja vista que o réu tem sua presunção de inocência até o trânsito em julgado da ação penal. Mesmo sentido ocorre quando o réu confessa a prática delitiva em sede de depoimento policial e volta atrás quando de seu depoimento em juízo (LUI, 2019).
Nesta esteira, o ANPP não servirá para configuração de reincidência ou maus antecedentes, da mesma maneira que a transação penal e a suspensão condicional do processo, previstos na Lei 9.099/95, que apenas serão registrados na certidão de antecedentes criminais, para fins de controle da regra da impossibilidade de oferecimento do mesmo instituto em menos de cinco anos (LUI, 2019).
No que tange a sua natureza jurídica, oriundo do poder dever do Ministério Público em atuar nos crimes de ação penal pública, aliado por sua titularidade das ações penais conferida pela 22 Constituição Federal, o acordo de não persecução penal tem por natureza ser um negócio jurídico voltado para persecução criminal dos delitos (FREITAS, 2019).
Nesse sentido afirma-se que “se trata de um negócio jurídico que consubstancia a política criminal do titular da ação penal pública na persecução dos delitos” (CABRAL, 2020, p. 84). Assim, são partes desse negócio jurídico o Ministério Público e o investigado, cabendo ao Promotor de Justiça elaborar a proposta e conferir ao investigado a chance de aceitá-la e cumprir com o proposto, tendo desde já interrompida a persecução penal. Nessa esteira, ao cumprir todo o acordo, haverá a contraprestação ministerial em extinguir a punibilidade do investigado.
Contudo, não apenas haverá vantagens ao investigado, o titular da ação penal será privilegiado com as políticas criminais apresentadas pelo art. 28-A do CPP. Dessa forma, há a discricionariedade na atuação do parquet ao indicar os bens que serão renunciados voluntariamente pelo acordante, principalmente os oriundos da prática criminosa, assim como bens que foram utilizados como instrumento para ação delitiva.
Nesse ponto, destaca-se:
(i) agilização da resposta aos casos penais por meio do acordo, evitando-se a instrução processual e todos os atos que ocorrem no inter processual, como alegações finais, sentença e recursos; (ii) na realização das finalidades político-criminais da pena, é dizer, o acordo deve cumprir uma função preventiva no caso concreto; (iii) deve necessariamente existir uma vantagem probatória em caso de descumprimento do acordo, consistente na confissão do investigado, em áudio e vídeo, que poderá ser utilizada no processo penal, pelo Ministério Público (CABRAL, 2020, p. 85).
Na sequência, têm-se que o acordo de não persecução penal é um negócio jurídico em que as partes negociam a não instauração da ação penal, abrindo mão de direitos a fim de que se veja livre de uma possível condenação penal (LUI, 2019).
Nesse ínterim, o ANPP tem natureza despenalizadora, tanto por retirar do investigado a possibilidade de ser condenado na esfera criminal, quanto pela negociação das condições a serem acordadas (LUI, 2019).
O promotor de justiça não impõe ao investigado os bens que serão renunciados, ele necessariamente indica. Mister destacar tal fato, a fim de que não se confunda a atuação ministerial com a atuação dos magistrados. Quem impõe pena de perda de bens são os juízes togados em suas sentenças (SANTOS, 2020).
Não há a necessária imperatividade no aceite e no cumprimento do acordo de não persecução penal. Caso não ocorra o acordo, ou, ocorrendo e vindo a ser revogado por não cumprimento, a ação penal inicia de seu marco zero, sem prejuízos dos direitos e garantias do devido processo legal (SANTOS, 2020).
Nesse diapasão, ao tratar da imperatividade, cita-se:
1) A pena deve implicar sofrimento ou outras consequências consideradas normalmente como não prazerosas. 2) Deve ser imposta, em decorrência de uma violação à Lei. 3) Deve ser infringida a um suposto ou atual violador da lei, em decorrência de tal violação. 4) Deve ser administrada conscientemente por pessoas distintas do réu. 5) Deve ser imposta e administrada por uma autoridade constituída segundo o sistema legal contra o qual praticou-se a transgressão (CABRAL, 2020, p. 86).
Dessa forma, por ser um acordo, as partes negociarão os direitos e obrigações, estando no arbítrio do investigado a aceitação ou não de tal instituto. Necessariamente, por previsão legal, a presença da defesa técnica é indispensável nesse momento (FREITAS, 2019). O que de fato, conforme o ensinamento supramencionado, afasta a característica de pena nas condições estabelecidas no acordo, tanto por não ser imposta, quanto por não ser negociada por pessoas distintas do réu.
No § 2º do art. 28-A estão presentes as vedações ao oferecimento do acordo de não persecução penal. A primeira é a possibilidade de oferecimento da transação penal, o que de fato, demonstra ser medida deveras vantajosa ao investigado, excluindo do rol do ANPP os crimes de competência do Juizado Especial Criminal, utilizando os institutos despenalizadores comum aquele Juízo (LUI, 2019).
A segunda vedação é em relação a antecedência do investigado, nesse sentido, importante trazer à colação que o importante aqui é a reincidência, lapso temporal de cinco anos, contado a partir da última condenação transita em julgado (LUI, 2019).
Ademais, a prática habitual, reitera e profissional de crimes, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas, também constituem vedações expressas no inciso II do art. 28-A. Nesse sentido, têm-se que o crime habitual é aquele que é cometido todos os dias, com verdadeira rotina, como por exemplo o crime de casa de prostituição (SANTOS, 2020).
Nos dizeres de Figueiredo (2021) a habitualidade significa que existe pluralidade de crimes, ou seja, para configuração da habitualidade, é necessário que o agente seja o mesmo, como no exemplo em cima, o proprietário da casa de prostituição, que ao funcionar o prostíbulo comete o crime todos os dias, com rotineira habitualidade.
Nesse diapasão, os ensinamentos de Lima (2020, p. 277) são precisos:
No crime habitual, a prática de um ato isolado não gera tipicidade, ao passo que, na habitualidade criminosa, tem-se uma sequência de atos típicos que demonstram um estilo de vida do autor, ou seja, cada um dos crimes anteriores é suficiente de per si para a caracterização da lavagem, sendo que o conjunto de delitos autoriza o aumento da pena.
Já em relação a prática reiterada, tem-se que o agente pratica aquele crime várias vezes, como o próprio nome já diz. Por derradeiro, a prática profissional quer dizer no estilo de vida que o agente leva, utilizando do crime como verdadeiro ganha pão, sistematizada, habitual e organizada, um verdadeiro profissional do crime (LIMA, 2020).
A terceira vedação tem relação com outros institutos despenalizadores, presentes na Lei 9.099/95, transação penal e suspensão condicional do processo, sendo que, caso o investigado já tenha sido beneficiado com um desses benefícios nos últimos cinco anos, não poderá se beneficiar do acordo de não persecução penal. Essa regra se aplica ao próprio ANPP também (DAVID, 2020).
Por derradeiro, o inciso IV veda a possibilidade do oferecimento do acordo de não persecução penal aos investigados que tenham praticado crimes no âmbito da violência doméstica, bem como nos crimes praticados contra mulheres em razão da condição do sexo feminino, muito em razão da política criminal adotada ao combate desses crimes (DAVID, 2020).
Dispostas nos incisos do art. 28-A do Código de Processo Penal, as condições do acordo de não persecução penal podem ser ajustadas de forma alternativa ou cumulativa. As condições não se assemelham às penas impostas pelos magistrados no momento de confeccionarem os dispositivos em suas sentenças. Trata-se de ajustamentos de deveres e direitos, o que muito bem é definido pelo Enunciado nº 25 do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal:
O acordo de não persecução penal não impõe penas, mas somente estabelece direitos e obrigações de natureza negocial e as medidas acordadas voluntariamente pelas partes não produzirão quaisquer efeitos daí decorrentes, incluindo a reincidência.
Imperioso destacar que as condições não podem ultrapassar o limite de direitos fundamentais do investigado, como a liberdade. As condições devem alcançar direitos disponíveis, como o ajustamento de uma reparação do dano causado, prestação de serviço comunitário, renúncia de bens e outras (BEM; MARTINELLI, 2020).
As condições a serem cumpridas foram muito bem explanadas por Lima (2020, p. 231), que ilustrou as seis condições presentes no dispositivo legal. São elas: confessar formal e circunstancialmente a prática do delito, reparação do dano ou restituição da coisa à vítima, renúncia voluntária a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime, prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pagamento de prestação pecuniária e cumprimento por prazo determinado, de outras condições estipuladas pelo Ministério Público.
Ademais, não apenas o investigado deverá cumprir com as obrigações firmadas no acordo, cabe ao parquet fazer valer o acordo de igual maneira. Nesse sentido, caberá ao Ministério Público respeitar o período de prova do acordo, dando ao investigado o prazo avençado para prestação das obrigações, além de não dar início à ação penal, ou seja, oferecer denúncia referente ao crime investigado.
5. DA EFICÁCIA DO ACORDO NO DESAFOGAMENTO JUDICIAL
Uma vez estabelecido os principais aspectos do acordo em análise, importante entender quais os efeitos que ele gera no sistema de justiça nacional. Conforme pesquisado, coletado e analisado nos estudos para a realização dessa pesquisa, o acordo de não persecução penal traz tantos pontos positivos, quanto negativos.
A priori, no âmbito positivo, ficou evidente constatar que ele de fato gera uma maior celeridade processual. Nesse sentido, Freitas (2019) afirma que muitos são motivos para a criação do acordo de não persecução penal na realidade brasileira, tanto pelo histórico de um Judiciário sobrecarregado, quanto pela busca de novos métodos de resolução de conflitos criminais.
Nessa mesma linha, destaca-se:
a) exigência de soluções alternativas no processo penal que proporcionem celeridade na resolução dos casos menos graves; b) priorização dos recursos financeiros e humanos do Ministério Público e do Poder Judiciário para processamento e julgamento dos casos mais graves; c) minoração dos efeitos deletérios de uma sentença penal condenatória aos acusados em geral, que teriam mais uma chance de evitar uma condenação judicial, reduzindo os efeitos sociais prejudiciais da pena e desafogando os estabelecimentos prisionais (LIMA, 2020, p. 31).
Como bem destaca Figueiredo (2021), a sociedade brasileira clama por celeridade nos julgamentos das ações presentes no Judiciário, em todas as esferas, cível, criminal, família. No caso da esfera penal, o acordo da não persecução penal vem ajudar a desafogar o Poder Judiciário brasileiro, que é atolado de processos.
Cabral (2020) acentua que, em muitas comarcas brasileiras, há apenas um magistrado, responsável pelo processamento e julgamento de todos os processos daquela Comarca. Logo, desafogando os processos criminais, estará desafogando toda a Comarca, dando maior celeridade aos processos de outras esferas.
Outro ponto a ser observado com a entrada do acordo na legislação penal brasileira é referente ao sistema carcerário. Nesse ponto, Figueiredo (2021) entende que um dos principais problemas enfrentados pelo novo instituto será a superlotação dos estabelecimentos prisionais, tanto pela diminuição de decretação de prisões preventivas e temporárias, quanto pela diminuição de presos definitivos.
O supracitado autor, realça que a pena mínima de 4 anos, requisito objetivo para oferecimento do ANPP, já exclui os crimes que seriam punidos no regime aberto ou substituídos por penas restritivas de direito, logo, todos as sentenças penais condenatórias estariam encaminhando novos apenados ao sistema carcerário (FIGUEIREDO, 2021).
Lescovitz e Filho (2021) ao discorrer sobre esse acordo, lembra que o atual cenário das varas criminais brasileiras, abarrotadas de processos que, em sua grande maioria, são de crimes de pequeno e médio porte, que ao findar da marcha processual, muito provavelmente serão condenados a penas restritivas de direitos. Por essa razão, entende-se os autores, que o acordo de não persecução penal é mais um instrumento criado para que a realidade da justiça brasileira seja alterada, dando maior celeridade na prestação jurisdicionaria. Sem olvidar da vantajosa economia processual, que valorará as ações penais de maior porte e complexidade.
Corroborando com os supracitados autores, Martinelli e Silva (2020) citam que a morosidade no trâmite de processos criminais é uma realidade indiscutível, fenômeno esse que se vê presente no cotidiano forense, ensejando assim em razões críticas para com a própria forma de se gerir o sistema de justiça criminal.
Bem e Bem (2020) lembra que no Projeto de Lei (PL n.º 10.372/2018) que originou esse acordo, em seu texto já trazia os seus objetivos, dos quais se destacam: punir de forma célere e eficaz um grande número de práticas delituosas; ofertar opções ao encarceramento para desafogar a Justiça Criminal; e concentrar forças no efetivo combate ao crime organizado e às infrações penais mais graves.
Para Garcia (2018) os objetivos do acordo de não persecução penal são mais que nobres e adequados à nossa realidade. Certamente ele ajudará (se já não o faz) a diminuir os numerosos litígios encontrados nas Comarcas penais no país.
No entendimento de Soares, Borri e Battini (2021) o acordo já é realidade. A perspectiva de justiça negocial envolvendo vítima e acusado, mediante a participação do Ministério Público e defesa, com o enaltecimento de uma solução célere e econômica para determinados conflitos é interessante, sendo imprescindível, tanto aos agentes públicos como aos que no Direito Penal se fazem presentes, supervisionar de forma a preservar a existência – sempre indispensável – de uma defesa técnica mantenedora das garantias fundamentais do acusado.
Entretanto, em que pese o louvável intento de aplicação do instituto, o acordo de não persecução penal deve ser efetivado com muita cautela. Para Cunha (2020), porquanto evidentemente pode minimizar ainda mais a defesa daqueles que figuram no polo passivo das demandas criminais, sobretudo àqueles desprovidos de defensores constituídos, de modo que a medida ensejaria, por consequência, a criação de parcerias/convênios para o devido acompanhamento por defensores dativos nos casos em que inexistem procuradores constituídos quando do oferecimento da benesse legal.
Franco (2020) acrescenta que o papel do magistrado, que deve ser visto à luz do sistema acusatório, ou seja, como um espectador, se dá no sentido de que deve conduzir a audiência garantindo o respeito a igualdade de condições e da ausência de coação. É somente mediante a observação desse que deve ser aplicado o acordo de não persecução penal como instituto válido no âmbito de um processo penal que esteja amparado com suas premissas democráticas fundantes.
De todo modo, fica estabelecido diante do cenário apresentado, que o acordo de não persecução penal é plenamente favorável ao Direito Processual Penal, uma vez que, no entendimento desse estudo, ele é um instituto com intuito de colaborar com o sistema criminal brasileiro, que conforme aludido no decorrer dessa pesquisa, está há anos enfrentando problemas significativos e que até o momento não encontrou solução.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Aliado ao baixo quadro de servidores nos órgãos de estado, bem como no próprio Judiciário, as realidades das varas criminais brasileiras e promotorias de justiça são desanimadoras, onde processos por crimes de baixo e médio porte ocupam tempo de serviço de todos os servidores, colaborando para que ocorram as prescrições, além de aniquilar a possibilidade de uma análise minuciosa dos crimes de maior complexidade e relevância.
Outro lado, vale destacar que os crimes de baixo e médio porte, aliados aos benefícios presentes no ordenamento jurídico penal e processual penal, promovem penas que em sua imensa maioria serão restritivas de direito. Logo, toda a marcha processual imposta pelo princípio da obrigatoriedade comina em uma pena muito semelhante as condições impostas no acordo de não persecução penal, porém, com um agravante, o alto valor que o processo criminal custa ao Estado.
Assim, por mais que possa ter recebido críticas quando introduzido na realidade brasileira, de forma estranha ao processo legislativo brasileiro, hoje, o acordo de não persecução penal é a melhor aposta para desobstrução da justiça brasileira. Apoiado na legalidade que lhe foi conferida pela promulgação da Lei 13.964/19, o ANPP vem para cooperar com promotores e juízes que enfrentam o a justiça criminal brasileira com pouco recurso humano e baixa infraestrutura.
Não obstante, o negócio extrajudicial é deveras benéfico ao investigado que poderá se ver livre de uma condenação criminal, além de não precisar enfrentar um processo moroso, dispendioso e vexatório.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BEM, Leonardo Schmitt de. Os requisitos do acordo de não persecução penal. In: BEM, Leonardo Schmitt de (Org.); MARTINELLI, João Paulo (Org.). Acordo de não persecução penal. 1ª edição. Belo Horizonte, São Paulo: D’Plácido, 2020.
BEM, Leonardo Schmitt de (Org.); MARTINELLI, João Paulo (Org.). Acordo de não persecução penal. 1.ed. Belo Horizonte, São Paulo: D’Plácido, 2020.
CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. Manual do Acordo de Não Persecução Penal. Salvador: JusPodivm, 2020
COSTA, Cristyan. Saiba quanto custa o Poder Judiciário brasileiro. 2020. Disponível em: https://revistaoeste.com/saiba-quanto-custa-o-poder-judiciario-brasileiro/. Acesso em: 08 ago. 2022.
CUNHA, Márcio M. Os acordos penais e os avanços da justiça negociada no Brasil: reflexões. 2021. Disponível em: <https://www.jornalopcao.com.br/colunas-e-blogs/opcao-juridica/os-acordos-penais-e-os-avancos-da-justica-negociada-no-brasil-reflexoes-327522/>. Acesso em: 10 set. 2022.
CUNHA, Rogério Sanches. Pacote Anticrime – Lei 13.964/2019: Comentários às Alterações no CP, CPP e LEP. Salvador: JusPodivm, 2020.
DAVID, Décio Franco. O futuro exige o novo: o acordo de não persecução penal exige a implementação de um sistema acusatório. 1.ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2020.
FIGUEIREDO, Eduardo Henrique Moreno de. Análise dos impactos pelo novel acordo de não persecução penal no direito processual brasileiro. Monografia apresentado ao Centro Universitário de Lavras. Lavras, 2021.
FRANCO, José Henrique Kaster. O papel do juiz no acordo de não persecução penal. In: BEM, Leonardo Schmitt de (Org.); MARTINELLI, João Paulo (Org.). Acordo de não persecução penal. 1.ed. São Paulo: D’Plácido, 2020.
FREITAS, Vladimir Passos de. O princípio da obrigatoriedade da ação e os acordos na esfera penal. Consultor Jurídico – CONJUR, 2019.
GARCIA, Emerson. O Acordo de Não Persecução Penal Passível de Ser Celebrado pelo Ministério Público: Breves Reflexões. Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro nº 68, abr./jun. 2018.
LESCOVITZ, Guilherme; FILHO, Paulo Silas T. A (in)constitucionalidade dos requisitos do acordo de não persecução penal. Academia De Direito, 3, 143–167. 2021.
LIMA, Renato Brasileiro de. Pacote Anticrime: Comentários à Lei 13.964/2019 – artigo por artigo. Salvador: JusPodivm, 2020.
LUI, Fernanda Flórido. O acordo de não persecução penal e a mitigação do princípio da obrigatoriedade. 2019. Disponível em: <https://s3.meusitejuridico.com.br/2019/08/0ca0cfad-acordo-denaopersecucaopenal-tcc-final.pdf>. Acesso em: 01 set. 2022.
QUEIROGA, Onaldo Rocha de. Desjudicialização dos litígios. Rio de Janeiro: Renovar, 2012.
ROMAN, Luciana Oliveira Coimbra. A crise do Poder Judiciário e o direito constitucional de acesso à justiça. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 2020. Disponível em: <https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54258/a-crise-do-poder-judicirio-e-o-direito-constitucional-de-acesso-justia>. Acesso em: 08 set. 2022.
SANTOS, Marco Paulo Dutra. Comentários ao Pacote Anticrime. São Paulo: Grupo GEN, 2020. Disponível em: <https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530991814/>. Acesso em: 10 set. 2022.
SOARES, Rafael Junior; BORRI, Luiz Antônio; BATTINI, Lucas Andrey. Breves considerações sobre o acordo de não persecução penal. Revista do Instituto de Ciências Penais, Belo Horizonte, v. 5, n. 1, p. 213–232, 2021.
Bacharelanda em Direito pela Universidade de Gurupi – UnirG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Caroline Silva Costa. Acordo de não persecução penal: impactos na gestão das promotorias criminais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 out 2022, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59536/acordo-de-no-persecuo-penal-impactos-na-gesto-das-promotorias-criminais. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
Por: RODRIGO PRESTES POLETTO
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Precisa estar logado para fazer comentários.