JUVENAL BACELLAR NETO
(Orientador)
RESUMO: O presente trabalho tratou sobre os métodos consensuais de resolução de controvérsias. A importância do estudo deste tema reside não apenas na sua atualidade decorrente das inovações legislativas, mas também por afetar os interesses de diversos cidadãos desacreditados nas instituições judiciais. Primeiramente, discutiu-se sobre a crise do judiciário e os motivos que a ensejaram. Posteriormente, foram apresentados os diversos modelos de solução dos conflitos, realizando-se um estudo mais detido dos meios consensuais. De todo exposto, conclui-se que a adoção dos métodos consensuais de solução de controvérsias é uma alternativa a um judiciário moroso e ineficaz e um meio para a concretização do princípio constitucional de acesso à justiça.
PALAVRAS-CHAVE: Crise no judiciário. Litigiosidade. Conflito. Métodos consensuais. Acesso à justiça.
ABSTRACT: The present work dealt with the consensual methods of dispute settlement. The importance of the study of this subject lies not only in its current status resulting from legislative innovations, but also in affecting the interests of various discredited citizens in judicial institutions. First, we discussed the judicial crisis and the reasons for it. Subsequently, the various conflict resolution models were presented, and a more detailed study of consensual means was carried out. It follows that the adoption of consensual dispute settlement methods is an alternative to a lengthy and ineffective judiciary and a means of realizing the constitutional principle of access to justice.
KEYWORDS: Crisis in the judiciary. Litigation. Conflict. Consensual methods. Access to justice.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO: 1. PROBLEMA INVESTIGADO. 2. O PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO DO ESTADO E SEUS REFLEXOS NO JUDICIÁRIO. 2.1. O princípio fundamental do acesso à Justiça. 3. BUSCA E ANÁLISE DE RESULTADOS. 4. O CONLFITO E SEUS MEIOS DE SOLUÇÃO. 4.1. Principais meios alternativos de resolução de conflitos. 5. DISCUSSÃO DE RESULTADOS. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
A ineficácia na prestação da tutela jurisdicional em decorrência de sua estrutura excessivamente burocrática, aliada ao crescente número de ações em trâmite e à insuficiência de servidores, endossa o movimento pela desjudicialização dos conflitos como forma de conferir ao jurisdicionado uma resposta mais eficaz às suas pretensões.
No Brasil, o advento da Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça e posteriormente do Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) e da Lei da Mediação (Lei 13.140/2015) reforçam uma tendência do legislador em incentivar os meios consensuais de resolução dos conflitos a fim de concretizar o princípio constitucional de acesso à justiça e conferir ao demandante uma resposta mais célere e eficaz.
Todavia, vislumbra-se que a cultura da litigiosidade encontra-se arraigada em nosso meio e há uma resistência dos próprios operadores do direito em aplicar essas soluções alternativas de controvérsias.
No presente trabalho far-se-á uma análise da importância do prestígio à cultura do consenso para resguardar os interesses do cidadão, desinchar o judiciário e recuperar a sua credibilidade.
O objetivo do trabalho é promover o debate acerca dos benefícios e da necessidade da adoção dos métodos consensuais de resolução de controvérsias, reservando ao judiciário a ultima ratio.
A importância deste trabalho se justifica frente à crise de credibilidade pela qual o judiciário vem passando, como consequência da excessiva burocracia e da prestação de respostas morosas e ineficazes que apresentam ao jurisdicionado. Tal situação provoca graves violações aos direitos previstos na Constituição Federal de 1988. Sendo assim, é fundamental o debate em busca de meios alternativos que solucionem os conflitos sem desprestigiar os envolvidos.
A metodologia utilizada consiste no estudo bibliográfico de doutrinas e artigos científicos constantes em revistas especializadas impressas e eletrônicas, para a caracterização inicial do problema, sua classificação e definição. Adotou-se uma abordagem qualitativa em uma vertente metodológica exploratória, a fim de proporcionar maior familiaridade com o tema e compreender os objetivos propostos pela lei, considerando as relações do Direito com a sociedade, principalmente quanto à eficácia das normas.
Este trabalho foi dividido em dois capítulos: no primeiro, far-se-á um uma análise dos modelos de Estado e a influência que exerceram nas leis e no judiciário, passando-se logo após a uma discussão sobre a crise que assola o este poder.
O segundo e último capítulo consiste em uma exposição sobre os meios de solução dos conflitos, dando um especial enfoque aos métodos consensuais.
1. PROBLEMA INVESTIGADO
A ineficácia do sistema judicial no Brasil, muitas vezes caracterizada pela longa duração dos processos judiciais, demonstra a necessidade de mudanças na forma de abordagem do conflito a fim de que seja alcançada a maior efetividade na solução dos problemas.
Diante dessa constatação, antes de adentrarmos na exposição do resultado encontrado, importante tecermos algumas considerações iniciais acerca do Poder Judiciário, traçando um paralelo histórico até os tempos atuais, para entendermos a crise que assola tal Poder.
2.O PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO DO ESTADO E SEUS REFLEXOS NO JUDICIÁRIO
O movimento histórico iniciado com o Estado Liberal, no século XVIII, tinha como principais premissas a instituição de um estado mínimo, a adoção da Teoria da Divisão dos Poderes, a supremacia da Constituição como norma limitadora do poder governamental, a vigência do princípio da igualdade formal e a garantia dos direitos individuais. Em suma, defendia-se que o Estado deveria adotar uma conduta negativa, traduzida na máxima “laissez-faire, laissez-passer”.
A negligência com o aspecto social gerou um agravamento das desigualdades, provocando um aumento dos conflitos e o surgimento de movimentos sociais e ideológicos, principalmente após a eclosão da Revolução Industrial, o que ensejou a transformação do modelo de estado. Surgia, assim, o Estado Social.
Caracterizado pelo forte intervencionismo e protecionismo Estatal no campo econômico e social e pela vigência da isonomia material, teve início com a Constituição do México em 1917 e com a Constituição de Weimar em 1919. No Brasil, foi adotado a partir da Constituição de 1934.
O crescimento do Estado social ou Estado do bem-estar-social reverteu alguns dos postulados básicos do Estado de Direito, a começar da separação entre Estado e sociedade, que propiciava uma correspondente liberação das estruturas jurídicas das estruturas sociais. Nessa concepção, a proteção da liberdade era sempre da liberdade individual enquanto liberdade negativa, de não impedimento, do que a neutralização do Judiciário era uma exigência conseqüente. O Estado social trouxe o problema da liberdade positiva, participativa, que não é um princípio a ser defendido, mas a ser realizado. Com a liberdade positiva, o direito à igualdade se transforma num direito a tornar-se igual nas condições de acesso à plena cidadania. Correspondentemente, os Poderes Executivo e Legislativo sofrem uma enorme expansão, pois deles se cobra a realização da cidadania social e não apenas a sustentação do seu contorno jurídico-formal.[1]
Essa alteração de paradigma efetuada pelo novo modelo de Estado também provocou mudanças no Poder Judiciário. Neste novo modelo, são editadas leis indefinidas, indeterminadas e prospectivas, a fim de abarcar grande parte das situações concretas. Destarte, no momento de sua aplicação é necessário que o Judiciário faça uso de seu poder discricionário para interpretar e integrar esses dispositivos, criando, assim, um novo direito.[2]
Tal situação relativiza o princípio da separação dos poderes preconizado por Montesquieu na vigência do Estado Liberal. Institui-se o sistema de freios e contrapesos em que os poderes exercem controles recíprocos e, eventualmente, assumem funções atípicas.
Isto é evidente se analisarmos a introdução de novos institutos na Constituição Federal de 1988 (CF/88), tais como a Ação Direta de Constitucionalidade, e a manutenção de outros importantes remédios constitucionais, como a ação popular e o mandado de segurança coletivo, que acarretaram em uma “politização da justiça”.
No final da década de 1970 e início da década de 1980, o modelo do Estado Social começou a entrar em declínio. O enorme custo, consequência do seu agigantamento, “incapacidade financeira do Estado para atender gerou às despesas sempre crescentes da providência estatal, tendo presente o conhecido paradoxo de esta ser tanto mais necessária quanto piores são as condições para a financiar”[3].
Esta crise afetou também o judiciário, e, segundo Morais e Spengler[4], baseia-se em quatro pontos: uma “crise estrutural”, relativa ao seu financiamento e à morosidade do processo; uma “crise objetiva ou pragmática”, referente a questões de linguagem técnico formal, burocratização, lentidão nos procedimentos e acúmulo das demandas; uma “crise subjetiva ou tecnológica”, que diz respeito à incapacidade dos operadores do Direito de lidarem com as novas realidades fáticas; e uma “crise paradigmática”, no que se refere aos métodos e conteúdos usados pelo direito, que não são adequados para atender às necessidades da sociedade contemporânea.
O crescimento da população urbana, da industrialização, do desemprego, dos índices de violência, aliados ao surgimento de novas tecnologias, à promulgação de uma Constituição garantidora de direitos e o maior acesso à informação, levaram a um aumento do número de conflitos, ao mesmo tempo em que também assumiram um alto grau de complexidade.
A cultura do litígio, tão amplamente difundida em nossa sociedade, é uma das causas do abarrotamento do Judiciário, evidenciado pelos gráficos[5] acima colacionados. Logo que se instaura a lide, muitas vezes as partes recorrem ao poder judiciário, sem antes buscar alternativas que poderiam satisfazer suas pretensões de forma mais célere, eficaz e menos custosa, como a mediação, a conciliação e a arbitragem, que serão tratados a frente.
O modelo tradicional de composição dos conflitos tornou-se insuficiente para atender às demandas da sociedade atual, tanto no aspecto quantitativo, no que diz respeito à razoável duração do processo, quanto no aspecto qualitativo, relacionado à efetividade das decisões e superação dos entraves de ordem econômica e cultural que impedem o acesso à justiça.
Sendo assim, é necessário uma mudança de paradigma, abandonando-se o monopólio estatal da jurisdição, baseado na conflituosidade, para a adoção de uma cultura do consenso, mais célere e eficaz, a fim de concretizar o princípio constitucional do acesso à justiça.
2.1O princípio fundamental do acesso à Justiça
O princípio do amplo acesso ao Judiciário surgiu com a Constituição de 1946, que tinha a seguinte redação: “A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual”[6].
Com o advento da Constituição de 1988, houve uma ampliação da defesa dos direitos violados e passou-se a tutelar também a ameaça ao direito. Houve, ainda, a supressão do termo “individual”, a fim de abranger também os interesses difusos e coletivos. Destarte, o novo dispositivo ficou assim redigido “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, XXXV, CF/88)[7].
Para os autores Cappelletti e Garth[8] a expressão “acesso à justiça” é de difícil definição, pois
Serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado que, primeiro deve ser realmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.
Segundo Bueno, o acesso à justiça pode ser entendido como um princípio que possui como sinônimo as expressões “acesso à ordem jurídica justa”, “inafastabilidade da jurisdição”, “inafastabilidade do controle jurisdicional” ou “ubiqüidade da jurisdição”.[9]
Observa-se que o conceito desse princípio vem se modificando ao longo do tempo. Enquanto no Estado Liberal significava apenas uma garantia do indivíduo de ajuizar ou contestar a ação, correspondendo uma igualdade meramente formal, no Estado de Bem Estar Social há uma postura mais ativa dos magistrados, que passam a se preocupar com a desigualdade entre os litigantes e garantir a efetividade deste postulado.[10]
Atualmente entende-se que o acesso à justiça não pode se restringir ao uso da via judicial, com finalidade meramente repressiva, mas deve ser alcançado de várias formas, por diversos e legítimos meios, assumindo naturezas distintas (preventiva, repressiva ou reparatória).
3.BUSCA E ANÁLISE DE RESULTADOS
Diante do problema identificado, buscou-se analisar os instrumentos jurídicos passíveis de garantir maior efetividade ao Ordenamento Jurídico, oportunidade em que os métodos de solução consensual se destacaram.
4.O CONLFITO E SEUS MEIOS DE SOLUÇÃO
Os vícios enumerados no capítulo anterior, que desencadearam a crise do sistema judiciário brasileiro, tornaram-se objeto de preocupação do legislador infraconstitucional.
Destarte, em 2010, uma comissão de juristas entregou ao Senado Federal o anteprojeto de um Novo Código de Processo Civil, que visava privilegiar “a simplicidade da linguagem e da ação processual, a celeridade do processo e a efetividade do resultado da ação, além do estímulo à inovação e à modernização de procedimentos, garantindo o respeito ao devido processo legal”[11], diminuindo o excesso de formalismos, a fim de “resgatar a crença no judiciário e tornar realidade a promessa constitucional de uma justiça pronta e célere”.[12]
Em vigor desde 18 de março de 2016, a Lei 13.105 que instituiu o Novo Código de Processo Civil[13] (CPC/2015) deu importantes passos para a realização de uma justiça mais eficaz, ao, dentre outros, incentivar os métodos de solução consensual de conflitos, tais como a mediação e a conciliação. De acordo com a comissão, “Entendeu-se que a satisfação efetiva das partes pode dar-se de modo mais intenso se a solução é por elas criada e não imposta pelo juiz.”[14]
O conflito sempre estará presente nas relações interpessoais. Segundo CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, a existência do direito regulador não é suficiente para eliminá-lo.
Para os autores supra mencionados, o conflito caracteriza-se
por situações em que uma pessoa, pretendendo para si determinado bem, não pode obtê-lo – seja porque (a) aquele que poderia satisfazer a sua pretensão não a satisfaz, seja porque (b) o próprio direito proíbe a satisfação voluntária da pretensão.[15]
Há diversos métodos que buscam solucionar as controvérsias que se instauram na sociedade, sendo eles: a autotutela, a autocomposição e a heterocomposição, que deverão ser aplicados considerando as características do conflito, a fim de prestigiar o meio mais adequado.
O emprego desses métodos varia conforme o período histórico da sociedade, sendo que atualmente há uma maior discussão e incentivo acerca da utilização dos autocompositivos, que buscam uma solução consensual do conflito.
Conforme explica CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, a autotutela é a forma mais antiga de solução dos conflitos, própria das fases primitivas da civilização, quando não havia um Estado forte o suficiente para superar os ímpetos individualistas dos homens e impor o direito acima da vontade dos particulares.
Assim, quem pretendesse alguma coisa que outrem o impedisse de obter haveria de, com sua própria força e na medida dela, tratar de conseguir por si mesmo, a satisfação de sua pretensão. [...] A esse regime chama-se autotutela (ou autodefesa) e hoje, encarando-a do ponto de vista da cultura do século XX, é fácil ver como era precária e aleatória, pois não garantia a justiça, mas a vitória do mais forte, mais astuto ou mais ousado sobre o mais fraco ou mais tímido[16].
O Código Penal Brasileiro (CP/1940) coíbe essa prática, tipificando como crime o exercício arbitrário das próprias razões, conforme prevê o art. 345, in verbis: “Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite”.
Todavia, o próprio dispositivo em comento contém ressalvas (“salvo quando a lei o permite”). Isto se dá, pois em algumas situações não é possível a presença do Estado, permitindo-se, então, que um dos envolvidos no conflito solucione a controvérsia pelo exercício da força. Contudo, essa medida sempre poderá ser revista judicialmente, não recebendo, portanto, os atributos da definitividade.
A título de exemplo das situações excepcionais em que a autodefesa é permitida, podemos citar a legítima defesa (art. 188, I, Código Civil/2002 – CC/2002), a apreensão de bem com penhor legal (art. 1.467, I, CC/2002), o desforço imediato no esbulho (art 1.210, §1º, CC/2002), e, ainda, a greve, na área trabalhista e o estado de necessidade (art. 24, CP/1940), na área criminal.
Com a evolução da sociedade e sua complexidade, aos poucos a autotutela foi sendo substituída pelas formas de autocomposição e heterocomposição para a solução dos conflitos, surgindo, assim, regras mais sofisticadas para a conduta dos indivíduos na sociedade.
Outro meio de solução de conflitos é a autocomposição. Embora também esteja presente desde os sistemas primitivos, atualmente ela vem ganhando destaque nas sociedades modernas e é até mesmo incentivada por nossa legislação.
Segundo TARTUCE[17], consiste na possibilidade de as próprias partes resolverem uma saída para o conflito, em conjunto ou isoladamente. Esse método difere da autotutela, uma vez que o que determina a solução do conflito não é o exercício da força, mas a vontade das partes. É considerado uma ótima forma de pacificação social, pois não há uma decisão impositiva, mas sim uma valorização da autonomia da vontade dos envolvidos.
A autocomposição é um gênero do qual são espécies a transação, a submissão e a desistência. Na transação há uma concessão recíproca de interesses. Já a submissão consiste na renúncia à resistência oferecida à pretensão. A desistência, por fim, é a renúncia à pretensão.[18]
De acordo com LAMY e RODRIGUES[19]
a autocomposição é considerada, hoje, uma espécie de equivalente jurisdicional, pois resolve conflitos assim como a jurisdição. Saliente-se, no entanto, que ela só incide em relação a direitos disponíveis. Quando se tratar de direito indisponíveis, não pode haver autocomposição, em nenhuma de suas formas, pois as partes não podem simplesmente abrir mão de direitos como a tutela do meio ambiente, a receita pública, a identidade, a saúde e a vida, entre outros.
São exemplos de autocomposição: a conciliação, a mediação, a negociação[20], o fact finding[21], o ombudsman[22].
A heterocomposição caracteriza-se pela presença de um agente exterior que soluciona a lide. As duas principais formas são a arbitragem e a jurisdição.
A arbitragem, por ser considerada um meio alternativo de solução de conflitos, será objeto de estudo no próximo tópico. Assim, passa-se ao estudo da jurisdição.
A jurisdição é uma das expressões do poder estatal. É a capacidade que o Estado tem de decidir imperativamente e impor decisões. Pode ser definida como a atividade segundo a qual os juízes agem em substituição às partes, examinado suas as pretensões e resolvendo os conflitos.[23]
Este meio heterocompositivo pode ser analisado sobre três aspectos distintos: poder, função e atividade. O poder jurisdicional permite o exercício da função precípua que é a pacificação social, materializando-se através do processo judiciário. [24]
Considerando-se que em certos casos a lei não admite a autotutela, a autocomposição ou o juízo arbitral, conclui-se que a jurisdição é imprescindível na sociedade moderna. Todavia, conforme disposto no capítulo anterior, há um abuso em sua utilização, devido à forte cultura do litígio, o que culminou em seu colapso.
De acordo com TARTUCE[25]
Por força da arraigada “cultura da sentença” e do desconhecimento de muitos, o Poder Judiciário acaba sendo utilizado com única e natural via de enfrentamento de conflitos. Nesse contexto, promover informação sobre os diversos meios de abordagem de conflitos é iniciativa interessante para ampliar a visibilidade dos mecanismos consensuais, que podem se revelar adequados na busca da eficaz superação da controvérsia.
Assim, observa-se atualmente um forte movimento de incentivo à utilização dos meios alternativos de resolução de conflitos, a fim de garantir o acesso à ordem jurídica justa.
4.1 Principais meios alternativos de resolução de conflitos
A resolução dos conflitos por formas diversas do processo judicial tradicional tem sido denominada de meios alternativos. Tal expressão advém da Alternative Dispute Resolution (ADR), desenvolvida nos Estados Unidos na década de 1980.
Estes mecanismos destacam-se por promover a celeridade, pela ausência de formalismo, pela economia de debates extremamente jurídicos ou processuais, além da confidencialidade, da busca de uma solução que satisfaça mais à justiça e aos interesses econômicos das partes do que as regras do direito.[26]
Trata-se de métodos muito mais eficazes à complexidade dos conflitos da modernidade, principalmente diante do abarrotamento do poder judiciário e do processo clássico. Nos dizeres de WATANABE[27]
a incorporação dos meios alternativos de resolução de conflitos, em especial dos consensuais, ao instrumental à disposição do Judiciário para o desempenho de sua função de dar tratamento adequado aos conflitos que ocorrem na sociedade, não somente reduziria a quantidade de sentenças, de recursos e de execuções, como também, o que é de fundamental importância para a transformação social com mudança de mentalidade, propiciaria uma solução mais adequada aos conflitos, com a consideração das peculiaridades e especificidades dos conflitos e das particularidades das pessoas neles envolvidas.
Inseridos na terceira onda renovatória da teoria de CAPPELLETTI e GARTH[28], os meios alternativos de solução dos conflitos rompem com o paradigma “ganhar-perder”, que privilegia a disputa e o conflito, fazendo com que uma das partes seja considerada vencedora e a outra vencida. Em contrapartida, instituem a idéia do “ganhar-ganhar”, ao possibilitar o diálogo e promover a aptidão das partes para encontrar soluções consensuais para a resolução de conflitos, em que todos saem vencedores.[29]
Todavia, infelizmente o Brasil, assim como outros países que adotam o sistema civil Law, tem pouca tradição na utilização desses métodos. De acordo com MEDINA[30], a nossa cultura jurídica tem a tendência de acreditar que apenas o Estado é capaz de resolver as controvérsias, além da visão equivocada[31] de que os institutos da arbitragem e mediação possam diminuir a procura pelos serviços profissionais dos advogados.
Além do mais, há quem entenda que a adoção destes mecanismos feriria o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, estampado no art. 5º, XXXV, CF/88. De acordo com MARQUES[32]
No que tange às desvantagens, as críticas à adoção de tais mecanismos alternativos se resumem em: deletéria privatização da justiça (retirando do Estado, a ponto de enfraquecê-lo, uma de suas funções essenciais e naturais, a administração do sistema de justiça); falta de controle e confiabilidade dos procedimentos e das decisões (em procedimentos sem transparência e lisura); exclusão de certos cidadãos e sua relegação ao contexto de uma ―justiça de segunda classe‖; frustração do jurisdicionado e enfraquecimento do direito e das leis.
Todavia, rebate SALES[33]
a introdução dos meios alternativos não visa substituir ou enfraquecer o Poder Judiciário, pelo contrário, a visa oferecer meios mais adequados de resolução de conflitos e inserir-se no âmbito de modernização do Poder Judiciário, facilitando a efetiva prestação jurisdicional por este Poder
Nesse contexto, a fim de incentivar a adoção de um novo paradigma, o ordenamento jurídico Brasileiro vem se renovando, principalmente com o advento da Lei da Arbitragem em 1996, da Resolução 125 do CNJ em 2010 e posteriormente com a edição do Novo Código de Processo Civil e da Lei de Mediação, em 2015, que se tornaram marcos legais da introdução dos meios alternativos de resolução de conflitos no país.
5.DISCUSSÃO DE RESULTADOS
A possibilidade da utilização de métodos consensuais é uma medida de vanguarda, que garantirá celeridade e eficácia na solução de conflitos.
Tal possibilidade, superando o modelo conflituoso, visa à implementação de mecanismos de autocomposição, tais como a negociação, a mediação e a conciliação, para garantir maior rapidez na solução das lides.
CONCLUSÃO
No decorrer do trabalho, observou-se que o advento do Estado de Bem-Estar Social, caracterizado por seu intervencionismo e protecionismo, provocou mudanças no Poder Judiciário, que passou a adotar uma postura mais ativa, a fim de dar maior concretização aos direitos almejados pelo Estado.
Isso gerou um enorme custo e um aumento excessivo das demandas, que, aliados à estrutura burocratizada do Judiciário, ao formalismo exacerbado advindo da legislação processual, ao número insuficiente de servidores, à litigiosidade arraigada na cultura brasileira e frequente dentre alguns atores (principalmente a Administração Pública), além da má formação dos operadores do direito, voltada para o conflito, acarretou na crise deste poder.
Destarte, demandar virou sinônimo de transtorno, incômodo, morosidade, ineficácia e gastos excessivos, acarretando em um verdadeiro descrédito desta instituição frente aos jurisdicionados, afastando-os do acesso à justiça. Viu-se que esse contexto provocou uma grave violação do preceito constitucional estampado no art. 5º, XXXV da CF/88.
Conforme exposto, há diversos métodos aptos a solucionar as controvérsias, quais sejam, a autotutela, a heterocomposição e a autocomposição, adequados a cada tipo de conflito.
A autotutela, embora seja a forma mais antiga de resolver as controvérsias, não é muito utilizada, mas ainda há resquícios no ordenamento jurídico brasileiro.
Em contrapartida a heterocomposição, que envolve a solução do conflito por um terceiro, é o meio mais empregado no Brasil, já que a Jurisdição é aqui classificada.
A arbitragem é uma segunda forma heterocompositiva, cuja solução é dada por um terceiro investido de jurisdição pela vontade das partes. Esta é uma das alternativas ao uso do judiciário, utilizada principalmente quando a matéria do litígio é muito especializada.
Por fim, há os meios autocompositivos, denominados de meios consensuais de resolução de controvérsias, se caracterizam por serem céleres, pela ausência de formalismo, pelo menor custo, pela confidencialidade e pelo foco nos interesses dos envolvidos, deixando de lado questões estritamente jurídicas ou processuais. Dentre eles estão a conciliação e a mediação, nos quais as próprias partes resolvem o conflito, intermediadas por um terceiro imparcial.
Observa-se um verdadeiro avanço pertinente à matéria trazido pelos novos diplomas normativos, que podem estimular a adoção de uma cultura do consenso na sociedade brasileira, já que a regulamentação mediação trouxe maior segurança a seus usuários.
Todavia, é importante ressaltar que os operadores do direito precisam se atentar para que este instituto não se torne massificado e ritualizado, comprometendo, assim, os fins a que se destina, tornando-se mais um meio de protelação do processo e de comprometimento da integridade do Poder Judiciário.
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[1] SILVA, Carlos Augusto. O processo civil como estratégia de poder: reflexo da judicialização da política no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 18.
[2] AMARAL, Márcia Terezinha Gomes. O direito de acesso à justiça e a mediação. Dissertação (Mestrado em Direito e Políticas Públicas) – Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Centro Universitário de Brasília, Brasília, 2008. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp048205.pdf>. Acesso em: 17 out. 2019, p. 21.
[3] SANTOS, Boaventura de Sousa; MARQUES, Maria Manuel Leitão; PEDROSO, João. Os tribunais nas sociedades contemporâneas. Disponível em: < http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_30/rbcs30_07.htm>. Acesso em: 17 out 2019.
[4] MORAIS, José Luis Bolzan de; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e arbitragem: alternativas à jurisdição. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 78-79.
[5] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2015: ano-base 2014. Brasília: CNJ, 2015. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/07/23fa2e5e06f732d0bb353d2747de333e.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2016, p. 34-42.
[6] BRASIL. Constituição (1946). Lex. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao46.htm>. Acesso em: 19 out 2019.
[7] ______. Constituição (1988). Lex. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 19 out 2019.
[8] CAPPELLETI, Mauro; BRYANT, Garth. Acesso a justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 3.
[9] BUENO. Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: Teoria do Direito Processual Civil I. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 137.
[10] AMARAL, Márcia Terezinha Gomes. O direito de acesso à justiça e a mediação. Dissertação (Mestrado em Direito e Políticas Públicas) – Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Centro Universitário de Brasília, Brasília, 2008. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp048205.pdf>. Acesso em: 19 out 2019, p. 49.
[11] BRASIL. Congresso Nacional. Senado Federal. Código de Processo Civil : anteprojeto / Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, Presidência, 2010. Disponível em: <https://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf>. Acesso em: 19 out 2019, p. 3.
[12] Ibidem, p.7.
[13] BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Lex. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 19 out 2019.
[14] Idem. Congresso Nacional. Senado Federal. Código de Processo Civil : anteprojeto / Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, Presidência, 2010. Disponível em: <https://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf>. Acesso em: 19 out 2019, p. 22.
[15] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 28.
[16] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 29.
[17] TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. 2. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Método, 2008.
[18] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 29.
[19] LAMY, Eduardo de Avelar; RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Curso de Processo Civil: Teoria Geral do Processo, vol. I. Florianópolis: Conceito Editorial, 2010, p. 29.
[20] TAVARES, Fernando Horta. A intermediação como forma alternativa de solução de controvérsias: mediação e conciliação. Tese (mestrado em direito processual). Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1998. Disponível em: < http://www.biblioteca.pucminas.br/teses/Direito_TavaresFH_1.pdf>. Acesso em: 24 out 2019, p. 44. TAVARES explica que na negociação “as partes se encontram diretamente e, de acordo com suas próprias estratégias e estilos, procuram resolver uma disputa ou planejar uma transação mediante discussões que incluem argumentação a arrazoamento.”
[21] Ibidem, p.46. Conceitua TAVARES: “É realizado mediante a utilização de um perito, neutro, selecionado pelas partes, com o objetivo de encontrar e clarear fatos. É meio auxiliar na negociação, mediação ou adjudicação.”
[22] Ibidem, p. 46. Ensina TAVARES: “Não é um processo propriamente dito. É o nome dado à um oficial, designado por uma instituição, para investigar queixas e requerimentos, como maneira de prevenir litígios ou facilitar sua resolução dentro da instituição. Essa terceira pessoa investiga e leva queixas de cidadãos com relação ao governo, de cliente face a prestador de serviços, entre empregados e empregador, com o fito de dirimir controvérsias ou propor mudanças no sistema. Dentre os métodos de atuação utilizados estão incluídos a investigação, a publicidade e a recomendação.”
[23] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 31-32.
[24] Ibidem.
[25] TARTUCE, Fernanda. Mediação no Novo CPC: questionamentos reflexivos. In Novas Tendências do Processo Civil: estudos sobre o projeto do novo Código de Processo Civil. Org.: Freire, Alexandre; Medina, José Miguel Garcia; Didier Jr, Fredie; Dantas, Bruno; Nunes, Dierle; Miranda de Oliveira, Pedro (no prelo). Disponível em <http://www.fernandatartuce.com.br/artigosdaprofessora>. Acesso em: 25 out 2019, p. 5-6.
[26] AMARAL, Márcia Terezinha Gomes. O direito de acesso à justiça e a mediação. Dissertação (Mestrado em Direito e Políticas Públicas) – Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Centro Universitário de Brasília, Brasília, 2008. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp048205.pdf>. Acesso em: 19 out 2019. p. 59.
[27] WATANABE, Kazuo. Política pública do Poder Judiciário Nacional para tratamento adequado dos conflitos de interesses. Revista de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n.86, p. 76-88, jan./mar.2011.
[28] CAPPELLETI, Mauro; BRYANT, Garth. Acesso a justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 71.
[29] AMARAL, Márcia Terezinha Gomes. O direito de acesso à justiça e a mediação. Dissertação (Mestrado em Direito e Políticas Públicas) – Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Centro Universitário de Brasília, Brasília, 2008. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp048205.pdf>. Acesso em: 19 out 2019, p. 63.
[30] MEDINA, Eduardo Borges de Mattos. Meios alternativos de solução de conflitos: o cidadão na administração da justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2004.
[31] Embora a atuação dos advogados seja facultativa na arbitragem (art. 21, §3º, Lei 9.307/1996) e na conciliação que ocorrem no âmbito dos Juizados Especiais (art. 9º, Lei 1099/1995), quando a causa for inferior a 20 salários mínimos, sua presença é imprescindível nas audiências de conciliação e mediação reguladas pelo CPC/2015, conforme dispõe art. 334 , §9º.
[32] MARQUES, Norma Jeane Fontenelle. Tutela diferenciada e meios alternativos de solução de conflitos. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 119, dez 2013. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13545&revista_caderno=21>. Acesso em: 27 out 2019.
[33] SALES, Lilia Maia de Morais. Mediação de conflitos: Família, escola e comunidade. Florianópolis: Conceito, 2007.
Curso de Pós-graduação Lato sensu em Direito Penal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROMAN, Luciana Oliveira Coimbra. A crise do Poder Judiciário e o direito constitucional de acesso à justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 fev 2020, 04:37. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54258/a-crise-do-poder-judicirio-e-o-direito-constitucional-de-acesso-justia. Acesso em: 24 nov 2024.
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