Resumo: Este artigo tem por objetivo examinar a soberania popular e a tecnologia cívica no capitalismo digital, com metodologia de estudo de legislação, doutrina e jurisprudência, refletindo sobre à ética no processo eleitoral e os riscos provocados pelos vírus digitais, tais como desinformação, feek news e deep fakes, diante dos precedentes jurisprudenciais dos Tribunais brasileiros, considerando como resultado esperado que as propagandas eleitorais com inteligência artificial foram limitas pelo Tribunal Superior Eleitoral com a Resolução n.º 23.732/2024, garantindo a preservação do estado democrático de direito e o exercício do sufrágio universal.
Abstract: This article aims to examine popular sovereignty and civic technology in digital capitalism, using a methodology of studying legislation, doctrine, and jurisprudence. It reflects on ethics in the electoral process and the risks posed by digital viruses, such as misinformation, fake news, and deep fakes, in light of the jurisprudential precedents of Brazilian courts. The expected result is that electoral advertisements using artificial intelligence have been limited by the Superior Electoral Court with Resolution No. 23.732/2024, ensuring the preservation of the democratic rule of law and the exercise of universal suffrage.
Palavras-chave: Soberania Popular. Eleições. Inteligência Artificial. Tecnologia. Direto Digital.
Keywords: Popular Sovereignty. Elections. Artificial Intelligence. Technology. Digital Law.
Sumário: Introdução. 1. Soberania Popular. 2. Tecnologia Cívica. 3. Capitalismo Digital. 4. Ética no Processo Eleitoral. 4.1. Vírus Digitais. 4.2. Precedentes Jurisprudenciais. 5. Resolução n.º 23.732/2024 do TSE; 5.1. Propaganda Eleitoral na Internet. 5.2. Inteligência Artificial. Considerações Finais. Referências.
INTRODUÇÃO
O Brasil é tecido por movimentos populares, dentre eles destaca-se as Diretas Já ocorrido na década de 1980, que ensejou a retomada do Estado Democrático de Direito mediante as eleições indiretas para Presidente da República no ano de 1985 e o fim da ditadura militar, e o movimento ocorrido na Praça dos Três Poderes em Brasília no dia 08/01/2023, que resultou em processos, condenações e prisões.
As características principais que diferenciam tais movimentos são que o primeiro foi democrático, pacifico e organizado de forma analógica e o segundo antidemocrático, violento e organizado de forma digital.
Com o advento da internet, o ambiente analógico passou para o digital com reflexos positivos e negativos no mundo físico, influenciada pela soma dos poderes da tecnologia e da informação que, por forças escusas, trouxeram os vírus digitais, consistentes em desinformação, feek news e deep fakes, que são disseminados e circulam diariamente sem controle nas mídias sociais e sites na internet, sendo que a mentira digital, o algoritmo do ódio e o cativeiro digital estão fluindo digitalmente e podem ser potencializados pelo uso da Inteligência Artificial (IA), que podem influenciar negativamente processos eleitorais mediante propaganda enganosa.
Os vírus informacionais implicam em reações públicas, denominada de "techlash", em razão da crescente desconfiança contra as Big Techs do setor de tecnologia da informação, cujo fenômeno está relacionado a falta de privacidade, uso indevido de dados, influência política, práticas monopolistas e o impacto social dessas corporações. O fenômeno "tech-clash" se refere a frustração popular de como as empresas de tecnologia operam ou implementam novas tecnologias, representando o conflito entre os valores tecnológicos e humanos.
A fragmentação de regulamentos gera "balkanização digital", onde diferentes regiões operam sob regras distintas que podem impedir a integração econômica e política, sendo que a busca por um consenso global sobre questões como segurança cibernética, privacidade de dados e ética é fundamental para evitar conflitos e promover um ambiente digital seguro e estável.
Tais fenômenos ensejaram movimentos populares pontuais, intitulados de “flash mob” e "smart mob", que já ocorrem em diversos locais públicos do mundo e que são organizados previamente pelos manifestantes por redes sociais e mensagens eletrônicas, de cunhos políticos e marcados por protestos pacíficos, democráticos e com rápidas dispersões para evitar repressões das autoridades públicas.
Entretanto, face o advento da Inteligência Artificial, os riscos dos vírus informacionais aumentaram, gerando preocupações sobre os potenciais perigos para o processo eleitoral brasileiro e que episódios nefastos como o ocorridos aos 08/01/2023 não tornem a ocorrer.
Mostra-se, assim, necessário examinar a soberania popular e a tecnologia cívica no capitalismo digital, refletindo sobre à ética no processo eleitoral e os riscos provocados pelos vírus digitais, diante dos precedentes jurisprudenciais dos Tribunais brasileiros e os limites impostos pelo Tribunal Superior Eleitoral com a Resolução n.º 23.732/2024 para propagandas eleitorais com inteligência artificial.
1.SOBERANIA POPULAR
O Exmo. Presidente Tancredo Neves, eleito por eleições indiretas, faleceu aos 21 de abril de 1985 em decorrência da piora do seu estado clinico[1] e durante a presidência do Exmo. Presidente José Sarney as eleições voltaram a ser diretas.
A promulgação da Constituição Federal de 1988 é considerado marco fundamental no processo democrático do Brasil, sendo redigida por representantes eleitos para a Assembleia Nacional Constituinte com o objetivo de estabelecer as bases de um Estado Democrático de Direito e garantir o exercício dos direitos sociais e individuais, cujo preâmbulo reflete esse espírito, enfatizando valores como liberdade, igualdade, justiça e a solução pacífica de controvérsias.
O art. 14 da Constituição Federal especifica os mecanismos de exercício da soberania popular, que incluem o sufrágio universal e o voto direto e secreto, garantindo igualdade de valor para todos os votos, estabelecendo que a participação popular na democracia pode se dar através de plebiscitos, referendos e iniciativas populares, sendo fundamental para consolidar a participação cidadã e a governança democrática no Brasil pós-ditadura, que, desde daquela época a não, já sofria com fake news e desinformação e boatos, hoje agravados pelo mau uso da tecnologia digital que influência negativamente as tomadas de decisões para tentar imperar os poderes tecnológico, político, econômico e informação em prol de poucos em detrimento de muitos.
2.Tecnologia cívica
O ser humano desde à antiguidade já se preocupava com a segurança da informação, à exemplo da Cifra de César destinada a proteger dados militares críticos, e até a modernidade, como no caso da Máquina de Turing que, assegurou o estado democrático de direito em meio os sistemas parlamentarista e presidencialista, tendo sido desenvolvida pelos aliados durante a 2ª Guerra Mundial no século XX para decifrar os códigos da Máquina Enigma nazista, usada de forma distorcida por regime autoritário e antidemocrático.
Márcio Pugliesi leciona que:
A tecnologia serve em sua obra como medida, mediante a qual as culturas são ordenadas.[2]
As urnas eletrônicas implementadas no Brasil na década de 1990 representaram significativa evolução no processo eleitoral, fortalecendo a democracia, garantindo eleições rápidas, seguras e transparentes.
Na era da tecnologia digital, o Estado Democrático de Direito enfrenta desafios únicos, como garantir que a tecnologia, especialmente a IA, seja usada de forma que reforce, e não subverta, os princípios democráticos, sendo que questões como privacidade, vigilância, manipulação de informações e fake news são apenas alguns dos problemas que precisam ser enfrentados para preservar a integridade democrática, tanto é assim que a questão do direito a proteção dos dados pessoais foi classificada como direito fundamental, sendo inserido no artigo 5º da Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 115, de 2022: “LXXIX - é assegurado, nos termos da lei, o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais”, em reforço a legislação infraconstitucional, em especial a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD - Lei n.º 13.709/18) que no art. 6º, incisos I a X, arrola os princípios para o tratamento de dados pessoais, visando proteger os direitos dos titulares e garantir a segurança das informações, dentre eles, a proibição de tratamento de dados para fins discriminatórios ilícitos ou abusivos.
A liberdade de expressão pode ser comprometida por tecnologias que filtram e censuram informações, a igualdade pode ser ameaçada por algoritmos tendenciosos que perpetuam discriminações; e o sufrágio universal pode ser prejudicado por falhas de segurança que questionem a integridade do voto.
A evolução da criptografia, desde a Cifra de César até o uso contemporâneo de IA por hackers, ilustra um duplo-edged sword da tecnologia, enquanto proporciona avanços significativos em segurança e eficiência, também apresenta novos riscos e desafios, especialmente no que diz respeito à integridade dos processos democráticos. A resposta a esses desafios requer uma combinação de vigilância tecnológica, regulamentação inteligente, e uma compreensão profunda tanto da tecnologia quanto das potenciais vulnerabilidades que ela pode trazer.
Os ataques cibernéticos a infraestruturas eleitorais podem incluir o uso de Bots Maliciosos, que são projetados para realizar atividades ilegais ou mal-intencionadas como ataques de negação de serviço (DDoS), phishing, e disseminação de malware, automatizando a disseminação de propaganda ou desinformação ou mesmo ataques diretos a bancos de dados eleitorais, tentando alterar ou roubar informações críticas.
Os impactos das novas tecnologias, incluso IA, na governança democrática e na integridade eleitoral ensejam a necessidade de adaptações pelo Poder Legislativo para enfrentar as dinâmicas modernas impostas pela digitalização e pela inteligência artificial.
As redes sociais desempenham um papel significativo na disseminação de desinformação e fake news, especialmente durante períodos eleitorais, sendo que algoritmos de IA são frequentemente utilizados para segmentar e direcionar conteúdo para usuários com base em seus interesses e comportamentos anteriores, ampliando o alcance de informações enganosas e polarizadoras.
A desinformação nas redes sociais pode minar a integridade das eleições e enfraquecer a confiança nas instituições democráticas, sendo que o governo e as plataformas de mídia social devem trabalhar em conjunto para combater a desinformação, promovendo a alfabetização digital, implementando políticas de moderação de conteúdo e garantindo a transparência na publicidade política online.
A tecnologia cívica é um meio de fortalecer as instituições democráticas desde que as ferramentas tecnológicas sejam desenvolvidas e usadas para aumentar a transparência, promover a participação pública e melhorar os serviços governamentais, como por exemplo, as plataformas de votações eletrônicas que poderão melhorar a acessibilidade e eficiência das eleições e os apps de engajamento cívico que poderão permitir que os cidadãos reportem problemas, participem de consultas públicas e monitorem a legislação, mas isso dependerá de parcerias público-privadas para certificação de que a tecnologia não foi manipulada direita ou indiretamente para garantir a segurança do processo eleitoral.
As urnas eletrônicas não são conectadas na internet justamente para evitar fraudes eleitorais, continuando o instrumento tecnológico moderno, confiável e blindado, tanto é que o TSE permitiu a fiscalização do código-fonte, o que demonstra a lisura do processo eleitoral no Brasil, bem como garante a inclusão porque serão equipadas com recurso de acessibilidade em prol de deficientes físicos visuais para votarem, sendo que, a partir das Eleições Municipais de 2024, uma voz sintetizada “Letícia” irá orientá-los no uso do equipamento, preservando a autonomia e sigilo do voto.
3.CAPITALISMO DIGITAL
A história da humanidade foi marcada pelo comércio na rota da seda e pela navegação marítima nas quais os fluxos de informações eram limitados e controlados no ambiente analógico.
John Stuart Mill explica que:
Com o tempo, porém, a república democrática passou a ocupar uma grande porção da superfície terrestre e se fez sentir como um dos membros mais poderosos da comunidade de nações; e o governo eletivo e responsável ficou sujeito às observações e às críticas que acompanham qualquer grande fato existente. Percebeu-se, então, que em termos como “autogoverno” e “o poder do povo sobre si mesmo” não expressavam o verdadeiro estado das coisas.[3]
A internet rompeu as barreiras físicas, relativizando o espaço tempo, desmaterializando e marcando o início do ambiente digital à nível global, dominado por poderes tecnológicos e informacionais, ilimitados e incontroláveis, com capacidade de influenciar em processos eleitorais.
Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos e Marilene Araújo lecionam que:
No final do século passado, com a disseminação da Internet, surge um novo espaço de relações e interações humanas, um espaço de desterriorialização e virtualidade que colocam a figura do Estado em aparente desconforto em face da dificuldade de controlar esses fenômenos. O controle estatal passa a enfrentar problemas em relação ao seu alcance, principalmente na esfera territorial.[4]
A internet implicou na migração do capitalismo industrial para o capitalismo digital, sendo os conflitos políticos jogados por interesses econômicos nacionais e internacionais, com guerras, onde as estratégias e táticas de militares, são desenvolvidas e manipuladas no tabuleiro do jogo da humanidade, jogado por poucos jogadores mundiais, no qual países, povos, governos, partidos políticos e etc. são meras peças jogadas.
No Brasil, a evolução do acesso à Internet ampliou significativamente a criação e o uso de páginas pessoais, particularmente nas redes sociais, reforçando a importância da liberdade de expressão, um direito fundamental protegido pela Constituição Federal do Brasil, mas essa liberdade vem acompanhada de responsabilidades, incluindo a necessidade de evitar danos a terceiros.
O Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) é considerado a "Constituição da Internet" no Brasil ao estabelecer princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no país, tratando de questões como a neutralidade da rede, a privacidade, a liberdade de expressão online e a guarda e proteção de registros, e o art. 3º, incisos I a VIII, do Marco Civil da Internet arrola princípios, protegendo a liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, privacidade, dados pessoais, neutralidade de rede, estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas, natureza participativa da rede, liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet e responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades e, no parágrafo único, resguarda a aplicabilidade dos princípios previstos no ordenamento jurídico pátrio relacionados à matéria ou nos tratados internacionais firmados pelo Brasil.
O capitalismo digital é caracterizado pela tecnocracia, que se refere ao governo ou administração de uma sociedade por especialistas técnicos, tecnociência, que envolve a interação entre ciência, tecnologia e sociedade.
Na globalização, a tecnocracia é hibridizada com infocracia, moldam mercados e governos com o poder tecnológico misturado com o poder da informação, numa sociedade de informação transnacional, influenciando diretamente o cenário geopolítico, o qual o Brasil é um ator emergente no palco do teatro internacional participando de Blocos Econômicos, como MERCOSUL e BRICS+, bem como signatário de vários tratados internacionais que influenciam a regulamentação da internet, da informática e do e-commerce, como o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS), da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Maria Eugenia Reis Finkelstein leciona que:
Para dificultar ainda mais a situação, temos o posicionamento do Direito em matéria de Comércio Eletrônico atinge níveis de complexidade impensados, uma vez que o Comércio Eletrônico torna as fronteiras fluidas e aproxima as pessoas de uma forma totalmente nova[26], criando, inclusive, novas formas de praticar delitos[27]. Assim sendo, estamos diante de uma criação tecnológica que permite o desenvolvimento de sistemas ainda mais sofisticados, havendo a necessidade imediata de os juristas, juízes e legisladores orientarem-se pelos pareceres e laudos de especialistas em informática, quando da elaboração de leis ou do julgamento de lides.[5]
A era digital acentuou a tecnodemocracia e o esforço global é necessário para preservação dos direitos sociais e fundamentais, tais como a liberdade, igualdade, diversidade, tolerância, proteção de dados e além de outros direitos.
Márcio Pugliesi leciona que:
Como disse Duverger (1975,205): a tecnodemocracia não apresenta atualmente nenhum sinal de esgotamento.[6]
A soberania popular e a tecnologia cívica convivem com o capitalismo digital, este controlado pelas Big Techs, que armazenam e processam dados em Big Datas, controlando a quantidade e qualidade das informações de partidos e candidatos políticos que circulam nas plataformas digitais, redes ou mídias sociais e sites, que diariamente são visualizadas por bilhões de eleitores por computadores, smartphones, tablets e outros aparelhos eletrônicos.
Marcio Pugliesi leciona que:
As situações se conectam e constituem um processo.[7]
Esses elementos são interconectados e devem contribuir para a integridade e a saúde do processo democrático e não o contrário.
A democracia depende da participação informada e voluntária de seus cidadãos, que por sua vez requerem que a infraestrutura tecnológica que suporta essa participação seja segura, justa e transparente, sendo que violações de privacidade, viés algorítmico e falhas de segurança cibernética podem prejudicar severamente a confiança pública nas eleições e em outras formas de engajamento cívico, levando a desilusões e desestabilização política.
É nítido o conflito entre os poderes da tecnologia e da informação concentrados com empresas ou startups e a manutenção da soberania popular, enquanto que tais entidades jurídicas e cidadãos estão sujeitos às leis do país, cujo cumprimento é garantido pelo Poder Judiciário.
A democracia e a liberdade são pilares da dignidade humana, sendo de vital importância assegurar a aplicação do ordenamento jurídico imparcial e sem distinções fundadas em origem, raça, gênero, credo ou condição econômica, sem que haja influências escusas. O capitalismo digital não pode ser regido no interesse de poucos em detrimento de muitos, sendo que a soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político são princípios que foram embarcados na Constituição Federal Brasileira pelo legislador constituinte no art. 1º, que, no parágrafo único, garantiu que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”.
Juliana dos Reis Habr leciona que:
Por se tratar de um princípio fundamental da República Federativa do Brasil, é um dever estatal garantir a dignidade e punir com eficácia qualquer possibilidade de violação.[8]
Os poderes da tecnologia e informação são do povo emanados e não podem ser contra ele utilizados e tampouco controlados por corporações políticas e econômicas.
Neste ponto, comenta-se o fato notório que ensejou a inclusão de um CEO, de uma plataforma digital, no inquérito das fake news (Inquérito n.º 4874) para apurar supostas condutas de obstrução à Justiça, organização criminosa e incitação ao crime, repercutindo internacionalmente e ensejando pronunciamentos emblemáticos dos Exmos. Ministros do Supremo Tribunal Federal e Tribunal Superior Eleitoral para preservação da ordem pública e manutenção da justiça, sendo incontestável que as decisões judiciais devem ser cumpridas, garantindo-se o princípio do contraditório e da ampla defesa.
4. ÉTICA NO PROCESSO ELEITORAL
Percebe-se que o processo eleitoral na era digital foi envolto na névoa eletrônica da incerteza, onde a ética e a antiética são manipuladas por interesses opostos.
Marcio Pugliesi leciona que:
A análise que privilegia o conflito sabe, e muito bem, que a decisão de conflitos pode levar a estados transitórios de consenso até para permitir a efetiva prática das decisões tomadas sobre os conflitos.[9]
O conflito eleitoral digital é desenvolvido num tabuleiro de jogo virtual, jogado por éticos, munidos de peças representadas por precedentes jurisprudenciais, e antiéticos, munidos de peças virais ou vírus digitais.
Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos leciona que:
A dupla realidade da natureza tem aqui singular importância por quanto o homem esgota o processo formativo de sua personalidade implantando-a no meio social, onde deve completar o grau de adaptação, posto que toda sociedade se caracteriza por determinado nível de individuação, além do qual o indivíduo não pode ir.[10]
4.1. VÍRUS DIGITAIS
Os jogadores antiéticos usam de peças virais ou vírus digitais representados por desinformações, feek news, deep fakes, discursos de ódios, mentiras e etc. que disseminados circulam na internet e redes sociais e aplicativos de mensagens contaminam o processo eleitoral no ambiente digital, para tentar dominar o espaço público digital, com reflexos físicos e violando direitos fundamentais, durante o curto período eleitoral, limitando a circulação de ideias verdadeiras e o livre exercício do direito à informação, comprometendo a capacidade dos eleitores de formarem uma vontade livre e consciente e afetando a legitimidade do processo eleitoral.
Não é ético que o candidato, por interesse próprio ou de terceiros, utilize evento público para atacar o sistema de votação eletrônico e a democracia e tampouco promova ódio, espalhe informações falsas ou crie dúvidas sobre a legitimidade das eleições.
O candidato tem a responsabilidade de não propagar informações distorcidas ou falsas, cuja posição de autoridade aumenta seu poder de persuasão, tornando-o mais eficaz na disseminação de desinformação, sendo responsáveis pelas informações que divulgam e devem aderir a padrões democráticos, que incluem isonomia, respeito pela legitimidade dos resultados eleitorais, pela liberdade de voto, competindo-lhe o dever ético de manter a integridade na comunicação durante o período eleitoral mediante comportamento que respeite os princípios democráticos e a verdade.
Os dados estatísticos não podem ser manipulados para gerar falsas tendências de voto da população e criar maiorias e minorias, sendo de rigor a prevenção da disseminação de informações que possam afetar a equidade e a legitimidade do processo eleitoral, que deve refletir a verdadeira vontade do povo, livre de manipulações e interferências ilícitas.
Além dos candidatos, os partidos políticos tem o dever ético de não permitir que tais vírus sejam propagados antes, no curso e depois de findo o processo eleitoral.
4.2. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS
O Poder Judiciário tem decidido e mantido a paz e a ordem jurídica de forma ética.
O Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI n.º 7261 MC[11] reconheceu que a Resolução n.º 23.714/2022 do TSE protege a integridade das eleições contra a disseminação de desinformação e não constitui usurpação do Poder Legislativo, nem impõe censura, caracterizando-se como instrumento de exercício legítimo do poder de polícia do TSE em matéria eleitoral.
Ressaltou a importância da preservação da qualidade informativa no período eleitoral, sustentando a validade da Resolução do TSE como um instrumento legítimo e necessário para combater a desinformação e assegurar a integridade e a justiça do processo eleitoral, respeitando os princípios constitucionais.
Noutro julgado, o STF na ADI[12] nº 6457 firmou o entendimento de que as Forças Armadas no Brasil não possuem um papel moderador entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, com tripartição de poderes, afastando interpretação contrária do artigo 142 da CF que confere tal função e reconhecendo que o Presidente da República possui autoridade sobre as Forças Armadas dentro de um quadro de competências estritamente constitucionais, não podendo usar essa autoridade para promover intervenções nos outros Poderes, cujo princípio constitucional preserva a harmonia e independência entre os Poderes e que o emprego das Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem deve ser excepcional, com caráter subsidiária e limitado, apenas após esgotados os meios ordinários de manutenção da ordem pública, reforçando a subordinação da atuação militar ao controle civil e à observância dos direitos fundamentais.
O Tribunal Superior Eleitoral, no julgamento do RO-El[13] nº 060293606, iluminou a preocupação sobre o perigo de abuso do poder político ao serem proferidas certas expressões que podem abalar a integridade do processo eleitoral, incitar a violência e contrariar os princípios do Estado Democrático de Direito.
O Tribunal Superior Eleitoral na decisão enfatizou que ações e declarações de figuras públicas, tal como deputado federal, antes deputados estadual, afetam diretamente a sociedade e a segurança pública com o uso indevido dos meios de comunicação durante as eleições mediante proferimento de discurso de ódio durante um comício e que foi amplamente disseminado nas redes sociais e outros meios de comunicação.
A decisão do Superior Tribunal de Justiça no caso AgRg na Pet[14] n.º 16031 / DF tratou da competência para julgar alegações de supostos delitos eleitorais, referentes as supostas divulgação de fake news e ofensas à honra de outros candidatos, nos termos dos artigos 323, 324, 325 e 326 do Código Eleitoral.
O Superior Tribunal de Justiça declinou a competência porque os supostos delitos eleitorais, embora supostamente cometidos por candidato concorrendo a reeleição ao cargo de governador de Estado, e foram considerados como passiveis de serem praticados por qualquer candidato independentemente do cargo ocupado, ordenando a remessa dos autos à Justiça Eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral para que seja processado e julgado pelo juízo eleitoral competente.
O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TER-SP) no julgamento do REl[15] n.º 060132755 tratou de representação contra a divulgação de pesquisa eleitoral não registrada na Justiça Eleitoral, divulgada em mídia social, com a marcação de um terceiro, reconhecendo a potencialização do alcance da publicação para um número indeterminado de pessoas e do poder de influenciar o processo eleitoral, razão pela qual manteve a condenação de multa aos envolvidos, negando provimento ao recurso.
Por analogia, comento o v. acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no julgamento da apelação cível[16] n.º 1028987-25.2020.8.26.0100, no qual reconheceu a abusividade do envio de mensagens em massa numa plataforma de mensagens, destacando a importância do respeito aos termos acordados em serviços digitais e as consequências legais de seu descumprimento.
5. Resolução nº 23.732/2024
A Resolução nº 23.732/2024 do Tribunal Superior Eleitoral alterou a Resolução nº 23.610/2019, dispondo sobre propaganda eleitoral para garantir a integridade do processo eleitoral, especialmente em relação ao uso de tecnologias digitais e à disseminação de conteúdo falso político-eleitoral com utilização de inteligência artificial (IA).
Platão, in As Leis, demonstrou noção da complexidade de inovação legislativa ao discorrer que:
Estaríamos agindo como legisladores que estivessem sendo impulsionados por alguma necessidade ultrapoderosa a produzir leis no imediatismo.[17]
A resolução do Tribunal Superior Eleitoral não invade a competência legislativa do Poder Legislativo, pois normatiza determinada situação, enquanto o legislativo não aprova Lei especifica para regulamentar os abusos e ilícitos relacionados a feek news, desinformação, deeep fakes, plataformas, redes sociais e o uso da Inteligência Artificial no Brasil, a exemplo dos Projetos de Leis n.ºs 2630/2020, 2338/2023 e 210/2024, evitando-se, assim, o caos popular, tais como passeatas e revoltas antidemocráticas, à exemplo dos atos de violência e quebra-quebra do fatídico dia 08/01/2023,
A Resolução nº 23.732/2024 está dentro da esfera de competência do Tribunal Superior Eleitoral sobre matéria eleitoral, complementando o Código Eleitoral, o Marco Civil da Internet e a LGPD.
É sabido que ordenamento jurídico pátrio não permite que o Juiz deixe de julgar em razão de lacuna legislativa e, assim, a dita resolução soma ao ordenamento jurídico existente, evitando-se que, face a dinâmica da evolução tecnológica empregada nas campanhas eleitorais, sejam proferidas decisões contra-legem pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Márcio Pugliesi leciona que:
Neste estádio de transformação do sistema produtivo – tanto pela internacionalização da produção, quanto pela mudança ascendente dos meios de produção – passa-se por um ponto Janus, um de inflexão para sociedade de dados, ou de controle.[18]
Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos leciona que:
A mutação da circunstância histórica determina a mutação de sentidos objetivos nas normas de ordenamento. A estática dos textos não condiciona a estática dos conceitos normativos.[19]
Essa referida Resolução soma ao ordenamento jurídico, no qual estão inclusos o Marco Civil da Internet e a LGPD, além do Código Eleitoral e demais Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral, tratando-se de peça essencial no tabuleiro em prol dos jogadores éticos, suprindo a deficiência legislativa em termos de tecnologia digital eleitoral, em especial no que toca com recursos de IA, incluindo divulgação de posicionamentos políticos pessoais em diversas plataformas, como redes sociais e blogs, em formato digitais, inclusive em áudio e vídeo.
Veda deep fakes, feek news e desinformação inseridas nas propagandas eleitorais, adaptando o arcabouço eleitoral às novas realidades tecnológicas e sociais, limitando o comportamento eleitoral e no uso de plataformas digitais para campanhas, fazendo prevalecer a ética, equilibrando a liberdade de expressão com os entendimentos jurisprudenciais da Justiça Eleitoral, barrando o comportamento antiético que sugestione indevidamente o eleitorado, assegurando que as eleições sejam realizadas de maneira justa e transparente e fiscalizando práticas de campanha para prevenir qualquer tipo de ilícito que, por ventura, possa comprometer a integridade do processo eleitoral.
5.1. PROPAGANDA ELEITORAL NA INTERNET
A Resolução nº 23.732 trata sobre propaganda eleitoral e estabelece regras para garantir a condução adequada e legal das atividades de campanha na internet, definindo regras para a propaganda eleitoral no ambiente virtual, incluindo redes sociais, e proíbe a venda de espaço para anúncios de campanha em sites não pertencentes a partidos ou candidatos.
Nesse diapasão, o art. 9º-D, incisos I a VI e §1º a §5º, impõe ao provedor e aplicativo de internet a obrigação de permitir a veiculação de conteúdo político-eleitoral e de prevenirem a disseminação de desinformação e mentiras digitais ou feek news, discursos de ódio, implementar ferramentas para notificações e denúncias por parte dos usuários e entidades para facilitar a identificação de conteúdo indevido, executarem ações corretivas e preventivas, aprimorar os sistemas de recomendação para evitar a promoção de conteúdos prejudiciais, manter transparência nos resultados dessas ações, assegurar que as condutas sejam visíveis e mensuráveis, avaliar impacto dos serviços no processo eleitoral durante anos eleitorais, com foco em mitigar riscos identificados, inclusive aqueles relacionados à violência política de gênero, aprimorar capacidades tecnológicas e operacionais dos provedores para garantir a veracidade da informação e agir rapidamente para cessar a propagação de conteúdos ilícitos quando detectados ou notificados.
A Justiça Eleitoral poderá exigir que informações corretivas sejam disseminadas gratuitamente pelos provedores, utilizando o mesmo alcance do impulsionamento original indevido.
Conforme precedente jurisprudencial n.º 1028987-25.2020.8.26.0100, apesar de ter sido proferido pelo TJ/SP em caso análogo, que, além de demonstrar o alinhamento de orientações em iguais sentidos dos Tribunais, exprime a seriedade e os riscos que envolvem as mensagens massivas que circulam nas mídias e aplicativos de mensagens diariamente e o alcance e estrago que podem fazer que, se disseminadas com conteúdos falsos, podem comprometer todo o processo eleitoral ao levar a erro o eleitorado, o que traduz a responsabilidade social dos provedores de internet e o compromisso com a preservação da integridade eleitoral de remove-las rapidamente tão logo constatadas e, na mesma moeda, disseminar mensagens com informações verdadeiras, como uma espécie recall eleitoral, para desmentir e informar corretamente o eleitorado para manter a real vontade em votar em determinado candidato ou partido político sem manipulação, providencia essa que alinha com o princípio da autonomia da vontade em respeito ao sufrágio universal.
O art. 9º-F, §1º a §4º, reza sobre propaganda eleitoral na internet que divulga informações falsas ou desinformação sobre o sistema eletrônico de votação, o processo eleitoral, ou a Justiça Eleitoral, determinando que, no exercício do poder de polícia e nas representações, os Juízes Eleitorais sigam precedentes jurisprudenciais do TSE proferidos em casos similares que determinaram a remoção ou a manutenção de conteúdos semelhantes, orientando-os a consultar o repositório de decisões colegiadas.
Esse comando foi inserido no caput do artigo e deverá ser aplicado para as hipóteses elencadas nos incisos, englobando, além de outras hipóteses, alterações sutis em conteúdos para burlar sistemas automáticos de detecção ou dificultar a verificação humana, ou seja, "similitude substancial" com algo previamente julgado pelo Tribunal Superior Eleitoral, aplicando-se as ordens de remoções, permitindo que ordens de remoções de conteúdos falsos e etc. fixem prazo inferior a 24 horas, dependendo da gravidade e urgência relacionadas ao processo eleitoral, iluminando novamente a importância da rápida resposta em períodos eleitorais.
Traz permissão de reclamação administrativa eleitoral se o exercício do poder de polícia por parte de juízes eleitorais for considerado contrário ou exorbitante, garantindo o direito de defesa e do contraditório contra decisões eventualmente injustas ou excessivas, bem como direito recursal.
O art. 28, alínea b), item 1, proíbe que pessoa natural contrate impulsionamento e de disparo em massa de conteúdo nos termos do art. 34 desta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 57-J) e, no item 2, que remunere, monetize ou conceda outra vantagem econômica como retribuição à pessoa titular do canal ou perfil, paga pelos beneficiários da propaganda ou por terceiros, enquanto que no § 6º-A, incisos I e II, permite, observado o disposto no § 6º e nos itens 1 e 2 da alínea b do inciso IV do caput deste artigo, a veiculação de propaganda eleitoral em canais e perfis de pessoas naturais que alcancem grande audiência na internet ou participem de atos de mobilização nas redes para ampliar o alcance orgânico da mensagem, como o compartilhamento simultâneo de material distribuído aos participantes, a convocação para eventos virtuais e presenciais e a utilização de hashtags, mas ressalva no § 6º-B que o a permissão do inciso II do § 6º-A não se aplica para fins ilícitos, sob pena de responsabilização das pessoas organizadoras, das criadoras do conteúdo, das distribuidoras e das participantes, na proporção de suas condutas, pelos ilícitos eleitorais e penais.
Ainda o mesmo dispositivo prevê no § 7º-A. que o impulsionamento de conteúdo em provedor de aplicação de internet somente poderá ser utilizado para promover ou beneficiar candidatura, partido político ou federação que o contrate, mas proíbe o uso do impulsionamento para propaganda negativa e, no § 7º-B, incisos I, II, III, também proíbe a priorização paga de conteúdos em aplicações de busca na internet que promova propaganda negativa, utilize como palavra-chave nome, sigla, alcunha ou apelido de partido, federação, coligação, candidata ou candidato adversário, mesmo com a finalidade de promover propaganda positiva do responsável pelo impulsionamento ou difunda dados falsos, notícias fraudulentas ou fatos notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados, ainda que benéficas à usuária ou a usuário responsável pelo impulsionamento, deixando induvidosos no § 7º-C, que sem prejuízo da aplicação do disposto no § 5º deste artigo, as condutas que violarem os §§ 7º-A e 7º-B poderão ser objeto de ações em que se apure a prática de abuso de poder.
O art. 29, § 11, dispõe que é vedada, desde 48 (quarenta e oito) horas antes até 24 (vinte e quatro) horas depois da eleição, a circulação paga ou impulsionada de propaganda eleitoral na internet, mesmo se a contratação tiver sido realizada antes desse prazo, cabendo ao provedor de aplicação, que comercializa o impulsionamento, realizar o desligamento da veiculação de propaganda eleitoral.
No art. 29-A prevê que a live eleitoral, entendida como transmissão em meio digital, realizada por candidata ou candidato, com ou sem a participação de terceiros, com o objetivo de promover candidaturas e conquistar a preferência do eleitorado, mesmo sem pedido explícito de voto, constitui ato de campanha eleitoral de natureza pública, sendo que § 1º a partir de 16 de agosto do ano das eleições, a utilização de live por pessoa candidata para promoção pessoal ou de atos referentes a exercício de mandato, mesmo sem menção ao pleito, equivale à promoção de candidatura, vedando no §2º, inciso I, a transmissão ou retransmissão de live eleitoral em site, perfil ou canal de internet pertencente à pessoa jurídica, à exceção do partido político, da federação ou da coligação a que a candidatura seja vinculada, em atenção ao art. 29, § 1º, I.
A integração da live na resolução evidencia que o alcance da internet é ilimitado e poderoso, pois se trata de meio que, amplamente usado em meio ao isolamento do COVID-19, ficou e democratizou a forma de comunicação digital de acesso de massa por meio eletrônico não pago.
O art. 38, §7º, §8º e §8º-A, rezam que as ordens judiciais de remoção de conteúdo da internet terão seus efeitos mantidos, mesmo após o período eleitoral, salvo se houver decisão judicial que declare a perda do objeto ou afaste a conclusão de irregularidade, sendo que, em caso de segundo turno, só poderá ser declarada após sua realização, ressalvado que a realização do pleito não acarreta a perda de objeto dos procedimentos em que se apure anonimato ou manifestação abusiva na propaganda eleitoral na internet, inclusive a disseminação de fato notoriamente inverídico ou gravemente descontextualizado tendente a atingir a honra ou a imagem de candidata ou candidato.
E o art. 77, §9º, determinou que os Tribunais Eleitorais deverão disponibilizar, em suas páginas na internet, a informação sobre o tempo de propaganda gratuita destinado às candidaturas de mulheres e de pessoas negras, que será extraída dos dados fornecidos pelos partidos políticos, federações e coligações pelos formulários dos Anexos III e IV.
Percebe-se a preocupação do TSE com a inclusão social no processo eleitoral, evitando a discriminação.
Juliana dos Reis Habr leciona que:
A discriminação negativa afronta a dignidade da pessoa humana independentemente de estar relacionada ao gênero, raça, etnia, religião ou cor, principalmente porque atinge extensões da pessoa intrinsicamente relacionadas a sua identificação como ser humano. Para além disso, é capaz de abalar a autoestima das pessoas fazendo as vítimas acreditarem que são inferiores e desiguais.[20]
É necessário que as propagandas eleitoras respeitem os direitos sociais e fundamentais, vedando-se e coibindo ilícitos e excessos no ambiente digital.
5.2. INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
Trata-se de inovação normativa que regula o uso da Inteligência Artificial (IA), enquanto que a legislação eleitoral não é alterada.
Marcio Pugliesi leciona que:
Assim, em nosso caso, a sociedade de dados, de conhecimento ou de controle, afastando o trabalho braçal pela introdução de novas tecnologias (informática, robótica, telemática, inteligência arficial, inteligência artificial distribuída etc) cria um profundo desenraizamento do Homem, uma perda de orientação, um desconhecimento dos fins da própria atividade, uma desmotivação e uma dependência dos meios tecnológicos com que pode operar, mas que nunca dominará e que impõem ritmo de trabalho, os conceitos e, o mais preocupante, a mundividência, pois a informação que se obtém (tida como indiscutível) é fornecida pelo instrumento de trabalho, o computador, que orienta e fornece as bases da decisão.[21]
A resolução nº 23.732 nas alterações referentes aos art. 9º-B, caput e inciso IV, obrigou o responsável pela propaganda a informar, de modo explícito, destacado e acessível que o conteúdo foi fabricado ou manipulado com IA.
No art. 9º-E, inciso V, impôs aos provedores de aplicação a responsabilidade solidária quando não promoverem a indisponibilização imediata de conteúdos e contas, durante o período eleitoral, de divulgação ou compartilhamento de conteúdo fabricado ou manipulado, parcial ou integralmente, por tecnologias digitais, incluindo inteligência artificial em desacordo com as formas de rotulagem previstas na resolução.
No art. 37, inciso XXXIV, introduziu a definição da IA como sistema computacional desenvolvido com base em lógica, em representação do conhecimento ou em aprendizagem de máquina, obtendo arquitetura que o habilita a utilizar dados de entrada provenientes de máquinas ou seres humanos para, com maior ou menor grau de autonomia, produzir conteúdos sintéticos, previsões, recomendações ou decisões que atendam a um conjunto de objetivos previamente definidos e sejam aptos a influenciar ambientes virtuais ou reais e, no inciso XXXV, arrolou como conteúdo sintético imagem, vídeo, áudio, texto ou objeto virtual gerado ou significativamente modificado por tecnologia digital, incluída a IA.
A previsão da IA na resolução não deixa dúvidas sobre a preocupação do Tribunal Superior Eleitoral com o poder tecnológico somado ao poder da informação, que se distorcidos e usados de forma indevida, podem comprometer todo o processo eleitoral.
Nota-se a preocupação com o poder da deep fake na propaganda eleitoral com IA porque pode alterar voz e imagem do candidato e levar a erro o eleitor ao acreditar que tenha realizado um pronunciamento antimocrático, enquanto que na verdade discursou democraticamente em palanque público ou numa live em plataforma de mídia social ou para distorcer um discurso antidemocrático que realmente tenha proferido para driblar sua condenação num processo criminal, ou seja, criar uma dúvida e obter a sua absolvição por indubio pro reo.
Tanto é assim que o TSE na resolução exige que, em qualquer modalidade, de conteúdo sintético multimídia gerado por meio de inteligência artificial para criar, substituir, omitir, mesclar ou alterar a velocidade ou sobrepor imagens ou sons impõe ao responsável pela propaganda o dever de informar, de modo explícito, destacado e acessível que o conteúdo foi fabricado ou manipulado e a tecnologia utilizada, em especial de Inteligência Artificial, face a sua capacidade de programação algorítmica que pode ser manipulada por um programador antiético.
Os programadores de algoritmos de IA também deverão ser responsabilizados nesse tipo de conduta ilícita porque estarão burlando o processo eleitoral.
A resolução também aborda o uso de chatbots e avatares que utilizem conteúdos sintéticos para mediar comunicação de campanha, proibindo qualquer simulação de interlocução que pareça ser com a pessoa candidata ou outra pessoa real, reforçando a necessidade de transparência na comunicação automatizada, pois como dito a IA para criar conteúdos que podem enganar o eleitorado ou distorcer a realidade, afetando a livre escolha dos eleitores.
O eleitor não pode ser enganado na formação da sua opinião e na escolha do seu candidato politico e, além da fake news e desinformação, a deep fake tem ação devastadora na mente humana porque, não se trata de mera leitura de texto impresso, mas de áudio e vídeo, onde a pessoa é levada à crer que está assistindo um candidato, enquanto que se trata de uma irrealidade sintética, fabricada por tecnologia de sistema de IA, razão pela qual o TSE exigiu na resolução que as informações sejam emitidas em formato compatível com o tipo de veiculação e serem apresentadas logo no início das peças ou da comunicação feitas por áudio, por rótulo (marca d’água) e na audiodescrição, nas peças que consistam em imagens estáticas, nas peças ou comunicações feitas por vídeo ou áudio e vídeo, sendo de rigor que em cada página ou face de material impresso em que utilizado o conteúdo conste a informação de produzido por inteligência artificial.
O não cumprimento das regras estabelecidas para o uso de IA irá ensejar à remoção imediata do conteúdo ou à indisponibilidade do serviço de comunicação, cujas medidas deverão ser iniciadas pelo provedor por conta própria do provedor ao notar ou receber reclamação de conteúdo manipulado ou por determinação judicial.
Considerações finais
O presente estudo concluiu que o ordenamento jurídico brasileiro é robusto que, por interpretação extensiva, garante o estado democrático de direito e o exercício do sufrágio universal, tendo sido reforçado pelo Tribunal Superior Eleitoral com a Resolução n.º 23.732/2024, mantendo a confiança popular no processo eleitoral, a segurança jurídica, a paz e ordem.
A soberania popular e a tecnologia cívica convivem com o capitalismo digital e a ética no processo eleitoral é fundamental para eleições licitas, seguras, transparentes e inclusivas.
A Resolução n.º 23.732/2024 está alinhada com a Constituição Federal, o Código Eleitoral, o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados, com a ética e os precedentes jurisprudenciais dos Tribunais brasileiros.
E, limitou o uso da tecnologia de sistemas de inteligência artificial nas propagandas eleitorais, mitigando o risco de desinformação, feek news e deep fakes, preservando os direitos sociais e fundamentais do ser humano, dentre eles o direito de voto secreto e consciente, livre de manipulações.
Referências
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[1] HABR-GAMA, Angelita. in “Não, Não é resposta”. Prefácio José Pastore. Texto Ignácio de Loyola Brandão. DBA. São Paulo: 2020. p. 242-245.
[2] PUGLIESI, Márcio. In Teoria Geral do Direito. Uma Abordagem Sistêmico-Construcionista. Editora Aquariana. 1ª Edição, São Paulo. 2022. p. 200.
[3] MILL, John Stuart. in Da Liberdade Individual e Econômica – Princípios e aplicações do pensamento liberal. Avis Rara. Tradução Carlos Szlak. 1ª Edição. 2019. p. 14-15.
[4] SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite dos. ARAÚJO, Marilene. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Juruá Editora. 2018. p. 112-113, 155. Notas: “27. A noção de paradigm no campo de epistemologia foi introduzida por Thomas Kuln (1922-1996). Em principio a noçãqo foi aplicada às ciências puras e consiste no conjunto de conhecimentos, práticas cientificas, critérios, padrões aceitáveis, enunciados e concepções sobre um determinado ramo do saber”. 28 LESSIG, Lawrence. EI Código y ostras leyes del ciberespacio. Madrid, 2001. P. 347. 29. Areílga y Diez de Rábago, 2002, p. 154. 30. Fernandez Rodriguez, José Julio. 2004. P. 180. 31. Munoz, 2000, p. 173-174. 32. CASTELLS, 1998, p. 92. 39. PARDO. Michael S.; PATTERSON, Dennis. Fundamentos filosóficos del Derecho y la neurociencia. Disponivel em: http://www.indret.com/pdf/819.pdf. Acesso em: 05 abr. 2018. 40. Towards new human rights in the age of neuroscience and neurotechnology. Life Sciencews, Society and Policy, v. 13. dez. 2017.
[5] Finkelstein, Maria Eugenia Reis. (2019). A Evolução Do Comércio: O Comércio Eletrônico e Suas Novas Tendências. Revista Internacional Consinter De Direito, 5(8), 53–70. Notas: [26] “Internet va changer non seulement notre société mais également notre droit, c’est une réalité non virtuelle qu’il convient d’intégrer le plus rapidement possible notamment sur le plan politique. La Comisión Européenne, par ses directives ou projets de directives, a dèjá clairement indiqué qu’elle avait pris conscience de ce phénomène. Les juristes et les magistrats se doivent de faire le même constat. BERTRAND, A.; PIETTE-COUDOL, T. Internet et le droit. 2. ed. Paris: Presses Universitaires de France, 1999. p. 122. [27] O Brasil é considerado como o país líder das ocorrências criminosas eletrônicas na América do Sul. Notícia. Disponível em: <http://www.denunciar.org.br>. Acesso em: 10 fev. 2006. Acessado em: 13/06/2024. Disponível em: https://revistaconsinter.com/index.php/ojs/0803
[6] PUGLIESI, Márcio. In Teoria Geral do Direito. Uma Abordagem Sistêmico-Construcionista. Editora Aquariana. 1ª Edição, São Paulo. 2022. p. 38.
[7] PUGLIESI, Márcio. In Teoria Geral do Direito. Uma Abordagem Sistêmico-Construcionista. Editora Aquariana. 1ª Edição, São Paulo. 2022. p. 140.
[8] HABR, Juliana dos Reis. Advogada e Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/SP. in Discriminação nas Relações de Trabalho – Enfoque Racial na População Negra. Juruá Editora. 2024. p. 30.
[9] PUGLIESI, Márcio. In Teoria Geral do Direito. Uma Abordagem Sistêmico-Construcionista. Editora Aquariana. 1ª Edição, São Paulo. 2022. p. 26.
[10] SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite dos. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Juruá Editora. 2018. Pág. 15.
[11] STF. ADI 7261 MC. Órgão julgador: Tribunal Pleno. Relator(a): Min. EDSON FACHIN. Julgamento: 26/10/2022. Publicação: 23/11/2022.
[12] STF. ADI 6457 MC. Órgão julgador: Tribunal Pleno. Relator(a): Min. LUIZ FUX. Julgamento: 09/04/2024. Publicação: 04/06/2024.
[13] TSE. RO-El nº 060293606. Acórdão: FORTALEZA – CE - Relator designado(a): Min. Antonio Carlos Ferreira. Relator(a): Min. Raul Araujo Filho. Julgamento: 14/03/2024. Publicação: 03/05/2024.
[14] STJ. AgRg na Pet 16031 / DF. Agravo Regimental na Petição. 2023/0216642-6. Relator Ministro Benedito Gonçalves (1142). Órgão Julgador CE - Corte Especial. Data do Julgamento 27/02/2024. Data da Publicação / Fonte DJe 05/03/2024.
[15] TER-SP. REl nº 060132755 Acórdão GUARULHOS – SP. Relator(a): Des. Maria Claudia Bedotti. Julgamento: 17/04/2023. Publicação: 25/04/2023.
[16] TJ/SP. 1028987-25.2020.8.26.0100. Classe/Assunto: Apelação Cível / Marca. Relator(a): Jane Franco Martins. Comarca: São Paulo. Órgão julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Data do julgamento: 01/03/2023. Data de publicação: 02/03/2023.
[17] PLATÃO. in As Leis. Incluindo Epinomis. Livro IX, 858, b. 2ª Edição Revista. Prefácio Dalmo de Abreu Dallari – Faculdade de Direito – USP. Tradução, Notas e Introdução: Edson Bini. Editora Edipro. 2010. p. 363.
[18] PUGLIESI, Márcio. In Teoria Geral do Direito. Uma Abordagem Sistêmico-Construcionista. Editora Aquariana. 1ª Edição, São Paulo. 2022. p. 39.
[19] SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite dos. in Limites do Direito – Decisões Contra Legem – Percepções Cognitivas na Interpretação da Norma. Juruá Editora. 2016. Pág. 13.
[20] HABR, Juliana dos Reis. Advogada e Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/SP. in Discriminação nas Relações de Trabalho – Enfoque Racial na População Negra. Juruá Editora. 2024. p. 32.
[21] PUGLIESI, Márcio. In Teoria Geral do Direito. Uma Abordagem Sistêmico-Construcionista. Editora Aquariana. 1ª Edição, São Paulo. 2022. p. 271-272.
Advogado; Especialista em Direito do Consumidor, Meio Ambiente e Processos Coletivos; Mestrando em Direito Comercial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Michel Kalil Habr. Soberania Popular e Tecnologia Cívica no Capitalismo Digital: ética no processo eleitoral e os limites das propagandas eleitorais na internet com inteligência artificial impostos pelo TSE Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 ago 2024, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/66288/soberania-popular-e-tecnologia-cvica-no-capitalismo-digital-tica-no-processo-eleitoral-e-os-limites-das-propagandas-eleitorais-na-internet-com-inteligncia-artificial-impostos-pelo-tse. Acesso em: 26 dez 2024.
Por: SABRINA GONÇALVES RODRIGUES
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Por: EMANUEL NEVES DE LIMA
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