MARCOS VINICIUS DE JESUS MIOTTO[1]
(orientador)
RESUMO: Este artigo pretende investigar, a partir de literatura, a judicialização dos medicamentos e seu impacto na sociedade brasileira. É importante entender que o Brasil é caracterizado pela desigualdade social. Isso porque houve processos históricos que deixaram marcas significativas, resultando em uma espécie de herança negativa, que se reflete na atualidade. Estes processos culminaram, através da necessidade, a consolidação da Constituição da República de 1988, que solidificou a ideia de que a equidade é importante. Nessa linha de raciocínio, o Estado, que é garantidor de direitos, existe sensível, que é saúde pública. O desequilíbrio evolutivo social instituiu por muito tempo no Brasil uma população em que a maioria não obtivesse qualidade de vida, dado que na sociedade desigual o acesso aos não têm poder aquisitivo é limitado. Assim, na interpretação jurídica atual, é garantia intrínseca a dignidade do homem e, por esse entendimento, o Estado promove, quando solicitado, a veiculação e o pagamento dos medicamentos que a população mais hipossuficiente não teria. No entanto, este direito possui trajetória para ser conhecido pelos cidadãos. Além disso, sua expansão deve ser vista sob a égide do custeio, uma vez que o Estado tem diversas obrigações financeiras. A judicialização da saúde é assunto que deve ser amplamente debatido para que promova equidade social. Além disso, o Estado, que é promotor de direitos, deve estar preocupado com a organização financeira para custear este e outros direitos sem comprometer suas outras obrigações.
Palavras-chave: Estado. Garantia. Judicialização. Saúde.
ABSTRACT: This article intends to investigate, based on literature, the judicialization of medicines and its impact on Brazilian society. It is important to understand that Brazil is characterized by social inequality. This is because there were historical processes that left significant marks, resulting in a kind of negative legacy, which is reflected today. These processes culminated, through necessity, in the consolidation of the Constitution of the Republic of 1988, which solidified the idea that equity is important. In this line of reasoning, the State, which is the guarantor of rights, exists sensitively, which is public health. For a long time, the social evolutionary imbalance established a population in Brazil in which the majority did not have a quality of life, given that in an unequal society, access for those without purchasing power is limited. Thus, in the current legal interpretation, human dignity is an intrinsic guarantee and, under this understanding, the State promotes, when requested, the delivery and payment of medicines that the most underprivileged population would not have. However, this right has a trajectory to be known by citizens. Furthermore, its expansion must be seen under the umbrella of funding, since the State has several financial obligations. The judicialization of health is a subject that must be widely debated to promote social equity. Furthermore, the State, which is a promoter of rights, must be concerned about the financial organization to fund this and other rights without compromising its other obligations.
Keywords: Guarantee. Health. Judicialization.State.
1 INTRODUÇÃO
Este artigo pretende abordar a judicialização dos medicamentos sob a perspectiva de três ênfases: motivo da existência do modelo de saúde adotado no Brasil, comportamento e organização do Estado perante o que se entende por orçamento público, e interpretação jurídica. Assim, o entendimento do assunto abordado busca suscitar a discussão entre os gestores públicos, legisladores, e outros que compõem a sociedade.
Nesse sentido, entender as problemáticas do Brasil pelo método científico possibilita diversas contribuições para que a sociedade evolua pela solução dos problemas sociais. Leva-se em conta aspectos importantes, sem desvencilhar da importante ideia de que o Estado e sua composição devem promover direitos previamente organizados e sistematizados, e além disso, o assunto não pode ser discutido sem uma análise jurídica, pois é nesse âmbito que está inserida a problemática, e também as possíveis soluções.
Dessa forma, a interpretação da realidade está sob a ótica da questão jurídica. É necessário que se entenda a complexidade dos problemas, visto pelos seus principais objetos, ou componentes. Assim, o contexto histórico, as motivações jurídicas, e os interessados devem ser levados em consideração, para que exista uma linha de raciocínio.
Nesse aspecto, para o alcance dela, um dos principais objetivos amplos deste trabalho foi demonstrar o comportamento da problemática social, isto é, a observação do valor judicialização dos medicamentos para quem necessita sob a égide do impacto que este direito tem na sociedade.
Para que houvesse de fato o entendimento da dimensão da questão analisada neste trabalho, foi necessário deixar transparecer a importância da seguridade social, bem como a interpretação contemporânea, e complexa, da saúde pública. Visto que diversos países a compreendem, e não negam a necessidade do gerenciamento da demanda da população para com os remédios que não podem ser pagos.
Assim, na primeira parte deste trabalho foi considerado o aspecto da gestão pública com ênfase na arrecadação que o Estado brasileiro faz, e como é o trato da lei para que a eficiência seja atingida no âmbito financeiro. Tal entendimento observa que a legislação busca organizar, e evitar disparidades na conduta dos gestores em relação ao orçamento.
No entanto, há certo grau de liberdade para agir, por exemplo, na criação de projetos amplos que suprem determinada demanda social. Neste aspecto, entende-se que deva existir certa proatividade por parte dos gestores públicos, e isto é parte dos problemas acrescidos na referida discussão, uma vez que a demanda da judicialização não é gerenciada.
Na segunda progressão do desenvolvimento desta pesquisa tem-se a ideia de que o Brasil possui o ordenamento jurídico proativo na questão social, sendo esta a origem e criação da judicialização dos medicamentos e de outros tipos de assistências.
Existe a falsa percepção de que não existem análises e amparo da lei para o assunto, e que a discussão do assunto deve ser baseada no que foi já proposto como regra. Este conceito equivocado limita o acesso aos direitos; portanto, são necessárias técnicas para inovar e substanciar aquilo que a população necessita.
Na terceira abordagem é necessário que se entenda a judicialização de medicamentos, vista por muitos como um problema; porém é direito do cidadão que promove dignidade. E não há o que ser discutido em sua promoção, apenas deve existir gestão pública eficiente para que não exista entrega de direitos a quem não precisa, e aos que precisam, que tenham sua dignidade e qualidade de vida proporcionadas corretamente.
Sobre a metodologia deste trabalho, e tendo como ideia a busca incessante pela verdade, isto é, aquilo que se prova, o método hipotético-dedutivo foi disposto de forma simultânea, e a associação com o recurso bibliográfico, com a finalidade de contextualizar, fazer existir a visualização da problemática na sua forma complexa, e proporcionar a discussão contínua da judicialização de medicamentos.
2.A SAÚDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL
Martins (2023, p .359) conceitua o vocábulo saúde como um “adjetivo latino saluus, que tem o significado de inteiro, intacto, ou de salus, utis, com o de estar são, ou salvação”. Martins (2023, p. 338) também se refere à saúde pela interpretação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) como “um estado completo de bem-estar físico, mental e social, e não somente a ausência de doença ou enfermidade” (Martins, p. 338).
Já a Constituição Federal, no Artigo 196, estipula que a saúde está sob a competência do Estado, e que deve estar assegurada a todos, isto é, os que fazem parte dos limites do Estado brasileiro. A premissa para tal afirmação da Constituição é expressa pela finalidade da redução de doenças, ou seja, riscos para o cidadão brasileiro (Brasil, 1988).
Martins (2023, p. 338) revela que há um contexto lógico para que o Estado seja responsável por organizar, sistematizar e gerenciar este ponto sensível e importante da nossa sociedade: saúde, e para isso menciona que:
A ação do Estado deve ser preventiva e curativa, de recuperar a pessoa. Tem a saúde, segundo o art. 3º da Lei n. 8.080/90, como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais. Os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do país, dizem respeito, também, à saúde as ações que se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social.
O autor traz de forma muito inteligente uma abordagem sobre a finalidade existencial da saúde, enfatizando que o Estado assume, ou deve assumir, o gerenciamento da saúde de forma preventiva.
Ainda retratando a temática, sob a luz da filosofia do Direito, segundo Miguel Reale (2013), não há premissa de criar ou fazer com que exista um estado sólido da verdade. Pelo contrário, exibe a ideia de um trajeto, que se traduz como um alcance da verdade de forma contínua.
Este doutrinador corrobora com as ideias destacadas neste trabalho para uma análise científica que possa identificar o comportamento da judicialização da saúde e seu impacto na sociedade. Sobre a judicialização da saúde, segundo Paixão (2019), há um grande conflito quanto a extensão do direito nos pedidos judiciais, já que não há avaliação comprobatória da sua necessidade em relação a veracidade da necessidade.
Nessa toada, Paixão (2019) e Reale (2013) expressam a necessidade de observação e disposição para reflexões, este para a filosofia, e aquele para a saúde. Assim, é possível inferir que a busca pelos fatos verdadeiros deve ser uma das formas para tomada de decisão assertiva. A ideia conjunta desses autores evidencia que a necessidade de tratar o assunto da saúde com visão ampliada, voltada para a sua melhoria, e para isto é necessária a reavaliação das práticas adotadas nessa área importante, bem como analisar profundamente o assunto, para que se obtenha eficiência, que por sua vez gera a evolução da sociedade.
Adiante, a autora Vieira (2023) menciona duplicidade do caráter da judicialização da saúde, uma vez que há um viés que contribui para a sociedade, e outro que promove a segregação das pessoas. Leva-se em consideração que o Brasil está marcado pelas mazelas sociais, e isso significa que a discrepância entre ricos e pobres é severa. A autora reflete a necessidade de analisar a judicialização quanto às pessoas em grau coletivo.
Para melhor entender o conceito, ou até mesmo a natureza da problemática da saúde, é necessário caminhar no âmbito da gestão pública. Em seguida, para melhor ambientar o assunto, sabe-se que o Estado brasileiro sofreu um processo de redemocratização após longo período em que as instituições foram enfraquecidas, sucateadas pela falta de gestão e utilizadas como aparelho para estimular o enriquecimento do interesse pessoal, e não da sociedade.
Nesse aspecto, Magnago e Martins (2023) defendem a tese de que nos últimos anos o processo de redemocratização foi negligenciado, uma vez que houve a piora de diversas demandas da sociedade. Ainda nessa toada, foi possível observar em alguns governos o desinteresse ou decisões que levaram ao sucateamento da saúde pública. Desta forma, Magnago e Martins (2023) revelam que:
A política de saúde no governo Temer foi marcada pela já mencionada EC da morte, que pode privar o Sistema Único de Saúde (SUS) de receber R$ 1 trilhão até 2036, levando-o a uma crise de financiamento sem precedentes (Vieira; Benevides, 2016); e por um rompimento do governo com as pautas e entidades do movimento sanitário. Esse rompimento se fez visto, por exemplo, no processo de revisão da Política Nacional de Atenção Básica, que dissolve a centralidade da Estratégia Saúde da Família (ESF) na organização do SUS e instiga a proposição de novos arranjos assistenciais que não contemplem equipes multiprofissionais.
Ao abordar o assunto, a ideia de que o Estado brasileiro não consegue pagar ou remeter a uma questão orçamentária o não suprimento dos interesses da sociedade se dissolve diante do expressivo corte ocorridos por parte do governo. Entende-se que o caminho para uma sociedade justa e igualitária é a promoção de evolução social em todos os campos da sociedade, inclusive no aspecto saúde, já que uma sociedade saudável é fato vantajoso e positivo para tal efeito.
Ainda nessa análise de como o governo tratou o assunto de extrema importância, e não visualizou que as decisões tomadas afetam diversas áreas e setores do país a curto prazo, temos algumas negligências. E em nível de gestão pública, se há negligências, o destino de qualquer pauta é o sucateamento ou o colapso. Ao analisar a conduta governamental, Magnago e Martins (2023, p. 5) estipulam que:
Além de deslegitimar as contribuições da Ciência e da Saúde Pública, em meio ao agravamento da pandemia de covid-19, Bolsonaro instaurou um projeto de desmonte dos princípios doutrinários e organizativos do SUS, assegurado pela redução de recursos à saúde e pela implementação de um novo processo de financiamento da Atenção Básica11, burocrático, perverso e dificultoso (Mendes; Melo; Carnut, 2022). Ainda nessa esteira, encerrou o Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB)12, cujo objetivo principal era promover a ampliação do acesso e qualidade da Atenção Básica, garantindo padrão de qualidade comparável e permitindo maior transparência e efetividade das ações governamentais direcionadas a esse nível de atenção
O fato exposto pelos autores revela que não houve renovação de metodologia, ou substituição que ampliasse a eficiência do Estado; apenas houve o cessar de diversos programas e indicadores da qualidade da saúde pública. Técnica essa que leva os objetivos e obrigações do Estado para um trajeto de maleabilidade, e então fomenta a fragilidade da sociedade.
Além disso, a precarização do sistema público de saúde no país no âmbito legislativo é avançada, e, portanto, deve honrar os brasileiros nesse aspecto, já que a má conduta traz o encarecimento futuro de um problema que deve ser resolvido.
É dito que o Estado, nas suas inúmeras obrigações, tem tido gastos elevados para com a sociedade, e existe dedução de gastos elevados para essas obrigações. Nesse assunto, mesmo com esta argumentação da esfera administrativa, é para isso que o Estado existe, uma vez que o objeto onde atua é a sociedade (Nohara, 2023).
No mesmo tema, o Estado existe como aquele que governa, mas também exerce a função de criador e intérprete das leis. Sendo assim, no Estado regido sobre a égide da evolução social, é necessário abordar o Artigo 196 da Constituição Federal, que expressa categoricamente que a política social e econômica deve substanciar a saúde (Brasil, 1988).
Este garante aos brasileiros não um cuidado para com a saúde de forma genérica, mas sim “mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos” (Brasil, 1988).
Nessa mesma toada, se a visão governamental foi de retrocesso frente a demanda da saúde pública, é necessário avaliar toda a conjuntura que engloba a judicialização da saúde; nessa mesma abordagem, para que seja não apenas um processo transparente, mas que seja também focado na eficiência e na qualidade, e a questão orçamentária será consequência de diversas condutas e melhorias, que não estipulem a seguridade social como superficial.
Em outro prospecto, porém sem desviar do tema central deste trabalho, a saúde é um direito social que fica tutelado pelo Estado. No entanto, com a crise sanitária da Covid-19, suscitou-se a necessidade de mudanças estruturais na sociedade e nos posicionamentos dos órgãos governamentais, uma vez que foi visível que o sistema de saúde brasileiro colapsou diante de grande demanda de pessoas adoecidas, e da ausência de estrutura digna para os usuários da saúde pública.
As falhas que foram ignoradas, as abstenções feitas, acabaram por se tornarem empecilhos ao enfrentamento da pandemia, e na era pós pandemia. Sobre a judicialização, Almeida (2021, p. 116), ao apontar o tema da judicialização, estabelece que
A tutela penal da saúde não ficou imune, mormente diante de uma legislação construída basicamente na primeira metade do século passado, que ainda se socorria à proteção de bens jurídico penais individuais, não direcionando importância aos bens difusos e coletivos e, tampouco, contando com uma Carta Constitucional que hoje é expressa no sentido de que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, que deve ser garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Diante disso, temos que o Estado foi convocado a exercer aquilo que já havia sido proposto pela Constituição. Deste modo, é feita reflexão sobre o Direito Penal ter o poder de não somente ser analisado para crimes, mas também de proteger os direitos que na Constituição foram estabelecidos. Nisto, temos que é necessário que o Direito seja utilizado na devida forma proposta, pois o cerne da Constituição é reparador e restaurador.
Ainda, sobre o tema de extrema relevância, que é a saúde, temos que o Estado brasileiro deve fazer com que políticas públicas sejam tratadas como fundamentais, o que não ocorreu nos últimos anos. E além disso, pós-período de crise sanitária, ainda foi vista a necessidade das políticas públicas, e neste período houve a restrição da políticas públicas (Magnago; Martins, 2023, p. 3).
Outro ponto na análise de Magnago e Martins (2023, p. 3) se faz pela tentativa de modificação do Sistema Único de Saúde, na clara ideia de o governo cortar os gastos pela capitalização do sistema de saúde, ou parte dele, em um país marcado pela desigualdade social. Esta tentativa de desarticular o sistema público para transferir para as empresas privadas retira a imponência da Constituição Federal, pois se o fato ocorre há degradação da tutela do Estado (Magnago; Martins, 2023, p. 4).
O governo, com suas políticas públicas, empodera-se de promover a evolução social, e no trato específico da saúde, segundo Magnago e Martins (2023, p. 5), “o sistema implementado era de um projeto de desmonte dos princípios doutrinários e organizativos do SUS, assegurado pela redução de recursos à saúde e pela implementação de um novo processo de financiamento da Atenção Básica”.
Posicionamento esse que destoa da principal obrigação da administração pública, que é governar por meio de uma visão coletiva (Nohara. 2023). Magnago e Martins (p. 5) revelam que o sistema adotado era “burocrático, perverso e dificultoso”, e também que “o objetivo principal do Sistema Único de Saúde (SUS) era promover a ampliação do acesso e qualidade da Atenção Básica, garantindo padrão de qualidade comparável”.
Sobre isso, Martins (2023, p. 346), ao mencionar a conduta da saúde privada, menciona que “as instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes da Constituição, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas”.
Por meio da afirmação anterior, restringe-se a ideia de que há regras para condução da saúde no caráter privado. Por isso, se fossem alterados os princípios, ou estrutura do SUS, como dizem Magnago e Martins (2023, p. 5), seria possível uma atuação não apenas complementar, mas sim a tutela do setor privado nos assuntos de saúde.
Martins (2023, p. 346) menciona sobre o comportamento da inciativa privada, e menciona que “quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de determinada área, o SUS poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada”. E com as medidas intencionadas em diminuir os recursos do SUS, seria a provocação necessária para tal participação.
Neste entendimento, a seguridade social e a saúde estão dentro da gama daquilo que é compreendido como responsabilidade por parte do Estado, e por isso a existência da ideia de transparência e da eficiência da administração pública, adotando como metodologia a criação de meios práticos, é a postura necessária para garantir a seguridade social.
3. GESTÃO PÚBLICA ORÇAMENTÁRIA
Há uma dissidência que torna fato impeditivo para solução do problema da saúde, em específico, quando há abordagem sobre o Estado assegurando os direitos. Sobre isso, Paixão (2023, p. 7) revela o dilema entre gestores do Estado e os magistrados:
a teoria da reserva do possível, as manifestações de parte dos gestores públicos e dos magistrados se contrapõem. De um lado, gestores se utilizam dessa teoria para justificar a impossibilidade de atendimento da demanda judicial, alegando a indisponibilidade de recursos para atendê-la. De outro lado, juízes contra-argumentam que não se pode sobrepor um interesse secundário do Estado ao direito à saúde sob o argumento da reserva do possível. O fato é que ambas as posições precisam ser repensadas. Sobre a relação entre o orçamento público, a judicialização da saúde.
Nesse mesmo sentido, a visão da pesquisadora denota o caráter dos argumentos, porém, mesmo que haja indisponibilidade de recurso, o Estado possui condições de realizar as projeções dos seus gastos, e é por isso que tem o dever de administrar. Por outro lado, a justiça mantém-se genérica quando aborda a necessidade de entregar direitos mediante pré-requisitos. É importante entender também que o Brasil, antes da promulgação da Constituição de 1988, detinha parâmetros rudimentares em relação a progressividade do Estado como aquele que promove equidade e estabelece um Estado de direito.
Nessa ideia, a partir da promulgação e então aplicação das normas estabelecidas, surgiram discussões contemporâneas sobre o orçamento, isto é, se o Estado é capaz de pagar o custeio da progressividade. Porém, ainda que exista no ordenamento da lei, as regras são de responsabilidade do próprio Estado, que deve criar meios eficientes para sua execução (Paixão, 2023).
Tal discussão traz ideias opostas: uma que o Estado brasileiro tem por objetivo diminuir as mazelas sociais, e a outra que devem existir limites para tal feito. Nessa toada, seria então a existência da limitação do objetivo primário da Constituição promulgada. Pinto e Ximenes (2018, p. 992) apresentam a ideia da inconstitucionalidade desta conduta, que afeta áreas importantes como a saúde e a educação no país. Sobre isso, mencionam que
Novo Regime Fiscal”, questionamos, em d, o art. 110 inserido no ADCT pela EC95, no qual se afastou por quase duas décadas a relação de proporcionalidade até então existente entre arrecadação e destinação obrigatória aos direitos sociais à educação e à saúde. Dito de outro modo, o aludido dispositivo derrogou — a pretexto de solução transitória e excepcional de 2018 até 2036 as garantias constitucionais de financiamento mínimo da União à Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE) e às Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS).
Ainda nesse mesmo assunto, é visível que foi intencionada a mudança do comportamento do Estado. A Emenda Constitucional citada fragmenta a ideia de o Estado ter que dispor de forma primária a promoção dos direitos fundamentais, e dá abertura para um orçamento restritivo.
Além disso, a ideia do Estado brasileiro é que deve existir o investimento inicial necessário para a evolução social. No entanto, observa-se que foi primada a questão orçamentária, ao invés do norte democrático. Logo, foi esquecido que o investimento social traz retorno, ou melhor dizendo, benefício, e que no Estado que deixa de ter uma sociedade desigual há menor gasto, e menos dilemas sociais.
Sobre a conduta política na organização do direito à saúde, com ênfase na política, a Constituição brasileira estabelece que deve existir orçamento para os gastos, e estes devem ser dispostos em segmentos, por meio de lei que os descreve.
Neste caso, a Lei nº 14.535, de 17 de janeiro de 2023, “estima a receita e fixa a despesa da União para o exercício financeiro de 2023”. Nesse contexto, o recurso específico da saúde provém do Orçamento da Seguridade Social (OSS), onde para este foi definido o valor de R$ 1.551.626.886.531,00 (Brasil, 2023).
Observando o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) do ano 2023, observa-se que o número destinado à saúde se substancia pelo valor mínimo de R$ 149,9 bilhões para ações e serviços públicos de saúde (ASPS). Nesse sentido, o governo optou por ampliar o investimento com valores significativos, não vendo nenhuma defasagem nos sistemas de saúde no país (BRASIL, 2023).
A reflexão política pode ser enfatizada pela discussão orçamentária, no entanto não pode funcionar como prerrogativa de desvios da função do Estado. Pinto e Ximenes (2018) declaram que é importante a questão do orçamento; no entanto, está sendo intencionada para inviabilizar o comprometimento constitucional.
Esse microssistema é a ferramenta jurídica básica, cujo aprimoramento viabilizaria o exercício progressivo dos direitos sociais que são requisitos democráticos essenciais. Retomando a analogia literária, é o mastro ao qual deveríamos estar aferrados em tempos de tormentas políticas e de míopes pressões econômicas sobre o orçamento do Estado. Nessa altura dos acontecimentos, contudo, já está evidente o propósito de quebrar o mastro e romper o “pacto” de 1988, conforme analisaremos.
O trecho anterior remete à ideia da discussão política, que é diferente da discussão dos objetivos democráticos, em específico a legislação, que por sua vez é distinta da questão orçamentária. Essas três frentes devem ser analisadas com cautela, uma vez que o Estado possui elasticidade em ações. Por vezes há intenções democráticas, outras vezes o escuso toma forma nefasta e impede a evolução da sociedade.
A política implementada é restritiva, de contenção de gastos, e da não apresentação das técnicas, ou modalidades, de enfrentamento da problemática, além do não reconhecimento do problema. O Conselho Nacional da Justiça (CNJ) demonstra a preocupação com a judicialização, isto é, traz a necessidade da discussão por meio de um debate e de dados concretos (Brasil, 2023).
É importante salientar que o recurso utilizado para conservar a garantia de medicamentos provém de orçamento específico da justiça. Frente a esta demanda acelerada, são preocupantes também os valores referentes aos gastos, obtidos por dados governamentais. Nesse contexto, do orçamento e judicialização de medicamentos, é necessário esmiuçar em valores para que possa existir uma clara visão sobre os gastos da demanda total em relação a saúde.
No período de 2008 a 2015, houve o aumento de R$ 103 milhões para R$ 1,1 bilhão de reais em judicialização da saúde, sendo 80% requisições de medicamentos, segundo o Tribunal de Contas da União (Brasil, 2017).
Percebe-se que há o distanciamento entre as esferas federal, estadual e municipal no fornecimento de medicamentos. Existe também, segundo a mesma instituição pública, “estudos apontam haver uma rede entre pacientes, associações, médicos e advogados, com ações articuladas para obtenção de benefícios indevidos, a exemplo da repetição sistemática de prescrições pelos mesmos profissionais de saúde” (Brasil, 2017).
Sob a perspectiva do ano de 2020 em relação ao ano de 2021, houve um aumento em relação a judicialização de medicamentos. Este aumento foi de 70%, e está atrelado à crise causada pela pandemia causada pelo vírus da covid-19. Esta enfermidade teve um impacto acentuado. Segundo as fontes do Instituto de Estudos Econômicos (INESC), os gastos têm uma motivação (Instituto de Estudos Socioeconômicos, 2021).
Assim, avalia-se que o aumento do gasto em 2021 seja devido ao atendimento da demanda represada no ano anterior e por causa da inflação de insumos médicos. Muitos dos medicamentos judicializados são de alto custo e, em alguns casos, importados. Assim, a alta do dólar e o encarecimento do frete internacional devido às restrições impostas pelo enfrentamento da pandemia certamente tiveram um impacto nesse gasto.
Apesar do vírus da covid-19 ter perdido as suas forças, os efeitos negativos estão sendo vistos diretamente na sociedade na atualidade. A INESC menciona que a má gestão dos recursos e prioridade do governo federal no ano então analisado foi um dos fatores que promoveu excessivo gasto, fazendo com que a via judicial fosse a opção mais viável para adquirir determinados medicamentos. Sobre isso menciona que
A postura negacionista do Governo Federal e a falta de planejamento e gestão adequada dos recursos para a saúde certamente contribuíram para tal cenário. Como os recursos foram sendo autorizados por créditos extraordinários, quase que a conta- gotas, ficou prejudicada a programação de compras de insumos, principalmente os especializado dos e os de alto custo, como as vacinas e outros medicamentos biológicos (Instituto de Estudos Socioeconômicos, 2021).
A conduta política é uma das ferramentas mais importantes para determinar o grau de assertividade e diminuir os impactos da judicialização, uma vez que o orçamento da saúde deve ser visto como um todo em relação ao orçamento do Brasil sob o viés do planejamento.
Em outro viés, sabe-se que o ordenamento jurídico é extenso e abriga a variabilidade de necessidades de cada indivíduo, que sustentado pela ideia de valorização a vida, faz com que exista uma gama de direitos então relacionados.
É importante dizer o Estado, na sua função administrativa, tem certa liberdade de ações voltadas para a qualidade do serviço executado. No entanto, a liberdade dá poder para que não seja exercido corretamente ou falte para com a qualidade. Nesse contexto, e para melhor entendimento, é necessário que se entenda a atuação da justiça, e sobre este assunto, e ao abordar sobre o tema, Nohara (2023, p. 78) estipula
Lembre-se de que o Poder Judiciário tem atribuição para realizar controle de constitucionalidade de atos normativos que violem os princípios constitucionais, apesar da presunção de constitucionalidade que paira sobre as leis. Como há no Brasil, desde 1891, o sistema de unidade de jurisdição, o juiz aplica, via de regra, tanto direito público como direito privado. Todavia, quando interpretar normas de direito público, deve ter em mente que o Estado maneja poderes que devem ser justificados com base em interesses coletivos e que o regime jurídico público contempla meios que ao restringirem parcela de interesses particulares devem guardar proporcionalidade em relação aos fins coletivos tutelados. A atuação do administrador não pode se desviar da supremacia do interesse público. O agente público não deve dar maior importância aos interesses particulares, sejam os próprios ou os de terceiros, em detrimento da consecução do interesse público, sob pena de desvio de finalidade.
Sendo assim, a ideia da supremacia, isto é, aquele que está acima, em relação ao Estado para com a sociedade, nos lembra que a ideia de que é da própria sociedade que faz o Estado existir, e é para com ela que ele deve agir em ações para satisfazer o conceito de judicialização da saúde. Dessa forma, deve ser observado o grau de importância da administração pública, que possui grau de importância na atuação para com os administrados.
Assim, pela lei, a justiça deve promover, ou substanciar, a veiculação dos tratamentos, acesso aos medicamentos necessários, e demais necessidades que valorizem a dignidade em relação à saúde dos cidadãos brasileiros. Nisto, Nascimento (2022, p. 117), ao tratar do assunto, afirma
Vale ressaltar o reconhecimento do direito de o indivíduo receber tratamento adequado apto a restabelecer sua saúde não disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde brasileiro, mesmo que este não tenha sido inserido no bojo de tratamentos disponíveis na rede pública ou até mesmo a dispensação de medicamentos ainda em fases experimentais, mas que sejam comprovadamente responsáveis pela recuperação da saúde ou por ampliar a expectativa de sobrevida do cidadão. Tudo isto em prol da preservação do direito fundamental à vida e sua boa qualidade na fruição. Contudo, nos casos em que o medicamento ou tratamento forem disponibilizados apenas na via experimental no âmbito dos estudos clínicos ou de programas de acesso expandido não será obrigatório ao Poder Público custeá-los.
Ainda sobre este dilema, o Estado, de forma inegável, deve promover a qualidade de vida dos cidadãos, ao mesmo tempo que estes compreendem melhor os seus direitos garantidos constitucionalmente. Diante desse conhecimento, o Estado deve se organizar e fazer com que existam projeções do orçamento. Apesar da existência de legislação específica, nada impede do Estado utilizar indicadores, ou reservar quantia monetária para atender as suas obrigações.
Corroborando com a ideia de que há um nível excessivo do uso da jurisdição da tutela do bem a saúde, Nascimento (2022, p. 137) menciona que não existe a interpretação de que a justiça não deve ser atuante nas requisições do direito à saúde, mas sim na “[...] atuação excessiva do Poder Judiciário imiscuindo-se na formulação de políticas públicas de saúde, fazendo-se necessário limitar o papel jurisdicional.”
A discussão sobre a questão orçamentária em relação a judicialização de medicamentos é necessária, uma vez que os solicitantes do direito deverão ser contemplados pela justiça. Logo, entende-se que o caminho para obtenção dos medicamentos possui requisitos exclusivos.
4. FORMALIZAÇÃO DAS REQUISIÇÕES JUDICIAIS
A judicialização ao longo dos anos vem aumentando de forma muito veloz, e isto é um fator preocupante. Mesmo que ainda não seja um problema grave ainda, antecedê-lo se faz necessário. É o que dizem os autores Coelho, Lopes, Campos Neto, Figueiredo e Andrade (2020, p. 3), quando afirmam que “Apesar de reconhecer a importância desses movimentos do SJ, é preciso contudo, problematizá-los”.
A solicitação de medicamentos de alto valor tem aumentado e impactado profundamente o país. Sobre isso, Coelho, Lopes, Campos Neto, Figueiredo e Andrade (2020,p. 3) revelam que “nos últimos três anos, o processo de judicialização da saúde permaneceu exibindo uma evolução de impacto no país. O número de demandas judiciais relativas à saúde aumentou 130% entre 2008 e 2017”. Com isto, constata-se que a demanda cresce aceleradamente.
Nesse mesmo entendimento, os autores Coelho, Lopes, Campos Neto, Figueiredo e Andrade (2020, p. 3) trazem ao entendimento a ideia de que “a intervenção judicial em espaços tradicionais da política tem como pressuposto a ocorrência de falha política, que impede a correta execução das políticas públicas, e, consequentemente, a atuação judicial deve ter um sentido corretivo”.
A judicialização da saúde, exercida pelos órgãos competentes da justiça, busca solucionar os casos que têm caráter de urgência e de grau específico. No entanto, sem retirar a importantíssima atuação do órgão, é necessária a visualização de que não cabe a ela decidir com determinado ativismo, e sim no que engloba o coletivo.
Há questões que competem a administração pública, como por exemplo “financiamento do sistema de saúde, a proteção patentária das tecnologias em saúde,” como ressaltam Coelho, Lopes, Campos Neto, Figueiredo e Andrade (2020, p. 3). Se houvesse o exercício, a questão da judicialização teria impacto menor, e melhor execução de direitos.
Assim, fica esclarecido que o aumento é expressivo, porém o país sendo ainda de diferenças sociais e econômicas, era previsível que a demanda fosse aumentada. Além disso, com as políticas sendo precarizadas e diminuídas, eleva-se o número de problemas sociais, que por sua vez influenciam diretamente na população (Magnago; Martins, 2023).
Neste contexto, é necessário rever o método de financiamento da gestão pública; porém, diante dos fatos expostos, não é necessário apenas apresentar os direitos, mas também como serão conduzidos ao devido grau de eficiência.
Ao falarmos da importância da judicialização dos medicamentos, tem-se que é uma evolução da judicialização dos tratamentos de preservação da vida das pessoas acometidas com o Vírus da imunodeficiência humana, conhecido pela sigla HIV, que como postura assertiva, o Estado foi convocado a suprir tal demanda da saúde. A Lei nº 9.313 oferecia os medicamentos necessários com o entendimento de que a população não poderia custear os mesmos (Coelho; Lopes; Campos Neto; Figueiredo; Andrade, 2020).
Nessa toada, é importante reconhecer que as condutas da justiça para com a saúde revelam o compromisso constitucional existente; porém ainda carece no Brasil a organização na promoção de Direitos.
Magnago e Martins (2023) enfatizam que para solucionar problemas não é necessário medidas que retiram os créditos da eficiência pública. Pelo contrário, o problema deve ser analisado de forma contínua, e não se extingue pelo interrompimento do debate. A ideia dos autores é baseada na ampliação do diálogo também com os principais interessados, os que precisam do sistema público para condicionar a vida a um patamar de dignidade.
Para isso, é importante distanciar-se de uma visão negativa da judicialização, pois a mesma está garantida pela lei com demanda social para isso, e deve existir aproximação para com uma definição sólida, e em casos especiais, aplicar a judicialização. Oliveira; Braga; Pereira; Ferreira 2020, p. 2) mencionam que “no Brasil, a assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica, é um direito garantido a todos os cidadãos, fazendo parte do rol de serviços disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS)”.
Ainda sobre essa mesma temática, Oliveira, Braga, Pereira, Ferreira (2020, p. 2) ressaltam que “após a institucionalização do SUS como política pública de saúde no Brasil, realizou-se a inclusão formal da assistência farmacêutica (AF) por meio da portaria GM/MS nº 3.916/1998”. Dessa forma, os autores revelam não apenas a profundidade da legislação para que o Estado seja promotor de medicamentos, além de evidenciar a busca pela estrutura da qualidade no fornecimento dos direitos da seguridade social.
Sobre a Política Nacional de Medicamentos (PNM) tem-se a premissa de que a todos os brasileiros possam ser garantidos os medicamentos, com o respaldo na precificação, para que não existam abusos, e que os menos favorecidos não possam ter sua dignidade cerceada. (Oliveira; Braga; Pereira; Ferreira, 2020, p. 2). Essa visão, neste trecho, revela que era uma preocupação os parâmetros da acessibilidade e qualidade dos medicamentos.
Neste mesmo assunto, Oliveira; Braga; Pereira; Ferreira 2020, p. 2) estipulam que “posteriormente, a AF foi ratificada como uma política pública de saúde por meio da resolução nº 338 de 2004 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que instituiu a Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF)”. Percebe-se a preocupação para com as políticas públicas, norteada por valor coletivo.
São visíveis os esforços dos legisladores para substanciar de forma ampla os direitos dos brasileiros. Assim, o esforço para estruturar deve ser tratado por igual, e cabe ao papel da conjuntura política atuar por meio da honra dos códigos de leis, ao mesmo tempo que ultrapassem positivamente a execução da lei, promovendo-a com clareza, e com foco no objetivo sob uma perspectiva holística (Reale, 2013).
Para amplo entendimento sobre a judicialização, podemos nos atentar aos fatores: estatística, valores e desafios. O portal de Estatísticas Processuais de Direto à Saúde permite, pelas informações apresentadas, a interpretação a partir de dados obtidos pelo Conselho Nacional de Justiça sobre os processos novos (Brasil, 2023).
Assim, temos que no ano de 2022 foram 76,53 mil processos; já no ano de 2022 existiram 88,11 mil. Diante desses dados, podemos visualizar o aumento de 19,83% dos processos na área da saúde. Além disso, até a data da elaboração desta pesquisa, existem 25,7 mil processos novos (Brasil, 2023).
Estes números demonstrados indicam o impacto da judicialização no Brasil, e não apenas isto; evidenciam que o assunto deve ser tratado por meio de uma estratégia, a redução da demanda, ou verificação da demanda é um dos pontos cruciais a serem analisados.
Ainda nesse entendimento, a promoção do direito à saúde, que engloba a requisição de medicamentos, não se dá apenas por meio metodologia de coleta de informações, que por sua vez serviria de base para que o Estado promovesse benefício. Dessa forma, a ideia de análise tem o caráter do distanciamento dos objetivos jurídicos. Então há uma justiça que não exerce o seu papel fundamental nesse âmbito. Sobre isso, Rodrigues e Borges (2019) pontuam:
No campo das políticas públicas o que gera preocupação é a grande margem de discricionariedade que os juízes dispõem ao proferirem as decisões. Percebe-se que com o objetivo de promover a justiça social são concretizados direitos individuais, sem, “[...] contudo realizar uma análise do caso concreto contextualizada à realidade social, econômica e política do País, o que pode gerar graves prejuízos à própria continuidade da política pública e à saúde do ponto de vista coletivo.
Nessa toada, entende-se a ideia de uma justiça segmentada, não necessariamente de uma forma proposital, mas como uma tendência que ainda não foi revista. A justiça fomenta o grau coletivo, e se há uma demanda, e ela tem caráter coletivo, a mesma não pode ser restrita a este ou aquele. Pelo contrário, se é confirmada tal necessidade, inicia-se atendimento por meio de critérios.
Rodrigues e Borges (2019) levam a discussão à profundidade devida ao retratar a realidade do Estado atual, porém sem negar a importância das políticas públicas. Sobre o assunto os autores dizem
As políticas públicas têm por objetivo a prestação coletiva pelo Estado, visto que destinadas a toda população, dessa maneira observa-se que a judicialização da saúde gera impactos sobre a dimensão coletiva da saúde, uma vez que as demandas individuais exigem altos custos para a administração pública além de dispêndios ao Poder Judiciário. Assim a verba pública que poderia ser utilizada para a ampliação de políticas públicas e consequentemente atender um maior número de cidadãos, contemplando a dimensão coletiva de saúde, é utilizada em demandas individuais.
É uma realidade que o recurso deve ser direcionado de forma inteligente para que as políticas públicas possam diminuir as diferenças sociais, e inclinar o país para o crescimento social.
Coelho, Lopes, Campos Neto, Figueiredo e Andrade (2020, p. 9) retratam o problema do excesso da judicialização como “são influenciadas pela trajetória privatista da política anterior à Constituição Federal de 1988”, e assim também infere que era “marcada fortemente tanto pela exclusão e segmentação quanto por uma perspectiva bastante restrita do processo saúde/doença”.
Tal barreira também é mencionada por Rodrigues e Borges (2019, p. 23), ao mencionarem que existem diversos medicamentos que não estão no rol, isto é, na lista de medicamentos oferecidos.
Nisto, mencionam que “o aumento de ações individuais pleiteando medicamentos é reflexo da insuficiência de políticas públicas”. Tal afirmação aproxima a ideia provocada por Coelho, Lopes, Campos Neto, Figueiredo e Andrade (2020), quando afirmam o caráter exclusivista e individualizado do tratamento da judicialização.
Nesse mesmo sentido, a importância da atuação política governamental, não somente em períodos históricos em que há crise sanitárias, e sim, a ênfase de que enfatizam que é necessário gerenciamento que esteja direcionado em tratar as mazelas sociais (Magnago; Martins, 2023).
O tribunal da Justiça do Estado de São Paulo promove, em tempo real, dados referentes a judicialização dos medicamentos, tendo como referência o número total de processos existentes novos, isto, é solicitações requeridas pelas pessoas.
Nisto, nota-se que 24,96% das solicitações feitas tinham como assunto os medicamentos. Além disso, a região da Grande São Paulo detém 38,23% das solicitações novas de medicamentos de todo o estado (Brasil, 2023). Tal informação nos revela o aspecto da grande concentração de riqueza em contraste com elevado número de requisições novas, além das já existentes.
Além disso, pela informação disponibilizada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), as cidades de Ribeirão Preto, região da Grande São Paulo, Campinas, Bauru, São José do Rio preto, Sorocaba e Araçatuba somam 48,4% das solicitações existentes de medicamentos do Estado (Brasil, 2023).
Em outro aspecto, o sistema único de saúde não é exclusivo do Brasil. No Reino Unido há o Serviço Nacional de Saúde inglês (NHS); na Austrália existe o Seguro Saúde Obrigatório (OSHC) e o Canadá disponibiliza o Medicare (Oliveira; Nascimento; Lima, 2019).
Em cada um desses sistemas é preocupante a situação de medicamentos, pela precificação estipulada pelas empresas farmacêuticas e confiabilidade científica do medicamento que será amplamente oferecido. E apesar das diferenças entre os sistemas, ditas por Oliveira, Nascimento e Lima, (2019, p. 293), na “gestão, organização, maturidade, financiamento, porte e distribuição das morbidades nas populações.” É importante para compreender melhor os dilemas e as opções viáveis para com o acesso, e também aos medicamentos de forma analítica.
Ainda que exista uma gama de diversos desafios, ampliar recursos para que exista um programa de acesso aos medicamentos de alto custo se faz necessário.
5. CONCLUSÃO
A judicialização dos medicamentos é um processo necessário. Porém, em relação a gestão, existe no aspecto do custeio um excesso, isso porque é notável em vários pontos a delegação para a justiça da responsabilidade que pertence de forma contínua e planejada aos gestores públicos. O direito deve ser estruturado para que atenda a sociedade, e não apenas as pessoas que invocam análise jurídica.
Ainda assim, o Estado deve ser visto como um todo que custeia e investe nos cidadãos. A ausência de estrutura para os medicamentos está desalinhada com a Constituição Federal de 1988, que estipula a busca pela eficácia dos serviços prestados a sociedade.
A eficácia está associada às políticas públicas que devem promover de forma estratégica para que a sociedade avance, e além disso, levar em conta os fatores de que um direito deve ser promovido ao coletivo se evidenciado que é uma requisição recorrente, e neste caso, as solicitações de medicamentos se enquadram neste requisito.
Além disso, não há projeto palpável para solucionar o problema. Logo, entende-se que há a simples delegação para a justiça sem buscar o grau de culpabilidade, ação que pertence ao senso comum. Esta pesquisa buscou, pelo método bibliográfico, visualizar o contexto da judicialização para que se tenha informações sobre o problema. Assim foi possível promover uma visão crítica em relação às argumentações dos gestores públicos e dos membros da justiça. Ainda nesse aspecto, a pesquisa identifica a tentativa não razoável de que para solucionar um grande problema, toma-se uma decisão não assertiva de desconfigurar o sistema consistente de saúde do Brasil, quando na verdade o questionável é o seu gerenciamento e sua eficiência, e não sua existência, uma vez que não há dúvidas que a sociedade depende exclusivamente das ações de políticas públicas do Estado.
A não razoabilidade está ainda no aumento expressivo da judicialização dos medicamentos. Além disso a pandemia do vírus que assolou o mundo deixou marcas significativas não apenas na economia, mas também para a saúde pública, que já era ineficiente. Estes fatos trouxeram a visualização do comportamento jurídico do Estado, isto é, se ele existe para pessoas a nível individual, ou se está sendo aplicado em grau coletivo como orienta a Constituição Federal.
Nesse mesmo assunto, observa-se que a questão do recurso financeiro é, sem dúvidas, muito importante. No entanto, cabe ao Estado também administrar de forma eficiente e seus membros encontrarem possibilidades, ao invés de alegar escassez de recursos. Sabe-se que a postura adotada por diversos países é o investimento na saúde e disponibilizar recursos, e não os cortar, ou alterar seu caráter público ou privado.
É inegável que o Estado brasileiro, apesar de diversos programas, tem sido um Estado não organizado, e mesmo com relatórios, observação de dados, recolhimento de informações, é necessário produzir resultados, pela mobilização, e pela proatividade de produzir a legislação, e atingir os princípios constitucionais.
Além disso, a abdicação da função administrativa por parte do Estado e seus membros demonstra a despreocupação com as problemáticas sociais. E indo mais além neste assunto, não necessariamente porque a legislação não está aprimorada sobre determinado assunto, por exemplo, a judicialização dos medicamentos, que não existam mecanismos a serem criados para atender a demanda dos administrados.
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[1] Mestre em Direito pela Universidade de Marília. Especialista em Direito Administrativo, Direito Público e Direito Digital e Compliance pelo Instituto Educacional Damásio. Integrante do Ministério Público do Estado de São Paulo. Professor universitário. E-mail: marcosmiotto@ hotmail.com.
Graduando em Direito pelo Centro Universitário de Jales – UNIJALES
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SIQUEIRA, Claudia Lucia. Judicialização de medicamentos em confronto com a seguridade social Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 ago 2024, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/66300/judicializao-de-medicamentos-em-confronto-com-a-seguridade-social. Acesso em: 21 nov 2024.
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