RESUMO: O presente artigo possui como objetivo a análise do entendimento do Tribunal Superior Eleitoral – TSE acerca da caracterização da conduta vedada de remoção de servidor público prevista no art. 73, V, da Lei n.º 9.504/97, ocorrido em circunscrição eleitoral diversa, no período de três meses que antecede o pleito, até a posse dos eleitos. Buscou-se, a partir de então, revelar se se mostra juridicamente possível, sob a ótica daquela Corte Superior, a declaração de nulidade de atos administrativos de remoção com base no dispositivo em questão. O método utilizado foi o dedutivo, com pesquisa de legislação, jurisprudência e doutrina a respeito do tema. Conclui-se que, ao reconhecer a possibilidade de extensão dos efeitos da restrição para além da circunscrição eleitoral em disputa, o TSE contribui para o aperfeiçoamento do regime democrático e do sistema representativo.
Palavras-Chave: 1. Conduta vedada. 2. Remoção servidor. 3. Circunscrição diversa. 4. Tribunal Superior Eleitoral. 5. Regime democrático.
1. INTRODUÇÃO
A Lei n. 9.504/97, que estabelece normas para a realização das eleições, proíbe aos agentes públicos a realização de algumas condutas durante um certo período anterior à data das eleições e também, em alguns casos, durante um período posterior a elas. O escopo das proibições é evitar o uso da administração pública como forma de desequilibrar a competição eleitoral, preservando a igualdade de oportunidades entre os candidatos.
A lei procura, portanto, manter a igualdade entre os diferentes candidatos e partidos, evitando que qualquer agente público possa abusar de suas funções, com o propósito de trazer com isso algum benefício para o candidato ou para o partido de sua preferência (DECOMAIN, 2000, n.p).
Diz-se, pois, que as condutas vedadas aos agentes públicos em ano eleitoral integram o que Igor Pereira Pinheiro (2018, pg. 286) denomina de sistema brasileiro anticorrupção, espécie de microssistema que contempla, além dos artigos 73 a 77 da Lei n.º 9.504/97, as disposições da Constituição Federal, da Lei de Ação Civil Pública (Lei n.º 7347/85), Lei de Ação Popular (Lei n.º 4.717/65), Lei Anticorrupção (Lei n.º 12.846/2013), entre outros diplomas normativos.
Pela própria natureza restritiva que carrega e em deferência às regras de hermenêutica, o art. 73, V, da Lei n.º 9.504/97 comportava apenas uma interpretação conservadora das situações fáticas, sem admitir leitura extensiva para permitir o reconhecimento de uma conduta como vedada, isto é, sem aplicar efeitos para além da circunscrição do pleito, como textualmente estabelecido.
Todavia, o Tribunal Superior Eleitoral - TSE, no julgamento do RO nº 222952 ocorrido em 6.3.2018, cuja relatoria ficou a cargo da ex-Ministra Rosa Weber, conferiu novos contornos ao tema, ampliando seu espectro de alcance para invalidar atos administrativos praticados pelo poder público municipal dentro do período vedado pelo art. 73, V, da Lei n.º 9.504/97, a despeito de se tratar de eleição de âmbito estadual e federal.
2. DA CONDUTA VEDADA DE REMOÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO EM CIRCUNSCRIÇÃO DIVERSA EM PERÍODO PROIBIDO (ART. 73, V, DA LEI N.º 9.504/97)
O estudo das condutas vedadas envolve várias restrições e institutos que, em razão da necessidade de delimitação, não serão abordados neste estudo, que se dedicará, conforme se infere da própria leitura de seu título, apenas ao comando previsto no art. 73, V, da Lei n.º 9.504/97. Com efeito, consta do aludido dispositivo:
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
(…)
V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados:
a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança;
b) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República;
c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início daquele prazo;
d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo;
e) a transferência ou remoção ex officio de militares, policiais civis e de agentes penitenciários;
(destaquei)
De forma específica, o dispositivo intenta obstar a utilização indevida do quadro de pessoal da Administração Pública com interferência no princípio da igualdade de oportunidade entre os candidatos, evitando solução de continuidade na prestação dos serviços públicos pelo Estado. Tal diretriz se mostra em linha com o princípio constitucional da continuidade do serviço público, consistente na obrigação estatal de manter serviço adequado[1].
Com efeito, o princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos tem como premissa fundamental preservar o equilíbrio na disputa eleitoral, de modo a assegurar que a opção política dos eleitores não seja influenciada por ações que constituem manifestação abusiva dos candidatos envolvidos na disputa. A doutrina aponta que o aludido princípio apresenta dupla acepção: negativa, compreendida na ideia já reportada, e a acepção positiva, evidenciada por um mandado dirigido aos poderes constituídos para articular prestações públicas com critérios equitativos para os concorrentes (MUÑOZ 2014, p. 353-354, apud ZILIO, 2022, p. 47).
Avançando, mostra-se válido assinalar que a técnica utilizada pelo legislador no trato da definição das condutas vedadas, ao se valer da construção textual “condutas tendentes a afetar”, estabeleceu certa presunção objetiva de desigualdade, de modo que, reconhecida a incidência de suporte fático, tem-se como decorrência natural a procedência do pedido em representação.
Por outro lado, também por opção do legislador, a conduta vedada em questão possui aplicação bem delineada, já que, em regra, tem incidência somente na circunscrição[2] do pleito em disputa, não estendendo seus efeitos restritivos para além desse domínio espacial. A título ilustrativo quanto à aplicação da regra, tem-se que, em se tratando de eleições municipais, a vedação seria restrita ao âmbito municipal, em eleições estaduais, aos limites do estado, e assim por diante.
Como já reportado nas linhas introdutórias, ao menos no campo doutrinário, o entendimento restritivo acima mencionado se mostrava prevalente na doutrina, nesse sentido, por exemplo, o escólio de José Jairo Gomes (2019, pg. 866), Walber de Moura Agra (2022, pg. 330) e Roberto Moreira de Almeida (2024, pg. 512).
Já no campo jurisprudencial, o que se percebe é que o TSE também adotava uma interpretação literal do tema, de modo a afastar qualquer leitura que conferisse um alargamento da norma restritiva. Nesse sentido, no julgamento do REspe. 3919-77/SP, decidido de forma monocrática pelo Ministro Gilmar Mendes em 23.6.2015 – a despeito de não tratar especificamente do mesmo dispositivo em questão, uma vez que a discussão de fundo tratava da vedação ao reajuste salarial (art. 73, VIII da Lei n.º 9.504/97) -, consignou-se o seguinte entendimento:
Eleições 2014. Agravo de instrumento. Representação. Conduta vedada. Revisão geral da remuneração de servidores.
1. Em razão de o art. 73, inciso VIII, da Lei nº 9.504/1997 consistir em norma restritiva, ao vedar revisão geral da remuneração de servidores na circunscrição do pleito, é de rigor, no intuito de se depreender o seu sentido e alcance, que se entenda a locução "circunscrição do pleito" nos exatos termos do que dispõe o art. 86 do Código Eleitoral: "Nas eleições presidenciais, a circunscrição será o País; nas eleições federais e estaduais, o Estado; e, nas municipais, o respectivo Município".
2. Não se justifica no caso, considerando-se a finalidade da norma, que se realize interpretação extensiva, a supor que o legislador dissera menos do que deveria, porquanto o art. 73, inciso VIII, da Lei nº 9.504/1997 não sugere eventuais reflexos de revisão municipal nas eleições estaduais ou federais. É inviável o reenquadramento jurídico dos fatos para o fim pretendido pelo recorrente. 2. Agravo provido, negado seguimento ao recurso. (destaquei)
(TSE - RESPE: 0003919-77.2014.6.26.0000 OSASCO - SP 391977, Relator: Gilmar Mendes, Data de Julgamento: 23/06/2015, Data de Publicação: Diário de Justiça Eletrônico - DJE, data 26/06/2015 pag. 192-194)
A despeito disso, em 27.9.2016, percebeu-se certa mudança de interpretação no egrégio TSE que, ao julgar o REspe 1563-88/PR, cuja relatoria ficou a cargo do Ministro Herman Benjamin, assentou o seguinte entendimento:
RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2014. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. PREFEITURA. PERÍODO VEDADO. DEPUTADO FEDERAL. BENEFICIÁRIO. REEXAME. SÚMULA 7/STJ. DESPROVIMENTO.
(...)
Da matéria de fundo.
1. É vedado a agentes públicos, nos três meses que antecedem a eleição, realizar propaganda institucional de atos, programas, obras, serviços e campanhas, excetuadas grave e urgente necessidade e produtos e serviços com concorrência no mercado (art. 73, VI, b, da Lei 9.504/97).
2. Essa regra, embora em princípio inaplicável a esferas administrativas cujos cargos não estejam sob disputa (art. 73, § 3º), não tem natureza absoluta e não autoriza publicidade em benefício de candidato de circunscrição diversa, em completa afronta ao art. 37, § 1º, da CF/88 e de modo a afetar a paridade de armas entre postulantes a cargo eletivo.
3. Segundo o TRE/PR, em agosto de 2014 veiculou-se informativo da Prefeitura de Cidade Gaúcha/PR (chefiada por Alexandre Lucena) contendo seis matérias sobre Zeca Dirceu (à época candidato a reeleger-se deputado), inúmeras fotografias e enaltecendo sua atividade parlamentar na Câmara dos Deputados em prol do Município.
4. Extrai-se de uma delas: "Zeca Dirceu destacou a importância do recurso para o município. 'Investir em educação é investir no futuro. Essa é uma das principais bandeiras do meu mandato. [...] Fico muito satisfeito com a chegada desse investimento para a cidade'".
5. Quanto ao prévio conhecimento do beneficiário, tem-se que a promoção pessoal foi orquestrada entre candidato e Prefeito, o qual, por sua vez, não teria qualquer interesse em realizá-la sem anuência e mesmo ajuda do favorecido. Destaque-se, no ponto, que um dos textos do informativo é idêntico ao publicado no blog de Zeca Dirceu.
6. Novo entendimento sobre a controvérsia implica, como regra, reexame de fatos e provas, inviável em sede extraordinária, a teor da Súmula 7/STJ.
7. Em julgados anteriores sobre o tema, a abordagem foi diferenciada. No AgR-REspe 1602-85/PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJE de 26.10.2015, não se tratou do art. 37, § 1º, da CF/88. Já no REspe 1087-39/RN, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 26.10.2015, assentou-se não ter havido desvirtuamento de propaganda institucional. Conclusão.
1. Recursos especiais desprovidos, mantendo-se a multa de R$ 15.000,00 imposta a cada um dos recorrentes.
(TSE - RESPE: 156388 CURITIBA - PR, Relator: ANTONIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN, Data de Julgamento: 27/09/2016, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 199, Data 17/10/2016, Página 35-36) (destaquei)
Malgrado também não ter tratado especificamente do tema remoção de servidores, uma vez que o caso versava sobre publicidade institucional em favor de candidato a cargo eletivo de circunscrição diversa, a argumentação utilizada parece ter inaugurado uma interpretação mais extensiva daquela Corte Superior, que passou a observar, a partir das peculiaridades do caso, que a norma não poderia servir de escudo para a prática de situações que inequivocamente seriam capazes de beneficiar pretendentes a cargos eletivos, ainda que de circunscrição diversa, violando o princípio da paridade de armas.
Pela pertinência que guarda com o presente estudo, convém registrar a seguinte passagem, constante das razões de decidir do voto proferido pelo eminente Ministro Herman Benjamin:
(...)
A proibição de publicidade institucional apenas aos agentes cujos cargos estejam em disputa, nas respectivas esferas, não cria blindagem para que, em ano não eleitoral na circunscrição onde exerçam cargo ou mandato eletivo, influenciem concorrência exógena, utilizando-se de recursos públicos e beneficiando candidatos.
Dito de outro modo, a diversidade de esferas (municipal, estadual ou federal) apenas afasta presunção absoluta de que a conduta beneficiou candidato e comprometeu a igualdade de oportunidades entre aspirantes a cargos eletivos. Eventual vantagem deve ser aferida diante das circunstâncias do caso concreto e das provas acostadas aos autos.
(...)
(destaquei)
Mais adiante, no julgamento do RO nº 222952 ocorrido em 6.3.2018, cuja relatoria ficou a cargo da ex-Ministra Rosa Weber, o TSE confirmou seu entendimento anterior, estendendo a interpretação também para a possibilidade de caracterização da conduta vedada do art. 73, V da Lei n.º 9.504/97, mesmo quando praticada em circunscrição diversa, em caso de fatos verificados no âmbito municipal e de as eleições serem gerais. Confira-se:
ELEIÇÕES 2014. RECURSOS ORDINÁRIOS. CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES TEMPORÁRIOS EM PROL DA CANDIDATURA DA IRMÃ DO PREFEITO. CONFIGURAÇÃO DO ABUSO DE PODER E CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. INSUFICIÊNCIA DO CONJUNTO PROBATÓRIO PARA A RESPONSABILIZAÇÃO DE CANDIDATO A DEPUTADO FEDERAL. RESCISÃO DE CONTRATOS TEMPORÁRIOS APÓS AS ELEIÇÕES E ANTES DA POSSE DOS ELEITOS. CONFIGURAÇÃO DE CONDUTA VEDADA NO CASO CONCRETO APESAR DE NÃO PRATICADA NA CIRCUNSCRIÇÃO DO PLEITO. IMPOSSIBILIDADE DE IMPOSIÇÃO DE MULTA AO NÃO CANDIDATO.
(...)
18. Sendo incontroverso que ocorreram rescisões de contratos temporários após as eleições, mas antes da posse dos eleitos, a questão que se coloca é se seria possível a configuração de conduta vedada, uma vez que o inciso V do art. 73 da Lei nº 9.504/1997 traz a restrição "na circunscrição do pleito" e, no caso, os fatos aconteceram no âmbito municipal e as eleições se referiam ao âmbito estadual e federal.
19. No caso da realização da conduta tipificada no inciso V do art. 73 na circunscrição do pleito, existe presunção absoluta de prática de conduta vedada; tratando-se de circunscrição diversa, não há essa presunção, podendo, em tese, os atos referidos no dispositivo serem praticados de forma lícita. Todavia, caracteriza-se a conduta vedada se demonstrada a conexão com o processo eleitoral.
20. Essa conclusão pode ser extraída da conclusão a que chegou o TSE em caso análogo: "1. É vedado a agentes públicos, nos três meses que antecedem a eleição, realizar propaganda institucional de atos, programas, obras, serviços e campanhas, excetuadas grave e urgente necessidade e produtos e serviços com concorrência no mercado (art. 73, VI, b, da Lei 9.504/97). 2. Essa regra, embora em princípio inaplicável a esferas administrativas cujos cargos não estejam sob disputa (art. 73, § 3º), não tem natureza absoluta e não autoriza publicidade em benefício de candidato de circunscrição diversa, em completa afronta ao art. 37, § 1º, da CF/88 e de modo a afetar a paridade de armas entre postulantes a cargo eletivo." (REspe nº 1563-88, Relator Min. Herman Benjamin, DJE de 17.10.2016).
21. Assim, o recurso do Ministério Público Eleitoral deve ser parcialmente provido para reconhecer a prática de conduta vedada, com a condenação de Mira Rocha e Robson Rocha. A condenação não deve alcançar Izabel Souza da Silva, pois, embora ela tenha assinado rescisões de contratos temporários no período vedado, não existe demonstração de que tivesse vínculo com campanhas eleitorais, que seria necessária no caso concreto, já que as rescisões não ocorreram na circunscrição do pleito, hipótese em que haveria presunção absoluta de conduta vedada. Ademais, não há prova de que sua atuação tenha sido diversa da dos demais Secretários Municipais, que teriam implementado decisão imputável ao Prefeito. (grifei)
(…)
(TSE. RO nº 222952. MACAPÁ – AP. Relator(a): Min. Rosa Weber. Julgamento: 06/03/2018 Publicação: 06/04/2018.) (destaquei)
Extrai-se da análise do aresto que a Corte, sedimentando o entendimento ventilado no REspe 1563-88/PR, agregou outros elementos à tese, assentando, em resumo, que se as condutas vedadas forem praticadas na circunscrição da eleição em disputa, existiria uma presunção objetiva de desigualdade, sendo desnecessárias outras ilações para além da comprovação da conduta em si mesma. Por outro lado, caso se tratem de circunscrições diversas, seria necessária a comprovação nos autos de que a conduta atacada guarda conexão com o processo eleitoral, sem o que os atos praticados são reputados como lícitos.
Assim, aplicando a ideia em questão, seria possível, em tese, responsabilizar pelo descumprimento do disposto no art. 73, V, da Lei n.º 9.504/97, um prefeito que removesse às vésperas de uma eleição geral - de ofício e sem estar amparado pelas exceções do dispositivo -, um elevado contingente de servidores municipais para bairros mais afastados e de difícil acesso, caso evidenciado no caderno processual que assim agiu apenas para prejudicar pessoas simpatizantes do adversário político de seu genitor, candidato a deputado estadual no mesmo prélio, de modo a impedir, dificultar ou embaraçar-lhes o direito de escolher, livremente e de acordo com suas convicções pessoais, seu representante.
Jamilson Haddad Campos (2023, p. 37), inclusive, sustenta que outras atitudes ou condutas, além daquelas explicitadas na legislação, podem configurar o tipo, e merecer investigação judicial, desde que se constituam em abuso do exercício de função, cargo ou
emprego público, na administração direta ou indireta.
Para além das razões declinadas no julgado referido, parece razoável defender ainda que essa compreensão também encontra fundamento na natureza coletiva da ação eleitoral, uma vez que as regras que regulamentam institutos de direitos eleitoral, seja na Constituição Federal, seja na legislação extravagante, são de interesse direto de toda a coletividade e não apenas daqueles que estejam envolvidos no pleito eleitoral. Nessa medida, a proteção preventiva e corretiva da ordem democrática brasileira é interesse do Estado e da sociedade e jamais um interesse próprio ou privado de qualquer pessoa (CHEIM JORGE, 2016, pg. 6).
Assim, à luz do que fixado pelo precedente já mencionado do egrégio TSE (RO nº 222952. MACAPÁ – AP. Relator(a): Min. Rosa Weber. Julgamento: 06/03/2018 Publicação: 06/04/2018), para que seja possível o reconhecimento de determinada conduta como vedada em circunscrição diversa do pleito eleitoral em disputa, imprescindível a demonstração de conexão entre os fatos, a ser aferida de acordo com as circunstâncias fáticas do caso concreto, sem o que resta livre de pecha, ao menos no contexto das condutas vedadas do art. 73, V, da Lei n.º 9.504/97, a remoção em questão.
3. CONCLUSÃO
As condutas vedadas veiculam comportamentos que devem ser coibidos em nome do princípio da paridade de armas entre os candidatos. Por ostentar natureza restritiva, estabelece-se certo conflito interpretativo quando confrontados os valores jurídicos da proteção eficiente dos bens jurídicos e o princípio da legalidade estrita em matéria de direito sancionatório.
Como visto, a interpretação conferida pelo egrégio TSE ao disposto no inciso V do art. 73 da lei n.º 9.504/97 tornou possível a responsabilização de agentes públicos que pratiquem as condutas nele previstas, ainda que em circunscrição diversa, de modo a assegurar uma concorrência livre e equilibrada entre os candidatos, em atuação judicial que prestigia uma interpretação finalística do dispositivo.
Do que foi exposto, portanto, é possível inferir que o TSE tem exercido papel de fundamental importância na reafirmação do regime democrático e da lisura das eleições, notadamente quando se depara com situações em que a interpretação estritamente literal proporcionaria uma proteção ineficiente dos valores fundamentais protegidos pelo sistema eleitoral e de titularidade difusa, uma vez que o princípio da igualdade de oportunidades, quando vulnerado, prejudica, não apenas os candidatos envolvidos na disputa, como todo o regime democrático legalmente instituído.
REFERÊNCIAS
AGRA, Walber de Moura. Manual prático de direito eleitoral. 4ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2022.
ALMEIDA, Roberto Moreira de. Curso de direito eleitoral. 17ª ed. São Paulo: Editora Juspodivm, 2024.
CAMPOS, Jamilson Haddad. Abuso do poder econômico e político e
condutas vedadas aos agentes públicos
nas eleições. Revista Democrática, Cuiabá-MT, v. 10, p. 31 – 43, 2023. Disponível em: www.tre-mt.jus.br/eje/revistademocratica. Acesso em: 11 jul. 2024.
CHEIM JORGE, Flávio. A ação eleitoral como tutela dos direitos coletivos e a aplicação subsidiária do microssistema processual coletivo e do CPC. 2016. Disponível em: https://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/RBA_n.0.07.PDF. Acesso em 4.7.2024.
DECOMAIN, Pedro Roberto. Condutas vedadas aos agentes públicos em campanha eleitoral. Disponível em https://apps.tre-sc.jus.br/site/resenha-eleitoral/revista-tecnica/edicoes-impressas/integra/2012/06/condutas-vedadas-aos-agentes-publicos-em-campanha-eleitoral/index19f5.html%3Fno_cache=1&cHash=090e0256d1dc971674ec91e7f65d0a1a.html. Acesso em 13.5.2024.
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2019.
PINHEIRO, Igor Pereira. Condutas vedadas aos agentes públicos em ano eleitoral: aspectos teóricos e práticos. 2ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
ZILIO, Rodrigo López. Direito eleitoral. 8ª ed. São Paulo: Editora Juspodivm, 2022.
[1] Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
(...)
IV - a obrigação de manter serviço adequado.
[2] A definição de circunscrição é trazida pelo art. 86 do Código Eleitoral, in verbis: Art. 86. Nas eleições presidenciais, a circunscrição será o País; nas eleições federais e estaduais, o Estado; e nas municipais, o respectivo município.
Pós Graduado em direito eleitoral
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALBUQUERQUE, DANIEL AUTO DE. Da (im)possibilidade jurídica de reconhecimento da conduta vedada de remoção de servidor público em circunscrição diversa em período proibido (Art. 73, V, da Lei n.º 9.504/97) Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 set 2024, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/66510/da-im-possibilidade-jurdica-de-reconhecimento-da-conduta-vedada-de-remoo-de-servidor-pblico-em-circunscrio-diversa-em-perodo-proibido-art-73-v-da-lei-n-9-504-97. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: SABRINA GONÇALVES RODRIGUES
Por: DANIELA ALAÍNE SILVA NOGUEIRA
Por: EMANUEL NEVES DE LIMA
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