RESUMO: A Bioética é um ramo da ética compreendida como responsável por um arcabouço teórico capaz de problematizar as nuances filosóficas irradiadas pelos experimentos médicos e científicos na contemporaneidade. Ao passo que o Biodireito deverá sopesar as implicações sociais, jurídicas e axiológicas dos procedimentos médicos cada vez mais relevantes para a sociedade como, por exemplo, a Reprodução Humana Assistida (RHA). A forma repentina pela qual evoluíram as técnicas de RHA não permitiu a necessária elaboração legislativa para reger as descobertas biotecnológicas. Nesse ínterim, a RHA solapou a anacrônica compreensão da paternidade restrita ao aspecto biológico, dada a emergência do liame socioafetivo em detrimento do enlace biológico das relações familiares, facultada pelas inovadoras técnicas de RHA. A despeito das possibilidades trazidas pelas técnicas de RHA, a ausência de uma regulamentação jurídica desses procedimentos reveste essa nova seara de uma ampla insegurança jurídica, especialmente nos aspectos ligados à fecundação artificial homóloga post mortem. Outrossim, essa modalidade de fecundação coloca a criança – gerada desse processo – diante de uma séria insegurança, dada a indefinição jurídica no tocante ao reconhecimento dos seus direitos fundamentais basilares, a saber: direito ao estado de filiação e direito à herança.
Palavras-chave: Direito Civil; Dignidade da Pessoa Humana; Biotecnologia.
ABSTRACT: Bioethics is a branch of ethics understood as responsible for a theoretical framework able to question the philosophical nuances irradiated by medical and scientific experiments in contemporary times. The Biolaw must weigh the social, legal and axiological implications of medical procedures quite relevant to society as, for example, the Assisted Human Reproduction (AHR). The abrupt way in which the techniques of AHR developed did not allow the necessary preparation for legislation to govern biotechnological discoveries. Meanwhile, the AHR has undermined the anachronistic understanding of fatherhood attached to the biological aspect, given the emergence of socio-emotional bond rather than the biological link of family relationships, granted by the innovative techniques provided by AHR. In despite of the possibilities brought by the techniques of AHR, the absence of legal regulation of these procedures takes this new field to a large legal uncertainty, especially, in regard to homologous artificial fertilization post-mortem. Furthermore, this mode of fertilization puts children - generated within this process - before a serious insecurity, given the legal limbo considering the recognition of their basic fundamental rights, namely: the right to filiation status and inheritance rights.
Keywords: Civil Law; Dignity of the Human Person; Biotechnology.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. AS PREMISSAS DA BIOÉTICA E DO BIODIREITO: 2.1. FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA BIOÉTICA E DO BIODIREITO; 2.2. A BIOÉTICA E O BIODIREITO NO DIREITO BRASILEIRO. 3. REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA HOMÓLOGA E HETERÓLOGA. 4. AS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS DA FECUNDAÇÃO HOMÓLOGA POST MORTEM. 5. DEMAIS CONSIDERAÇÕES SOBRE A QUESTÃO SUCESSÓRIA. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 7. REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho discute alguns aspectos conceituais da Bioética e do Biodireito, bem como apresenta fundamentos e pressupostos epistemológicos desses campos. Primeiramente, ressalte-se a importância da ética e do Direito no regramento da utilização das técnicas de RHA e das suas consequências no âmbito do Direito de Família e sucessório. Essa importância assume um destaque ainda maior quando é o caso do uso das técnicas de fertilização artificial homóloga post mortem e sua repercussão no campo da sucessão.
O Biodireito aponta para uma regulamentação das pesquisas biomédicas oriundas das inovações emergentes do “aumento do poder do homem sobre o próprio homem – que acompanha inevitavelmente o progresso técnico, isto é, o progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e os outros homens”. (BOBBIO, 1992, p.6). Ante a impossibilidade de um progresso científico pautado em princípios éticos autoevidentes, torna-se necessária a elaboração de uma categoria materializadora dos direitos humanos no tratamento dos conhecimentos e práticas médicas. Essas demandam uma atenção especial pois são capazes de “criar novas ameaças à liberdade do indivíduo, ou permitir novos remédios para as suas indigências”. (BOBBIO, 1992, p.6).
A Bioética da responsabilidade nos conduz, também, a um diálogo perene para a construção da expressão democrática do conhecimento e dos seus valores norteadores. Por isso é imprescindível, por meio do aparato democrático, instaurar um diálogo em torno do silêncio eloquente da des-regulamentação das técnicas de RHA. Pois a ausência de debate e a desregulamentação podem favorecer a ideia perigosa do “princípio de que tudo aquilo que não está proibido está permitido, deixando os cientistas da área da biomédica com grandes possibilidades de ação na área da embriologia e da engenharia genética”. (DINIZ, 2010, p.628).
Por fim, procurar-se-á verificar no presente trabalho os impactos da fecundação homóloga post mortem no Direito de Família contemporâneo, até então assentado em padrões de reprodução essencialmente biológicos, sem preocupações com as repercussões de novos métodos biotecnológicos de reprodução. Além disso, buscar-se-á fornecer um panorama das técnicas de RHA e os seus avanços, bem como as novas ideias, conceitos e valores morais que passaram a orientar as relações de família.
2. AS PREMISSAS DA BIOÉTICA E DO BIODIREITO
2.1. FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA BIOÉTICA E DO BIODIREITO
Os moldes dinamizadores do século XX possibilitaram um progresso científico sem precedentes, o que influenciou na contínua evolução das práticas médicas que transformaram a forma como os homens e mulheres se relacionavam com a ciência.
Na década 70, os avanços tecnológicos demandaram a construção de um novo ramo da ética denominado como Bioética. O termo foi utilizado pela primeira vez nos Estados Unidos, pelo cientista Van Rensselder Potter, da Universidade de Winsconsin, em obra intitulada "Bioethics: bridge to the future", em 1971, que utilizou a expressão para referir-se a uma seara que problematiza os valores éticos pertinentes a fatores biológicos, com uma perspectiva mais ligada a aspectos ecológicos. (WIDER, 2007).
Ressalte-se, no entanto, que a instrumentalização do ser humano pelos médicos nazistas incentivou a formulação, em 1947, daquele que é considerado o primeiro documento da Bioética: o Código de Nuremberg. Este estabeleceu dez princípios que devem guiar qualquer experiência com seres humanos, são eles: consentimento voluntário do paciente; produção de resultados vantajosos para a sociedade; prévia utilização com animais; não ocorrência de sofrimento ou danos desnecessários; não ocorrência de morte ou invalidez permanente; grau de risco limitado à importância humanitária do problema; cuidados com a proteção da pessoa que se submete ao experimento; somente pessoas cientificamente qualificadas devem fazer as experiências; direito do paciente de se retirar da pesquisa; caso houver risco de dano, invalidez ou morte o procedimento deverá ser suspenso.
A função pedagógica da Bioética é a de passar precisamente dos princípios desprovidos de normatividade às leis e aos princípios jurídicos que servem de subsídio para o ramo jurídico conhecido Biodireito. A Bioética também resulta do encontro da ética com a biomedicina, sendo um ramo da ética que estuda as repercussões da biomedicina e tem o princípio da dignidade humana como valor nuclear, que dará conteúdo às normas pertinentes aos fatos bióticos advindos da biomedicina. (JÚNIOR, 2002).
O Biodireito surge nesse cenário histórico como uma disciplina em construção, que tem como escopo normatizar juridicamente as práticas científicas. Se a Bioética está ligada ao estudo da ética da virtude, podemos afirmar que o Biodireito estuda a ética do dever, dado que faz a contínua propositura de regras e princípios que delimitam os parâmetros de licitude indispensáveis para a vigilância de ações suscetíveis de ameaçar a dignidade humana. (WIDER, 2007).
Cabe destacar que os campos da Bioética e do Biodireito circundam temáticas com balizas epistemológicas próprias, mas o futuro de ambos está interligado. O primeiro fornece o substrato ético para que o segundo construa os parâmetros jurídicos para os procedimentos médicos. Observa-se que a Bioética e o Biodireito não objetivam inviabilizar o progresso científico, muito pelo contrário, essas duas searas do conhecimento humano visam otimizar um progresso científico a serviço da qualidade de vida.
2.2. A BIOÉTICA E O BIODIREITO NO DIREITO BRASILEIRO
A família no decorrer da história foi tida como uma instituição basilar para a organização da sociedade, sendo os vínculos paternais e maternais revestidos de significados ficcionais conferidos pelo senso comum e pela religião. Nesse cenário, as técnicas de RHA surgem como métodos capazes de superar algumas limitações biológicas tidas, até então, como barreiras intransigentes à reprodução do ser humano. E cabe ao Direito, compreendido aqui como fenômeno jurídico em seu sentido amplo, resolver as controvérsias decorrentes dessas novas condições de possibilidade para a reprodução humana.
Ocorre que o Direito se encontra na retaguarda das transformações sociais, ou seja, é necessário que situações sejam postas pela sociedade para que o Direito possa empreender algum tipo de regulamentação jurídica àquelas situações. Contudo, a celeridade dos progressos dos métodos de RHA impossibilitou um amadurecimento ético e jurídico da sociedade. Nesse processo, a Bioética ocupa um lugar de especial destaque pois medeia o diálogo sobre os limites éticos do progresso científico, para que não atente contra a dignidade humana por meio de um processo eugênico de coisificação do ser humano. Claro está que a permissão de uma pré-seleção sexual ou de qualquer outra característica biológica fundada, meramente, em fins eugênicos, traz sérias repercussões em termos de proteção da igualdade e da não-discriminação. Não é por menos que a Resolução 2.168/2017 do Conselho Federal de Medicina veda que as técnicas de RHA sejam utilizadas com a intenção de selecionar o sexo ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, salvo nos casos que se busca evitar doenças no possível descendente.
O princípio da dignidade da pessoa humana[1] – núcleo essencial do Estado Democrático de Direito – é responsável por uma profusão principiológica em nosso ordenamento jurídico, assim como precisa ser preconizado em qualquer procedimento reprodutivo a ser realizado. Conforme nota Moraes (1998, p.60-61):
A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.
Porém, o conceito de dignidade humana possui uma grande abstratividade, o que leva a um entendimento vago, impreciso e poroso de seu conteúdo, bem como tem ocorrido um abuso do seu emprego. Deve-se tomar cuidado com a utilização desse conceito, pois o seu uso incauto pode-lhe provocar uma anemia significativa. De modo, que não é incomum, no Brasil, as duas partes de determinada contenda invocar, a um só tempo, o princípio da dignidade da pessoa humana. Desse modo, cabe a Bioética clarificar, também, a palpitante pergunta: O que significa dignidade humana?
Logicamente, não se busca um conceito fechado, hermético e refratário da dignidade humana, mas necessitamos limitar a sua imensidão de indeterminações, paradoxos e demasiada polissemia[2]. No âmbito da Bioética – balizada pela ideia do consentimento livre e esclarecido dos pacientes - prevalece uma concepção de dignidade humana sob o enfoque da autonomia e da identidade, conforme explicita uma decisão paradigmática da Corte Constitucional da Colômbia[3] acerca da inconstitucionalidade da vedação da eutanásia:
En Colombia, a la luz de la Constitución de 1991, es preciso resolver esta cuestión desde una perspectiva secular y pluralista, que respete la autonomía moral del individuo y las libertades y derechos que inspiran nuestro ordenamiento superior.
La decisión, entonces, no puede darse al margen de los postulados superiores. El artículo 1 de la Constitución, por ejemplo, establece que el Estado colombiano está fundado en el respeto a la dignidad de la persona humana; esto significa que, como valor supremo, la dignidad irradia el conjunto de derechos fundamentales reconocidos, los cuales encuentran en el libre desarrollo de la personalidad su máxima expresión (COLOMBIA, 1997, p.9).
Apesar das controvérsias no campo da Bioética, o conceito de dignidade humana assume uma significação relacionada à autonomia e a identidade. Dessa maneira, depreendem-se desta orientação quatro elementos do conceito enquanto autonomia, a saber:
Em síntese, tem se que um dos conteúdos atribuídos à expressão dignidade humana é a dignidade como autonomia, que, além de ser apresentado como o fundamento e a justificação dos direitos fundamentais e dos direitos humanos, é composto dos seguintes elementos: (a) a capacidade de autodeterminação; (b) as condições e as circunstâncias para florescimento da capacidade de autodeterminação; (c) a universalidade; (d) a inerência da dignidade ao ser humano (MARTEL, 2010, P.161-162).
Sob os comandos normativos dos saberes da Bioética, paulatinamente versados em documentos internacionais, o Brasil, em 1995 – visando preconizar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado constante no art.225[4] da nossa Carta Política – promulgou a lei n° 8.974/95 (Lei de Biossegurança). A lei regulamentava técnicas de engenharia genética, bem como autorizou a criação, pelo Poder Público, da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança. Posteriormente, a supracitada lei foi revogada pela lei 11.105/05, que foi objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) proposta pelo então Procurador-Geral da República Cláudio Lemos Fonteles. A ADIN tinha como alvo o art.5º[5], da lei 11.105/05 que, segundo o autor da ação, contrariava “a inviolabilidade do direito à vida, porque o embrião humano é vida humana, e faz ruir fundamento maior do Estado Democrático de Direito, que radica na preservação da dignidade da pessoa humana”.(BRASIL, 2008, p.2).
Por maioria absoluta, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a compatibilidade do dispositivo da lei 11.105/05 com a Constituição, dada a sintonia entre o texto legal e o princípio da dignidade humana. Nesse sentido, é o voto do ministro Carlos Ayres Britto:
Já diante de um embrião rigorosamente situado nos marcos do art. 5º da Lei de Biossegurança, o que se tem? Uma vida vegetativa que se antecipa a do cérebro. O cérebro ainda não chegou, a maternidade também não, nenhum dos dois vai chegar nunca, mas nem por isso algo oriundo da fusão do material coletado em dois seres humanos deixa de existir no interior de cilíndricos e congelados tubos de ensaio. Não deixa de existir pulsantemente (o ser das coisas é o movimento, assentou Heráclito), mas sem a menor possibilidade de caminhar na transformadora direção de uma pessoa natural. A única trilha que se lhe abre é a do desperdício do seu acreditado poder de recuperar a saúde e até salvar a vida de pessoas, agora sim, tão cerebradas quanto em carne e osso, músculos, sangue, nervos e cartilagens, a repartir com familiares, médicos e amigos as limitações, dores e desesperanças de uma vida que muitas vezes tem tudo para ser venturosa e que não é. (BRASIL, 2008, p. 62).
É preciso destacar que a liberdade de criação científica (art.5º, IX, C.F.) constitui-se como um direito fundamental resguardado pela Constituição Federal, mas tal direito deve se conciliar com outros comandos previstos no próprio texto constitucional, como, por exemplo, a vida (art. 5 º, caput); a integridade física (art. 5 º, III); a diversidade e a integridade do patrimônio genético do país (art.225, §1º, II) e, sobretudo, o princípio da dignidade humana (art.1 º, III) (FERNANDES, 2005). De igual modo, a atuação médica e as pesquisas científicas devem estar pautadas pelos princípios da autonomia, da beneficência[6], da não-maleficência, da justiça[7], da qualidade de vida e da alteridade. (FERNANDES, 2005).
3. REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA HOMÓLOGA E HETERÓLOGA
O fascínio da sociedade pela reprodução humana é algo evidente, no mínimo, desde os primórdios da cultura grega, na qual já havia documentos e narrativas mitológicas em torno do tema. Segundo a mitologia grega, por exemplo, Perseu teria sido o primeiro homem “a nascer por meio de inseminação artificial, pois Zeus fecundara Danae, a filha de Aerísio, que fora enclausurada para não ter o filho que mataria o avô e usurparia o trono”. (BARBOZA, 1993, p.32).
No decorrer da história, a humanidade tentou resolver o problema da infertilidade, mas somente[8] em 1978, por meio da técnica de fertilização in vitro, que se viabilizou o primeiro “bebê de proveta”. No Brasil, o primeiro bebê nasceu na cidade de São José dos Pinhais no dia 7 de outubro de 1984. Desde então, a procura pelas técnicas de RHA aumenta exponencialmente em vários países. (SCALQUETE, 2010)
Cabe pontuar, aqui, a conceituação de infertilidade para fins médicos. De acordo com o Manual de Reprodução Humana da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, há infertilidade quando não ocorre gravidez em casal que mantenha relações sexuais frequentes durante o período fértil, sem proteção contraceptiva, por pelo menos 1 ano. Dessa maneira, normalmente a investigação do casal infértil inicia-se após pelo menos um ano de relações sexuais sem gravidez. E a análise do histórico clínico do paciente definirá a infertilidade como primária (paciente que nunca engravidou) ou secundária (engravidou uma vez, mesmo com outro parceiro). (FEBRASGO, 2011).
Também é justificável uma investigação antes de um ano nos casos de mulheres com mais de 35 anos, ciclos menstruais irregulares, história de doença inflamatória pélvica, diagnóstico ou suspeita de endometriose, cirurgias abdominais anteriores e problemas masculinos conhecidos. A infertilidade não é algo tão raro na sociedade e é um problema comum a ambos os gêneros. Afinal, um em cada seis casais tem problemas de infertilidade. Sendo relevante destacar que a infertilidade masculina como causa primária, ou associada, há em aproximadamente 50% desses casos. (FEBRASGO, 2011).
Após o diagnóstico pelo profissional médico da causa[9] da infertilidade, dever-se-á indicar a técnica de RHA mais adequada ao caso. Entre as técnicas mais correntemente utilizadas destacam-se: Inseminação Artificial Intrauterina; Fecundação in vitro; Transferência Intratubária de Gametas; Transferência Intratubária de Zigoto; Injeção Intracitoplasmática do Espermatozoide. Uma análise da frequência do uso das técnicas de RHA nos laboratórios ao redor do mundo demonstra que atualmente 70% dos procedimentos na Europa correspondem à Injeção Intracitoplasmática do Espermatozoide e 30%, à Fertilização in vitro. Em alguns países como Espanha e Turquia, a Injeção Intracitoplasmática do Espermatozoide é executada em mais de 80% dos casos. Já há evidências que, na maioria dos casos clínicos, a Fertilização in vitro é mais efetiva que a Injeção Intracitoplasmática do Espermatozoide, mas o custo é maior. (FEBRASGO, 2011, p.59).
A reprodução humana assistida pode ocorrer de forma homóloga ou heteróloga. Na primeira se dá a utilização dos materiais genéticos dos próprios cônjuges; na segunda se utiliza, pelo menos, o material genético de um doador. Nessa situação cenário emerge uma inquietude: como lidar com o direito à herança da criança gerada – por fecundação artificial homóloga – com o material genético de um depositante falecido?
4. AS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS DA FECUNDAÇÃO HOMÓLOGA POST MORTEM
No Brasil, até a presente data, não há legislação específica a respeito da RHA. Tramitam no Congresso Nacional, há anos, diversos projetos a respeito do assunto, mas nenhum deles chegou a termo.
Vale lembrar que, embora não exista uma legislação específica acerca do tema, o CFM tenta trazer maior segurança e eficácia a tratamentos e procedimentos médicos ao condicionar a reprodução assistida post mortem à autorização prévia específica do falecido para o uso do material biológico criopreservado. (Resolução nº. 2.168/17 do CFM). Ademais, também estabelece a Resolução que, no momento da criopreservação, os pacientes devem manifestar sua vontade, por escrito, quanto ao destino a ser dado aos embriões criopreservados em caso de falecimento de um deles ou de ambos.
Mesmo assim, saliente-se que a Resolução é uma norma ética de conduta médica para utilização das técnicas de RHA, e não uma norma jurídica, motivo porque a ausência de uma legislação específica faz com que a fecundação artificial post mortem gere controvérsias jurídicas ainda não pacificadas. É nessa linha que adverte SCALQUETTE (2010, p.74-75):
No caso de se permitir a fecundação da mulher com sêmen congelado de seu marido, já falecido, estaremos diante da escolha entre duas soluções: ou diremos ao recém-nascido que seu direito à herança não existe visto que seu pai já faleceu e, em decorrência desse fato, poderemos ter filhos pobres de pais ricos; ou retornaremos os bens que poderiam já estar partilhados para que pudéssemos proceder à nova divisão, o que acabaria por causar uma enorme insegurança jurídica.
Sabemos que o direito à herança integra o rol de direitos fundamentais, devidamente expresso no art. 5º, XXX, da CF[10]. Contudo, em torno do art. 1.597[11], III, do CC, ainda circunda uma discussão palpitante, qual seja: a constatação – ou não – da possibilidade do direito à herança, presumido a partir da paternidade do cônjuge mesmo após a sua morte. O ponto controvertido surge no caso da não existência de uma autorização expressa do falecido permitindo a utilização de seu material genético pelo cônjuge.
A despeito da inquietude aduzida acima, no caso de a implantação ocorrer antes da morte do cônjuge, em regra, os direitos de herança do concebido estão protegidos legalmente. Porém, caso a implantação tenha sido efetuada pela viúva após a morte do ex-marido[12] é possível que o concebido não tenha o direito à herança respaldado pela lei, principalmente, se o detentor do material genético não ter concordado com tal prática por meio de testamento, instrumento público ou instrumento particular com firma reconhecida.
É bem verdade que art. 1.597, III, do CC, reconhece a presunção de paternidade do falecido se o concebido for gerado “por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido”(Art. 1.597, III, C.C.). Contudo, o texto normativo foi omisso no tocante a outros direitos fundamentais da criança, como é o caso do direito à herança. Tal situação poderá suscitar efeitos nocivos[13] à futura criança, podendo-a submeter a cenários de hipossuficiência, ainda que os seus irmãos – detentores de parcelas da herança – sejam demasiadamente ricos.
Claro está que a lacuna deixada pelo art. 1.597 do CC ensejou uma grande divergência doutrinária, fomentando uma maior discussão em torno de propostas legislativas que buscam dirimir a insegurança jurídica provocada pelo silêncio normativo. Destacam-se, nesse sentido, os seguintes projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional: Pl.n. 90/99; Pl.n. 2.855/97; Pl.n. 1.184/03.
O Projeto de lei n.90/99 determina o descarte do material genético dos depositantes e dos doadores logo após a sua morte, podendo punir, a quem utilizar os gametas do depositante ou doador falecido, com uma pena de um a três anos de reclusão. Além disso, no caso de uso ilegal de gameta oriundo de individuo falecido antes da fecundação, a criança não se beneficiará de efeitos patrimoniais e sucessórios em relação ao falecido.
Já o Projeto de lei n.2.855/97, em seu art.23 adverte que: “É vedado o reconhecimento da paternidade, ou qualquer relação jurídica, no caso de morte de esposo ou companheiro anterior à utilização médica de alguma técnica de RHA, ressalvados os casos de manifestação prévia e expressa (grifo nosso) do casal”.
No Projeto de lei n.1.184/03[14], consta a determinação do descarte obrigatório do material genético do depositante, salvo se houve manifestação de sua vontade, expressa em documento de consentimento livre e esclarecido ou em testamento, possibilitando a utilização póstuma de seu material genético.
5. DEMAIS CONSIDERAÇÕES SOBRE A QUESTÃO SUCESSÓRIA
No que tange à fecundação homóloga artificial post mortem, perfilhamos na orientação que para fins sucessórios é fundamental a autorização do de cujus para que ocorra a utilização do seu sêmen após a sua morte, bem como que fixe um prazo de espera do nascimento dos filhos.
Na ausência de uma manifestação expressa do falecido, o filho gerado após a morte do falecido deverá ter o direito ao estado de filiação preconizado, por força do art. 227[15]; caput e §6º; da C.F. Não obstante, o reconhecimento do direito à herança não pode ficar sob os arbítrios imprevisíveis da vontade da viúva, sob pena de uma indefinição temporal afetar a partilha da herança e ferir a segurança jurídica.
Ademais, como poderíamos sair do impasse em que de um lado temos os herdeiros já nascidos ao tempo do falecimento do autor da herança; e do outro lado temos os seres não nascidos, mas presumidamente reconhecidos como filhos e que podem ter seus direitos limitados. Qual seria o prazo para que os direitos sucessórios dos filhos não concebidos ou não implantados – no caso de embriões criopreservados – sejam preservados? Pois os herdeiros já nascidos não podem ficar ad infinitum à espera do nascimento dos herdeiros que encontram-se criopreservados.
Uma possível resposta é a utilização do prazo do art.1.800, §4.º, do Código Civil, que prevê o prazo máximo de dois anos para concepção do filho de um terceiro que foi lembrado e beneficiado pelo testador, desde que, no momento da abertura da sucessão, as pessoas à concebê-lo estejam vivas. Observe: “art.1.800. (...) §4.º Se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão (grifo nosso), não for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador, caberão aos herdeiros legítimos”. Na hipótese desse artigo, o testador dá uma espécie de salto, passando por cima dos genitores, contemplando os filhos que estes tiverem, e se tiverem. Se os filhos, ainda não concebidos, não puderem mais ser concebidos, pela morte, por exemplo, da pessoa indicada, que iria gerá-los, a disposição testamentária é ineficaz. Os filhos, que poderiam ter vindo, não vieram, e é impossível que venham. Frustrou-se a expectativa. Os bens que seriam desses filhos passam aos herdeiros legítimos do testador, ao tempo da abertura da sucessão. (DINIZ, 2010).
No caso aduzido pelo exposto acima, “o herdeiro esperado” não é filho do de cujus. O que torna a ausência legislativa muita mais gravosa, pois a tutela sucessória dos potenciais filhos do autor da herança, a nosso ver, deveria ser mais abrangente que a tutela ao direito sucessório do potencial filho de um terceiro.
Scalquette (2010), por sua vez, propõe uma solução por meio da aplicação dos dispositivos constantes na Lei de Biossegurança (lei n.º11.105/05). O art.5º desta lei que, conforme já foi visto teve a sua constitucionalidade corroborada pelo STF no ano de 2008, preleciona:
Art. 5º É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I – sejam embriões inviáveis; ou II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento (grifo nosso).
Os prazos previstos no art.5º da já referida lei refere-se à utilização dos embriões para pesquisas e terapias, ressaltando que os prazos valem para os embriões que já se encontravam congelados na data da publicação da supracitada lei. Para Scalquette (2010), o prazo de três anos é um limite temporal razoável para a decisão do cônjuge sobrevivente. Nessa linha de análise, é imprescindível que o depósito de material genético pelo cônjuge falecido - para uma posterior fecundação após a morte – tenha ocorrido de uma forma livre e esclarecida. Portanto, o prazo de três anos não é demasiadamente longo a ponto de prejudicar os herdeiros já existentes à época do falecimento, bem como “não é demasiadamente curto a ponto de forçar o possível genitor sobrevivente, ainda sob as dores do luto, a se submeter ao procedimento necessário para que a criança fosse gerada”. (SCALQUETTE, 2010, p.215-216).
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apresenta-se como indispensável, a cada dia, disciplinar os limites das práticas médicas e científicas. Tal necessidade e as suas consequências representam o desejo de controle democrático do processo de inovação biotecnocientífica e dos seus parâmetros de licitude. A Bioética e o Biodireito não devem assumir um viés ultrapassado, hermético e estanque, em vez disso deverão nortear uma preocupação ecológico-cultural para com as transformações das condições de existência. O caráter transformador de repensar as dimensões éticas, ideológicas e simbólicas do progresso científico caracteriza a Bioética e o Biodireito como o reflexo do éthos da civilização biotecnológica do século XXI..
No tocante às tecnologias reprodutivas, a maior preocupação foi a de instalá-las no Brasil, muito embora não tenha ocorrido a consolidação de um arcabouço jurídico capaz de regular todas as situações controvertidas. Outrossim, a falta de legislação específica sobre as técnicas de RHA implica na irrupção de vários problemas de cunho ético-sociais[16], como, por exemplo, a venda de material genético; a cessão onerosa de útero, a seleção eugênica de embriões, etc. O problema se agrava quando problematizarmos que a Lei 11.935/09 estabelece que os planos de assistência de saúde devem arcar com os custos do atendimento nos casos de planejamento familiar, estando incluído, efetivamente, as técnicas de reprodução humana assistida. Ampliando o uso de tais técnicas pela população.
O problema é agravado sobremaneira, como vimos, quando se discute os direitos fundamentais da criança gerada por meio de um processo de fecundação artificial homóloga post mortem. A ausência legislativa para disciplinar os prazos para a realização da fecundação e/ou implantação, a destinação do material genético do depositário falecido e os instrumentos necessários para a permissão – ou não – de uma fecundação artificial homóloga post mortem provoca nos meandros das relações de famílias danos incomensuráveis.
É por isso que insistimos na elaboração de uma legislação específica, pois o respaldo ético do CFM não é suficiente diante da propagação de um sério processo de mercantilização e privatização do patrimônio genético humano.
7. REFERÊNCIAS
ANDORNO, Roberto. The paradoxical notion of human dignity. Persona – Revista Electrónica de Derechos Existenciales, n.9, set. 2002. Disponível em: http://www.revistapersona.com.ar/Persona09/9Andorno.htm. Acesso em: 28 de mai. 2020.
AZEVEDO, Marco Antonio Oliveira de. Bioética fundamental. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2002.
BARBOZA, Heloisa Helena. A filiação em face da inseminação artificial e da fertilização “in vitro”. Rio de Janeiro: Renovar, 1993.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
BRASIL. STF. ADIN Nº. 3.510.0 – DF. Rel.min. Carlos Britto, j. 29.05.08.
COLOMBIA. Sentencia C 239/97. Demanda de Inconstitucionalid contra el artículo 326 del decreto 100 de 1980 – Código Penal. Magistrado Ponente: dr. Carlos Gaiviria Diaz. 20 de mayo de 1997. Disponível em: http://190.41.250.173/RIJ/BASES/dcp/c-239-97.pdf. Acesso em: 30 de jun. 2020.
CRUZ, Iveline Fonseca da. Efeitos da Reprodução Humana Assistida. São Paulo: SRS Editora, 2008.
DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
FEBRASGO. Manual de Reprodução Humana da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. 2011. Disponível em: https://www.febrasgo.org.br/images/arquivos/manuais/Manuais_Novos/Manual_de_Reproducao_-Humana.pdf . Acesso em: 1 de jul. 2020.
FERNANDES, Silvia da Cunha. As técnicas de reprodução humana assistida e a necessidade de sua regulamentação jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução Humana Assistida e suas Conseqüências nas Relações de Família. Curitiba: Juruá, 2009.
JÚNIOR, Gualter de Souza Andrade. O fato e a responsabilidade por prática biomédica: uma visão ontológica. In: Sá, Maria de Fátima Freire de (Coord.). Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.
MARTEL, L. C. V. M. Direitos Fundamentais Indisponíveis – Os Limites e os Padrões de Consentimento para a Autolimitação do Direito Fundamental à Vida. 2010. Tese(Doutorado). Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro.
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais – Teoria Geral – Comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil – Doutrina e Jurisprudência, v.3 (Coleção Temas Jurídicos). 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1998.
MOREIRA, Manoel de Almeida. Compêndio de reprodução humana. Rio de Janeiro: Revinter, 2002.
SCALQUETTE, Ana Claúdia S. Estatuto da Reprodução Humana Assistida. São Paulo: Saraiva, 2010.
WIDER, Roberto. Reprodução Assistida: Aspectos do Biodireito e da Bioética. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2007.
[1] Vale lembrar, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos proclamada pela Resolução n° 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas também reconhece a dignidade da pessoa humana como valor inerente a todos os membros da família humana e como fundamento da justiça, da liberdade e da paz no mundo.
[2] A busca de argumentos mais concisos, coerentes e íntegros correspondentes a dignidade humana visa fortalecer o conceito e, mormente, evitar o seu uso desmedido, inflacionário e significativamente anêmico. Principalmente nas práticas biomédicas, conforme nota. (ANDORNO, 2002).
[3] É preciso salientar que tal foi o posicionamento majoritário da Corte. Nos votos de dissidência a proposta de entender a dignidade humana como autonomia foi muito criticada. Ao defender a posição majoritária, foram mencionados julgados anteriores da Corte, nos quais a dignidade como autonomia foi a concepção prevalente (MARTEL, 2010, p.161).
[4] “Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente” (Art. 225; § 1º; incisos II e V).
[5] Art. 5º. É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I – sejam embriões inviáveis; ou II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento. § 1º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. § 2º Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa. § 3º É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei n º 9. 434, de 4 de fevereiro de 1997(Art. 5º, lei 11.105/05).
[6] A tradição hipocrática oriunda da Escola de Hipócrates, do século V a.C. Já arrematava que a Ética Médica baseia-se em dois deveres absolutos, considerados necessários e suficientes para determinar se o agir do médico é ou não correto e se não constitutivos da assim chamada deontologia médica. Trata-se dos deveres de não maleficência e de beneficência. (FERRAZ, 2009, p.26).
[7] Segundo o princípio da justiça, no tocante ao fornecimento dos serviços de saúde, independentemente da condição socioeconômica do paciente, não deverá ocorrer discriminação, dado que é dever do Estado fornecer os atendimentos médicos necessários à saúde do paciente, independente dos custos. Conforme reza o art. 196, da C.F.: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”.
[8] Acredita-se que o veterinário Ivanoff foi o precursor da técnica moderna da reprodução assistida, sendo o médico inglês John Hunter, responsável, em 1790, pela primeira realização, com sucesso, do procedimento. (SCALQUETE, 2010, p.57).
[9] As causas de esterilidade podem ser masculinas e femininas. As causas femininas são subdivididas em tuboperitoneal; uterina corporal; endócrina e, quando não se detecta a causa ela é denominada como causa idiopática. As causas masculinas decorrem, especialmente, da ausência ou diminuição da concentração de espermatozoides. Não se pode olvidar que, quando a causa da esterilidade é desconhecida, aspectos emocionais e ambientais devem ser considerados como possíveis responsáveis pelo problema. (SCALQUETTE, 2010, p.63-64).
[10] C.F.; art. 5º; inc. “XXX – É garantido o direito de herança”.
[11] C.C./02; Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
[12] Nos termos do art. 1.571, inc. I, do Código Civil; a sociedade conjugal termina com o falecimento de um dos cônjuges, acabando-se assim o vínculo matrimonial.
[13] A situação nesse contexto é tão penosa para a criança que, evitando tais problemas, a legislação alemã pune com reclusão de até três anos quem realiza a fecundação de um óvulo com esperma de um homem falecido; e na Austrália, a lei n.30/90 determina que o filho gerado após o falecimento do cônjuge não será considerado filho do falecido. Na Espanha é vedada a inseminação após a morte e esclarece que, se realizada, só haverá vínculo de filiação se houver consentimento expresso do marido por instrumento público ou testamento. Nos Estados Unidos, não há uma legislação única – porque cada Estado-membro apresenta sua própria; alguns são permissivos e outros, proibitivos. Contudo, encontrando dificuldade em um Estado, o casal poderá migrar para outro para realizar esse tipo de técnica (CRUZ, 2008, p.139). Na Inglaterra, a inseminação post mortem é permitida, mas não se garante o direito à sucessão, exceto se houver documento expresso nesse sentido; na França o consentimento para o tratamento de reprodução humana fica sem efeito se o homem vier a morrer. (DINIZ, 2010, p.576 – 577).
[14] No projeto de lei n.1.184/03, de autoria do Deputado Colbert Martins, que dispõe sobre reprodução assistida, foram apensados, por força das disposições regimentais, cinco proposições, a saber: Pl.n. 2.855/97; Pl.n. 4.665/01; Pl.n. 120/03; Pl.n. 1.135/03; Pl.n. 2.061/03.
[15] C.F./88; Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (...)§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
[16] A revista Veja, edição 2.059, ano 41, n.18, de 07 de maio de 2008, p.140-143, traz reportagem com o seguinte título: “Gravidez a Soldo” que relata: No Brasil, o aluguel de uma barriga é permitido somente em caráter solidário. Ou seja, entre mulheres com algum vínculo afetivo e sem a presença de dinheiro. Assim determinam as normas dos conselhos regionais de medicina. Na prática, porém, a história é outra. Dos 170 centro brasileiros de medicina reprodutiva, 10% oferecem às clientes um cadastro de mulheres dispostas a locar o útero e receber por isso. As incubadoras humanas também podem ser facilmente encontradas na internet, em sites gratuitos de classificados “por motivos financeiros, estou disposta a alugar minha barriga para pessoas que queiram ter filhos e não podem”, anuncia uma dona de casa do interior de São Paulo. (FERRAZ apud Veja, 2009, p.33).
Oficial de Justiça Avaliador Federal. Especialista em Direito Processual do Trabalho. Mestrando em Direito pela UFPEL.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MAMEDE, Alex Jordan Soares Monteiro. Bioética, biodireito e as controvérsias em torno da fecundação artificial post mortem Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 jul 2020, 04:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/54908/biotica-biodireito-e-as-controvrsias-em-torno-da-fecundao-artificial-post-mortem. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Luccas Augusto Barbosa Dias
Por: Mauricio Neves Arbach
Precisa estar logado para fazer comentários.