RESUMO: A Carta Magna consagra a autonomia dos Estados-membros de auto-organização, autolegislação, autogoverno e autolegislação. A liberdade de instituir e conceder isenção do ICMS é uma das formas do exercício dessa autonomia. Entretanto, o poder constituinte originário delineou algumas limitações ao legislador estadual por meio princípios sensíveis, estabelecidos e extensíveis com base em norma de repetição obrigatória. A limitação à criação de benefícios de ICMS se revela tanto na relação entre os Estados-membros, como ocorre na substituição tributária, na divisão da arrecadação; quanto entre o Estado-membro e seus municípios, quando concede isenção fiscal sem a reserva da cota parte do ente menor. É nesse ponto que o presente trabalho se projeta, destacando os Temas de Repercussão Geral 42 e 653 do STF, matéria ainda pendente de julgamento no Tema de Repercussão Geral 1.172. Não se sabe como a Suprema Corte decidirá e qual tese irá prevalecer. Nesse sentido, o presente trabalho destacou os pontos fulcrais da discussão, demonstrando que os Estados-membros defendem a posição que se nada foi arrecado, não se deve garantir a cota parte dos municípios tampouco pode se limitar a autonomia do Estado-membro, ao passo que os municípios argumentam não estarem interferindo na autonomia do Estado-membro, exigindo apenas a reserva da cota parte, com a aplicação do Tema 42. Em outras palavras, para os municípios, a atuação do Estado-membro é uma aplicação de um adágio popular, que diz: “fazer cortesia com o chapéu alheio”.
Palavras-chave: autonomia do Estado-membro; ICMS, benefícios fiscais; repartição de receita; temas do STF em Repercussão Geral.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Autonomia dos Estados-membros e sua repercussão na seara tributária; 3. ICMS (substituição tributária, divisão de imposto e concessão de isenções e incentivos); 4. Repartição de receitas do ICMS, IPI e IR; 5. Tema de Repercussão Geral do STF 1.172; 6. Conclusão; Referências.
Não há como falar em autonomia do ente federativa sem concedê-lo autonomia financeira por meio de competências de instituir e cobrar tributos ou por meio de repartição de receitas ou divisão por meio de fundos específicos, a exemplo do Fundo de Participação dos Municípios de Fundo de Participação dos Estados.
Nesse sentido, a Constituição Federal estatui no seu art. 18, caput, que a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil é compreendida pela União, Estados, Distrito Federal e municípios. Quanto aos Estados-membros, a autonomia financeira, como uma das espécies de autonomia, é garantida por meio da criação de tributos, sobretudo do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), maior fonte de arrecadação de receita derivada desses entes políticos.
Conforme o art. 155, inciso II, da CF/88, o referido imposto possui como fato gerador as operações relativas à circulação de mercadorias e sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações tenham início no exterior. Apesar de ser a maior fonte de arrecadação do Estado – membro, uma vez que incide direto nas relações de consumo, na prestação de serviço e na venda de mercadorias, parte do valor arrecadado pelo Estado-membro é dividido com os municípios.
Na Constituição atual, o percentual destinado aos municípios é de 25% (vinte e cinco por cento), sendo que desse percentual, 65% (sessenta e cinco por cento) é dividido, no mínimo, na proporção do valor adicionado, ao passo que 35% (trinta e cinco por cento) de acordo como estabelecer a lei estadual, observado o percentual de 10 pontos a serem distribuídos de acordo com os indicadores de melhoria nos resultados de aprendizagem e de aumento da equidade, levando em conta o nível socioeconômico dos educandos. Como se pode perceber, a Constituição assevera a expressão “produto da arrecadação”. Isso deixa antever que se o Estado não arrecadar nada, como na concessão de incentivos fiscais e isenções, não se deveria resguardar a cota parte dos municípios.
Nesse trilhar, consoante o art. 175, inciso I, do Código Tributário Nacional (CTN), a isenção é uma das formas de extinção do crédito tributário. Na verdade, conforme se verá na doutrina citada sequer haverá a constituição do crédito tributário, uma vez que o instituto impede o lançamento do tributo. Nesse esteio, a indagação que fica é a seguinte: O Estado-membro é obrigado a assegurar a cota parte dos municípios? Se aplica ao ICMS o mesmo entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em relação ao Imposto de Renda (IR) e Imposto sobre Produto Industrializado (IPI), em que a concessão de isenção está no campo da discricionariedade e autonomia da União, sem repercussão na cota?
De antemão, o que se tem são dois Temas do STF, quais sejam, o 42 referente ao ICMS e o 653 destinado a regrar as isenções de IPI e IR. O primeiro não consta nenhuma observação quanto à cota parte dos municípios, enquanto que o segundo, expressamente, exclui-o, o que é compreensivo, uma vez que os valores repassados pelo Fundo de Participação dos Municípios e pelo Fundo de Participação do Estado se mantém igualitário, diferente do ICMS em que pode observar uma situação de desigualdade, uma vez que a maior parte da divisão é baseada no valor agregado das operações realizadas no âmbito municipal.
O STF possui decisões divergentes. Diante desse quadro, a Suprema Corte reconheceu Repercussão Geral no RE nº 1288634/GO, Tema 1.172. Não se sabe qual tese será a vencedora, a dos municípios, os quais defendem a aplicação do Tema 42, originariamente construída para ser aplicada ao ICMS, ao passo que os Estados defendem a Tese 653, que, originariamente, foi assentada para o IPI e IR, por lhes ser mais benéfica e por entenderem que possui a mesma ratio daquela que foi pensada para o IPI e IR, em que não há tributo arrecadado.
Diante desse quadro, o presente trabalho, com base na literatura fará uma revisão da bibliografia sobre os aspectos atinentes os assuntos tratados, assim como analisará os temas do STF, com vistas, depois da análise dos direitos contrapostos, apresentar o que se tem de concreto até o momento, em face da matéria pendente de julgamento na Suprema Corte.
2.AUTONOMIA DOS ESTADOS-MEMBROS E SUA REPERCUSSÃO NA SEARA TRIBUTÁRIA
O art. 1º da Constituição Federal de 1988 assevera que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, ou seja, vedando prima face a secessão. Por sua vez, o art. 18, caput, da Carta Magna assevera que a organização político-administrativa da Federação compreende os entes políticos, detentores de autonomia. Por último, o art. 25 da CF/88 destaca que os Estados são regidos pela Constituição e pelas leis que adotarem e, em seguida, destacar o art. 11 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição (ADCT), em que o poder constituinte originário determinou que os Estados-membros elaborassem as suas próprias constituições, no prazo de 01 (um) ano, contado da promulgação da Constituição Federal.
Para garantir a sua autonomia tributário-financeira, além da competência comum aos demais entes quanto à criação de taxa e de contribuição de melhoria (art. 3º do CTN), assim como de contribuição sobre remuneração de servidores para a regime próprio (art. 149, § 1º, da CF/88), o art. 155, incisos I, II e III, da Constituição Federal de 1988 estabelece que os Estados-membros podem criar os seguintes impostos sobre: transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos (ITCMD); operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior (ICMS); e propriedade de veículos automotores (IPVA).
Diante desse quadro normativo, Novelino e Cunha Júnior (2021, p. 307) ensinam que a Constituição de 1988 atribuiu ao Estados-membros as capacidades de auto-organização, autolegislação, autogoverno e autoadmininstração. Em relação à primeira capacidade, trata-se da organização por suas Constituições. Já em relação à segunda, os Estados-membros podem legislar sobre assunto relacionado ao seu interesse. No que pese ao autogoverno, revela-se com a possibilidade de os Estados federados elegeram seus governantes. Por último, no que concerne à autoadministração, significa que esses entes políticos organizarão suas próprias administrações, serviços públicos e servidores.
Entretanto, os Estados-membros não possuem soberania e estão submetidos ao que foi delineado pelo poder constituinte originário. Nesse ponto, destacam os autores mencionados que esses entes políticos podem sofrer limitações na sua autonomia, a exemplo da intervenção federal, assim como o poder constituinte derivado decorrente deve obedecer aos princípios constitucionais sensíveis, princípios constitucionais extensíveis e princípios constitucionais estabelecidos consagrados na Carta Política pelo poder constituinte originário.
O autor Lenza (2022, p. 415-416), citando Uadi Lammêgo Bulos, advoga que os princípios sensíveis, expressão nominada por Pontes de Miranda, são aqueles fixados na Constituição Federal no art. 34, inciso VII, alíneas “a” a “e”, os quais podem ensejar a intervenção federal por meio do ajuizamento de uma ADI interventiva e aos quais os Estados-membros devem obediência ao editar suas Constituições e leis.
Noutro giro, os princípios constitucionais estabelecidos ou organizatórios, segundo o aludido autor, são aqueles que vedam, limitam e proíbem a livre ação do poder constituinte derivado decorrente, colocando fincas sobre a capacidade de auto-organização do Estado. Essa limitação se manifesta por meio de limites explícitos vedatórios, quanto aos procedimentos vedados pelo poder constituinte; limites explícitos mandatórios, no que diz respeito à liberdade de manifestação; limites inerentes, tácito ou implícito, que vedam a invasão de competência do Estados-membros; limites decorrentes, que decorre da necessidade de observar o princípio federativo, o Estado democrático de direito e o princípio republicano.
Por último, os princípios constitucionais extensivos são os que integram a estrutura da federação, a exemplo, do processo legislativos, orçamentos, os preceitos relacionados à Administração Público. No caso da federação brasileira, no seu art. 34, inciso VII, alíneas “a” a “e”, demarca os princípios sensíveis, entre os quais se encontram a autonomia municipal, que deve ser observada pelos demais entes, sobretudo no que pese a repartição, de forma a garantir a sua autonomia econômica e tributário-financeiro. Ademais, o mesmo artigo citado, mas no inciso V, alínea “b”, reforça essa preocupação, ao estabelecer que o Estado-membro pode sofrer intervenção federal caso deixe de entregar aos municípios receitas tributárias fixadas na constituição e dentro do prazo fixado em lei, conforme Lenza (2022, p. 773).
Além da observância das limitações delimitadas pelo poder constituinte originário que devem ser observadas pelo poder constituinte derivado decorrente, é salutar destacar a diferenciação tratada pela doutrina e jurisprudência acerca das normas de repetição obrigatória e normas de mera imitação. As primeiras decorrem do caráter compulsório da norma superior, no caso a Constituição da República, ao passo que as segundas, seguem as normas superiores por influência ou sugestão por meio de uma adesão voluntária, conforme leciona Lenza (2022, p. 787). Esse destaque é importante porque para o STF, mesmo que a norma de repetição obrigatória não esteja expressamente reproduzida na Constituição estadual, caberá o controle de constitucionalidade abstrato na Suprema Corte (RE 650.898, j. 01/02/2017, DJe 24/08/2017).
Como se percebe, os Estados-membros possuem autonomia e capacidade delineada na Constituição inclusive para criar imposto, a exemplo do ICMS, e, por simetria, para conceder de isenção. Dessa forma, a Constituição Federal de 1988 veda, no seu art. 151, inciso III, a isenção heterônoma por parte da União, situação segundo a qual o ente diferente daquele que detém competência para criar faria a dispensa legal do tributo, como uma forma de exclusão do tributo. Todavia, há dispositivos no Código Tributário Nacional que ainda mantém a previsão da possibilidade no campo da moratória, segundo a observação de Sabbag (2020, p. 342):
Heterônoma: concedida pela União quanto a tributos de competência dos Estados, Distrito Federal e Municípios. Nesta modalidade, a União deve, simultaneamente, conceder a moratória a seus tributos e às obrigações de direito privado. Curiosamente, o CTN permite, no campo da moratória, o que a Constituição Federal veda, no campo das isenções. Relembre-se o princípio constitucional da vedação das isenções heterônomas, constante do inc. III do art. 151 da CF.
Para o autor citado, embora não conste na Constituição Federal de forma expressa, a única possibilidade de se conceder isenção heterônoma é relativamente aos tratados e convenções internacionais em que a República Federativa do Brasil atua como pessoa jurídica de direito externo, como pessoa jurídica internacional, ocasião em que o Estado Federado representado pela União, assim como o presidente da república que atua como chefe de Estado, buscam fins maiores, como os acordos de interesses soberanos da nação, atendendo aos propósitos da entidade federada.
Nesse esteio, a autonomia tributária é garantida pela Constituição, não podendo sofrer ingerências de outros entes políticos. Porém, essa garantia não é absoluta, pois sofre
algumas mitigações estabelecidas seja poder constituinte originário, seja pela legislação infraconstitucional, sendo essa reconhecida pelo STF, como é o caso de isenção heterônoma. Ademais, há limitação destacável também quanto ao tributo arrecadado dado o regramento constitucional de repartição de receita derivada, conquanto o ICMS, por ser um imposto com destinação livre, não requer, para a incidência do tributo, qualquer contraprestação por parte dos Estados-membros, mesmo havendo desvinculação do valor arrecado com o gasto público, consoante adverte Leite (2020, p. 175-176).
3. ICMS (SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA, DIVISÃO DE IMPOSTO E CONCESSÃO DE ISENÇÕES E INCENTIVOS)
Conforme a Constituição Federal, no seu art. 155, § 2º, incisos I, II e III, o ICMS será não-cumulativo, podendo ser compensado em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante das operações anteriores pelo mesmo Estado ou pelo Distrito Federal. Em seguida, o dispositivo constitucional adverte que no caso de isenção ou de não incidência, salvo determinação em contrário da lei, não implicará crédito para a compensação e acarretará a anulação de crédito relativo às operações anteriores. Por último, o imposto será seletivo em razão da essencialidade das mercadorias e dos serviços.
Nessa toada, para Sabbag (2020, p. 477), o ICMS é um imposto de competência dos Estados e do Distrito Federal. Ademais, é um imposto plurifásico, por incidir sobre o valor agregado, segundo o princípio da não cumulatividade. Além disso, é um imposto real, uma vez que possui como base de cálculo o valor do bem, sendo despicienda a condição da pessoa que adquire a mercadoria ou o serviço, assim como possui nitidamente o caráter fiscal com alíquotas proporcionais, uma vez que não comporta alíquotas progressivas, porém pode ser seletivo em face da essencialidade do produto ou serviço, o que demonstra a sua faceta de extrafiscalidade.
Nesse trilhar, em acréscimo às hipóteses constitucionais de hipóteses de incidência do imposto já apontadas, a Lei Complementar nº 87/96, denominada de Lei Kandir, dispõe que incide ICMS:
Art. 2º O imposto incide sobre:
I - operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares;
II - prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores;
III - prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza;
IV - fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios;
V - fornecimento de mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao imposto sobre serviços, de competência dos Municípios, quando a lei complementar aplicável expressamente o sujeitar à incidência do imposto estadual.
I - sobre a entrada de mercadoria ou bem importados do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade;
II - sobre o serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior;
III - sobre a entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao Estado onde estiver localizado o adquirente.
Como deixa antever o texto legal, as hipóteses de incidência, muitas vezes, ocorrem em Estado-membro diferente de onde é adquirido ou consumido o produto ou serviço, o que, indubitavelmente, gera a famigerada guerra fiscal, a qual é amenizada pela substituição tributária e pela repartição da tributação entre os Estados, possibilitada pela Emenda Constitucional nº 87/15.
Quanto à substituição tributária, Sabbag (2020, p. 478) ensina que a substituição tributária progressiva (ou “para frente”) é a situação em que um terceiro é escolhido e qualificado pelo legislador para ser responsável tributário, conforme a previsão constante no art. 150, § 7º, da CF/88, em que ocorrerá o recolhimento do tributo de fato gerador presumido, ou seja, que acontecerá no futuro. De outro modo, conceitua a substituição tributária regressiva (ou “para trás”) como aquela que se revela quando o legislador escolhe um terceiro responsável, ao qual incumbirá recolher o tributo das operações anteriores sobre as quais incidem o ICMS, sendo, portanto, o recolhimento diferido. Essa possibilidade de indicação de responsável tributário possui previsão no Código Tributário Nacional, art. 121, parágrafo único, II, do CTN, mesmo que o agente não possua relação direta com o fato gerador.
Nesse ponto, destaque-se que, recentemente, tanto o STF como o STJ admitem a restituição do valor recolhido de ICMS quando o fato gerador presumido ocorre com a base de cálculo inferior a presumida, o que já possível quando o fato gerador presumido não houvesse ocorrido pela redação do art. 150, § 7º, da CF/88, parte final, conforme os excertos destacados abaixo retirados do site Dizer o Direito:
Em adequação ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, é devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida. STJ. 1ª Turma. REsp 687113-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, por unanimidade, julgado em 05/04/2018 (Info 623).
É devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) pago a mais, no regime de substituição tributária para a frente, se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida. STF. Plenário. ADI 2675/PE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski e ADI 2777/SP, red. p/ o ac. Min. Ricardo Lewandowski, julgados em 19/10/2016 (Info 844). STF. Plenário. RE 593849/MG, Rel. Min. Edson Fachin, julgados em 19/10/2016 (repercussão geral) (Info 844).
É indispensável esse destaque para demonstrar que o STF e o STJ rechaçam a conceituação de que, como a substituição tributária veio para dar praticidade à sistemática da cobrança do ICMS, poder-se-ia prejudicar o contribuinte, a despeito do direito de ele ser ressarcimento pela incidência real menor, sob pena de enriquecimento sem causa em favor do Fisco, por força do art. 884 do Código Civil de 2002.
A substituição tributária regressiva possui previsão no art. 8º da Lei Complementar nº 87/96 quando acentua que o imposto devido pelas referidas operações ou prestações será pago pelo responsável da entrada ou recebimento da mercadoria, do bem ou do serviço, da saída subsequente por ele promovida, ainda que isenta ou não tributada, ocorrer qualquer saída ou evento que impossibilite a ocorrência do fato determinante do pagamento do imposto. Diante dessa sistemática, percebe-se que o legislador elegeu um responsável vocacionado a atender à lei pela leitura de que ficaria mais fácil cobrar dele em vez de cobrar de vários outros que faz operações de baixa escala econômica, como ensina Sabbag (2020, p. 479):
Em outras palavras, o fenômeno lastreia-se na conveniência do Fisco, que entende haver no responsável tributário maior aptidão a recolher do ICMS, mesmo que ele não tenha realizado o fato gerador. Exemplo: produtor de leite cru que distribui seu produto para empresa de laticínio. Esta deve recolher o imposto no lugar daquele. O fato gerador ocorre quando o produto sai da fazenda, porém o recolhimento se dá “na frente” (no laticínio), diferindo-se o pagamento.
Ultrapassada essa barreira da substituição tributária progressiva e regressiva, ainda há outra questão objeto de discussão, embora com o advento da Emenda Constitucional nº 87/2015, que dividiu o valor da arrecadação do ICMS entre os Estados-membros, aparentemente tenha colocado uma pá de cal no assunto. Essa divisão de valor arrecadado se refere às vendas online, situação em que o adquirente e o vendedor se encontram em Estados distintos e o adquirente não é contribuinte de ICMS, situação em que ficou o reservado ao Estado de destino da mercadoria ou serviço o ICMS Difal, a diferença da alíquota interna e a alíquota interestadual.
Como foi delimitado pelo poder constituinte derivado, a responsabilidade pelo recolhimento do imposto correspondente à diferença entre as alíquotas interna e a interestadual será do destinatário do produto, quando ele for contribuinte do imposto, ao passo que será o remetente, quando o destinatário não for contribuinte do imposto. Ademais, o imposto será também cobrado da pessoa física ou jurídica, mesmo que não seja contribuinte habitual do imposto, cabendo recolher o imposto o Estado destinatário da mercadoria, bem ou serviço, com dispõe o art. 155, § 2º, CF/88. Nesse esteio, sem embargo das faixas máximas e mínimas das alíquotas do ICMS serem estabelecidas pelo Senado Federal, a ânsia arrecadatória de alguns Estados-membros faz com que a legislação e a jurisprudência mudem ao sabor dos eventos com o intuito de se evitar o proveito na guerra fiscal. Nesse esteio, é importante a atuação da Suprema Corte para fim de barrar esse afã desfreado, como destacado abaixo:
Isso também ocorreu nesse assunto, pois o art. 99 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) previu a divisão do ICMS Difal, ou seja, o valor arrecadado decorrente da diferença entre a alíquota interna e a alíquota interestadual quando a adquirente não for contribuinte do imposto, seria dividido entre o Estado remetente do produto ou serviço e o Estado de destino. Mas mal terminou 2019, prazo final de incidência da divisão, vários Estados-membros legislaram e começaram a cobrar o valor do Difal. Entretanto, o STF veio novamente para reconhecer a necessidade de atendimento da regra geral do art. 146 da Constituição Federal, a saber, precisa de lei complementar para resolver conflito de competência e disciplinar regras gerais. Nessa senda, importante destacar o resumo do julgado apresentado pelo site Dizer o Direito: A cobrança do diferencial de alíquota alusivo ao ICMS, conforme introduzido pela Emenda Constitucional nº 87/2015, pressupõe edição de lei complementar veiculando normas gerais. É necessária a edição de lei complementar, disciplinando a EC 87/2015, para que os estados-membros e o Distrito Federal (DF), na qualidade de destinatários de bens ou serviços, possam cobrar Diferencial de Alíquota do ICMS (Difal) na hipótese de operações e prestações interestaduais com consumidor final não contribuinte do Imposto. São válidas as leis estaduais ou distritais editadas após a EC 87/2015, que preveem a cobrança do Difal nas operações e prestações interestaduais com consumidor final não contribuinte do imposto. No entanto, não produzem efeitos enquanto não editada lei complementar dispondo sobre o assunto. STF. Plenário. ADI 5469/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 24/2/2021 (Info 1007). STF. Plenário. RE 1287019/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Dias Toffoli, julgado em 24/2/2021 (Repercussão Geral – Tema 1093) (Info 1007).
Aqui o STF reconheceu as leis estaduais aprovadas e editadas após a Emenda à Constituição nº 87/2015 como válidas, mas advertiu que elas permanecem com eficácias suspensas até a edição da referida legislação nacional. Todavia, a mencionada lei foi editada, trata-se da Lei Complementar nº 190/2022 que regulamenta a cobrança de ICMS nas operações interestaduais destinadas a consumidor final não contribuinte do imposto.
O último assunto tratado nesse tópico diz respeito à concessão de isenção e de incentivos fiscais em relação ao ICMS. Nesse ponto, como dispositivo de maior destaque é indispensável mencionar o art. 155, inciso XII, alínea “g”, da CF/88, o qual dispõe que lei complementar irá dispor a forma de deliberação dos Estados e Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. Essa é a Lei Complementar nº 24/75 a qual assevera que os benefícios mencionados, para serem implementados, precisam ser aprovados no âmbito do Conselho Fazendário (CONFAZ), por unanimidade (art. 2º, § 2º), sendo o órgão composto por 01 (um) representante de cada Estado-membro e do Distrito Federal e 01 (um) representante do Governo Federal que será o presidente do Conselho.
Ocorre que alguns Estados-membros criam programas de incentivos e benefícios sem a aprovação do CONFAZ, o que viola a Constituição Federal, assim como a lei complementar, acentuado ainda mais a desigualdade entre os Estados-membros, repercutindo no acirramento da guerra fiscal. Todavia, o STF reconhece a inconstitucionalidade da lei estadual a qual não obedece ao figurino constitucional, como no caso de o Estado-membro conceder parcelamento não aprovado pelo CONFAZ, conforme excertos retirados dos comentários do site Dizer o Direito:
É inconstitucional lei estadual que concede, sem autorização de convênio interestadual, vantagens no parcelamento de débitos do ICMS para empresas que aderirem ao programa de geração de empregos. O Estado-membro só pode conceder benefícios de ICMS se isso tiver sido previamente autorizado por meio de convênio celebrado com os demais Estados-membros e DF, nos termos do art. 155, § 2º, XII, “g”, da CF/88 e o art. 1º da LC 24/75. A concessão unilateral de benefícios de ICMS sem previsão em convênio representa um incentivo à guerra fiscal. STF. Plenário. ADI 3796/PR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 8/3/2017 (Info 856).
Todavia, em outro julgado STF reconheceu a constitucionalidade da lei referente ao regime tributário opcional com redução da base de cálculo condicionada à renúncia ao regime de apuração normal de créditos e débitos, consoante os excertos retirados dos comentários do site Dizer o Direito:
No Rio Grande do Sul foi editada uma lei prevendo que as empresas transportadoras teriam duas opções de tributação do ICMS: 1ª) poderiam continuar com o sistema normal de créditos e débitos inerente ao ICMS; 2ª) poderiam aderir a um regime tributário opcional no qual teriam a redução da base de cálculo para o percentual de 80%, condicionada ao abandono do regime de apuração normal de créditos e débitos. O STF entendeu que não é inconstitucional lei estadual que permita que o contribuinte opte por um regime especial de tributação de ICMS com base de cálculo reduzida, mediante expressa renúncia ao aproveitamento de créditos relativos ao imposto pago em operações anteriores, ainda que proporcional. Esta norma não viola o princípio da não cumulatividade. Assim, se a empresa contribuinte optar pelo sistema da base de cálculo reduzida, não terá direito ao creditamento de ICMS. STF. 1ª Turma. AI 765420 AgR-segundo/RS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Rosa Weber, julgado em 21/2/2017 (Info 855).
Nessa senda, em outra oportunidade o STF admitiu que alguns dispositivos da lei estadual eram inconstitucionais porque concedia benefícios fiscais sem convênio do CONFAZ, assim como parcelamento do pagamento do ICMS sem juros e correção monetária e concessão de créditos fictícios, mas resolveu modular os efeitos. Por sua vez, tratando-se de mero diferimento do pagamento do tributo, a Suprema Corte decidiu que não era necessário o convênio, como se observa o julgado do informativo nº 777, conforme comentários do site Dizer o Direito:
É inconstitucional lei estadual que concede benefícios fiscais relacionados com o ICMS sem a prévia celebração de convênio intergovernamental (art. 155, § 2º, XII, “g”, da CF/88 e LC 24/1975). No caso concreto, o STF julgou inconstitucionais dispositivos da lei estadual que previam parcelamento do pagamento de ICMS em quatro anos sem juros e correção monetária e também os artigos que conferiam créditos fictícios de ICMS de forma a reduzir artificialmente o valor do tributo. Além disso, a Corte entendeu inconstitucional dispositivo que autorizava o Governador do Estado a conceder benefício fiscal por ato infralegal, tendo havido violação à regra da reserva legal (art. 150, § 6º, da CF/88). Por outro lado, o STF considerou constitucional dispositivo de lei estadual que estabeleceu a suspensão do pagamento do ICMS incidente sobre a importação de matéria-prima ou de material intermediário, e transferiu o recolhimento do tributo do momento do desembaraço aduaneiro para o momento de saída dos produtos industrializados do estabelecimento. O Supremo entendeu que tais dispositivos são constitucionais porque a jurisprudência permite o legislador estadual, mesmo sem convênio, preveja o diferimento (retardamento) do recolhimento do valor devido a título de ICMS se isso não implicar redução ou dispensa do valor devido. Diferir o recolhimento do valor não significa benefício fiscal e, portanto, não precisa da prévia celebração de convênio. Modulação dos efeitos. O STF decidiu modular os efeitos da decisão para que ela tenha eficácia somente a partir da data da sessão de julgamento. Ponderou que se trata de benefícios tributários inconstitucionais, mas que se deveria convalidar os atos jurídicos já praticados, tendo em vista a segurança jurídica e a pouca previsibilidade, no plano fático, quanto às consequências de eventual decretação de nulidade desses atos, existentes no mundo jurídico há anos. Deve-se chamar atenção para esse fato porque, em regra, a jurisprudência do Supremo não tem admitido a modulação dos efeitos nessas hipóteses. STF. Plenário. ADI 4481/PR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 11/3/2015 (Info 777).
Depreende-se que, nesse cotejo, o ICMS é plurifásico e obedece ao princípio da não cumulatividade, sendo compensado com a operação posterior. Nesse trilhar, há uma acirrada quebra de braços entre os Estados-membros e o Distrito Federal para arrecadarem cada vez mais e não perderem renda. Nesse sentido, a Constituição Federal detém institutos que regulam essas forças divergentes e facilitam a fiscalização e a cobrança do imposto, a saber, substituição tributária progressiva e regressiva, ICMS Difal e Convênios do CONFAZ. Assim, vislumbra-se que a autonomia do Estado-membro para dispor tributação no que concerne ao ICMS não é plena, mas vinculada à Constituição, à lei e à jurisprudência do STF, que é vacilante em alguns temas.
4. REPARTIÇÃO DE RECEITAS DO ICMS, IPI E IR
O art. 158, IV, da Constituição Federal assevera que pertencem aos municípios vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. Nesse esteio, a Carta Magna dispõe, conforme destaca Novelino e Cunha Júnior (2021, p. 162), sobre uma participação sob a forma de percentual do produto da arrecadação de impostos.
Noutro giro, importante mencionar que a constituição do crédito é o quarto momento do na linha temporal do fenômeno tributário, conforme leciona Sabbag (2020, p. 251), após a previsão da hipótese de incidência, da ocorrência do fato gerador e da obrigação tributária. Nesse sentido, como a lançamento declara a obrigação tributária que lhe antecedente e constitui o tributo, o citado autor leciona que esse procedimento do lançamento possui natureza mista (2020, p. 311), observando o que dispõe o art. 142 do CTN. Ademais, em se tratando de ICMS, ressalta o autor que o lançamento se dá por homologação, situação em que há maior participação do contribuinte, nos termos que dispõe o art. 150, caput, e parágrafos, do CTN.
Por sua vez, a isenção é uma das formas de exclusão do crédito tributário, conforme o art. 175, I, do CTN. Nesse trilhar, conforme Sabbag (2020, p. 366), a isenção é legal e não constitucional, e, seguindo o entendimento do STF, posiciona a norma isentiva como localizada no campo da incidência tributária, impedindo o nascimento da obrigação tributária, ou seja, a norma isentiva incide para que a norma tributária não incida. Dessa forma, não há constituição do tributo, ou seja, não resta nada a ser cobrado.
Nesse ponto, vale o destaque que os Estados-membros advogam, em seu benefício, que a expressão “produto da arrecadação”, não dá direito à cota dos municípios quando for concedida isenção de ICMS porque o tributo sequer foi constituído, conforme aplicação do Tema 653 (RE nº 705.423), embora originariamente tenha sido construído para aplicação nas isenções de IPI e IR, retirados dos comentários sobre a celeuma no site Dizer o Direito:
A tese de repercussão geral fixada ficou com o seguinte teor: “É constitucional a concessão regular de incentivos, benefícios e isenções fiscais relativos ao Imposto de Renda e ao IPI por parte da União em relação ao Fundo de Participação dos Municípios e respectivas cotas devidas às municipalidades”.
É certo que o Tema 42 se refere à concessão de isenção de ICMS, em que se denota na transcrição: “Tema: 42 (RE nº 572762) - Retenção de parcela do produto da arrecadação do ICMS, pertencente aos Municípios, em razão da concessão de incentivos fiscais pelo Estado-membro”.
Como se pode observar, o Tema 653 foi construído para as hipóteses de isenções e incentivos de IR e IPI, ocasião em que a repartição é realizada nos moldes do art. 159, I, da CF/88 por meios de fundos específicos. Esses fundos são instrumentos contábeis que facilitam a arrecadação e o repasse, conforme pontuou o professor e juiz federal Márcio André. Por sua vez, a repartição do ICMS é direta, não sendo necessária a constituição de fundo, tampouco homologação por Tribunal de Contas, segundo já apreciou o STF, sob pena de haver ofensa ao princípio da separação dos poderes (STF. Plenário. ADI 825/AP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 25/10/2018 (Info 921)).
Na mesma toada, é cediço que o texto da Carta Política estabelece que o creditamento das parcelas de receitas para os munícipios é efetuado segundo os seguintes critérios, sem qualquer ressalva quanto está constituído ou não o crédito tributário:
I - 65% (sessenta e cinco por cento), no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios; II - até 35% (trinta e cinco por cento), de acordo com o que dispuser lei estadual, observada, obrigatoriamente, a distribuição de, no mínimo, 10 (dez) pontos percentuais com base em indicadores de melhoria nos resultados de aprendizagem e de aumento da equidade, considerado o nível socioeconômico dos educandos.
Esses percentuais foram alterados pela Emenda à Constituição nº 108/2020. Nesse esteio, percebe-se que boa parte do valor arrecado é dividido seguindo à proporção do valor adicionado, diretamente baseado no número e valores das operações de mercadorias e serviços que ocorreram no município. É indubitável, em caso de aprovação de uma norma isentiva, haverá alguns municípios mais afetados a outros, resultando numa séria ofensa ao princípio da isonomia, o que não ocorre na isenção decorrente de norma isentiva do IPI e IR, uma vez que o valor arrecado é dividido de maneira uniforme entre todos.
Entretanto, não se pode olvidar que o Estado também possui o seu campo de autonomia a competência para criar e isentar tributo, segundo o princípio da simetria. Todavia, o ICMS possui regramento específico para evitar a guerra fiscal, facilitar a arrecadação e para conceder isenções. Dessa feita, não pode os Estados-membros conceder isenção ou incentivo sem aprovação no âmbito do CONFAZ. Da mesma forma, os Estados-membros compartilham uma tributação que não é cumulativa, o que implica afirmar que, se um ente concede um benefício sem amparo no ordenamento jurídico, o outro poderá obstar a compensação realizada em documentos inidôneos. Ademais, isenção do Estado-membro pode afetar de forma dessarazoável um ente menor frente a outro.
5.TEMA DE REPERCUSSÃO GERAL DO STF 1.172
Antes de estudar a Tema 1.172 de Repercussão Geral do STF, é salutar destacar dois julgados do STF divergentes quanto à aplicação dos Tema 42 e 653. O primeiro deles é Ag. Reg. no Recurso Extraordinário 960.431/RN, cujo Relator foi o Ministro Alexandre de Moraes, 1ª turma, julgado em 19/06/2018. Esse Recurso Extraordinário foi interposto pelo Estado do Rio Grande do Norte em desfavor do município de Baraúna/RN. Nele o Estado requer que se aplique o Tema 653, mas o relator encabeçou a tese vencedora, afirmando, com base no Tema 42: “A retenção da parcela do ICMS constitucionalmente devida aos municípios, a pretexto de concessão de incentivos fiscais, configura indevida interferência do Estado no sistema constitucional de repartição de receitas tributárias”. Dessa forma, ficou entabulada a seguinte ementa do agravo:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MATÉRIA SUBMETIDA À SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 42. RE 572762. AUSÊNCIA DE ARGUMENTOS CAPAZES DE MODIFICAR A DECISÃO AGRAVADA. TEMA 653. RE 705.423. INAPLICABILIDADE. 1. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (Tema 42 da Repercussão Geral), o repasse da quota constitucionalmente devida aos municípios não pode se sujeitar à condição prevista em programa de benefício fiscal de âmbito estadual. O agravante não logrou afastar a incidência do referido precedente. 2. Não se aplica o decidido no RE 705.423, Tema 653 da Repercussão Geral, tendo em vista que se trata de tributos distintos, regulamentados por dispositivos constitucionais específicos. 3. Agravo interno a que se nega provimento.
Por sua vez, em outro Agravo Regimental, mas agora na Reclamação 32.013/RS, Relator Ministro Edson Fachin, 2ª turma do STF, assentou-se que a expressão “produto da arrecadação” não admite interpretação para incluir benefícios e incentivos fiscais, sendo indiferente a aplicação para de repartição do fundo ou definição de titular de receitas. Nesse sentido, conclui o relator que os municípios não possuem direito subjetivo de índole constitucional em relação à União (rectius, Estados). Esqueceu o relator que não estava se julgando sobre isenção de IR e IPI, mas de ICMS, pelo visto se olvidou de trocar os entes federativos, e manteve a União que estava no Tema 653. Nesses termos, segue a ementa do agravo:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO. DIREITO TRIBUTÁRIO. ICMS. REPASSE A MUNICÍPIO. INCENTIVOS FISCAIS. TEMA 653. MÁ APLICAÇÃO DE TESE DE REPERCUSSÃO GERAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. TEMA 42. INAPLICABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. No RE 705.423, de minha relatoria (Tema 653), o Tribunal definiu que a expressão produto da arrecadação não admite interpretação de modo a incluir os benefícios e incentivos realizados. O ato reclamado não divergiu dessa orientação. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.
Como se pode se perceber o tema é divergente entre as turmas do STF. Diante dessa divergência, o STF reconheceu a Repercussão Geral por meio do Tema 1.172. Trata-se do Recurso Extraordinário nº 1288634/GO, Relator Ministro Presidente, a ser julgado pelo Tribunal pleno. O recurso foi interposto pelo município de Edealina/GO em desfavor do Estado de Goiás. A controvérsia a mesma: o Estado defende que não arrecadou e, portanto, não tem nada a repassar, porque não constituiu o imposto, ao passo que o município requer a aplicação do Tema 42, destinado ao ICMS. Com destaque a ementa:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS - ICMS. BENEFÍCIO FISCAL OFERECIDO PELO ESTADO DE GOIÁS. PROGRAMAS FOMENTAR E PRODUZIR. REFLEXOS NA ARRECADAÇÃO. REDUÇÃO PROPORCIONAL DO REPASSE CONSTITUCIONAL DEVIDO AOS MUNICÍPIOS. ARTIGO 158, IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ENTENDIMENTO DESTA CORTE NOS TEMAS 42 E 653. CONTROVÉRSIA SOBRE PARTICULARIDADES DOS INCENTIVOS CONCEDIDOS. MULTIPLICIDADE DE RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. PAPEL UNIFORMIZADOR DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RELEVÂNCIA DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL. MANIFESTAÇÃO PELA EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
Não tem como antever o resultado da divergência, mas concretamente, o Ministro Edson Fachin já detém posição firmada porque foi o relator do Tema 653 referente ao IPI e IR. Ademais, já se manifestou, posteriormente, no Agravo Regimental na Reclamação, que manteria seu posicionamento no sentido de que a expressão “produto da arrecadação” engloba tanto a repartição realizada por meios fundos como a divisão direta como ocorre na repartição de receitas do ICMS.
Por outro lado, a Suprema Corte sempre manifestou uma preocupação com o pacto federativo e com a autonomia dos entes menores, assim como com os instrumentos que inibem a guerra fiscal. Entretanto, com o Tema 653 permitiu a União conceder isenções e incentivos no exercício de sua autonomia, com implicações nos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios, repercutindo no repasse de recursos aos outros entes. Nesse aspecto, deve-se inclusive se analisar até que ponto o Estado-membro pode conceder isenção com intuito de inviabilizar a Administração do município, ferindo de morte a autonomia financeira dos entes menores sob o argumento de sua autonomia organizacional.
A Carta Magna consagra a autonomia dos Estados-membros de auto-organização, autolegislação, autogoverno e autolegislação. A liberdade de instituir e conceder isenção compreende a atuação autônoma desses entes políticos de forma que não pode ser abolida, uma vez que é uma cláusula pétrea, sob pena de ofensa ao pacto federativo. Todavia, mesmo com a garantia de autonomia, o próprio constituinte estabeleceu parâmetros mínimos que devem ser obedecidos pelos Estados-membros, apresentados pela doutrina como princípios sensíveis, estabelecidos e extensíveis, trabalhado na jurisprudência e na doutrina também como norma de repetição obrigatória, em que se deve considerar como existente, mesmo que implicitamente, e as normas de mera imitação.
Nesse esteio, aos Estados-membros foi outorgada pelo poder constituinte originário a competência para instituir ICMS e conceder isenção, o qual se revela como a principal fonte arrecadadora desses entes, instrumento fulcral para resguardar a sua autonomia financeira. Entretanto, parte do valor arrecadado pertencem aos municípios, que não pode ser retido ou condicionado, o que poderá ensejar em uma das hipóteses de intervenção federal. De outro lado, a liberdade concedida a todos os Estados-membros, exigiu do mesmo poder constituinte a previsão de lei complementar para regulamentar pontos de conflitos ensejadores de guerra fiscal. Nessa toada, a liberdade de estabelecer em isentar o ICMS não é plena porque tem de ocorrer por meio de Convênio no âmbito do CONFAZ, uma vez que a atuação isolada de um ente federativo por ocasionar um desequilíbrio na arrecadação entre os entes federativos.
Ademais, os Estados-membros devem respeitar os parâmetros legais e constitucionais acerca de substituição tributária, porque as relações comerciais de produtos e serviços no âmbito nacional não reconhecem as divisas, o que denota que o adquirente pode se encontra em outro Estado diferente onde se encontra o vendedor. Nesse esteio, para mitigar essas disputas de forças, a Emenda à Constituição nº 87/2015 já foi aprovada para atender um pleito dos Estados-membros que estavam em desvantagens na divisão arrecadatória de vendas de produtos realizados por vendas online. Embora, posteriormente, o STF tivesse que se manifestar para deter a ânsia arrecadatória dos Estados-membros que editaram leis para cobrar o ICMS Difal antes da edição de lei complementar federal.
Os pontos de toque de divergência no ICMS não se resumem apenas na guerra fiscal entre os Estados-membros. Mas, recentemente, a história ganhou outro capítulo, uma vez que os Estados-membros decidem criar benefícios fiscais por meios de incentivos e isenções que afetam diretamente o valor a ser repassado aos municípios. Nesse aspecto, digladiam-se dois Temas: 42 e 653. O primeiro construído para ser aplicado ao ICMS, enquanto o segundo formatado para o IPI e IR cujo repasse se dá por meio de Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios.
Os Estados-membros defendem a sua posição com o argumento de autonomia administrativa e organizacional em estabelecer a sua política de isenções e incentivos. Ademais, advogam que a Constituição contém a expressão “produto da arrecadação” em relação aos 25% do ICMS que devem ser repassados aos municípios. Logo, se foi concedida uma isenção, não houve constituição do tributo. Portanto, não há nada a ser dividido, segundo esses entes, com a aplicação do Tema 653, que originariamente foi formatado para IPI e IR. Por sua vez os municípios defendem a aplicação do Tema 42 do STF, em que não se faz essa distinção entre produto de arrecadação e reserva da cota parte. Desse modo, entendem que os Estados-membros podem conceder os benefícios fiscais, mas desde que resguardem a cota parte dos municípios.
Diante da divergência, o STF resolveu reconhecer Repercussão Geral no Tema 1.172, no Recurso Extraordinário nº 1288634/GO, ajuizado pelo município de Edealina/GO em desfavor do Estado de Goiás, que concedeu incentivos fiscais, sem a reserva da cota parte do município. Não se sabe como se posicionará o pleno do STF. É certo que, em julgados anteriores, em sede de agravo regimental, alguns ministros já demonstraram ser mais simpáticos na aplicação de uma tese em detrimento de outra. Um desses é o Ministro Edson Fachin, que foi relator do Tema 653, para qual o que importa é o produto da arrecadação. Se nada foi arrecadado, é desimportante se a divisão ocorre por intermédio de fundo de participação ou por meio de divisão direta da cota parte, sem se ater a diferença entre as formas de participação e a repercussão da norma isentiva.
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Formado em Direito pela UFCE e pós-graduação em Tributário pelo CERS e em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Pró-Minas. Atualmente servidor público federal (PRF)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, ERIVANDO JOTER DA. O direito à repartição do ICMS em favor dos municípios em face de isenção concedida por Estado-membro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 mar 2022, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/58175/o-direito-repartio-do-icms-em-favor-dos-municpios-em-face-de-iseno-concedida-por-estado-membro. Acesso em: 23 dez 2024.
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