O Supremo Tribunal Federal decidiu com força de repercussão geral sobre temática que vinha aguardando uma palavra final capaz de "pacificar" as demandas surgidas a partir da criação da Lei da Alienação Fiduciária. Com a decisão com repercussão, as demandas judiciais atinentes ao tema restarão em regra para casos restritos de descumprimento da Lei da Alienação Fiduciária.
Assim, quando houver atraso no pagamento de um financiamento imobiliário, decidiu o Supremo por maioria, que os bancos e outras instituições financeiras podem retomar, independente de decisão judicial, ou seja, sem a necessidade de se movimentar o aparato Judiciário, aquele imóvel que está sendo financiado, em peculiar, aquele que haja sido colocado como garantia.
Dos dez ministros atuantes, oito votaram de forma favorável à manutenção da regra atual da Lei específica sobre o tema, e dois foram os votos dissidentes.
Desta feita, a Lei 9514/97, que trata da alienação fiduciária, prevê que em caso de não pagamento, a instituição credora poderá realizar uma execução extrajudicial e retomar o imóvel. O procedimento é simplificado, e é feito por meio de um cartório sem que demande necessariamente uma decisão judicial.
Expondo da maneira menos rebuscada e mais direta, se o mutuário não paga, fica em mora, o banco passa a considerá-lo inadimplente, tendo assim o direito de executar a garantia e ficar com o imóvel em um rito simples, que não demanda decisão judicial.
O argumento entendido como contundente para a decisão com repercussão geral do STF pela constitucionalidade da lei em referência é o de que haverá um incremento de um crédito imobiliário mais barato propiciando ao cidadão um maior acesso à moradia, o que vale lembrar ser o direito à moradia um direito social do cidadão com espeque no art. 6° da CRFB, e que o descumprimento do requisitos da Lei para a existência de um contrato de alienação fiduciária continua a possibilitar o acesso à justiça.
A decisão que privilegiou o entendimento trazido pelos financiadores imobiliários confere-lhes maior segurança jurídica ao contratar com o mutuário, o que em tese permitirá financiamentos mais acessíveis à sociedade que contrata por esse modelo legal. Segundo a Federação Brasileira de Bancos, a alienação fiduciária está presente em 7,8 milhões de contratos de financiamento imobiliário que estavam ativos no Brasil em agosto deste ano, o equivalente a 99% do total. Ainda, em tese, irá se propiciar um incremento no setor de construção civil, e se fazendo uso da sempre funcional lei da oferta e da procura os valores dos contratos fiduciários reduzir-se-ão pelo aumento da oferta, isso tudo em perspectiva, em tese.
Nas palavras do Ministro Fux: "A exigência de judicialização da execução dos contratos de mútuos com alienação fiduciária de imóveis iria de encontro aos avanços e aprimoramentos no arcabouço legal do mercado de crédito imobiliário, os quais tiveram significativa contribuição para o crescimento do setor e redução dos riscos e custos".
Em verdade, os contratos do Sistema Financeiro Imobiliário têm juros fixados de acordo com os riscos de inadimplência e a possibilidade de bancos reaverem os imóveis em caso de atraso no pagamento. Por isso foi importante para o setor financeiro manter o instrumento que permita leiloar diretamente imóvel financiado extrajudicialmente, nos termos da lei. Em tese, um imóvel pode ir à leilão após 3 a 5 meses de "inadimplência", à depender do contrato firmado. Os bancos, entrementes, costumam oferecer ao devedor outras possibilidades de negociação antes de executar um imóvel, embora não seja uma exigência legal, algo que entendemos deveria ser, para a existência de um maior equilíbrio contratual e em tutela à parte que costuma ser a mais fraca da relação, o mutuário, nos termos do direito social à moradia. Entendemos porém, que a partir da decisão do STF a tendência é que os bancos passem a retomar os imóveis sem abrir possibilidades de renegociação das dívidas, o que entendemos temerário. Caso decida pelo leilão, o devedor será notificado uma única vez, tendo 15 dias para purgar a mora.
A lei em comento estabelece requisitos que precisam ser cumpridos, sob pena de nulidade do procedimento de execução do contrato. Nesse caso como mecionamos de inicio, o Judiciário poderá ser acionado caso algum dos requisitos legais envolvidos na execução do contrato não seja atendido. Com esse argumento se combateu a tese sustentada de ausência do direito ao contraditório, ampla defesa e devido processo legal por parte do devedor mutuário, entendimento que não nos convenceu por completo.
Dito isso, entendemos inobstante que a decisão sim, referendou certo desequilíbrio contratual em favor dos bancos (sentido amplo) e conferiu-lhes segurança jurídica. Houve sim, à nosso sentir, um retrocesso ao direito fundamental à moradia, à partir do momento que há um contrato de alienação fiduciária em garantia que é em regra de adesão, quando simplesmente o mutuário adere às cláusulas estabelecidas pela instituição financeira até o limite de disponibilidade que a lei lhe oportunizar. Assim, na frieza de um contrato de adesão, sem se levar em consideração as peculiaridades do caso concreto que possa ter levado o mutuário à situação de mora, poderá o banco sem abrir-lhe possibilidade de purgá-la, recuperar para si a totalidade dos atributos da propriedade do imóvel por execução extrajudicial do contrato independente da participação do Judiciário como um possível instrumento apaziguador e de reequilíbrio contratual, levando-se em consideração o direito social à moradia.
O comportamento do mercado será a resposta mais precisa se o Supremo Tribunal Federal ao referendar segurança jurídica à Lei 9514/97 agiu em favor da tutela das instituições financeiras ou em favor do direito constitucional à moradia.
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