SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Conceito, previsão legal, fundamento e finalidade do princípio da insignificância; 3. Correlação do princípio da insignificância com outros princípios do Direito Penal; 4. Princípio da insignificância e a tutela penal ambiental: crítica à jurisprudência dos Tribunais; 5. Conclusão; 6. Bibliografia.
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar a censurável tendência de aplicação arbitrária do princípio da insignificância, por parte dos Tribunais, nas infrações de natureza ambiental, enfocando a necessidade de que esse princípio seja usado com parcimônia, viabilizando, assim, a proteção do meio ambiente.
Palavras-chave: Princípio da Insignificância, Direito Ambiental, Direito Penal, Jurisprudência, Proteção.
ABSTRACT:This article aims to examine the objectionable trend arbitrary application of the principle of diminishment, courts, in relation to environmental, focusing on the need for this principle is used with carefully, enabling the environmental protection.
Key Words: Principle of Diminishment, Environmental Law, Criminal Law, Case Law, Protection.
1. Introdução
O princípio da insignificância surgiu na Europa, a partir do século XX, fruto do desemprego e escassez de alimentos, dentre outros fatores sociais, econômicos e políticos, sobretudo no período seguinte às duas grandes guerras mundiais, as quais desencadearam pequenos furtos, subtrações de pouca relevância, fenômeno que recebeu da doutrina alemã a denominação de “delitos de bagatela” (Bagatelledelikte).
Há quem entenda que o princípio da insignificância já vigorava no Direito Romano, onde o pretor não cuidava, de modo geral, de causas ou delitos de bagatela, consoante a máxima contida no brocardo “minima non curat praetor”. Assim não pensamos. É verdade que os romanos tinham um direito civil aperfeiçoado, mas não tinham uma noção adequada do princípio da legalidade penal. Assim, o brocardo citado constituía mais uma máxima do que um estudo apurado sobre o tema.
A origem fática do princípio apresenta nítido caráter patrimonial, pressupondo, assim, a ocorrência de um dano patrimonial de mínima monta (parâmetro quantitativo), não caracterizador de prejuízo vultoso a outrem, de tal forma que não se justifique a intervenção do Direito Penal.
2. Conceito, previsão legal, fundamento e finalidade do princípio da insignificância
Não existe previsão expressa dos delitos de bagatela na legislação pátria. Contudo, a doutrina e jurisprudência têm possibilitado a delimitação das condutas tidas como insignificantes, valendo-se, principalmente, de princípios como o da legalidade e a necessidade de um direito penal mínimo, fragmentário e subsidiário.
Nos dizeres de Vico Mañas[1],
“o princípio da insignificância pode ser definido como instrumento de interpretação restritiva, fundado na concepção material do tipo penal, por intermédio do qual é possível alcançar, pela via judicial e sem macular a segurança jurídica do pensamento sistemático, a proposição político-criminal de descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não atingem de forma socialmente relevante os bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal”.
Desse modo, é uma orientação que não desconhece a antijuridicidade do fato, mas deixa de considerar a necessidade de intervenção punitiva. Como preceitua Fernando de Almeida Pedroso[2],
“muitas vezes, condutas que coincidem com o tipo, do ponto de vista formal, não apresentam a menor relevância material. São condutas de pouco ou escasso significado lesivo, de forma que, nesses casos, tem aplicação o princípio da insignificância, pelo qual se permite excluir, de pronto, a tipicidade formal, porque, na realidade, o bem jurídico não chegou a ser agravado e, portanto, não há injusto a ser considerado”.
Na linha dos ensinamentos citados, pode-se conceituar o princípio da insignificância como a norma que permite infirmar a tipicidade de fatos que, por sua inexpressividade, constituem delitos de bagatela, despidos de reprovabilidade, de modo a não mereceram incidência da regra penal, exsurgindo, pois, como irrelevantes.
Os crimes de bagatela, por essa perspectiva, são delitos que se ajustam ao fato típico, mas que têm sua tipicidade desconsiderada por se tratarem de gravame a bens jurídicos que não acarretam uma reprovabilidade social.
O insigne Édis Milaré assim se manifesta, verbis:
“Diz com a necessidade de o julgador, em cada caso, realizar um juízo de ponderação entre o dano causado pelo agente e a pena que lhe será imposta como conseqüência da intervenção penal do Estado. A análise da questão, tendo em vista o princípio da proporcionalidade, pode justificar a ilegitimidade da intervenção estatal pro meio do processo penal”[3].
A despeito da inexistência de expressa positivação do princípio em comento, há unanimidade na doutrina e jurisprudência quanto à possibilidade de sua aplicação no Direito brasileiro, o que não impede que haja divergências em relação ao efetivo alcance e aplicação dos Bagatelledelikte.
Implicitamente, várias são as passagens em que a legislação agasalha o princípio da insignificância. Quando, por exemplo, distingue o crime tentado do crime consumado (apesar de o dolo do agente, do ponto de vista do desvalor da ação, ser o mesmo, tanto de quem tenta quanto de quem consuma o crime) ou prevê a figura do furto privilegiado (CP, art. 155, §2º), o ordenamento homenageia a aplicação da teoria dos crimes de bagatela.
A finalidade do princípio da insignificância, como a de todo ordenamento jurídico, é a solução de conflitos visando a pacificação social, promoção da segurança e harmonia no seio da sociedade. Já o seu fundamento reside na idéia de proporcionalidade, no sentido de que a pena deve guardar relação com a gravidade do bem, daí o ideal de intervenção mínima.
É indiscutível, portanto, que o princípio da insignificância auxilia a redução do campo de atuação do direito penal, reafirmando seu caráter fragmentário e subsidiário
3. Correlação do princípio da insignificância com outros princípios do Direito Penal
Alicerça e dá densidade ao princípio da insignificância uma série de outros princípios fundamentais, os quais, em conjunto, permitem uma visão sistemática e coerente do fenômeno sob apreciação. São eles: os princípios da legalidade, subsidiariedade, fragmentariedade, intervenção mínima, proporcionalidade, irrelevância do fato penal, lesividade, humanidade e culpabilidade. Analisaremos cada um resumidamente, apenas para dar a dimensão da inter-relação a que estão sujeitos.
O princípio da legalidade preceitua que nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena pode ser aplicada sem que haja lei anterior definindo o delito e cominando a pena. Essa é uma das maiores garantias do indivíduo em face do poder estatal, limitando de forma genérica o jus puniendi do Estado. Já o princípio da insignificância também serve para limitar o poder estatal, só que o faz de forma específica, in concreto, inviabilizando que o sujeito seja punido se o fato praticado é irrisório.
O princípio da fragmentariedade assevera que o Direito Penal não se concentra sobre o todo de uma realidade, mas apenas sobre fragmentos desta, é dizer, sobre interesses jurídicos relevantes cuja proteção seja absolutamente indispensável. Como a lei penal é produto da atividade legislativa, está sujeita a imperfeições de ordem técnica, podendo, por isso mesmo, abranger situações de nenhuma relevância para a sociedade. É nesse momento que o princípio da insignificância atua para obviar que os excessos da imperfeição técnica legislativa incidam sobre condutas socialmente insignificantes.
O princípio da subsidiariedade acentua que somente deve haver tutela penal depois que os outros ramos do direito (constitucional, civil, administrativo, trabalhista etc.) tenham fracassado em seu desiderato de reprimir determinada conduta. Ocorre que, ainda que tenha havido esse malogro dos outros ramos, a tutela penal não deverá ser invocada para reprimir condutas desprovidas de ofensividade.
O princípio da proporcionalidade apregoa o justo equilíbrio que deve haver entre o resultado do delito e a pena, entre a gravidade do fato e a pena cominada. Enfim, é a relação de magnitude da lesão ao bem jurídico. Percebe-se que esse princípio é dos mais importantes, podendo ser considerado um dos fundamentos do princípio da insignificância, já que este visa exatamente inviabilizar a punição das condutas que afetem infimamente o bem jurídico tutelado.
O princípio da intervenção mínima estabelece que o Direito Penal só deve atuar na defesa dos bens jurídicos mais relevantes para o indivíduo e a sociedade, que sejam imprescindíveis à convivência pacífica de todos. Assim, a tutela penal só se justifica para as hipóteses de perturbações realmente graves. Nesse contexto, o princípio da insignificância é usado para verificar se os bens jurídicos vulnerados foram efetiva e gravemente afetados, carecendo da proteção estatal.
O princípio da irrelevância do fato penal é a causa de dispensa da pena, em razão da sua desnecessidade no caso concreto.
O princípio da humanidade decorre de declarações e tratados internacionais, que preceituam, em síntese, que ninguém será submetido a tortura, tratamento cruel, desumano ou degradante. Ou seja, a pessoa privada de sua liberdade deve ser tratada de forma respeitosa e digna. Assim, existem fatos que de tão irrelevantes para a sociedade não podem ocasionar a repressão estatal, sob pena de ofensa à dignidade da pessoa humana e ao princípio da insignificância.
O princípio da culpabilidade assenta que não há crime sem culpa. É, por assim dizer, um claro repúdio à responsabilidade objetiva em matéria penal. Além disso, exige que a pena não seja infligida a não ser quando a conduta, mesmo associada a um resultado, seja reprovável. Nesse diapasão, ainda que a lesão ao bem jurídico seja culposa, mas irrisória a afetação, não haverá crime.
Por fim, o princípio da lesividade informa que se não houver lesão não haverá crime. Há necessidade, portanto, que haja um sujeito ativo (autor do delito), um sujeito passivo (vítima) e que haja um abalo no patrimônio jurídico desse último. Só se castiga o comportamento que lesione direitos de outrem, não bastando, para tanto, que o comportamento seja meramente pecaminoso ou imoral, sem qualquer liame com o bem jurídico alheio.
Fica patente que os princípios analisados se complementam e estão todos relacionados ao princípio da insignificância. Muito se disse a respeito da existência de lesão significativa, relevante. Contudo, qual critério usado para fazer tal aferição? Meramente quantitativo, ou também qualitativo? Existe alguma especificidade do Direito Ambiental que demonstre haver necessidade de uma mensuração diferenciada a respeito do que se deve considerar como lesão ao bem jurídico ambiental? É o que procuraremos responder.
4. Princípio da insignificância e a tutela penal ambiental: crítica à jurisprudência dos Tribunais
Nas infrações penais ambientais, a jurisprudência pátria, além de contraditória, é refratária quanto à aplicação do princípio da insignificância. A maior dificuldade é o estabelecimento de uma regra aceitável capaz de aferir a proporcionalidade entre o dano ambiental e a retribuição a ser aplicada.
Vejamos alguns julgados:
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. 1. A apanha de apenas quatro minhocuçus não desloca a competência para a Justiça Federal, pois não constitui crime contra a fauna, previsto na Lei n. 5.197/67, em face da aplicação do princípio da insignificância, uma vez que a conduta não tem força para atingir o bem jurídico tutelado. 2. Conflito conhecido. Declarada a competência da Justiça Estadual para o julgamento dos demais delitos. Concedido, porém, habeas corpus de ofício, trancando, em face do princípio da insignificância, a ação penal referente ao crime previsto na Lei n. 5.197/67, exclusivamente.”[4]
“APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. PESCA EM LOCAL PROIBIDO. ARTIGO 34, CAPUT E § ÚNICO, INCISO II, DA LEI Nº 9.605/98. EMENDATIO LIBELLI PROMOVIDA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE MATERIAL CARACTERIZADA. A tipificação das condutas lesivas ao meio ambiente objetiva instrumentalizar o Estado para o controle e a coibição de excessos comprometedores do equilíbrio natural, máxime quando se sabe que a reação a esta espécie de crime detém enfoque mais preventivo do que repressivo. A pesca de dois quilos de camarão não coloca em risco o equilíbrio ecológico, revelando-se insignificante no âmbito jurídico-penal. O maior perigo à biodiversidade nas regiões costeiras não provém das comunidades tradicionais, mas das grandes embarcações pesqueiras que desrespeitam zonas limítrofes de preservação. Apelo a que se nega provimento.” (Trf 4 região, ACR, APELAÇÃO CRIMINAL, Processo 200572000018550, sétima turma, UF: SC, Data da decisão: 24/10/2006, Documento: TRF400135486, DJ 08/11/2006, p. 599).
De se ver que o princípio da insignificância tem sido objeto de extensa aplicação pelos tribunais, a partir de critérios arbitrários e de opções valorativas excessivamente restritivas perante as necessidades de proteção exigidas pelo meio ambiente, com fundamento não na avaliação da lesão ao bem jurídico, e sim na avaliação quantitativa sobre o dano. Não raramente são feitos juízos de ponderação inadequados e deficientes sobre o bem ambiental, mormente na consideração da proporcionalidade no momento de seleção de medidas precaucionais.
Não se desconhece que o princípio da insignificância deve ter aplicabilidade no âmbito do Direito Ambiental. Contudo, nessa seara a sua incidência deve ser feita em hipóteses excepcionais, sobretudo pelo fato de que as penas previstas para os crimes ambientais são, em regra, leves, admitindo transação ou suspensão do processo. Alguns podem considerar retrógrado e sancionador esse posicionamento. Assim não pensamos.
É que, nesse caso, a aplicação do princípio da insignificância deve ser criteriosa e excepcional, de modo a se evitar a subtração do elemento intimidatório ínsito da norma penal, com o conseqüente estímulo ao descumprimento da lei e das normas que, em última análise, objetivam melhor disciplinar o convívio social.
A preservação ambiental deve ser feita de forma preventiva e repressiva, em benefício das próximas gerações, sendo intolerável a prática reiterada de pequenas ações contra o meio ambiente, que, se consentida, pode resultar na sua inteira destruição e em danos irreversíveis.
A complacência no trato de questões ambientais constitui incentivo a que os infratores das normas de proteção ambiental persistam em suas condutas delituosas, gerando, como conseqüência, a impunidade e descrédito no ordenamento jurídico, desestimulando, inclusive, os agentes de fiscalização a cumprirem com suas obrigações.
Dessa forma, não nos parece que o mero critério quantitativo seja suficiente para aferir se houve ou não significativa lesão ao bem ambiental. Ora, a pesca de dois quilos de camarão, em período de proibição da pesca, pode até ser considerada (e essa conclusão é discutível) de pouca lesividade, se considerada no âmbito individual do pescador que realiza a conduta. Mas imaginemos que cerca de duzentos pescadores de determinada área, de forma independente uns em relação aos outros, resolvessem pescar dois quilos de camarão. Nesse caso, não havendo nenhum tipo de concurso, cada conduta poderia ser considerada, individualmente, como de ínfima lesividade? O total do dano ao ambiente, do ponto de vista quantitativo, seria de quatrocentos quilos de camarão, mas essa totalidade não poderia ser utilizado para incriminar o pescador que agiu com autonomia de desígnios em relação aos outros infratores, já que sua ação foi pescar somente dois quilos de camarão. A solução adequada, a nosso juízo, seria a responsabilização de cada pescador pela pesca dos citados dois quilos de camarão, não sendo aplicável, in casu, o princípio da insignificância. É que, nessas hipóteses, não se pode desconsiderar os efeitos globais que uma teorização irresponsável pode causar aos meios bióticos e abióticos, ao permitir que se estabeleça um padrão mínimo quantitativo em que cada indivíduo poderá lesionar o ambiente sem sofrer qualquer penalização. Situações como essa mostram como é perigoso o apego ao critério quantitativo para ponderar o efetivo prejuízo ao meio ambiente.
Édis Milaré[5], dissertando sobre o tema, nos diz que
“No campo do Direito Penal Ambiental, tal princípio deve ser aplicado com parcimônia, uma vez que não basta a análise isolada do comportamento do agente, como medida para se avaliar a extensão da lesão produzida; é preciso levar em consideração os efeitos dos poluentes que são lançados artificialmente sobre os recursos naturais e suas propriedades cumulativas e sinérgicas”.
Felizmente, em alguns julgados recentes já é possível verificar a reversão da censurável tendência de aplicação arbitrária do princípio da insignificância nos crimes ambientais.
Ilustram bem o fenômeno as seguintes jurisprudências, abaixo transcritas:
“PROCESSUAL PENAL. CRIME AMBIENTAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. 1. Inviável a aplicação do princípio da insignificância em matéria ambiental, quando a biota, conjunto de seres animais e vegetais de uma região, pode se revelar extremamente diversificada, ainda que em nível local. Em pequenas áreas podem existir espécimes só ali encontradas, de forma que determinadas condutas, inicialmente insignificantes, podem conter potencialidade suficiente para causar danos irreparáveis ao meio ambiente. 2. A prática de condutas contra o meio ambiente, a qual poderia, isoladamente, ser considerada de menor potencial ofensivo, e, por isso mesmo, menos lesiva, quando considerada em conjunto, afeta o interesse público, pois, somada com outras, reclamam real extensão do dano provocado ao equilíbrio ambiental por pequenas ações. 3. Em relação ao crime ambiental, portanto, deve-se ter em mente, primeiramente, o bem objeto de proteção do tipo penal em estudo, qual seja, a conservação do meio ambiente equilibrado, pois, uma vez danificado, torna-se difícil repará-lo, o que não sugere a aplicação daquele princípio. 4. Apelação provida.” (TRF 1ª REGIÃO, ACR, APELAÇÃO CRIMINAL 200334000196439, Rel. Des. Fed. TOURINHO NETO, Processo 200334000196439 , UF: DF, 3ª TURMA, decisão: 06/12/2005, Documento: TRF100257848, DJ DATA: 28/09/2007, p. 42).
“PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. FLORESTA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. EXTRAÇÃO MINERAL. CRIME AMBIENTAL E DE USURPAÇÃO DE BEM DA UNIÃO. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INOCORRÊNCIA. DOLO. CULPABILIDADE. ILICITUDE. CONSTATAÇÃO. 1. Incorre, em concurso formal, nos delitos capitulados nos artigos 2º da Lei nº 8.176/91 e 44 da Lei nº 9.605/98 aquele que procede à extração de minérios desacompanhada de autorização, permissão ou concessão dos órgãos competentes em área de floresta de preservação permanente. Inocorrência de conflito aparente de normas. 2. O princípio da insignificância não encontra fértil seara em matéria ambiental, porquanto o bem jurídico ostenta titularidade difusa e o dano, cuja relevância não pode ser mensurada, lesiona o ecossistema, pertencente à coletividade. 3. Extração de mineral que se protrai no tempo não espelha mera atividade necessária à subsistência, o que afasta a excludente de ilicitude. Persistente a conduta criminosa, nada obstante anterior fiscalização do órgão ambiental, tem-se caracterizados o dolo e a culpa, assim como incontroversa a consciência da ilicitude. 4. Apelo improvido, decreto condenatório mantido.” (TRF 4ª REGIÃO, ACR, APELAÇÃO CRIMINAL, Processo 200571000426560, UF: RS, 8ª TURMA, decisão: 06/08/2008, Documento: TRF400169896, D.E. 27/08/2008, Rel. ARTUR CÉSAR DE SOUZA).
Existem julgados que, adotando posicionamento amplamente minoritário, negam possa o princípio da insignificância ser aplicado ao Direito Ambiental, sob o fundamento de que o meio ambiente é um bem jurídico reconhecido como verdadeiro direito humano fundamental (art. 225 da CF/88), em que se lhe reconhece a natureza de patrimônio de toda a humanidade, assegurando-se a esta e às futuras gerações sua existência e exploração racional. Concordamos com a fundamentação, mas não com a conclusão, já que, sendo irrisória a lesão ao bem ambiental (e essa análise deve ser feita não só por parâmetros quantitativos, mas principalmente qualitativos), seria de um extremismo pernicioso aceitar a punição de quem quer que seja. Preferimos, assim, que o princípio continue tendo aplicabilidade, tamanha a sua importância, mas que seja feita por meio de juízos adequados de ponderação, objetivando a proteção do ambiente no plano do Direito Penal Ambiental.
No arrimo das lições de José Rubens Morato Leite e Patrick de Araújo Ayala, não se trata de
“(...) atacar as possiblilidades de aplicação do princípio da insignificância, que constitui, de fato, importante princípio de controle da proporcionalidade e razoabilidade da atividade judicial no espaço do ambiente. No entanto, procurou-se evidenciar e contextualizar essas condições de aplicação, denunciando a insuficiência e inadequação da metódica que utiliza, a qual continua a reproduzir uma postura ainda limitada de compreensão da autonomia do bem ambiental, restringindo os critérios de ponderação tão-somente aos interesses atuais das presentes gerações, quando aquele contempla, como objetivo fundante, a necessidade de comunicação intergeracional com pressuposto para a tomada de decisões”[6].
5. Conclusão
O caminho a ser percorrido pelo Direito Penal Ambiental é dos mais árduos. A responsabilização criminal dos que atentam contra o meio ambiente é problema que tem suscitado enormes divergências em praticamente todos os países. A situação se agrava pelo fato de as leis penais ambientais, no Brasil, ainda serem excessivamente prolixas, casuísticas e tecnicamente imperfeitas, o que dificulta a sua aplicação. O pequeno número de ações penais versando sobre o meio ambiente é reflexo dessa situação.
Além disso, ainda é pequena a consciência social a respeito da necessidade de proteger o ambiente por meio da tutela penal. Não se desconhece que o moderno Direito Penal avança no sentido de uma maior despenalização e aplicação subsisidária e fragmentária de suas disposições. Entretanto, esse fenômeno, coroado que sói pelo princípio da insignificância, não pode ser banalizado na seara ambiental, a ponto de inviabilizar a preservação do ambiente, bem como desestimular condutas lesivas a este.
É imperativo, portanto, que o princípio da insiginificância atue no âmbito do Direito Penal Ambiental de forma criteriosa e excepcional, evitando os excessos (como, por exemplo, a mera utilização de critérios quantitativos para aferir o dano ecológico) capazes de submeter o ambiente a prejuízos desproporcionais e restrições não justificáveis perante a ordem constitucional brasileira.
6. Bibliografia
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 7ª ed. rev., ampl., atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Conflito de Competência n. 20.213/MG. Relator: Ministro Fernando Gonçalves. Publicado no Diário de Justiça da União de 23 ago. 1999.
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patrick de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
MAÑAS, Vico. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1994.
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. A Gestão Ambiental em foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário. 5ª ed. ref., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
PEDROSO, Fernando de Almeida. Direito Penal. Parte Geral. Estrutura do crime. São Paulo: Leud, 1993.
[1] MAÑAS, Vico. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 76.
[2] PEDROSO, Fernando de Almeida. Direito Penal. Parte Geral. Estrutura do crime. São Paulo: Leud, 1993, p. 54.
[3] MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. A Gestão Ambiental em foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário. 5ª ed. ref., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 942.
[4] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Conflito de Competência n. 20.213/MG. Relator: Ministro Fernando Gonçalves. Publicado no Diário de Justiça da União de 23 ago. 1999.
[5] Ob. cit., p. 942.
[6] LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patrick de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 240.
Analista processual do MPF, formada em direito pela UESC - Universidade Estadual de Santa Cruz- Ilhéus/BA.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CASTRO, Anna Karina Lopes de. O princípio da insignificância e o Direito Ambiental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 dez 2008, 07:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/16182/o-principio-da-insignificancia-e-o-direito-ambiental. Acesso em: 23 dez 2024.
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