Introdução
O presente estudo pretende elucidar as principais noções relacionadas à vedação do comportamento contraditório, partindo de sua caracterização como princípio constitucional (decorrente da dignidade da pessoa humana), relacionando-o com a boa-fé objetiva e a teoria do abuso do direito, elucidando os seus pressupostos específicos (factum proprium, contradição ao factum proprium, legítima expectativa e potencialidade de dano) e, ao final, relacionando-o ao processo civil brasileiro.
O princípio da vedação do comportamento contraditório (ou princípio da tutela da confiança legítima ou, ainda, nemo potest venire contra factum proprium) se relaciona diretamente à boa-fé objetiva e decorre do valor constitucional da dignidade da pessoa humana.
Nos dizeres de Marcelo J. López Mesa (2005), “la teoria de los actos propios es una derivación directa del principio de la buena fe y encuentra fundamento normativo”.
Suas origens, contudo, não são recentes, mas sim remontam a história da repugnância à incoerência.
Relaciona-se, indubitavelmente, às noções de solidariedade social, que impõe a necessidade de o Estado intervir para garantir a dignidade da pessoa humana e limitar a atuação privada. Permite, como ensina Anderson Schreiber (2005), uma verdadeira releitura de todo direito privado, empenhada em efetivar os valores da sociedade contemporânea e, consoante Aldemiro Rezende Dantas Júnior (2007), prevalece sobre a legalidade estrita, posto que condiciona a interpretação da norma legal.
A vedação do comportamento contraditório decorre, em suma, da tutela da confiança e da lealdade, que, invariavelmente, transcende o próprio âmbito da boa-fé, estendendo-se sobre todo o direito. Traduz-se na imposição de balizamentos ao comportamento dos indivíduos, tendo em vista a concretização da solidariedade social.
O reconhecimento da necessidade da tutela da confiança, de acordo com as lições de Anderson Schreiber (2005, p. 88), desloca a atenção do direito que passa a focar, além das condutas, o efeito de tais:
O reconhecimento da necessidade da tutela da confiança desloca a atenção do direito, que deixa de se centrar exclusivamente sobre a fonte das condutas para observar também os efeitos fáticos de sua adoção. Passa-se da obsessão pelo sujeito e pela sua vontade individual, como fonte primordial das obrigações, para uma visão que, solidária, se faz atenta à repercussão externa dos atos individuais sobre os diversos centros de interesses, atribuindo-lhes eficácia obrigacional independentemente da vontade ou da intenção do sujeito que os praticou.
Devem ser analisadas as condutas e os efeitos das condutas praticadas de acordo com a lógica da coerência.
Neste diapasão, a proibição do comportamento contraditório não tem por fim apenas a manutenção da coerência, mas também a proteção da confiança despertada na contraparte ou em terceiros.
Trata-se da proibição da pessoa de praticar uma conduta ou ato contrário àquele que já praticara uma vez sendo este capaz de violar as expectativas legítimas despertadas em outrem ou lhe causar prejuízos.
Sem dúvidas, é de Menezes Cordeiro (1984, p. 742) a definição mais elucidativa acerca da locução:
A locução ‘venire contra factum proprium’ traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente. Esse exercício é tido, sem contestação por parte da doutrina que o conhece, como inadmissível.
O doutrinador ressalta que o venire contra factum proprium constituir-se-ia em um tipo não compreensivo de exercício inadmissível de direitos. Determinaria a vinculabilidade de determinados comportamentos.
E continua (2001, p. 750):
Sociologicamente, o comportamento contraditório configura-se como um atentado contra as expectativas fundamentais de continuidade da auto-representação que respeitam também a identidade do parceiro e a relação bilateral.
A seu turno, Aldemiro Rezende Dantas Júnior (2007, p. 291) perfaz uma tradução literal e comparativa da expressão:
A expressão venire contra factum proprium poderia ser vertida para o vernáculo em tradução que se apresentaria em algo do tipo “vir contra seus próprios atos” ou “comportar-se contra seus próprios atos”, pode ser apontada, em uma primeira aproximação, como sendo abrangente das hipóteses nas quais uma mesma pessoa, em momentos distintos, adota dois comportamentos, sendo que o segundo deles surpreende o outro sujeito, por ser completamente diferente daquilo que se poderia razoavelmente esperar, em virtude do primeiro.
Em outras palavras, aquele que aderiu a um determinado comportamento, não poderá se opor às conseqüências jurídicas dele espargidas, em razão da legítima expectativa da outra parte, que, de boa-fé, pressupõe a ocorrência de determinados efeitos.
Por Diez-Picazo (1963), o venire contra factum proprium se relacionaria tanto à fidelidade à palavra dada quanto ao ato praticado.
A seu turno, Ruy Rosado de Aguiar Júnior (1991), preleciona que o venire contra factum proprium se reporta à vedação da atuação contra um fato próprio já praticado que incutira expectativa de efeitos a outrem de boa-fé.
Nas palavras de Marcelo J. López Mesa (2005), não poderia o indivíduo se contradizer com relação aos seus atos anteriores através do exercício de uma conduta incompatível:
Nadie puede ponerse em contradicción con sus propios actos anteriores, a través del ejercicio de una conducta incompatible com uma anterior deliberada, juridicamente relevante y plenamente eficaz.
E continua o mesmo autor (2005), dispondo que o venire contra factum proprium se constituiria como uma limitação ao exercício dos direitos com base na já mencionada legítima expectativa:
Constituye esta una limitación al ejercicio de los derechos que se basa em el rechazo de la sorpresa y la emboscada; el derecho exige uma conducta consonante con la confianza suscitada, requiriendo la coherencia del comportamiento com virtualidad respecto de terceros.
Como se extrai do conceito, seriam necessários dois comportamentos, da mesma pessoa, lícitos e diferidos no tempo. A primeira conduta seria contraria pela segunda e esta traria algum prejuízo a contraparte ou terceiro, sendo, portanto, vedada pelo ordenamento. Isto é, há uma contradição entre duas condutas, posto que a partir da análise da primeira, havia surgido uma legítima expectativa de que outro seria o segundo comportamento.
Nas palavras de Aldemiro Rezende Dantas Júnior, é ressaltada a correlação existente entre a prática do comportamento contraditório e a proteção da boa-fé (2007, p. 291):
(...) Há uma contradição entre os dois comportamentos, pois, a partir da análise do primeiro, havia surgido a legítima expectativa de que outra seria a conduta a ser adotada por ocasião do segundo. (...) Todo comportamento será contrário à boa-fé se for qualificado como contraditório, o que ocorre quando se mostra contrário a um comportamento anterior da mesma pessoa.
E, ademais, o próprio doutrinador ousa elaborar um conceito completo acerca do instituto, ressalvando suas nuances e pressupostos (2007, p. 367-368):
Parece-nos que o venire pode ser conceituado como sendo uma seqüência de dois comportamentos que se mostram contraditórios entre si e que são independentes um do outro, cada um deles podendo ser omissivo ou comissivo e sendo capaz de repercutir na esfera jurídica alheia, de modo tal que o primeiro se mostra suficiente para fazer surgir em uma pessoa mediana a confiança de que uma determinada situação jurídica será concluída ou mantida em certas condições, enquanto o segundo vem frustrar a legítima e razoável expectativa que havia sido criada no outro sujeito, sem que exista justificativa fática ou amparo legal que possa justificar a contradição entre os comportamentos e a conseqüente frustração da expectativa, sem em tal caso irrelevante averiguar se houve dolo ou culpa do que agiu de modo contraditório.
É nítido que, ao se vedar a ocorrência de comportamentos contraditórios, protege-se a confiança, a legítima expectativa, a lealdade, a probidade, a lisura e a honestidade nas relações jurídicas, evidenciando-se a tutela da parte que obrar de acordo com a boa-fé.
Neste sentido, o colendo Superior Tribunal de Justiça, admitindo e aplicando o venire contra factum proprium em nosso ordenamento, já decidira que em “havendo real contradição entre dois comportamentos, significando o segundo quebra injustificada da confiança gerada pela prática do primeiro, em prejuízo da contraparte, não é admissível dar eficácia à conduta anterior”. (Resp n° 9553-9 – SP – Min. Ruy Rosado de Aguiar).
O Tribunal do Estado do Mato Grosso do Sul também já endossara tal entendimento dispondo que “a mudança de negociações pautadas por expectativa escudada na boa-fé objetiva importa em venire contra factum proprium devendo ser arrostada pela proteção da confiança da outra parte” (TJMS – 1ª Turma Cível – Apelação Cível – Ordinário – n° 2001.006261-8/0000-00 – Relator Des. Jorde Eustácio da Silva Frias), bem como a Corte paulista que julgou “inadmissível comportamento processual em contradição à conduta de anuência à composição havida” e “aplicável o princípio segundo o qual a ninguém é licito venire contra factum proprium”. (TJSP – Apelação Cível – 5ª Turma de Direito Privado – n° 5818044200 - Rel. Des. Oscarlino Moeller).
A precisão terminológica será delimitada a contento.
O princípio da vedação do comportamento contraditório (nemo potest venire contra factum proprium), consoante os ensinamentos de Anderson Schreiber, caracterizar-se-ia como um instrumento de realização da solidariedade social prevista no artigo 3º da Magna Carta. Em suas palavras (2005, p. 101):
O princípio da solidariedade social, protegido como objetivo da República brasileira no artigo 3º da Constituição de 1988, impõe a consideração da posição alheia também na atuação privada. O nemo potest venire contra factum proprium, concebido como uma vedação ao comportamento incoerente dirigida à tutela da confiança, não é outra coisa senão um instrumento de realização deste valor constitucional. Há, em outras palavras, direta vinculação entre a solidariedade social e o princípio de proibição ao comportamento contraditório.
Assim como a boa-fé objetiva, uma de suas facetas, seria a de princípio constitucional implícito, valor norteador de todo o ordenamento jurídico pátrio. Apresentar-se-ia como uma expressão da solidariedade social, relacionada e decorrente da dignidade da pessoa humana, de forma direta ou por quaisquer meios de expressão mais concreta.
O princípio deve ser analisado de acordo com o novo enfoque de direitos civis pela malha constitucional, que prestigia os ditames da eticidade, sociabilidade e operabilidade.
O nosso ordenamento jurídico, seguindo as tendências dos sistemas jurídicos em geral, não detém uma regra genérica proibitiva da adoção de comportamentos contraditórios, mas tão somente hipóteses casuísticas em que se pode vislumbrar a configuração do instituto. Muito embora o nemo potest venire contra factum proprium possua assento constitucional, trata-se de um princípio constitucional implícito.
Nesta seara, faz-se imprescindível a compreensão efetiva de seus pressupostos ou requisitos, a fim de que possa se destacar a figura do venire contra factum proprium da boa-fé e da teoria do abuso do direito.
Nos dizeres de Aldemiro Rezende Dantas Júnior (2007, p. 298):
É evidente que nenhuma dessas vinculações com o abuso do direito e com a boa-fé, tem precisão terminológica suficiente para que, a partir delas, possam ser apontadas as características do venire. E é fácil de se chegar à conclusão dessa insuficiência, uma vez que tanto a conduta de boa-fé quanto o abuso do direito são expressões por demais amplas, (...) que comportam diversas hipóteses, cada uma delas com suas próprias e diversas características, e das quais o venire é apenas uma.
Os pressupostos para a caracterização do nemo potest venire contra factum proprium são próprios, peculiares e distintivos dos demais institutos.
É interessante, salientar, todavia, como já feito em outra obra de nossa autoria (2006), que, diante os dizeres de Menezes Cordeiro (1984, p. 759), tais requisitos são necessários, mas não imprescindíveis, sendo que “a falta de algum deles pode ser suprida pela intensidade especial que assumam os restantes”.
Pode se afirmar que são quatro os pressupostos para aplicação do princípio de vedação do comportamento contraditório: a) factum proprium; b) legítima confiança de outrem na conservação do sentido objetivo desta conduta; c) um comportamento contraditório; e d) a existência de um dano ou um potencial de dano a partir da contradição.
A partir dessas considerações iniciais, expor-se-á os aludidos pressupostos detalhadamente.
O factum proprium
O “factum proprium”, como primeiro pressuposto da vedação do comportamento contraditório, é a conduta inicial do indivíduo. Esse elemento significa um acontecimento advindo de um ato humano (pode ser uma ação ou uma omissão). Nesse sentido, leciona Diez-Picazo (1963, p. 194-195):
Para que pueda aplicarse la doctrina de los próprios actos, tal y como aqui tratamos de configurarla, se requiere, en primer lugar, que uma persona haya observado uma conducta determinada.(...)
En nuestro caso, lo que se valora es, pues, uma conducta que una persona há observado. Esta conducta puede inducirse de um acto o de vários, pero solo debe tomarse em consideración em cuanto revela una actitud, una postura, um modo general de proceder.
Para Anderson Schreiber, (2005, p. 127) o factum prorpium:
É, por definição, uma conduta não-vinculante. Torna-se vinculante apenas porque e na medida em que, despertando a confiança de outrem, atrai a incidência do princípio de proibição do comportamento contraditório e impõe ao seu praticante a conservação do seu sentido objetivo. O factum proprium não consiste em ato jurídico no sentido tradicional; passa a produzir efeitos jurídicos somente por força da necessidade de tutelar a confiança legítima depositada em outrem. Em síntese, não é jurídico, torna-se jurídico.
Evidente tratar-se de conduta não vinculante, uma vez que referida conduta se torna vinculante somente quando gera uma expectativa legítima na outra parte, atingindo sua confiança e reclamando a aplicação do princípio em questão.
Nos dizeres de Aldemiro Rezende Dantas Júnior (2007, p. 317):
O primeiro comportamento (o factum proprium), se isoladamente considerado, não é vinculante, não vincula o sujeito a um específico e determinado comportamento posterior. A vinculação surgirá apenas porque, no contexto da situação, verificou-se o surgimento da confiança no segundo sujeito, e a proteção dessa confiança é que conduzirá à necessidade de que o segundo comportamento se mostre coerente, rejeitando-se o que seja contraditório (o venire).
Ademais, segundo Anderson Scheiber (2005), não há falar que o “factum proprium” deva ser juridicamente relevante, isto porque este ato somente importará para o mundo jurídico por força da incidência do “venire contra factum proprium”. Em suma, necessário apenas que se interferisse na esfera alheia, despertando a confiança de outrem.
Aldemiro Rezende Dantas Júnior (2007, p. 316- 317), todavia, perfaz uma crítica a tal ponderação, acrescentando que, a partir do momento em que o comportamento do sujeito repercute na esfera alheia, passa a ser juridicamente relevante:
Ora, mas, a partir do momento em que o comportamento do sujeito repercute na esfera alheia, passou a ser juridicamente relevante, ou seja, passou a ser um fato jurídico, capaz de provocar conseqüências jurídicas relevantes. Não é demais recordar a clássica lição de Miguel Reale, que, ao falar sobre o fato jurídico, esclarece que se trata de todo e qualquer fato da vida social que venha a corresponder ao modelo de comportamento previsto na norma do direito, ou seja, é o fato capaz de provocar conseqüências jurídicas. Logo, se o factum proprium é aquele que repercute na esfera jurídica alheia, então provoca conseqüências jurídicas, ou seja, é um fato jurídico, é juridicamente relevante. Na verdade, no essencial não há qualquer distinção entre a conclusão alcançada por Anderson Schreiber e a que foi por nós mencionada (...) o factum proprium deverá, necessariamente, repercutir na esfera jurídica alheia.
O factum proprium deve, ainda, ser válido quando individualmente considerado, haja vista que, se não o for, estar-se-á diante do campo da ilegalidade. Neste diapasão, Aldemiro Rezende Dantas Júnior (2007, p. 316) ainda acrescenta que também o ato apresentado com a “aparência de validade” poderá ser considerado como factum proprium:
Também será possível a caracterização do venire contra factum proprium quando o primeiro comportamento, embora não tenha sido válido, tenha sido apresentado com a aparência de validade, ou seja, quando se tratar de situação na qual não havia a possibilidade de se detectar a nulidade.
Por fim, assenta Anderson Schreiber, (2005, p. 130), que pelo fato do nemo potest venire contra factum proprium ter fundamento na confiança e solidariedade social, o factum proprium, deve ser capaz de repercutir na vida das pessoas.
Além do “factum proprium”, é indispensável que a conduta perpetrada desperte na esfera alheia uma legítima confiança na preservação de seu sentido objetivo.
Assim pondera Anderson Schreiber acerca da necessidade de se analisar o caso concreto para constatar a ocorrência da legítima confiança (2005, p. 134):
A confiança que se perquire aí não é um estado psicológico, subjetivo, daquele sobre quem repercute o comportamento inicial. Trata-se, antes, de uma adesão ao sentido objetivamente extraído do factum proprium. Somente na análise de cada caso concreto será possível verificar a ocorrência ou não desta adesão ao comportamento inicial, mas servem de indícios gerais não-cumulativos: (i) a efetivação de gastos e despesas motivadas pelo factum proprium, (ii) a divulgação pública das expectativas motivadas, (iii) a adoção de medidas ou a abstenção de atos com base no comportamento inicial, (iv) o grau elevado de repercussão exterior, (v) a ausência de qualquer sugestão de uma futura mudança de comportamento, e assim por diante.
Nesse mesmo sentido, Menezes Cordeiro (1984, p. 758), correlacionando os aludidos pressupostos, esclarece ser necessária “a actuação de um fato gerador de confiança, em termos que concitem interesse por parte da ordem jurídica” bem como “a adesão do confiante a este fato”.
Para comprovação do estado de confiança não se exige uma demonstração rigorosa. Pode o magistrado presumir a adesão ao factum proprium, a partir dos fatos. A ocorrência de prejuízo nos leva a conclusão que o prejudicado aderiu de algum modo ao comportamento inicial. É preciso, contudo, que esta confiança derive diretamente de referido comportamento.
Importante ressaltar também, que a análise da presença de legítima confiança deve levar em consideração uma pessoa normal. Nos dizeres de Marcelo J. López Mesa (2005), a análise da legítima expectativa deve ser feita “objetivamente”.
Menezes Cordeiro (1984) exige, ainda, simultaneamente a um elemento objetivo, a realização de um fato gerador de legítima confiança, a existência de um elemento subjetivo, consubstanciado na adesão do confiante a este fato. E acrescenta que, muito embora possa existir o elemento objetivo, se o confiante não o aderiu, por qualquer razão ao fato gerador, não é cabível qualquer proteção jurídica.
Como terceiro pressuposto para a aplicação do princípio da vedação do comportamento contraditório, está a contradição ao factum proprium. O que se exige, em verdade, é um comportamento posterior que contrarie a conduta inicial.
Importa destacar que, por decorrência do princípio da boa-fé, a contradição é considerada em sentido também objetivo. Isso implica dizer que não se perquire aqui a vontade do agente, mas tão somente a existência de comportamento posterior contrário.
Consoante Aldemiro Rezende Dantas Júnior (2007, p. 323), “o que de fato interessa é que tenha havido a frustração de uma expectativa”, objetivamente.
E, no mesmo diapasão, Marcelo J. López Mesa (2005) acentua que pouco importaria dolo, conhecimento ou erro na prática do segundo comportamento:
Luego se dejó constancia de la total irrelevancia que reviste para el funcionamiento del instituto aplicado la disposición subjetiva del autor de la conducta contradictoria ... ni que la misma haya tenido su orígen em um error... porque como se han encargado de precisarlo los autores la inadmissibilidad del “venire contra factum” se produce “objetivamente” com prescindencia del grado de conciencia o conocimiento que haya tenido el agente al realizarla.
Também não se exige licitude da conduta, pelo contrário, a conduta é lícita. Basta apenas incoerência entre dois comportamentos. Ainda nos dizeres de Aldemiro Rezende Dantas Júnior (2007, p. 313):
(...) No venire, cada um dos comportamentos, quando individualmente considerado, mostra-se válido (ou, pelo menos, aparentemente válido), mesmo porque, se não o fosse, não estaríamos na seara do venire contra factum proprium, mas no puro e simples campo da ilegalidade. O que vem a se mostrar ilícito, portanto, não é o considerar isolado de qualquer dos dois comportamentos, mas a conduta do sujeito considerada de modo global, ou seja, a conduta considerada como o conjunto dos dois comportamentos mencionados.
E, no mesmo sentido, Anderson Schreiber (2005, p. 138):
[...] se a contradição à conduta inicial de dá por meio de um ato que o ordenamento jurídico já considera ilícito, as sanções a este ato decorrerão de disposições específicas do próprio ordenamento, e não de uma eventual proteção à confiança e à solidariedade nas relações sociais. [...] Havendo ilicitude não se faz necessária a aplicação do princípio de proibição ao comportamento contraditório, por se tratar de ato combatido, com maior propriedade, pelas normas específicas que o sancionam. O venire contra factum proprium consiste em uma conduta aparentemente lícita, que se torna abusiva ou, na dicção do artigo 187 do Código Civil, ilícita, apenas no sentido em que violam por força da própria contradição, a confiança legítima de outrem e a boa-fé objetiva.
A seu turno, Diez-Picazo (1963, p. 228) trata da contradição ao factum proprium da seguinte maneira:
[...] La contradicción es, em rigor, una idea logica que expresa contra posición o incompatibilidad entre dos conceptos. La incompatibilidad u oposición de tipo lógico se dá aqui entre dos actitudes vitales de uma mesma persona. Son actitudes logicamente incompatibles respetar uma situación jurídica e impugnarla, reconocer um derecho y discutirlo, dar por extinguido um derecho e considerarlo todavia vivo, etc.
E Aldemiro Rezende Dantas Júnior (2007, p. 334):
O primeiro comportamento, ainda que não vincule o sujeito, transmite a clara idéia de que o mesmo adotará um determinado comportamento positivo, gerando no outro a expectativa de que um ato específico será praticado, sendo que isso não ocorre.
Destarte, como já exposto, trata-se de um comportamento posterior, lícito, mas que viola a confiança da contraparte ou de terceiro. Quando verificada essa violação em toda e qualquer relação jurídica seja processual ou não, incidirá o “nemo potest venire contra factum proprium” como corolário lógico do princípio da boa-fé objetiva.
Atua contra os próprios atos aquele que praticar um comportamento objetivamente incompatível com a sua conduta anterior. Por Marcelo J. López Mesa (2005):
Va contra sus propios actos quién ejerce um derecho em forma objetivamente incompatible com su conducta anterior y que semejante pretensión resulta írrita al principio de la buena fé y particularmente a la exigencia de observar dentro del trafico jurídico um comportamiento coherente.
Deve se atentar ainda, que a contradição deve ser injustificada, pois em sede de inexigibilidade de conduta diversa, de acordo com Aldemiro Rezende Dantas Júnior (2007, p. 346-347) não há que se cogitar da aplicação do venire:
Uma primeira observação, (...) é que a contradição verificada entre os comportamentos do sujeito deve ser injustificada. Assim, por exemplo, se a contradição foi aferida no cotejo de um comportamento atual com um anterior, sendo que neste (o primeiro comportamento) se tratou de situação na qual era inexigível que o sujeito se comportasse de outra forma, não se terá concretizado o venire, pois a contradição, no caso, está justificada. E é interessante ressaltar que essa ocorrência de inexigibilidade de conduta diversa, capaz de justificar a contradição e impedir que se caracterize o venire, vai se manifestar, sempre, em relação ao primeiro dos comportamentos. À guisa de exemplos, podemos nos reportar ao caso da lesão, previsto no art. 157 do Código Civil brasileiro.
Por fim, importante destacar se há ou não necessidade de um lapso temporal entre os comportamentos. Ao que parece, exigir a decorrência de um lapso temporal é irrelevante. Entretanto, imprescindível expor que mesmo que os comportamentos sejam concomitantes podem levar a aplicação do princípio em exame. Isso se deve ao fato de que o ato inicial pode despertar a confiança de outrem, porém suas conseqüências sobre essa contraparte se de em momentos distintos.
Nesse diapasão, Anderson Schreiber (2005, p. 143) leciona que “a confiança que o nemo potest venire contra factum proprium pretende tutelar, não se forma no momento de prática da conduta, mas no momento de sua repercussão sobre o titular dessa confiança”.
E complementa (2005, p. 143-144) que seria possível a referida incidência “do princípio de proibição do comportamento contraditório em situações de condutas contraditórias simultâneas, desde que a sua repercussão sobre aquele que invoca o nemo potest venire contra factum proprium tenha se dado em momentos diferentes”.
A contradição ao factum proprium não é uma simples contradição, mas sim uma contradição qualificada.
Na realidade, em sede de nemo potest venire contra factum proprium, a contrariedade (ou incoerência), em si mesma, não é sancionada, sendo imprescindível a confiança despertada na outra parte.
Por Aldemiro Rezende Dantas Júnior (2007, p. 294):
Pode-se dizer, portanto, que o venire contra factum proprium tem como foco um elemento externo à pessoa que adota os dois comportamentos que se mostram incoerentes, sendo tal elemento externo a confiança que se formou no outro sujeito. A incoerência, em si mesma, portanto, se mostra irrelevante, apenas interessando as suas conseqüências quanto ao outro sujeito, vale dizer, se houve, ou não, o surgimento da confiança.
Isto significa que o repúdio à incoerência só ocorrerá quando necessário à tutela da confiança. Ainda nos ditames de Aldemiro Rezende Dantas Júnior (2007, p. 294), “a rejeição à incoerência será feita tão-somente quando necessária para a tutela da confiança que surgiu de modo justificado pelas especiais circunstâncias da situação da vida real”.
Ao se aplicar do “nemo potest venire contra factum proprium” a finalidade precípua consiste na tutela da legítima confiança que uma pessoa tem na conservação de um comportamento inicial e conseqüentemente, na tentativa de evitar a ocorrência de um dano. Desse modo, a aplicação de aludido princípio somente se justifica mediante a existência de um dano ou ameaça de um dano – dano efetivo ou potencial – a outrem.
Importante ressaltar que o mero potencial de lesividade é suficiente para a incidência da vedação do comportamento contraditório. Nas palavras de Anderson Schreiber (2005, p. 146):
[...] O mero potencial lesivo já é suficiente, porque, sendo bem sucedido em seu efeito primordial, o nemo potest venire contra factum proprium impedirá mesmo a produção de qualquer prejuízo, obstando o comportamento contraditório. Se, todavia, o comportamento contraditório não puder ser obstado a tempo, e dano se verificar, assumirá o princípio um efeito reparatório, impondo o desfazimento da conduta posterior ou ressarcimento pecuniário dos danos, conforme o caso.
A seu turno, Brunela Vieira de Vincenzi (2003, p. 166-167), explicita que, uma vez existindo a possibilidade de dano, a regra da boa-fé objetiva (e conseqüentemente, do nemo potest venire contra factum proprium) deverá incidir:
Existindo a possibilidade de que o exercício do direito cause dano a outrem ou que tenha efetivamente causado dano (ou, ainda, sendo possível a sua repetição no tempo), deverá incidir a regra da boa-fé objetiva. (...) Mais do que verificar o dano, a culpa e o nexo de causalidade como manda a regra geral do art. 159 do Código Civil de 1916 e do art. 187 do Código já em vigor, no novo paradigma, preocupa-se mais, em respeito à confiança e colaboração entre as partes, com a manutenção de uma relação jurídica sadia (...).
Há falar também na possibilidade de dano moral. Apesar de a violação da legítima confiança, por si só, não caracterizar dano moral, pode ela em certas circunstâncias gerar essa espécie de dano.
Para o presente estudo, não nos interessam as minúcias de cada uma delas, mas tão somente ressaltar que a vedação do comportamento contraditório se relaciona à terceira função da boa-fé.
Ora, esta função tem justamente o escopo de impedir o exercício de direitos ou de posições jurídicas que contrariem a lealdade e confiança que devem permear as relações jurídicas.
Trata-se da aplicação da boa-fé em seu sentido negativo ou proibitivo. Segundo Anderson Schreiber (2005, p. 83-84):
A terceira função geralmente atribuída à boa-fé objetiva é a de impedir o exercício de direitos em contrariedade à recíproca lealdade e confiança que deve imperar nas relações privadas. Trata-se de uma aplicação da boa-fé em seu sentido negativo ou proibitivo: vedando comportamentos que, embora legal ou contratualmente assegurados, não se conforme aos standards impostos pela cláusula geral. Aqui, a doutrina utiliza frequentemente a expressão exercício inadmissível de direitos, referindo-se ao exercício aparentemente lícito, mas vedado por contrariar a boa-fé.
Desse modo, quando o indivíduo se pauta em suas relações jurídicas pela boa fé objetiva, atua de acordo com os ditames do nemo potest venire contra factum proprium.
Brunela Vieira de Vincenzi (2003, p. 165) salienta que a regra da boa-fé objetiva para a proteção da confiança e da manutenção foi consuetudinário de esforço jurisprudencial e doutrinário, no sentido de impedir o exercício de posições lícitas contrárias à expectativa criada:
A síntese teórica alcançada diante da elaboração jurisprudencial e doutrinária aponta para a aplicação da regra da boa-fé objetiva para a proteção da confiança e da manutenção (com o aproveitamento dos atos já praticados) de relações jurídicas subjacentes. Assim, em determinadas hipóteses impede-se o exercício de posições lícitas contrárias à expectativa ou confiança criada em situações anteriormente existentes entre os mesmos sujeitos ou entre o sujeito e a coletividade (especificamente, o venire contra factum proprium).
E predispõe, ainda, que o venire contra factum proprium consiste na aplicação específica do princípio da boa-fé para limitar o exercício de posições jurídicas de forma abusiva:
Aplica-se o princípio da boa-fé objetiva para limitar o exercício de posições jurídicas de forma abusiva, ou seja, para impedir que o exercício de um direito subjetivo cause prejuízos à sociedade ou a outros sujeitos, amparando-se o agente numa suposta legalidade, ficando, assim, isento da responsabilidade sob alegação – injusta – de exercício regular de direitos.
Nessa mesma linha de pensamento, a obra de Aldemiro Rezende Dantas Júnior (2007, p. 292):
A proibição do venire, facilmente pode se identificar, refere-se à proteção da boa-fé, ou melhor, refere-se à necessidade de que cada um dos sujeitos do negócio jurídico adote conduta que seja consentânea com a boa-fé, o que, em última análise, como já vimos, retro, significa que cada um desses sujeitos deverá respeitar os deveres laterais que surgem em todos os negócios jurídicos e que são impostos exatamente em função da necessidade de observância da boa-fé.
Toda essa preocupação com relações jurídicas norteadas pelos deveres laterais da boa-fé se deve ao forte movimento contemporâneo de solidarização dessas relações. A preocupação com o outro toma posição de destaque na sociedade atual. Anderson Schreiber explica (2005, p. 84):
Esta leal consideração pela posição da contraparte, pelas suas particularidades e seus interesses, consiste na razão do amplo desenvolvimento da boa-fé objetiva em um direito contemporâneo dirigido à realização da solidariedade social, e se confunde mesmo com o seu conteúdo [...].
Assim, pode se concluir que a tutela da confiança, do comportamento leal, transcende a própria boa-fé, refletindo em todo o ordenamento jurídico, estando inserida no campo da solidarização do direito.
Ainda de acordo com Anderson Schreiber (2005, p. 88-89):
A confiança, inserida no amplo movimento de solidarização do direito, vem justamente valorizar a dimensão social do exercício dos direitos, ou seja, o reflexo das condutas individuais sobre terceiros. [...] Em outras palavras, o reconhecimento da necessidade da tutela da confiança desloca a atenção do direito, que deixa de se centrar exclusivamente sobre a fonte das condutas para observar também os efeitos fáticos da sua adoção. [...] Daí o aviso lançado também entre nós, segundo o qual a ‘revalorização da confiança como valor preferencialmente tutelável no trânsito jurídico corresponde a uma alavanca para repensar o direito civil brasileiro contemporâneo e suas categorias fundamentais’. [...] A tutela da confiança revela-se, em um plano axiológico-normativo, não apenas como principal integrante do conteúdo da boa-fé objetiva, mas também como forte expressão da solidariedade social, e importante instrumento de reação ao voluntarismo e ao liberalismo ainda amalgamados ao direito privado como um todo.
E Menezes Cordeiro (1984, p. 756):
A confiança permite um critério de decisão: um comportamento não pode ser contraditado quando ele seja de molde a suscitar a confiança das pessoas. A confiança contorna, ainda, o problema dogmático, de solução intrincada, emergente da impossibilidade jurídica de vincular, permanentemente, as pessoas aos comportamentos uma vez assumidos. [...] A confiança dá um critério para a proibição do venire contra factum proprium. [...].
No ordenamento jurídico brasileiro, em suma, a vedação do comportamento contraditório tem como objetivo a coerência das atuações dos indivíduos em toda e qualquer relação jurídica, inserindo-se perfeitamente na tutela da confiança e na efetivação do princípio da boa-fé objetiva.
Todavia, não é apenas um dever de coerência que a vedação do comportamento contraditório impõe. A incoerência deve ser vedada no momento em que puder violar a confiança de outrem e causar-lhe prejuízos ou tenha potencial lesividade.
Complementa Anderson Schreiber (2005, p. 90):
Mais que contra a simples coerência, atenta o ‘venire contra factum proprium’ à confiança despertada na outra parte, ou em terceiros, de que o sentido objetivo daquele comportamento inicial seria mantido, e não contrariado. Ausentes tais expectativas, ausente tal atentado à legítima confiança capaz de gerar prejuízo a outrem, não há razão para que se imponha a quem quer que seja coerência com um comportamento anterior.
Importante também dispor que a vedação do comportamento contraditório incide somente naquelas condutas realizadas à margem do direito positivo.
Ora, é inequívoco, como bem pondera Anderson Schreiber, (2005, p. 126), que o nemo potest venire contra factum proprium se evidencia como resultado da constatação atual de que o direito estritamente positivo não é suficiente para solucionar conflitos e atender todas as necessidades da sociedade.
Em outras palavras, não há razão em se aplicar o princípio em exame sobre comportamento já vinculado legalmente, uma vez que o próprio ordenamento jurídico já impõe conseqüências.
Nos dizeres de Schreiber, (2005, p. 127) “a confiança na coerência de um eventual comportamento posterior é, em tais casos, irrelevante”.
E continua (2005, p. 94):
De igual maneira, nas hipóteses em que se prevê de forma expressa a vedação ao comportamento contraditório (v.g., artigos 175, 476 e 491), a impossibilidade de vir contra os próprios atos não deriva aí – ao menos não diretamente – de um princípio segundo o qual o nemo potest venire contra factum proprium, mas de regras específicas ditadas pelo Código Civil. Não se deve, tampouco nestes casos, proceder a investigações acerca da existência ou não de confiança legítima, porque ela foi presumida, incorporando-se positivamente no texto legal a solução que pareceu ao legislador mais adequada. O mesmo acontece com relação àqueles atos considerados vinculantes pelo próprio ordenamento, que já determina sanções para sua contradição. A violação a uma estipulação contratual, por exemplo, não configura em nosso sistema jurídico um venire contra factum proprium, mas inadimplemento contratual em sentido estrito. A invocação do nemo potest venire contra factum proprium nestas situações é desnecessária.
Pode se compreender, assim, que a vedação da conduta contraditória não se aplica somente aos atos vinculantes, que se resumem àqueles aqueles previstos no ordenamento e para o qual já existem sanções em caso de contradição.
Por Menezes Cordeiro (1984, p. 758)
A hipótese de um exercício inadmissível de direitos postula, contudo, que a posição jurídica de cuja actuação se trate não seja, directamente, interferida por normas jurídicas, ainda que de aplicação analógica.
A função primordial do nemo potest venire contra factum proprium, dessa forma, é tutelar a confiança por meio da vedação da incoerência. Aplica-se esta cláusula geral da boa-fé a fim de se proteger as legítimas expectativas criadas em outrem.
Ainda para Menezes Cordeiro (1984; p. 751):
Em suma: a proibição de venire contra factum proprium traduz a vocação ética, psicológica e social da regra pacta sunt servanda para a juspositividade, mesmo naqueles casos específicos em que a ordem jurídica estabelecida, por razões estudadas, por desadaptação ou por incompleição, lha negue. [...] O vincular uma pessoa às suas atitudes faz sentido, em particular, quando tenham um beneficiário; este, por seu turno, não poderia recusar as necessárias contrapartidas. As permissões normativas esgotar-se-iam no primeiro exercício e todo o relacionamento social converter-se-ia num edifício rígido de deveres irrecusáveis. A essência do jurídico contradiz, por si, tal possibilidade: numa crítica clássica, mas ainda actual, às tentativas de redução do Direito à sociologia, deve ter-se presente que o direito não sanciona o que está; tem uma vocação efectiva para dirigir, num sentido ou noutro, os comportamentos humanos.
A vedação ao comportamento contraditório assume o papel de controladora dos comportamentos dos indivíduos, sendo, por conseguinte, instrumento de realização da confiança e da boa-fé.
Por fim, interessante e necessário ponderar brevemente acerca da aplicação dos postulados do venire contra factum proprium em sede de processo civil.
Ora, a esta altura o leitor pode concluir que, em sendo a vedação do comportamento contraditório decorrência do princípio da boa-fé objetiva, a aplicação de suas noções deve ser estendida a todas e quaisquer as relações jurídicas subjacentes, o que, nitidamente, inclui o processo civil.
Tal qual salientado noutra obra de nossa autoria (2006), as partes litigantes não podem adotar comportamentos contraditórios durante o transcurso do processo pelo fato de atuarem como colaboradores da justiça e não meros combatentes antiéticos em juízo.
As partes são obrigadas a obedecer tanto o princípio da boa-fé objetiva quanto o venire contra factum proprium, asseverando-se em especial, a limitação ao exercício de posições jurídicas de forma abusiva e o respeito às legítimas expectativas criadas.
O venire contra factum proprium, hoje bem amparado pela doutrina e jurisprudência, terá a sua aplicação de acordo com a verificação de seus pressupostos pelo julgador.
Pertinentes as disposições de Brunela Vieria de Vincenzi (2003, p. 161), de que “trata-se de, no caso concreto, verificar estarem presentes os postulados ensejadores de sua aplicação, quando nasce o dever do julgador de corrigir situações jurídicas insustentáveis e incorretas”.
BIBLIOGRAFIA
AMERICANO, Jorge. Do abuso do direito no exercício da demanda. São Paulo: Casa Vanorden, 1923.
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 3. ed.São Paulo: Saraiva, 1999.
BIDART CAMPOS, Gérman José. El Derecho de la constitucion y su fuerza normativa. Buenos Aires: Ediar, 1995-2004.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, 1997.
CORDEIRO, Antônio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2001.
___________. Da boa fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 1984. vol. 2.
DANTAS JÚNIOR, Aldemiro Rezende. Teoria dos atos próprios no princípio da boa-fé. Curitiba: Juruá, 2007.
DIEZ-PICAZO. La doctrina de los proprios actos. Barcelona: Bosch, 1962.
DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais: elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
FACHIN, Luiz Edson. Apreciação Crítica do Novo Código Civil de 2002 na perspectiva constitucional do direito civil contemporâneo. In Revista Jurídica. São Paulo. Fevereiro, 2003. vol. 304.
GARCIA, Enéas Costa. Responsabilidade pré e pós-contratual à luz da boa-fé. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003.
GOLDSCHIMIDT, James. Princípios generales del proceso. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa – América, 1961.
KLEE, Antônia Espíndola Longoni. Constitucionalização do Direito Civil e sua influência para o surgimento do Código de Defesa do Consumidor. In Revista Jurídica. São Paulo, Junho, 2008. vol. 368.
LORDI, Antonio. Relazione sull´incontro Buona fede. Equità. Equity. Disponível em . Acesso em 18.jun.2005.
MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. 1. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
MESA, Marcelo López. De nuevo sobre el principio general de la buena fé y la doctrina de los actos proprios. Disponível em . Acesso em 28.ago.2005.
NEGREIROS, Teresa. Fundamentos para uma interpretação constitucional do princípio da boa-fé. 1. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.
NUNES, Pedro dos Reis. Dicionário de Tecnologia Jurídica. 12. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1990.
NUNES, Luiz Antônio Rizzatto, O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002.
PRETEL, Mariana Pretel e. A boa-fé objetiva e a lealdade no processo civil brasileiro [Monografia de Graduação] / Mariana Pretel e Pretel; orientação Prof. Paulo Eduardo D'Arce Pinheiro. Presidente Prudente: Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo, Faculdade de Direito de Presidente Prudente, 2006.
_______________. A boa-fé: conceito, evolução e caracterização como princípio constitucional. Teresina, 2007. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10519. Acesso em 01.ago.08.
_______________. A boa-fé como cláusula geral. Brasília, 2007. Disponível em http://www.clubjus.com.br/cbjur.php?artigos&ver=2.11512. Acesso em 01.ago.08.
_______________. A vedação do comportamento contraditório como corolário do princípio da boa-fé objetiva e sua incidência em todas as relações jurídicas. Brasília, 2007. Disponível em http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=2.11931. Acesso em 01.ago.08.
_______________. Boa-fé objetiva: Alguns aspectos processuais no direito de família. Brasília, 2008. Disponível em http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=2.17271. Acesso em 01.ago.08.
_______________. Os princípios e o ordenamento jurídico aberto. São Paulo, 2007. Disponível em http://www.webartigos.com/articles/2899/1/Os-Principios-e-o-Ordenamento-Juridico-Aberto/Pagina1.html. Acesso em 01.ago.08.
_______________ et all. O princípio da vedação do comportamento contraditório no processo civil brasileiro. [Monografia de Pós Graduação]/ Orientação Prof. Eduardo Gesse. Presidente Prudente: Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo, Faculdade de Direito de Presidente Prudente, 2008.
RIBEIRO, José Horácio Halfeld Rezende. Abuso do direito. In Revista do Advogado. São Paulo, Julho de 2008. Vol. 98.
ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no Código Civil. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios constitucionais. Porto Alegre: Fabris, 1999.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2ª ed. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2002.
SCHREIBER, Anderson. A Proibição de Comportamento Contraditório. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
SLAWINSKI, Célia Barbosa Abreu. Contornos Dogmáticos e Eficácia da Boa-fé Objetiva. O princípio da Boa-fé no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2002.
STOCO, Rui. Abuso do direito e má-fé processual: Aspectos Doutrinários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Boa-fé e processo – princípios éticos na repressão à litigância de má-fé – papel do juiz. In Revista Jurídica. São Paulo. Junho, 2008. vol. 368.
VICENZI, Brunela Vieira de. A boa-fé no processo civil. 1.ed. Atlas, 2003.
Advogada. Pós Graduação "Lato Sensu" em Direito Civil e Processo Civil. Bacharel em direito pela Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo. Extensão Profissional em Infância e Juventude. Autora do livro "A boa-fé objetiva e a lealdade no processo civil brasileiro" pela Editora Núria Fabris e Co-autora do livro "Dano moral - temas atuais" pela Editora Plenum. Autora de vários artigos jurídicos publicados em sites jurídicos.E-mail: [email protected], [email protected], [email protected]<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PRETEL, Mariana e. O princípio constitucional da vedação do comportamento contraditório. Os pressupostos específicos para a caracterização do "venire". A coibição da conduta contraditória e o processo civil brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 abr 2009, 11:01. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/17184/o-principio-constitucional-da-vedacao-do-comportamento-contraditorio-os-pressupostos-especificos-para-a-caracterizacao-do-quot-venire-quot-a-coibicao-da-conduta-contraditoria-e-o-processo-civil-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Precisa estar logado para fazer comentários.