É intuitivo reconhecer que a concepção de controle de constitucionalidade caminha, pari passu, com a evolução do próprio Estado de Direito. Preserva as opções políticas fundamentais do Constituinte, assegura a observância do fundamento de validade das distintas espécies normativas e assenta bases sólidas na divisão das funções estatais, evitando que os órgãos incumbidos da produção normativa, na senda de maiorias ocasionais, terminem por se distanciar desses vetores axiológicos. A Itália, como não poderia deixar de ser, prestigiou esse verdadeiro axioma, sendo a Constituição, em boa parte, o que os juízes constitucionais entendem que ela é (Biscaretti di Rufia, Diritto Costituzionale, 1989, p. 654).
O sistema italiano de controle de constitucionalidade, nos moldes atuais, consagra o controle concentrado, de criação austríaca (Verfassungskontrolle, introduzido na Constituição de 1920 e que se estendeu por toda a Europa), e ainda contempla uma limitada participação dos demais órgãos jurisdicionais, o que, em sua origem, estaria associado ao modelo de controle difuso, de origem norte-americana (judicial review, desenvolvido a partir do caso Marbury v. Madison, 1 Cranch 137, 1803). Com exceção da atividade desenvolvida pelos próprios órgãos incumbidos da produção normativa, não é divisada a existência de um controle de natureza política, a ser realizado por um órgão independente (modelo francês, no qual o controle é desenvolvido, anteriormente à publicação da lei, pelo Conseil Constitutionnel – art. 61 da Constituição de 1958). O controle de constitucionalidade é essencialmente sucessivo, mas é igualmente contemplada a possibilidade do controle prévio.
O Tribunal Constitucional (Corte Costituzionale), órgão responsável pela realização do controle concentrado (controllo accentrato), é composto de quinze juízes, sendo um terço nomeado pelo Presidente da República, um terço pelo Parlamento e um terço pela Magistratura Superior (art. 135, 1, da Constituição de 1947), que ocuparão os cargos durante nove anos, vedada a recondução (art. 135, 3 e 4, da Constituição). Como principal atribuição, incumbe ao Tribunal julgar as controvérsias relativas à “legitimidade constitucional” das leis e dos atos com força de lei do Estado e das Regiões (art. 134, da Constituição e art. 2o da Lei Constitucional noManuale di Diritto Costituzionale, 2002, p. 479) - fórmula cuja amplitude encontra ressonância no sistema parlamentar de governo e na forma de Estado, que, não obstante intitulada de unitária, atribui considerável autonomia às regiões. Quanto à inconstitucionalidade superveniente (incostituzionalità sopravvenuta), o Tribunal admitiu o exame de leis anteriores à Constituição (Sentença nº 1/1956), possibilidade que, consoante a melhor doutrina, deve ficar restrita às hipóteses em que, não se colocando o problema da ab-rogação da norma, seja suscitado um possível conflito interpretativo com a Constituição (Vergottini, Diritto Costituzionale, 2001, p. 620). 1/1948) – incluindo as Províncias autônomas de Trento e Bolzano (Di Celso e Salermo,
A insurgência quanto à legitimidade constitucional da norma, concebida em abstrato (controllo astratto), exige seja indicado “o dispositivo da Constituição ou da lei constitucional que se sustenta violado” (Lei no 87, de 11 de março de 1953). Embora vedadas as “valorações de natureza política e a sindicação sobre o uso dos poderes discricionários do Parlamento” (Lei no 87/1953, art. 28), tal não tem impedido a aferição da constitucionalidade a partir da valoração dos princípios constitucionais, com a realização de um bilanciamento fra valori, bem como a identificação do eccesso di potere legislativo e a infração ao postulado da non arbitrarietà (Vergottinni, Diritto..., p. 625). Como peculiaridade, é admitido o controle de constitucionalidade tomando-se como parâmetro as fontes normativas subordinadas à Constituição, também denominadas de normas interpostas (norme interposte), do que é exemplo a obrigação de as Regiões, em sua produção normativa, observarem os limites traçados pela lei do Estado (art. 117 da Constituição). Como se percebe, a ofensa à Constituição é indireta, sendo necessariamente invocada a integração da sua força normativa, levada a efeito pelo legislador infraconstitucional, para fins de controle de constitucionalidade (Siclari, Le “Norme Interposte” nel Giudizio di Costituzionalità, 1992, pp. 03/04).
O poder de iniciativa é restrito ao Estado e às Regiões. Como as leis regionais são analisadas pelo Governo anteriormente à promulgação e à publicação, não aceitando o Conselho da Região as observações formuladas, pode ser ajuizada a respectiva ação perante o Tribunal Constitucional, nos quinze dias seguintes à deliberação regional. Trata-se de controle nitidamente preventivo. As impugnações das Regiões, por sua vez, são sucessivas, devendo ser ajuizadas nos trinta dias seguintes à publicação da lei do Estado ou, em se tratando de lei de outra Região, nos sessenta dias seguintes. Ao fixar prazos para a deflagração do controle concentrado, o sistema italiano prestigia a segurança e a certeza jurídica em detrimento da própria preeminência da Constituição.
Somando-se à impugnação em sede principal, tem-se aquela iniciada por via de exceção, realizado de forma incidente a um procedimento jurisdicional em curso (art. 1o da Lei Constitucional no 1/1948 e art. 23, 1 e 3, da Lei no 87/1953 – controllo concreto), sendo a única via aberta aos particulares, ao Ministério Público (Pubblico Ministero) e às demais pessoas jurídicas de direito público que não o Estado e as Regiões. O órgão jurisdicional, mesmo de ofício, identificando a presença de uma questione pregiudiziale di costituzionalità que não se mostre manifestamente improcedente e a sua relevância para o julgamento do mérito, emite um decreto motivado (ordinanza di rimessione) e submete a questão à apreciação do Tribunal Constitucional, suspendendo o processo principal. Apesar de o Ministério Público integrar o Judiciário (art. 107 da Constituição), não acolhendo o juiz a questão de inconstitucionalidade por ele suscitada, a doutrina tem reconhecido a impossibilidade de a matéria ser submetida à apreciação do Tribunal Constitucional, pois o Pubblico Ministero é “sempre più parte e sempre meno giudice” (Zanon, Pubblico Ministero e Costituzione, 1996, p. 142/156).
Cabe ao órgão jurisdicional a quo indicar o resultado pretendido: declaração de inconstitucionalidade da norma, realização de interpretação conforme à Constituição etc. Proferida a ordinanza di rimessione, além da publicação, são notificadas as partes, o Ministério Público (nos casos em que intervém), o Governo (Presidente do Conselho de Ministros ou Presidente da Junta Regional, conforme o caso) e o Legislativo (os Presidentes das duas Câmaras do Estado ou o Presidente do Conselho Regional). Apreciada a questão pelo Tribunal, a decisão vinculará o órgão a quo e o processo principal seguirá o seu curso normal.
O Tribunal, observado o quorum mínimo de onze juízes, delibera pela maioria absoluta dos votantes, não se admitindo a divulgação dos votos dissidentes. Decidindo ser fundada a questão de constitucionalidade suscitada em via principal ou incidente, o Tribunal declara, com efeitos erga omnes (Di Celso e Salermo, Manual..., p. 493), a ilegitimidade constitucional da norma (art. 18 da Lei no 87/1953), cuja eficácia cessa no dia imediato à publicação da sentença (art. 136 da Constituição). Esse último preceito, indicativo de que a declaração de inconstitucionalidade produz efeitos ex nunc (per l´avvenire), não tem sido interpretado em sua literalidade. No plano do controle incidental, vale observar que a norma deixará de ser aplicada no processo que já estava em curso, demonstrando que a decisão produz efeitos ex tunc (per il passato), interpretação harmônica com a ratio do art. 30, 3, da Lei no 87/1953, que dispõe sobre a impossibilidade de aplicação da norma “no dia sucessivo à publicação da decisão”, o que, à evidência, alcança a relação processual até então suspensa (Vergottini, Diritto..., p. 635). Proferida a decisão, salvo os limites indicados pelo Tribunal, os efeitos operam ex tunc, sendo raras as situações (v.g.: Sentença no 501/1998) em que o Tribunal procura delimitar no tempo a produção de efeitos (illegittimitá costituzionale sopravvenuta – Di Celso e Salermo, Manual..., p. 495). É plenamente factível que a inconstitucionalidade de uma norma possa acarretar a correlata declaração de inconstitucionalidade de outra norma com ela estritamente relacionada (illegittimità conseguenziale) ou mesmo a repristinação de norma revogada (riviviscenza).
Membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Ex-Consultor Jurídico da Procuradoria Geral de Justiça (2005-2009). Assessor Jurídico da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP). Doutorando e Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa. Especialista em Education Law and Policy pela European Association for Education Law and Policy (Antuérpia - Bélgica) e em Ciências Políticas e Internacionais pela Universidade de Lisboa. Membro da International Association of Prosecutors (The Hague - Holanda)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GARCIA, Emerson. O Processo Constitucional Italiano e a Atuação do Ministério Público Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 out 2009, 07:49. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/18522/o-processo-constitucional-italiano-e-a-atuacao-do-ministerio-publico. Acesso em: 23 dez 2024.
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