“A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
(Art. 205, caput, Constituição da República de 1988).
Como preceitua a Constituição da República no artigo 205, a educação é um dever do Estado e da família. O Estado deve proporcionar o acesso à educação através dos estabelecimentos de ensino públicos ou privados, zelando pela qualidade desse ensino e desenvolvendo programas de apoio à família do educando. O Estado deve também manter a merenda escolar para os alunos do ensino fundamental (1.º ao 9.º ano), complementar o material didático e oferecer condições de ensino e aprendizagem.
A educação formal – aquela proporcionada pelos estabelecimentos de ensino reconhecidos – é dotada de uma intencionalidade, ou seja, através dela o Estado estabelece que tipo de informações devem ser transmitidas aos educandos. É uma educação voltada para o atendimento dos objetivos do regime pelo qual se rege o Estado.
O ordenamento jurídico brasileiro traz em seus diversos diplomas legais e na Constituição exigências aos pais quanto à educação dos filhos, e também estabelece a educação como um dever do próprio Estado.
No artigo 54 do ECA é ratificado o dever do Estado quanto à educação principalmente no que diz respeito ao ensino fundamental obrigatório. O mesmo Estatuto no art. 55 estatui que “os pais ou responsável tem a obrigação[1] de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”.
A Constituição Federal prossegue no art. 227, afirmando quanto ao dever de educar dizendo que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito (...), à educação, (...)”. E mais a frente no §6.° do mesmo artigo veda qualquer tipo de discriminação quanto à filiação, estendendo aos filhos havidos no casamento ou fora dele , ou por adoção, os mesmos direitos.
O Código Civil no art. 1634, I estabelece que compete aos pais dirigir a criação e educação dos filhos menores.
Inquestionável é a importância de zelar pela educação dos filhos, é um dever dos pais que não deve ser negligenciado. Como forma de impor uma sanção a quem faltar com esse dever, o Estado através do seu Código Repressivo estabeleceu como figura típica o fato de alguém “Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar”. O preceito sancionador prevê pena de detenção de quinze dias a um mês, ou multa. Tal delito é nominado como Abandono Intelectual e consiste no teor do art. 246 do Código Penal Brasileiro.
Como já se pode ver, o ordenamento jurídico pátrio trata sobre o dever de educar desde os diplomas legais ordinários até a Constituição da República, valendo ressaltar que sobre educação especificamente trata a Lei Federal 9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, trazendo no seu art. 6.° que “É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula dos menores, a partir dos sete anos de idade no ensino fundamental”.
Diante das exigências legais para que os pais matriculem seus filhos na rede regular de ensino e dirija-lhes a educação, vale agora tratar sobre as conseqüências pelo descumprimento desse dever.
O Código Penal, conforme já se referiu, traz no art. 246 a tipificação do crime de abandono intelectual, estabelecendo a penalidade respectiva.
“Art. 246 – Deixar, sem justa causa, de prover a instrução primária de filho em idade escolar.
Pena: 15 (quinze) dias a 1 (um) mês, ou multa”.
Em primeiro lugar o tipo penal aponta para uma conduta omissiva própria[2] quando utiliza o verbo deixar como núcleo do tipo. Essa omissão, contudo, deve ser desmotivada para que configure o delito. O motivo deve ser justo para ser capaz de elidir a ilicitude da conduta. Isso o legislador deixa claro quando inclui no tipo penal a expressão: sem justa causa, pois se os pais não matricularam o filho ou de outra forma não provê sua instrução escolar por falta de estabelecimento de ensino no local onde moram, ou por impossibilidade de deslocamento para outro local onde possam estudar, ou ainda não tenham condições financeiras suficientes para manter os filhos na escola, ou mesmo como exemplifica Heleno Cláudio Fragoso, os pais não têm entendimento sobre a importância da alfabetização dos filhos, por ser de instrução rudimentar[3]. Ainda sobre a justa causa para não matricular ou manter o filho menor na escola, cabe ressaltar que nos casos em que a culpa recair sobre o Estado por deixar de manter estabelecimento de ensino fundamental (obrigatório) ou deixá-lo em condições inadequadas ao ensino, cabe aos pais como a outros agentes da sociedade legitimados pelo art. 5.°, caput, da LDB, ingressar em juízo contra o ente responsável nos termos do §3.° do artigo citado, exigindo do Poder Público que possibilite o acesso ao ensino fundamental pois constitui um direito público subjetivo.
No caso de comprovada negligência da autoridade competente, poderá esta responder por crime de responsabilidade nos termos do art. 208, §2.°, da Constituição Federal, onde se estabelece que “o não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente”.
Dessa forma, o ordenamento jurídico prevê punições aos pais que negligenciarem a educação dos filhos, como também a autoridade competente para prover o acesso ao ensino fundamental obrigatório, quando esta negligenciar na sua oferta.
Está sujeito à penalidade quem deixar, sem justa causa, de prover a instrução primária de filho em idade escolar. Nesse caso o verbo prover tem o sentido de promover, providenciar, fazer o que for necessário para que o filho freqüente a escola. A instrução primária a que se refere o preceito penal é o ensino que vai até ao 9.º ano.
Quando a lei referiu-se a “instrução primária de filho” (grifo nosso), restringiu a subjetividade ativa na pessoa dos pais, excluindo, portanto, os tutores e guardiões, que na verdade não deveriam estar isentos da responsabilidade criminal, deveriam ser reconhecidos como agentes do delito quando praticassem tal omissão contra o pupilo. Acorde com essa idéia está o ECA, quando no art. 55 se refere aos pais ou responsável, sobre a obrigação (dever) de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino. Da mesma forma reconhece o dever dos pais ou responsáveis, o art. 6.° da LDB.
A idade escolar, doutrinariamente[4], é aquela compreendida na faixa etária de 6 a 14 anos de idade, no que se refere ao ensino fundamental obrigatório.
Contudo, o ECA no art. 54, IV, estabelece o dever do Estado de manter creche e pré-escola para crianças de 0 a 6 anos de idade. O mesmo Estatuto também prevê a oferta do ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive, para os que a ele não tiveram acesso na idade própria (art. 54, I, ECA). A idade escolar na opinião de Adilson Mehmeri, em face das mudanças introduzidas pelo ECA e pala estrutura da escola moderna, deve ser compreendida entre os 6 aos 18 anos de idade.
O crime se consuma no momento em que o agente deixar de prover a instrução primária de filho em idade escolar, sem justa causa.
Consuma-se então no momento que em função da omissão do agente o filho deixa de freqüentar a escola ou não começa a freqüentá-la na data regular.
Por ser um crime omissivo próprio não admite tentativa.
A ação penal é pública incondicionada, não necessitando de representação.
A pena a ser aplicada é de detenção de 15 (quinze) dias a 1 (um) mês, ou multa. Vê-se que é uma pena alternativa e o julgador a aplicará conforme melhor corresponder às condições do agente.
CARACTERÍSTICAS DO CRIME DE ABANDONO INTELECTUAL (ART. 246, CP)
Suspensão condicional do processo |
Cabível nos termos do art 76, da lei 9.099/95.
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Transação |
Cabível nos termos do art. 89, da lei 9.099/95.
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Classificação |
Crime omissivo próprio
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Subjetividade ativa |
Somente os pais podem praticar o crime
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Subjetividade passiva |
Filhos, sem distinção entre legítimos, ilegítimos ou adotivos.
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Elemento subjetivo |
Dolo genérico
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Elemento objetivo |
Sem justa causa
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Objeto jurídico |
Instrução escolar[5] dos menores
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Pena |
Detenção de 15 dias a 1 mês, ou multa
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Ação Penal |
Pública incondicionada
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Se o crime for praticado contra menor de 12 anos (criança), ou com abuso de autoridade ou mesmo prevalecendo-se o agente das relações domésticas, a pena será agravada. (art. 61, II, h e f, CP). |
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988. Coletânea de legislação administrativa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
BRASIL. Decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código penal. São Paulo: Saraiva, 2000.
BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Coletânea de legislação administrativa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Coletânea de legislação administrativa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
DELMANTO, Celso. et al. Código penal comentado. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
JESUS, Damásio E. de. Direito penal - v.3. São Paulo: Saraiva, 1999.
MEHMERI, Adilson. Noções básicas de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1999.
[1] Aqui se chama a atenção ao vocábulo utilizado pelo ECA para expressar a responsabilidade dos pais ou responsáveis pela educação dos filhos ou pupilos, quando impropriamente fala-se em obrigação, a palavra mais adequada seria dever, posto que a obrigação comumente advém de um contrato, enquanto que o dever é proveniente da lei, o que é o caso do dever de matricular os filhos e dirigir-lhes a educação.
[2] MEHMERI, Adilson. Noções básicas de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 715.
[3] FRAGOSO, Heleno Cláudio apud DELMANTO, Celso. et ai...Código penal comentado. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
[4] MEHMERI, Adilson. ob cit.
[5] Acrescenta-se aqui instrução escolar, porque no convívio familiar a criança é instruída sobre formas de agir em casa para com os pais ou mesmo fora do seio familiar. A instrução lato sensu não se pode entender que lhe seja negada.
Mestre em Direito. Especialista em Direito Público e Eleitoral. Bacharel em Direito - UESC. Professor da Universidade do Estado da Bahia
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CRUZ, João Hélio Reale da. O direito à educação e o delito do artigo 246 do Código Penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 fev 2010, 10:29. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/19216/o-direito-a-educacao-e-o-delito-do-artigo-246-do-codigo-penal. Acesso em: 23 dez 2024.
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