Ementa: 1. A Defensoria Pública e a Constituição: Ação Civil Pública como uma forma de garantia da democracia no Estado Democrático; 2. Ministério Público versus Defensoria Pública: quem tem legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública?; 3. Conclusão
RESUMO
O artigo a seguir faz uma breve análise sobre a legitimidade da Defensoria Pública para ajuizar Ação Civil Pública, a partir da nova redação do art. 5° da Lei n° 7.347/85, democratizando a legitimação, e sobre o questionamento levantado em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade promovida pela CONAMP.
Palavras-chave: Processo Civil. Ação Civil Pública. Legitimidade. Defensoria Pública.
ABSTRACT
The article to follow makes one brief analysis on the legitimacy of the Public Defender to persuit a “Class action”, from the new writing of article 5° of Law number 7.347/85, democratizing the legitimation, and on the questioning raised in headquarters of Direct Action of Unconstitutionality promoted for the CONAMP.
KEY-WORDS: Civil Process. “Class Action”. Legitimacy. Public Defender.
“O fim do Direito é a paz, o meio de que se serve para consegui-lo é a luta.”[1]
1. A Defensoria Pública e a Constituição: Ação Civil Pública como uma forma de garantia da democracia no Estado Democrático
A Constituição da República de 1988, no art. 5°, inciso LXXIV[2], consagra a instituição da Defensoria Pública como forma de acesso à Justiça para aqueles que não podem arcar com as custas processuais e contratar um advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família[3].
Como bem observa a doutrina[4], “a institucionalização da Defensoria (Const. art. 134) constitui séria medida direcionada à realização da velha e descumprida promessa constitucional de assistência judiciária aos necessitados”.
Neste contexto, vale ressaltar que a Constituição substitui nitidamente o adjetivo de “assistência judiciária” para “assistência jurídica”, abrangendo assim, não mais o auxílio para demandas judiciais individuais, mas também para o patrocínio e a orientação no âmbito extrajudicial.[5]
Sob um panorama da obra de CAPPELLETTI e GARTH em suas “ondas renovatórias” a partir do estudo do Projeto de Florenza, o legislador constituinte brasileiro conferiu maior efetividade, ainda que incipiente, ao princípio de acesso à Justiça, assegurando aos necessitados o exercício do direito de ação, pelo princípio da inafastabilidade, consagrado na Constituição no art. 5°, inciso XXXV[6], por meio da lei de assistência judiciária e das Defensorias Públicas.
Assim, podemos informar sumariamente que a primeira onda renovatória consiste na assistência judiciária para os pobres. A segunda onda visa à representação dos direitos difusos. E a terceira onda trata de um novo enfoque de acesso à Justiça através do acesso à representação em juízo a uma concepção mais ampla de acesso à Justiça.
Desse modo, a Defensoria Pública veio contribuir para o acesso à Justiça, graças à evolução conceitual de assistência jurídica em todos os graus e recursos a ela inerentes, abrangendo as três ondas renovatórias.
2. Ministério Público versus Defensoria Pública: quem tem legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública?
Após a edição da Lei Federal n° 11.448 de 15 de janeiro de 2007 que acrescentou o inciso II, do art. 5° da Lei n° 7.347/85, muito se tem discutido acerca da legitimidade da Defensoria Pública para ajuizar Ação Civil Pública.
A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI n° 3943)[7], impugnando a legitimidade extraordinária da Defensoria Pública em relação ao referido dispositivo, sob o fundamento de que há “clara afronta aos arts. 5°, LXXIV, e 134, ambos da Constituição da República”, pois “a Defensoria Pública pode, somente, atender aos necessitados que comprovarem individualmente, carência financeira”, sendo impossível a atuação na defesa dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos.
FREDIE DIDIER Jr. e HERMES ZANETTI Jr. afirmam que não há qualquer sentido na alegação da CONAMP acerca da inconstitucionalidade da Lei n° 11.448/2007, isto porque a tutela coletiva é conferida para a proteção dos interesses da coletividade, e não para prestigiar essa ou aquela instituição. Ressaltam ainda três considerações, quais sejam, (i) acerca da possibilidade de litisconsórcio facultativo entre Defensoria Públicas co-legitimadas à propositura da mesma ação coletiva; (ii) da possibilidade da Defensoria Pública celebrar compromisso de ajustamento de conduta, já que é um órgão público e (iii) pelo fato de a Defensoria Pública não ter legitimidade para a instauração do inquérito civil público, procedimento investigatório exclusivo do Ministério Público[8].
Até o presente momento, a ADI n° 3943, de relatoria da Ministra do Supremo Carmen Lúcia, ainda não foi julgada. Entretanto, a Lei Complementar n° 132/2009 que “altera dispositivos da Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994, que organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, e da Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, e dá outras providências” reafirmou a legitimidade ativa da Defensoria Pública com a seguinte redação, verbis:
“Art. 4° São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras;
VII – promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes;” (grifos não originais)
Neste sentido, ALEXANDRE FREITAS CÂMARA[9] em redação anterior a edição da Lei Complementar n° 132/2009, já perfilhava o entendimento favorável da legitimidade ativa da Defensoria Pública, in litteris:
“À Defensoria Pública, porém, não deve caber apenas a defesa dos interesses jurídicos dos economicamente frágeis. (...) Há, porém, um outro público-alvo para a Defensoria Pública: as coletividades. É que estas nem sempre estão organizadas (em associações de classe ou sindicatos, por exemplo) e, com isso, tornam-se hipossuficientes na busca da tutela jurisdicional referente a interesses ou direitos transindividuais. (...) Negar tal legitimidade implicaria contrariar a ideia de que incumbe ao estado (e a Defensoria Pública é, evidentemente, órgão do Estado) assegurar ampla e efetiva tutela jurisdicional a todos. Decorre, pois, essa legitimidade diretamente do disposto no art. 5°, XXXV, da Constituição da República”.
Além do mais, a interpretação do art. 129, §1° da Constituição que diz “A legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei”, não deixa dúvida de que o Ministério Público não tem competência privativa para ajuizar Ação Civil Pública, sendo, portanto, perfeitamente possível que outros legitimados da Lei 7.347/85, possam ingressar, inclusive, em litisconsórcio ativo facultativo.
3. Conclusão
Com o advento da Lei Federal 11.448/07 trouxe uma importante inovação ao acrescentar o inciso II ao art. 5° da Lei n° 7.347/85 que é a legitimação ativa da Defensoria Pública para ajuizar Ação Civil Pública.
Assim, pode-se garantir um acesso à justiça mais efetivo garantindo não apenas as tutelas individuais, como também os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos consagrando a segunda onda renovatória elucidados por Mauro Cappelletti e Bryant Garth.
Quanto aos argumentos elencados na ADI n° 3943/2007 carecem de fundamentação sólida a justificar a competência privativamente do parquet para ajuizar Ação Civil Pública, isto é, por que o CONAMP também não ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade contra os outros legitimados da Lei n° 7.347/85?
Portanto, não se visualiza um conflito de legitimidades entre a Defensoria Pública e o Ministério Público, como também não se percebe uma violação ao inciso LXXIV, do art. 5° da CR/88, nem do art. 134. Dessa forma, a lei ao atribuir a mais uma prerrogativa para a Defensoria Pública está garantindo aos cidadãos brasileiros com baixo poder aquisitivo, a defesa de interesses coletivos que os beneficiem, na luta de um efetivo acesso à Justiça.
[1] Ihering, Rudolf von. A luta pelo Direito. Editora Forense, 23ª ed., 2004
[2] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;
[3] E ainda, o art. 4º da Lei n° 1.060/50 “estabelece normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados”, in verbis: “A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família”.
[4] Cintra, Antonio Carlos de Araújo; Grinover, Ada Pellegrini; Dinamarco, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. Editora Malheiros, 2003, p. 221.
[5] Correspondente a terceira onda de Mauro Cappelletti e Bryant Garth em “Acesso à Justiça. Tradução Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988”.
[6] Art. 5° Omissis.
(...) XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
[7] Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADIN&s1=3943&processo=3943
[8] Didier Jr., Fredie. e Zanetti Jr., Hermes. Curso de Direito Processual Civil volume 4 – 4ª ed.- Editora JusPodivm : Bahia, 2009, p. 213/214.
[9] Em “Legitimidade da Defensoria Pública para Ajuizar Ação Civil Pública: um Possível Primeiro Pequeno Passo em Direção a uma Grande Reforma”, in “A Defensoria Pública e os Processos Coletivos. Comemorando a Lei Federal 11.448, de 15 de janeiro de 2007. Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2008, págs. 46/47 .
Advogado militante na área de direito empresarial desde 2010. Possui graduação em Direito (2010) pela Faculdade Boa Viagem. É pós-graduado em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Previdenciário pela Universidade Cândido Mendes/RJ (UCAM/RJ) e Pós-graduando (2016) em Direito Processual Civil (com foco no novo CPC) pela Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do Vale do São Francisco (FACESF). Desde 2014 atua como advogado do Núcleo de Prática Jurídica do Curso de Direito da Faculdade Marista do Recife (UBEC). É membro da Comissão de Direito do Trabalho da OAB/PE (2016). Foi aprovado no Exame de Ordem Unificado 2010.1 realizado pelo Centro de Seleção e de Promoção de Eventos (CESPE).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CHUNG, Rodrigo Silveira. Legitimidade ativa da Defensoria Pública para ajuizar Ação Civil Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 mar 2010, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/19517/legitimidade-ativa-da-defensoria-publica-para-ajuizar-acao-civil-publica. Acesso em: 24 dez 2024.
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