Sumário: 1. As penas restritivas de direitos. 2. A prestação de serviços à comunidade. 3. A doação de cestas básicas. Natureza jurídica: prestação alternativa inominada (CP, art. 45, §2º). 4. A doação de cestas básicas e as transações. Crítica 5. O surgimento da ideia da doação de sangue. 6. A doação voluntária de sangue como modalidade de pena restritiva. Implantação. 7. Questionário suficiente sobre a doação de sangue. 7.1. Outras notas importantes. 8. Conclusões. 8.1 – Aspecto Jurídico. 8.2 – O veio humanitário.
1. As penas restritivas de direitos. No Brasil, as penas restritivas de direitos foram disciplinadas pela primeira vez, na reforma de 1984, limitando-se a infrações cuja pena não alcançasse o patamar de um ano, e às culposas. As penas restritivas previstas naquele momento histórico eram de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas; proibição de exercício de cargo, função ou atividade pública; proibição de exercício de profissão, atividade ou ofício; suspensão de autorização ou habilitação para dirigir veículo; limitação de fim de semana; e, multa.
O perfil de admissão de penas não privativas de liberdade foi acentuado logo após, com a Constituição Federal, em 1988. Em seu art. 5º, XLVI, a Carta Magna garantiu fundamentalmente que a individualização da pena seria disciplinada por lei ordinária e estabeleceu como penas, entre outras, a privação ou restrição da liberdade; a perda de bens; a multa; a prestação social alternativa; e, a suspensão ou interdição de direitos.
As penas restritivas de direitos, uma vez admitidas pela Lei Maior, receberam, dez anos mais tarde, relativa inovação através da Lei 9714/98, que alterou o Código Penal. O art. 43 do Código Penal trata das penas restritivas de direitos e foi reescrito, passando a prever além daquelas mencionadas acima, as penas de prestação pecuniária, perda de bens e valores, proibição de frequentar determinados lugares e a prestação alternativa inominada.
Ampliou o âmbito de incidência das penas restritivas. Essas são autônomas e substituem as penas privativas de liberdade de crime cuja pena máxima não seja superior a 4 (quatro) anos e desde que não tenha sido praticado com violência ou grave ameaça, ou se for culposo. São autônomas porque não são acessórias, independem da imposição de sanção detentiva (reclusão, detenção ou prisão simples), como leciona Damásio de Jesus (Código Penal Anotado, p. 178); e substitutivas, porque individualizada a pena privativa de liberdade, o magistrado poderá substituí-la pela restritiva. Pode-se dizer que o legislador, sabiamente, optou pelo não encarceramento do criminoso que pratica infrações de leve e médio potencial ofensivo, consciente da falência do sistema penitenciário.
No consistente artigo “Em busca da Legalidade das Alternativas Penais”, apresentado no I Congresso Brasileiro de Execução de Penas e Medidas Alternativas, realizado em Curitiba no ano de 2005, a Promotora de Justiça paranaense Mônica Louise de Azevedo citando Claus Roxin e diversos outros penalistas de renome, aponta caminhos para a superação da pena corporal fora da clausura do sistema penitenciário, com ênfase às medidas alternativas em infrações leves e de médio potencial ofensivo. Ponderou, aliás, que o festejado penalista alemão “observando os avanços e retrocessos dos últimos séculos da história das idéias penais, arrisca um prognóstico para o direito penal do século XXI, que acredita continuará existindo como fator de controle social secularizado: a gradativa substituição da pena privativa de liberdade por outras penas ou conseqüências jurídicas ao ilícito; a supressão definitiva das penas corporais, por se constituírem em atentados contra a dignidade humana; o retrocesso da utilização da pena de prisão e o surgimento de novas formas de controle eletrônico e de medidas terapêuticas sociais, além da maior utilização do trabalho comunitário e da reparação civil do dano. Justifica esta previsão pela inexistência de vagas e recursos financeiros para executar a pena de prisão de forma humanitária e pela impossibilidade de punir a maioria dos delitos com ela”.
A falência do sistema prisional e a adoção de medidas inovadoras que atinjam o mesmo fim proposto pela pena, sem encarceramento, fizeram surgir três anos antes da modificação da codificação penal, a Lei 9099/95 que abarca infrações de menor potencial ofensivo – as contravenções penais e, atualmente, os crimes a que a lei comina pena máxima não superior a 2 (dois) anos –, e detém como objetivos maiores a reparação do dano à vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade (art. 62, in fine). Inspirada na mitigação do princípio da legalidade e no consensualismo, o diploma permite a barganha entre o acusador e o autor do fato e seu advogado. O art. 76 preceitua que o órgão ministerial, ao oferecer sua proposta de acordo, poderá oferecer transação penal consistente na aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas. Há mais. No art. 89, ao oferecer a denúncia – nos crimes em que a pena máxima cominada for igual ou inferior a 1 (um) ano –, o órgão ministerial, nos crimes previstos em qualquer lei, poderá propor a suspensão condicional do processo, mediante condições determinadas.
Tanto na transação penal como no sursis processual, é praxe dos integrantes do Ministério Público, e até dos querelantes – nas ações penais de natureza privada – ofertarem propostas que contenham penas não catalogadas, como por exemplo, a doação de cestas básicas, que se tornou “coqueluche” em nossa nação, por seu caráter altruísta, pedagógico e socializante. Registre-se que, não obstante o teor das propostas, o agente do delito e seu advogado podem repeli-las ou questioná-las visando seu abrandamento. É a busca do consenso.
No mesmo diapasão, insere-se o foco principal do presente trabalho: a doação de sangue. E esta, diferentemente de qualquer outra pena restritiva de direitos, pressupõe contato pessoal entre o magistrado ou conciliador com o agente para explanação das nuances específicas desse ato de benevolência. Em outros termos, como se exporá, no curso deste trabalho, a pena consistente na doação de sangue somente pode derivar de transação penal e de suspensão condicional de processo, não de condenação, por sentença. É pressuposto inarredável o contato humano entre juiz, Ministério Público, agente e seu patrono. Nas palavras de Sérgio Salomão Shecaira, “O processo de aplicação da pena deve ser dialógico” (Prestação de Serviços à Comunidade, p. 90).
Explica-se: somente após o autor da infração e seu advogado optarem, dentre as propostas ministeriais, por aquela concernente à doação de sangue é que lhe será apresentado um questionário inicial com as exigências mínimas para o ato. Ultrapassada esta etapa, será lavrado o acordo a ser homologado judicialmente. Isto porque nem todos estão aptos a doar sangue, fator que, por si só, inviabiliza um decisório com semelhante determinação.
2. A prestação de serviços à comunidade. Dentre as penas restritivas, estou convencido que a prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é a que mais aproxima o autor do fato, nas infrações de menor potencial ofensivo, ou o réu, nas de médio potencial, de seu semelhante e o torna um cidadão útil a si – melhoria na autoestima –, à família – da qual não fica segregado – e à sociedade – por receber algo concreto em seu prol e aprova a não segregação do semelhante. Essas penas têm a natureza de respeitar o homem em seu bem maior – a dignidade –, porquanto de sua aptidão e habilidade pessoal é que será determinado o que realizará em favor da comunidade. O autor da infração cumprirá a pena, trabalhando para a sociedade. Objetivamente, favorece a comunidade em que vive.
Observa-se em Guilherme de Souza Nucci, pensamento similar. Dispõe o doutrinador que “Trata-se, em nosso entender, da melhor sanção penal substitutiva da pena privativa de liberdade, pois obriga o autor de crime a reparar o dano causado através de seu trabalho, reeducando-se, enquanto cumpre pena” (Código Penal Comentado, p. 235).
E por seu caráter de cidadania e inserção ou reinserção social, pode ser considerada a mais adequada, para a maioria dos casos.
Shecaira já dizia, no início da década de 90, que “No direito europeu e norte-americano – e nas legislações mais recentes e modernas – é a prestação de serviços à comunidade a principal alternativa penal à provação de liberdade de curta duração (...). Em um país que apresenta um quadro com grande número de pessoas que cometem pequenos delitos (especialmente crimes contra o patrimônio) e, de outro lado, que tem uma situação crônica de presídios superlotados, a prestação de serviços à comunidade é medida eficaz a ser incentivada como alternativa à pena prisional de curta duração” (ob. cit., pp. 90-91).
E quais são os momentos processuais rotineiros para sua imposição? São três: a) transação penal em crimes de ação pública ou privada; b) suspensão condicional do processo, no procedimento sumaríssimo da Lei 9099/95; e, c) suspensão condicional do processo, no rito ordinário do Código de Processo Penal ou especial de Lei Extravagante. Qualifiquei como rotineiros, uma vez que há situações excepcionais, como na emendatio libelli e na mutatio libelli em que no curso do processo, com a instrução praticamente finalizada, descobre-se o cabimento dos institutos despenalizadores.
A prestação de serviços à comunidade, em grande parte do Estado de São Paulo, é desenvolvida por órgão afeto à Secretaria de Administração Penitenciária denominado de Central de Penas e Medidas Alternativas, e que o torna um braço forte e importante para as Varas de Execuções Penais.
Em sua estratégia de ação, a Central de Penas realiza convênios com diversas entidades públicas e privadas, de modo a propiciar um leque de alternativas para o agente. Após entrevista prévia, o atendente, ciente do perfil do entrevistado, indica a instituição mais apropriada para o trabalho e, estando o agente concorde, será encaminhado para cumprir sua pena. De forma efetiva e palpável, o condenado retribui para a coletividade o mal que praticou.
Alberto Silva Franco esclarece que “é ele obrigado a prestar pessoalmente, durante certo número de horas semanais que se prolongam por tempo predeterminado, tarefas gratuitas junto a determinadas entidades, públicas ou particulares. Ao fazê-lo, é evidente que não dispõe mais do tempo livre correspondente a essas horas semanais já que, sob acompanhamento, vê-se na contingência, nesse espaço temporal, de realizar, sem remuneração, algum tipo de trabalho.” (Código Penal e sua interpretação, p. 285).
E o art. 149, §1º, da Lei de Execuções Penais, prescreve que “O trabalho terá a duração de oito horas semanais e será realizado aos sábados, domingos e feriados, ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho, nos horários estabelecidos pelo Juiz”.
Emana claro do esposado que é da essência da prestação de serviços a realização de um trabalho personalíssimo exercido pelo agente em dia e horário que não afetem o seu labor diário. Daí poder ser realizado em finais de semanas e feriados ou em horário compatível com aquele.
Por esta razão que quando da primeira ideia de implantação da doação de sangue no Brasil, foi (ela) coibida pelo Supremo Tribunal Federal. Na ocasião, interpretava-se como modalidade de prestação de serviços à comunidade, o que, por interpretação ampliativa, não deixaria de ser. No entanto, em voto da lavra do erudito ministro Celso de Mello, a interpretação foi restritiva e o sonho foi afastado até o início deste século. Naquela oportunidade, o STF foi instado a se manifestar acerca de sentença em que magistrado fluminense substituíra a pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos consistente em doação de sangue. Pelo voto, a mesma foi cassada e determinada que outra fosse prolatada (HC 68.309/DF). No voto, o Ministro Celso de Mello destacou que “A exigência judicial de doação de sangue não se ajusta aos parâmetros conceituais, fixados pelo ordenamento positivo, pertinentes à própria inteligência da expressão legal ‘prestação de serviços à comunidade’, cujo sentido, claro e inequívoco, veicula a ideia de realização, pelo próprio condenado, de encargos de caráter exclusivamente laboral. Tratando-se de exigência conflitante com o modelo jurídico-legal peculiar ao sistema de penas alternativas ou substitutivas, não há como prestigiá-la e nem mantê-la”.
Como ciência que é o Direito evolui e com o passar dos anos, surgia a doação de cestas básicas como a salvação dos mais humildes. E os integrantes do tripé jurídico encararam a novidade e, foi encontrada no próprio ordenamento jurídico – o Código Penal –, a qualificação técnico-jurídica para enquadramento do instituto. E, por idênticos fundamentos, a doação de sangue deve receber o mesmo enquadramento e se tornar uma realidade paulista e nacional igualmente simpática aos olhos da sociedade.
3. A doação de cestas básicas. Natureza jurídica: prestação alternativa inominada (CP, art. 45, §2º). A mesma afinidade que nutria pela pena restritiva de direitos, consistente na prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, passou a me seduzir a pena alternativa inominada, por permitir a doação de cestas básicas para entidades que a revertem em prol de pessoas carentes. E idêntica simpatia me veio porque, agora – nunca é tarde para a consecução de objetivos sociais relevantes –, vislumbrei que a doação de sangue é tecnicamente idêntica.
Existe um adensamento doutrinário no sentido de que a doação de cestas básicas é uma prestação inominada. Não obstante, essa mesma doutrina pondera que a pena em questão – prestação alternativa inominada –, tal qual posta no diploma penal, ofende princípios basilares de Direito Penal e seria inconstitucional.
No escólio de Renato Marcão, respaldado por Cezar Roberto Bitencourt e Damásio de Jesus, “A pena de prestação de outra natureza ou inominada padece de flagrante inconstitucionalidade, já que equivale a uma pena indeterminada, contrariando o princípio da reserva legal albergado no art. 1º do Código Penal, de prestígio constitucional, conforme decorre do disposto no art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal” (Curso de Execução Penal, p. 267).
É que o § 2º, do art. 45 do diploma penal dispõe que “No caso do parágrafo anterior, se houver aceitação do beneficiário, a prestação pecuniária pode consistir em prestação de outra natureza”.
Acrescenta Renato Marcão que “Conforme asseverou Cezar Roberto Bitencourt, ‘em termos de sanções criminais são inadmissíveis, pelo princípio da legalidade, expressões vagas, equívocas ou ambíguas. E a nova redação desse dispositivo, segundo Damásio de Jesus, comina sanção de conteúdo vago, impreciso e incerto’” (ob. cit., p. 267).
Cezar Roberto Bitencourt, mesmo após criticar a pena inominada por ser indeterminada e, por conseguinte, violadora do princípio da reserva legal, arremata afirmando que essa pena seria, na realidade, “uma espécie substituta da substituta da pena de prisão!”. E, como a substituição da prestação pecuniária se dá por uma prestação de outra natureza e dependente da aceitação do beneficiário, certamente é dotada de caráter consensual (grifei). E quem seria o beneficiário da pena convertida? Defende, com razão, que é “o beneficiário do resultado da aplicação dessa pena pecuniária, que, como afirmamos, tem caráter indenizatório (Tratado de Direito Penal, vol. I, pp. 518-519).
No mesmo sentido, a lição de René Ariel Dotti (Penas Restritivas de Direitos - críticas e comentários às penas alternativas. Lei 9.714, p. 100): "O Juiz não pode aplicar pena que não esteja expressamente prevista na lei. Trata-se de reafirmar o princípio da anterioridade da lei quanto à definição do crime e o estabelecimento da sanção".
Perfilha a mesma linha de entendimento, Luiz Flávio Gomes (Penas e Medidas Alternativas à Prisão, p. 64). Luiz Flávio lembra que Beccaria há mais de duzentos anos já postulava não só a existência de lei para a criação de delitos e penas, senão também a vinculação do juiz ao texto legal e, sobretudo, a legitimidade exclusiva do legislador para criar tais leis.
A despeito das respeitáveis críticas doutrinárias, o texto legal propiciou a abertura de um espectro de penas alternativas ao magistrado, com o fito de permitir, sempre, a transação, desde que evite o encarceramento e respeite os lindes constitucionais para tal fim. Caso o autor da infração não esteja em condições de arcar com determinada prestação alternativa nominada, um rol de opções lhe pode ser oferecido para atender à exigência estatal do cumprimento da pena.
Se o intérprete atentar para a redação do § 2º poderá inferir que na doação de cestas básicas, o dispositivo é atendido em toda a sua amplitude. Conquanto se critique a redação aberta, sujeita a toda espécie de interpretação subjetiva judicial, a doação se amolda perfeitamente ao disposto.
Vejamos: para distribuir cestas básicas, o magistrado criminal cadastra uma série de instituições em sua Vara, aptas e com estrutura para o recebimento e distribuição das mercadorias aos mais carentes da comunidade. A instituição deve ser reconhecidamente de utilidade pública e prestigiada nos meios sociais pelo seu trabalho em favor dos mais necessitados. Com este pré-requisito fundamental, preenche-se o tópico do dispositivo atinente a se houver aceitação do beneficiário. Como o art. 45, § 1º exige que seja “entidade pública ou privada com destinação social”, o cadastramento é o bastante.
E a proposta ministerial de doação de cestas básicas a uma instituição de caridade aceita pelo agente constitui-se, então, na formalização de uma pena restritiva de direitos inominada. Neste acordo homologado judicialmente, o autor da infração assume a obrigação de entregar, dentro de certo lapso temporal, determinada quantidade de cestas básicas.
A doação de cestas básicas é, portanto, modalidade de prestação alternativa inominada não pecuniária homologada judicialmente.
Damásio, ao discorrer sobre o indigitado polêmico parágrafo e discutir as críticas sobre sua redação, defende que prestação de qualquer natureza como está na Lei significa, de fato, pecuniária ou não (grifei). E contradiz a maioria da doutrina ao asseverar que o dispositivo se encontra em consonância com as Regras de Tóquio, uma vez que estas recomendam ao juiz a aplicação se necessário e conveniente de qualquer medida que não envolva detenção pessoal. E acrescenta: “Medida liberal corresponde, entretanto, ao ideal de justiça, pela qual ao juiz, nas infrações de menor gravidade lesiva cometidas por acusados não perigosos, atribuir-se-ia o poder de aplicar qualquer pena, respeitados os princípios de segurança social e da dignidade, desde que adequada ao fato e às condições pessoais do delinquente” (Código Penal Anotado, pp. 188-189).
Damásio, em meu sentir, está coberto de razão ao defender que a prestação pode ter natureza pecuniária ou não, porquanto a lei ao prever a substituição da prestação pecuniária por prestação de outra natureza permitiu aos envolvidos no negócio jurídico a ser travado entre partes e juiz, escolher uma pena que corresponda aos ideais preconizados pela Carta Magna, desde que não privativa da liberdade e ajustada à realidade do agente.
Nessa esteira, Celso Delmanto et alli orienta que excluída a prestação pecuniária, a prestação de outra natureza “poderá consistir, v.g., na doação de cestas básicas ou em serviços de mão-de-obra” (Código Penal Comentado, p. 165).
Sem destoar, Mirabete declina que “se houver aceitação do beneficiário, ou seja, do ofendido ou da entidade pública ou privada com destinação social, a prestação pecuniária poderá constituir-se, por decisão, do juiz, em prestação de outra natureza, como o fornecimento de cestas básicas, por exemplo.” (Código Penal Interpretado, p. 295).
Também Fernando Capez pugna, ao cuidar da prestação inominada, que “a prestação pecuniária poderá consistir em prestação de outra natureza, como, por exemplo, entrega de cestas básicas a carentes, em entidades públicas ou privadas. A interpretação, aqui, deve ser a mais ampla possível, sendo, no entanto, imprescindível o consenso do beneficiário quando o crime tiver como vítima pessoa determinada.” (Curso de Direito Penal, p. 358).
O Pleno do STF, em voto da lavra do Min. Joaquim Barbosa, nos autos do Inquérito 2.721/DF, em 08.10.2009, deu por correta a decisão judicial que homologou a doação de cestas básicas, como pena alternativa, fundamentando que “O crime investigado é daqueles que admitem a transação penal e o indiciado cumpre os demais requisitos legais do benefício. Embora haja controvérsia sobre a possibilidade de a prestação pecuniária efetivar-se mediante a oferta de bens, a pena alternativa proposta pelo Ministério Público - doação mensal de cestas básicas e resmas de papel braile a entidade destinada à assistência dos deficientes visuais, pelo período de seis meses - atinge à finalidade da transação penal e confere rápida solução ao litígio, atendendo melhor aos fins do procedimento criminal”.
O STJ tem como fora de discussão que a doação de cestas básicas consiste em modalidade distinta da prestação de serviços à comunidade, tanto que a rejeita como substitutiva daquela em sede de execução, caso inviável seu cumprimento por parte do condenado. Se o condenado não puder cumprir a prestação de serviços estipulada, deverá o juiz das execuções impor-lhe outra, adaptada à sua aptidão, sem substituí-la pela doação de cestas. Veja-se o seguinte aresto: “A competência do Juízo das Execuções Criminais limita-se à alteração da forma de cumprimento da pena de prestação de serviços à comunidade aplicada pelo Juízo Criminal processante (CP, art. 59, inc. IV), ajustando-a às condições pessoais do condenado e às características do estabelecimento, da entidade ou do programa comunitário ou estatal’ (Lei 7.210/84, art. 148), sem, contudo, substituí-la por pena restritiva de direitos diversa” STJ (HC 38052/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ de 10/04/2006).
Os tribunais estaduais trilham no mesmo sentido.
Na doutrina, encontramos opiniões divergentes para a natureza jurídica da doação de cestas básicas. A juíza Rosana Navega Chagas, titular de Vara de Juizado Criminal de Nova Iguaçu, no Estado do Rio de Janeiro, em artigo específico onde defende a doação de sangue, distingue a pena de prestação de serviços à comunidade da prestação social alternativa prevista no texto constitucional aduzindo: “Frise-se que tal modalidade de pena, muito embora assemelhada, não é igual a pena alternativa da prestação de serviços à comunidade, uma vez que a lei tem por um dos seus princípios básicos não conter palavras inúteis. Em síntese, existem razões, de ordem técnica, para a nova denominação, e que consiste, a toda evidência, na criação de uma nova modalidade de pena alternativa a da prisão, quando couber”.
Depois de muita reflexão sobre a melhor disciplina da natureza jurídica da doação de cestas básicas, convenci-me, graças à doutrina, que se insere no contexto da prestação inominada escudada no art. 45, §2º, do Código Penal. E, nesse diapasão, firmei o entendimento de que a doação de sangue, igualmente, deve receber idêntico tratamento.
A razão é a mesma esposada, porquanto o magistrado criminal cadastra, previamente, instituições idôneas para o atendimento ao futuro doador, por exemplo, em Sorocaba é a Colsan. Feito o acordo judicial, o autor da infração é orientado a lá comparecer, onde será submetido a exames de praxe para se certificar se pode, efetivamente, doar. Coletado seu sangue, receberá o comprovante respectivo que será apresentado em juízo, para as anotações de praxe quanto ao cumprimento da reprimenda.
Atendidos estes singelos requisitos da prestação inominada e o doador terá por cumprida sua pena, prestando um serviço comunitário de alcance imensurável, beneficiando diretamente a saúde de terceiros.
E se, malgrado o acordo judicial, o autor for impedido de doar sangue, por exemplo, por estar com ou ter tido hepatite ou ser portador de hepatite C? Nessa hipótese, deverá comparecer ao Cartório onde será informado da necessidade de substituição da pena de doação de sangue. Em regra, a substituição será pela doação de cestas básicas, ainda que imposta cumulativamente.
4. A doação de cestas básicas e as transações. Crítica. Como é conhecido por todos que militam na área criminal, a doação de cestas básicas tornou-se uma das modalidades mais figuradas, dentre as hipóteses de pena alternativa, dada sua capacidade de auxílio direto e efetivo aos mais carentes. Não obstante, salvo raríssimas exceções, como as contravenções penais de pequena expressão, a simples doação de cestas não deve ser a única sanção para o cumprimento da pena prevista no tipo penal incriminador.
Com a devida vênia aos que pensam diversamente, a simples e exclusiva doação de cestas básicas, não exerce papel algum na reeducação do agente. Por si só, é desproporcional e desarrazoada. É salutar lembrar que o juiz exerce o papel de educador, em praticamente toda sua vida profissional, e por ser conhecedor do direito – jura novit curia –, jamais deve banalizar a pena. É inconcebível o autor de um crime deixar o fórum dando de ombros, zombando de todo o aparato estruturado para recebê-lo, e expressando em alto e bom som que dará duas ou três cestas básicas e sua pena estará cumprida.
René Ariel Dotti ensina que “A pena deve retribuir juridicamente a culpabilidade do agente. Em última instância ela é o efeito de uma causa e deve guardar a relação de proporcionalidade entre o mal do ilícito e o mal devido ao infrator”. (Bases e Alternativas para o Sistema de Penas, p. 212).
O órgão ministerial, do mesmo modo, deve refletir sobre essa crítica.
Em meu sentir, a doação de cestas básicas deve ser cumulada com outra. O simples comparecimento a uma instituição de caridade e a entrega dos mantimentos não exerce, pedagogicamente, o caráter preventivo especial. Conquanto a sociedade receba algo em favor de uma entidade que cuida de filhos seus, a reeducação inexistiu. Os próprios advogados criminais nos sugerem a cumulação. Alegam que se sentem profissionalmente reconhecidos ao conseguirem uma pena branda para seu cliente, mas se sentem frustrados, quando constatam que a medida punitiva é demasiado leve.
Assim, a par da doação de cestas básicas, em uma infração leve, nada impede que o órgão ministerial ofereça proposta de maior expressão penal, por exemplo, a prestação efetiva de serviços + doação de cestas básicas.
Repise-se que casos haverá em que a mera doação atenda ao reclamo da razoabilidade e da proporcionalidade, contudo estas situações são excepcionais para se tê-las como práxis.
5. O surgimento da ideia da doação de sangue. No início do ano de 2010, por problema de saúde enfrentado por um sobrinho de um grande amigo, tive contato com as consequências letais que a falta de sangue pode acarretar. Foi um alerta e, logo após, chamou-me a atenção várias notícias de morte ou de perigo de morte, em função da carência sanguínea em hospitais, com ênfase no nordeste, Rio de Janeiro, São Paulo e, em minha cidade, Sorocaba.
Fiz uma breve pesquisa e constatei que, em nosso país, não são raros os episódios de morte por deficiência de sangue para a transfusão salvadora de vidas.
Para que se tenha noção da gravidade do problema: o Brasil precisa de, pelo menos, 5.500 bolsas de sangue por dia, mas não consegue metade, justamente pela falta de doadores.
De acordo com o Ministério da Saúde, no Brasil, apenas 1,9% da população é doadora de sangue. Mesmo estando este porcentual dentro do parâmetro da Organização Mundial de Saúde (OMS) - de 1% a 3% da população -, o Ministério considera que é urgente e possível aumentar o número de brasileiros doadores: se cada pessoa doasse duas vezes ao ano, não faltaria sangue para transfusão no país. No Brasil, onde o volume coletado é equivalente ao número de doadores voluntários (3,5 milhões de bolsas de sangue por ano), essa quantidade disponível nos hemocentros poderia ser duas vezes maior. O ideal seria 5,7 milhões.
Nos finais de ano, o Ministério enfrenta uma preocupação maior, porque o estoque é reduzido em 30%, em função das férias escolares.
Para minimizar a falta de estoque, as campanhas de doação são frequentes em todo o país, como vemos rotineiramente.
Pelo sítio oficial da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, infere-se que a Fundação Pró-Sangue, ligada à Secretaria de Estado da Saúde e à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, coleta em média 12.000 bolsas mensalmente, volume de sangue equivalente a aproximadamente 32% do sangue consumido na Região Metropolitana de São Paulo, 16 % do Estado e 4% do Brasil.
A propósito, o desabafo da Dra. Maria Angélica Soares, coordenadora do Hemocentro do Hospital São Paulo da UNIFESP, em entrevista concedida a Dráuzio Varella: “Ninguém está livre de precisar de uma transfusão de sangue. Ninguém está livre de sofrer um acidente, de passar por uma cirurgia ou por um procedimento médico em que a transfusão seja absolutamente indispensável. Como não existe sangue sintético produzido em laboratórios, quem precisa de transfusão tem de contar com a boa vontade de doadores, uma vez que nada substitui o sangue verdadeiro retirado das veias de outro ser humano. Todos sabem que é importante doar sangue. Mas, quando chega a nossa vez, sempre encontramos uma desculpa – Hoje está frio ou não estou disposto; nesses últimos dias tenho trabalhado muito e ando cansado; será que esse sangue não me vai fazer falta... - e vamos adiando a doação que poderia salvar a vida de uma pessoa. Sempre é bom frisar que o sangue doado não faz a menor falta para o doador. Consequentemente, nada justifica que as pessoas deixem de doá-lo. O processo é simples, rápido e seguro.” (www.drauziovarella.com.br).
Com um pouco de noção do que é doar sangue, percebi que o juiz é um ferramental impressionante para cooperar com o quadro atual ao estimular autores de infrações a praticarem uma boa ação. Se juízes e membros do Ministério Público, espalhados pelos mais distantes rincões, unirem seus esforços para inserir a doação de sangue como pena alternativa à prisão, nas hipóteses fincadas na Lei 9099/95 – transação penal e suspensão condicional do processo –, por certo milhares de vidas seriam poupadas.
Em outros termos, sob a ótica do sistema acusatório, o juiz, representando o Poder Judiciário, o Ministério Público ou o querelante oferecendo sua proposta, representando o Poder punitivo estatal, a Defensoria Pública e a Ordem dos Advogados do Brasil, representando e ao lado do autor do fato, estaria formado o tripé de solidariedade em prol de pessoas que necessitam de sangue para sobreviver.
Uma vez que o ideal de todos esteja focado na probabilidade efetiva de se salvar vidas, basta agir.
Interessante notar que o problema é mundial e não somente brasileiro.
Para se aquilatar o que existe pelo mundo, a Cruz Vermelha Americana apresenta em seu sítio oficial, fatos e estatísticas de cuja abordagem extraio e destaco dois que são compatíveis com o presente trabalho:
a) Da necessidade: a cada dois segundos, alguém nos EUA necessita de sangue; mais de 38.000 doadores de sangue são necessários a cada dia; mais de um milhão de novas pessoas são diagnosticadas com câncer cada ano, muitas delas necessitam sangue, às vezes diariamente, durante o tratamento de quimioterapia; a vítima de um simples acidente de carro pode exigir até cem litros de sangue.
b) Dos doadores: a razão principal porque os doadores dizem doar sangue é que eles “querem ajudar o próximo”; dois motivos comuns citados pelas pessoas que não doam sangue são: “nunca pensei sobre isso” e “eu não gosto de agulhas”; uma doação pode ajudar a salvar as vidas de até três pessoas; se você começar a doar sangue aos 17 anos e doar a cada 56 dias até alcançar 76, você terá doado quantidade provável para salvar mais de 1000 vidas; a Cruz Vermelha Americana aceita doação de sangue somente de doadores voluntários.
Dado que a necessidade de sangue é universal, nos próximos itens retratarei como se iniciou este processo na Vara da qual sou titular e como está se desenvolvendo. Esta exposição visa auxiliar ou servir de subsídio para que qualquer colega faça o mesmo. Cada um dos protagonistas que forma o tripé da justiça brasileira deve colaborar para que a doação de sangue seja, a exemplo da doação de cestas básicas, um novo paradigma, uma pena alternativa inominada a ser igualmente adotada, com o diferencial natural de auxiliar na cura de doenças e salvar a vida do semelhante. Se em Nova Iguaçu (RJ) e em Curitiba (PR), bem como em inúmeras outras cidades que nessas se inspiraram, a doação voluntária de sangue – como pena alternativa inominada – é uma realidade, o estado de São Paulo e os demais estados da nação precisam a ela se irmanar. O Poder Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Ordem dos Advogados do Brasil devem unir-se nessa cruzada para contribuir, de forma efetiva e intransigente, com a melhora da saúde em nosso país.
6. A doação voluntária de sangue como modalidade de pena restritiva. Implantação. Diante desse quadro de perene imprescindibilidade da matéria-prima que somente nós, humanos, temos e podemos materializar, senti-me impelido a desenvolver algo palpável, ainda que embrionário, na 1ª Vara Criminal de Sorocaba.
Conversei com o médico responsável pela Colsan – Associação Beneficente de Coleta de Sangue –, na cidade de Sorocaba, Dr. Frederico Brandão. A Colsan é uma entidade civil paulista, sem fins lucrativos, que atua na área de hemoterapia, promovendo a captação de doadores, coleta, análise e processamento do sangue e, posteriormente a distribuição dos hemocomponentes, bem como os procedimentos pré-transfusionais, ligada à Unifesp.
Houve imediata interação e aceitação do propósito lançado.
De nosso diálogo, ciente de como o futuro doador deve ser preparado para seu importante ato voluntário, mentalmente registrei os procedimentos a serem adotados na audiência preliminar ou na de suspensão.
Para que o autor do fato/réu não se sinta coagido a fazer o que não quer ou lhe é proposto, obrigatoriamente duas ou mais propostas hão de ser fornecidas pelo órgão ministerial ou querelante. Assim, na entrevista entre conciliador ou juiz com o autor da infração, ser-lhe-á dado ciência das propostas ministeriais. Aceita a proposta com doação voluntária de sangue, além das demais condições, estaria fechado o ciclo e alcançado o objetivo maior.
Convenci-me da viabilidade jurídica da nova modalidade de pena restritiva de direitos. Em seguida, conversei com os juízes criminais da Comarca sobre os meus propósitos e ponderei que se fazia imperativa a informação e a parceria com os demais protagonistas do cenário jurídico. Reuni-me com as Promotoras de Justiça atuantes na Primeira Vara Criminal, as quais concordaram de imediato. Por fim, o Defensor Público, que concordou e se irmanou à proposta.
Atentem que a Defensoria Pública e o órgão que dá orientação jurídica para os hipossuficientes na seara penal. Segundo o Defensor Público atuante na 1ª Vara Criminal, Dr. Octavio Bueno, a grande maioria dos entrevistados opta pela doação de sangue, pois não despenderá valor algum e, ao mesmo tempo, fará um grande bem para seu semelhante, inclusive salvando vidas.
Tive certa preocupação com a reação dos advogados, mas relatarei um episódio, aliás, dois, que ocorreram na semana do feriado de 15 de novembro de 2010, para que se possa avaliar o alcance do que representa a doação de sangue na opinião dos operadores do direito, os quais falam por si. Um advogado de fora da terra e desconhecedor da novidade orientou seu patrocinado a aceitar, dentre as propostas apresentadas, aquela que continha a doação de sangue e, ao final da tarde, procurou-me. Estava feliz com o acordo homologado, pois se tratava de um caso difícil, no qual seu cliente fora preso por violência doméstica e as condições da suspensão condicional do processo não só atendiam ao interesse de ambos, como retornava um benefício concreto para a comunidade sorocabana. Naquela mesma data, um réu indagado novamente, durante a audiência de instrução processual de um crime de furto tentado, pois recusara a suspensão condicional do processo anteriormente, ao tomar ciência da possibilidade de doação de sangue e orientado por seu patrono, indagou-me: “Sr. Juiz, eu posso salvar uma vida, não?”.
Em suma, tenho claro que a maioria dos atores principais do cenário jurídico concorda com a novidade e a ela se integrará.
Em uma conversa com o Dr. Frederico, das últimas dez pessoas que foram doar sangue, somente uma foi impedida. É um percentual excelente: 90% tinham plena capacidade para doar!
7. Questionário suficiente sobre a doação de sangue. O Ministério da Saúde orienta para a doação voluntária com as seguintes proposições:
a) Para doar. Ao comparecer para efetuar a doação, o doador deverá trazer documento oficial de identidade com foto (identidade, carteira de trabalho, certificado de reservista, carteira do conselho profissional ou carteira nacional de habilitação); estar bem de saúde; ter entre 18 e 65 anos; pesar mais de 50 kg; não estar em jejum; e, evitar apenas alimentos gordurosos nas 4 horas que antecedem a doação.
b) Impedimentos temporários. Não poderá estar com febre, gripe ou resfriado, em estado de gravidez ou puerpério (parto normal, 90 dias; cesariana, 180 dias), fazendo uso de alguns medicamentos e nem se tratar de pessoas que adotaram comportamento de risco para doenças sexualmente transmissíveis.
c) Cirurgias e prazos de impedimentos. As mais comuns e que devem ser observadas são: extração dentária: 72 horas; apendicite, hérnia, amigdalectomia, varizes: 3 meses; ingestão de bebida alcoólica no dia da doação; transfusão de sangue: 1 ano; tatuagem: 1 ano.
d) Impedimentos definitivos. Não poderá doar sangue a pessoa que contraiu hepatite após os 10 anos de idade; com evidência clínica ou laboratorial das seguintes doenças transmissíveis pelo sangue: hepatites B e C, AIDS (vírus HIV), doenças associadas aos vírus HTLV I e II e Doença de Chagas; que faz uso de drogas ilícitas injetáveis e tenha contraído malária.
Juntamente com o Dr. Frederico, fizemos um quadro mais singelo de ser apreendido e preenchido pelo futuro doador. É o seguinte:
Questionário para seleção de doadores de sangue |
SIM |
NÃO |
Você ingere bebida alcoólica todos os dias? |
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Você já teve doença que transmite por sexo (doença venérea)? |
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Você tem doença de Chagas? |
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Você tem/teve malária ou sífilis? |
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Você tem AIDS ou hepatite? |
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Você já usou drogas ilícitas (de fumar, cheirar ou injetar)? |
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Você já esteve preso? |
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Você tem ou teve convulsão (epilepsia)? |
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Fez tatuagem nos últimos 12 meses? |
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Este questionário atende os requisitos mínimos e qualquer resposta positiva, impõe que ele seja instado a optar por outra proposta. Sem olvidar que, ao comparecer para a doação, outras perguntas receberá, quando os profissionais da saúde poderão inferir, com maior acuidade, seu quadro clínico.
Orienta a Fundação Pró-Sangue do Hemocentro de São Paulo que “apenas pessoas saudáveis e que não sejam de risco para adquirir doenças infecciosas transmissíveis pelo sangue, como Hepatites B e C, HIV, Sífilis e Chagas, podem doar sangue. Antes de toda doação, o candidato é submetido a um teste de anemia, à aferição de seus batimentos cardíacos, pressão arterial e temperatura e respondem a um questionário onde é lhe perguntado detalhadamente questões sobre a sua saúde e sobre seu comportamento. Somente após essas etapas é que o candidato estará aprovado para a doação de sangue. Todo o sangue doado será rigorosamente testado para as doenças passíveis de serem transmitidas pelo sangue.”
7.1. Outras importantes indagações.
a) Qual o intervalo para a doação? Homens: 60 dias (até 4 doações por ano); mulheres: 90 dias (até 3 doações por ano), segundo Normas Técnicas em Hemoterapia de Proteção ao Doador, contidas na Resolução RDC 153 de 2004.
b) Quais os cuidados a serem tomados após a doação de sangue? Evitar esforços físicos exagerados por pelo menos 12 horas; aumentar a ingestão de líquidos; não fumar por cerca de 2 horas; evitar bebidas alcóolicas por 12 horas; manter o curativo no local da punção por pelo menos de 4 horas; e, não dirigir veículos de grande porte, trabalhar em andaimes, praticar paraquedismo ou mergulho.
c) E o trabalhador sofrerá algum prejuízo? No Brasil, trabalhador sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) poderá deixar de comparecer ao serviço, sem prejuízo do salário, por um dia, em cada doze meses de trabalho, em caso de doação voluntária de sangue devidamente comprovada (art. 473 da CLT). Os funcionários públicos civis federais, sem qualquer prejuízo, podem se ausentar do serviço por um dia para doação de sangue, sem limite anual de doações (art. 97 da Lei nº 8.112/1990).
8. Conclusões. A Lei 10.205, de 21 de março de 2001, regulamentou o § 4º do art. 199 da Constituição Federal, relativo à coleta, processamento, estocagem, distribuição e aplicação do sangue, seus componentes e derivados, estabelece o ordenamento institucional indispensável à execução adequada dessas atividades, e dá outras providências. E, em seu capítulo II – Dos Princípios e Diretrizes –, no art. 14, elege como fundamento da estratégia governamental, dentre outros, a universalização do atendimento à população; a utilização exclusiva da doação voluntária, não remunerada, do sangue, cabendo ao poder público estimulá-la como ato relevante de solidariedade humana e compromisso social; e, a proibição de remuneração ao doador pela doação de sangue.
Diante da certeza de que a atuação do Poder Judiciário em prol dos que necessitam de sangue para se curar e/ou para viver está em harmonia com as políticas públicas correlatas ao espírito de desprendimento individual e de solidariedade humana, finalizo este trabalho apresentando os tópicos formadores desse convencimento.
Duas vertentes preponderantes guiaram-me na realização desse trabalho: a viabilidade jurídica e o cunho humanitário.
8.1 – Aspecto Jurídico. A doação de sangue como pena restritiva de direitos, deve atender a três requisitos: tipicidade, voluntariedade e consensualidade.
a) Tipicidade. A doação de sangue é uma pena alternativa inominada, a exemplo da doação de cestas básicas, e encontra seu fundamento jurídico no art. 45, § 2º, do Código Penal. E como pena restritiva de direitos deverá atender aos seguintes postulados constitucionais: ter natureza social alternativa (art. 5º, XLVI, d), não ser proibida (art. 5º, XLVII), assegurar respeito à integridade física e moral (art. 5º, XLIX) e preservar a dignidade da pessoa humana. É prestação alternativa inominada oriunda de proposta da acusação em audiências de tentativa de conciliação emanadas da Lei 9099/95, i.e., em transações penais e em audiências de suspensão condicional do processo. Não pode ser decretada em sede de sentença condenatória, por traduzir imposição e não consensualidade.
b) Voluntariedade/Consensualidade. Oferecidas duas ou mais propostas, estas serão apresentadas ao autor da infração que, sponte sua, escolherá aquela que lhe aprouver. Caso opte pela que contenha a doação de sangue, o juiz/conciliador expor-lhe-á o questionário prévio e inicial para que analise e responda se pode doar sangue, tornando indiscutível o caráter voluntário e não impositivo da aceitação. Ultrapassadas essas etapas, a lavratura do acordo poderá ser finalizada com a homologação judicial.
Note-se que se mostra essencial para a completude da exteriorização do ato de vontade, que a doação de sangue seja voluntária, sem representar imposição/ordem.
8.2 – O veio humanitário. Desnecessário estender-me sobre o alcance da pena em tela, uma vez que os quadros, estatísticas e as opiniões das autoridades médicas envolvidas falam por si. Para o juiz ingressar nessa cruzada do bem e da vida, basta articular-se e, em sua cidade, procurar o centro médico adequado para recepcionar os autores de infrações, e expor o ideal de implantação da doação de sangue como pena alternativa. A partir daí, fomentar o interesse dos demais integrantes do tripé judiciário e o auxílio para a comunidade estará materializado.
Tenho esperança que estas linhas sirvam de inspiração para que os colegas juízes, bem como os demais integrantes da justiça, adotem esta sugestão.
Evoco atitudes que nos chegam tímidas, uma vez que somente os Estados do Rio de Janeiro e Paraná divulgaram a adoção da doação de sangue como pena alternativa. Se cada um pensar bem, pressentirá que, logo, todo o país, via Poder Judiciário, poderá ser um agente de transformação do bem para evitar mortes e a eternização de algumas doenças. Daremos início a uma empreitada visando amenizar a dor de tantas famílias que vêm os seus falecer pela falta de sangue.
Repiso que cada juiz criminal detém, sob sua presidência, todo o campo de labor pertinente e indispensável à execução dessa tarefa nobilíssima, bastando que lidere a introdução da novidade em sua seara contatando os operadores do direito e com eles discutindo a implantação da medida.
Quiçá o Poder Judiciário brasileiro deixe de ser criticado por “n” fatores e passe e receber elogios por se tornar um vetor natural de mutação positiva da saúde brasileira.
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Juiz criminal em Sorocaba/SP, mestre e doutorando pela PUC/SP. Professor de Direito Penal, Processo Penal e de Leis Especiais. Autor de artigos e dos livros Prisão Temporária e OAB - 2ª Fase - Área Penal, ambos pela Editora Saraiva. Coordenador da Coleção OAB - 2ª Fase, pela mesma Editora. Palestrante. Professor da Escola Paulista da Magistratura e de Leis Especiais da Rede LFG. Coordenador do curso de atualização e capacitação profissional da Faculdade de Direito de Sorocaba (FADI). Foi coordenador pedagógico do Curso Triumphus - preparatório para Carreiras Jurídicas e Exame de Ordem, por 14 anos.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FREITAS, Jayme Walmer de. A doação voluntária de sangue como pena restritiva de direitos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 dez 2010, 11:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/22693/a-doacao-voluntaria-de-sangue-como-pena-restritiva-de-direitos. Acesso em: 23 dez 2024.
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