1. INTRODUÇÃO
O objetivo deste artigo é apresentar as controvérsias doutrinárias a respeito do instituto da inelegibilidade, destacando o seu conceito e classificação.
O tema inelegibilidade apresenta grande divergência doutrinária. Não há consenso sobre o conceito e a natureza jurídica deste instituto do direito eleitoral, fato este que potencializa a controvérsia sobre a constitucionalidade da Lei da “Ficha Limpa”, Lei Complementar 135/2010. Isso porque sua definição pode atrair a discussão para o campo das regras, verificando se há a subsunção; ou repeli-la para buscar o princípio que lhe dá sustentação e, então, travar uma análise no campo da teoria dos princípios.
Destacando a relevância do tema, Adriano Soares da Costa aponta que:
“A teoria das inelegibilidades é nuclear no estudo do Direito Eleitoral, gravitando em torno dela a quase totalidade dos institutos desse ramo da Ciência Jurídica. Tal assertiva, que poderia ser exagerada, apenas explicita o fato de que a preocupação primeira em sede eleitoral diz respeito à chamada capacidade passiva do cidadão, qual seja, a faculdade outorgada pelo ordenamento jurídico de apresentar o seu nome para registro de candidatura, com escopo de concorrer a algum cargo eletivo.” [1]
O renomado jurista nos traz, de maneira enfática, a importância do estudo da teoria das inelegibilidades[2], afirmando, conforme destacado acima, que o tema está presente em quase todos os institutos do Direito Eleitoral, razão pela qual nos debruçaremos nesta análise, sem, contudo, qualquer pretensão de esgotar o assunto.
2. CONCEITO
É grande a confusão que se faz quanto ao conceito de inelegibilidade. De acordo com Adriano da Costa, “o ponto confuso é justamente a proposição de ser a ausência das condições de elegibilidade uma inelegibilidade imprópria, ou mesmo uma situação materialmente idêntica à inelegibilidade, mas que com ela não se confunde”[3]. Assim, se uma pessoa não possui as condições de elegibilidade, torna-se inelegível. Por esta razão, é comum atribuírem à inelegibilidade a definição oposta à de elegibilidade, o que se caracteriza um erro.
Olivar Coneglian assevera que “o problema em relação ao tema é que, em decorrência de uma interpretação puramente semântica, as condições de elegibilidade e a inelegibilidade são geralmente apresentadas uma como sendo o oposto da outra.”[4]
Para melhor compreensão do tema, verificamos imprescindível a conceituação de elegibilidade. Pode-se conceituá-la como sendo o direito subjetivo público de submeter alguém – o seu nome – ao eleitorado, visando à obtenção de um mandato, como afirma Francisco Dirceu Barros. Uma série de autores que conceituam este instituto é citada por Barros, conforme se vê:
“...O consagrado professor Pinto Ferreira a define como ‘a capacidade eleitoral passiva, o poder de ser votado’.
Para Elcias Costa, elegibilidade é ‘o direito de alguém ser escolhido, mediante sufragação popular, para o desempenho de função pública na formação do governo’.
José Afonso da Silva ensina que a elegibilidade ‘consiste no direito de postular a designação pelos eleitores a um mandato político no Legislativo ou no Executivo’”.[5]
Convém anotar, ainda, que, para ser elegível, faz-se necessário o atendimento das condições dispostas no parágrafo terceiro do art. 14 da CF. Por conseguinte, poderá candidatar-se o cidadão brasileiro que estiver em pleno exercício dos seus direitos políticos, que tenha efetuado o alistamento eleitoral, desde que não seja analfabeto e tenha atingido a idade mínima para o exercício do cargo que pleiteará.[6]
Assevera Adriano Costa que “para que o cidadão possa ser candidato a cargo eletivo é necessário preencher os pressupostos constitucionais e infraconstitucionais, denominados condições de elegibilidade.” Destaca, ainda, que “o direito de votar (ius singulii) é pressuposto do direito de ser votado (ius honorum), sendo seu antecedente lógico e cronológico.”[7]
Com efeito, podemos afirmar que “as chamadas condições de elegibilidade são, no mais estrito rigor terminológico, verdadeiras condições do direito a registrar a candidatura”. São exigências constitucionais ou legais para a realização do registro, implicando a ausência de uma delas a inexistência do direito de registrar”. Logo, “enquanto o cidadão não preenche todas as condições de elegibilidade, não possui ainda o direito de ser votado”[8].
Sistematizando, as condições de elegibilidade próprias, assim classificadas a nacionalidade brasileira, o pleno exercício dos direitos políticos, o alistamento eleitoral, o domicílio eleitoral na circunscrição filiação partidária e a idade mínima exigível; ou impróprias, incluindo a falta de alfabetização, as condições especiais para militares, a indicação em convenção partidária, e a desincompatibilização.
Evidentemente, o não preenchimento dessas condições torna o cidadão inelegível. Constitui-se, portanto, inelegibilidade inata, segundo a doutrina. De fato, se o cidadão precisa preencher certas condições para que possa ser elegível, caso não atenda a qualquer uma delas se tornará inelegível. Contudo, não se pode afirmar, com base nesse silogismo, que inelegibilidade trata-se do antônimo de elegibilidade, pois poderá alguém atender todas as condições de elegibilidade e possuir um fato impeditivo de sua candidatura, ou seja, ser inelegível. Esse fato impeditivo da candidatura, quando distinto das condições descritas no supramencionado dispositivo constitucional, é denominado pela doutrina como inelegibilidade culminada, pois decorrente da ocorrência de uma transgressão eleitoral[9]
A Lei 9504/97, em seu art. 11, deixa claro tratar-se de institutos que devem ser analisados separadamente. Na hipótese de serem apenas antônimos, desnecessário seria a Lei mencionar expressamente que serão aferidas tanto as condições de elegibilidade quanto as causas de inelegibilidade, pois verificando a presença de um, conseqüentemente não se verificaria a do outro.
Art. 11. Os partidos e coligações solicitarão à Justiça Eleitoral o registro de seus candidatos até as dezenove horas do dia 5 de julho do ano em que se realizarem as eleições.
(...)
§ 10. As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade[10]. (grifo nosso)
Alexandre de Moraes assevera que a inelegibilidade se constitui na “ausência de capacidade eleitoral passiva, ou seja, da condição de ser candidato e, conseqüentemente, poder de ser votado, constituindo-se, portanto, em condição obstativa ao exercício passivo da cidadania”.[11]
Para Pedro Henrique Távora Niess, citado por BARROS, a inelegibilidade consiste no obstáculo posto pela Constituição ou por Lei Complementar ao exercício da cidadania passiva. De acordo com o referido autor:
“Se a elegibilidade é pressuposto do exercício regular do mandato, a inelegibilidade é a barreira intransponível que desautoriza essa prática. Com relação a um, alguns ou todos os cargos cujos preenchimentos dependam de eleição (...) quando há óbice à própria candidatura decorrente da Constituição Federal ou da Lei Complementar, estamos diante de um caso de inelegibilidade. Se tal obstáculo não existe, conquanto a própria Constituição estabeleça o preenchimento de certos requisitos, na forma da lei (ordinária), para o exercício do direito de ser votado, contemplamos as condições de elegibilidade”.[12]
Do entendimento de José Afonso da Silva, extraímos o seguinte conceito:
“Inelegibilidade revela impedimento à capacidade eleitoral passiva (direito de ser votado). Obsta, pois, à elegibilidade. Não se confunde com inalistabilidade, que é o impedimento à capacidade eleitoral ativa (direito de ser eleitor), nem com incompatibilidade, impedimento ao exercício do mandato depois de eleito”.[13]
Pode-se adotar, por conseguinte, a inelegibilidade como conceito negativo. Esta conceituação do instituto é dada por Adriano Costa, para quem “a inelegibilidade é o estado jurídico de ausência ou perda de elegibilidade”[14]
3. CLASSIFICAÇÃO
Dentre as diversas formas de classificação das inelegibilidades feitas pela doutrina, destacamos, primeiramente, a que foi dada por Coneglian. Para este doutrinador, pode-se classificar o instituto limitador do ius honorum (1) quanto à origem; (2) quanto à abrangência; (3) quanto à duração e (4) quanto ao conteúdo.[15]
3.1. Quanto à origem
Ao utilizar a primeira forma de classificação acima exposta, parte-se da análise da origem, ou seja, de onde deriva a “causa de inelegibilidade”. Por esse critério, divide-se, ainda, em constitucional – para hipóteses previstas na própria Constituição da República – e infraconstitucional, naqueles casos em que a disciplina encontre amparo na lei complementar 64/90, por exemplo.[16]
3.2. Quanto à abrangência
A segunda forma para distinção apresentada relaciona-se com a abrangência do instituto e parte da análise do quanto será afetada a pretensa candidatura. O ilustre doutrinador José Afonso reitera que “as inelegibilidades podem ser consideradas sob dois critérios, no tocante à sua abrangência: absolutas e relativas”.[17]
3.2.1. Inelegibilidades absolutas
Esta espécie de inelegibilidade tem o condão de impedir a candidatura do pretenso candidato a qualquer cargo eletivo. Por esta razão, ou seja, pelo fato de o cidadão (ou estrangeiro) ser considerado inelegível para todos os cargos, chama-se inelegibilidade “ampla, geral, total ou absoluta”.[18]
Como bem assevera José Afonso:
“As inelegibilidades absolutas implicam impedimento eleitoral para qualquer cargo eletivo. Quem se encontre em situação de inelegibilidade absoluta não pode concorrer a eleição alguma, não pode pleitear eleição para qualquer mandato eletivo e não tem prazo para desincompatibilização que lhe permita sair do impedimento a tempo de concorrer a determinado pleito”.[19]
Para que ela venha a desaparecer, é curial que a situação que a produziu tenha sido totalmente eliminada. Por assim se apresentar, este tipo de limitação só pode ser estabelecido pela Constituição, a qual nos traz, em seu artigo 14, § 4º, dois casos de vedação absoluta ao exercício da capacidade eleitoral passiva, como exposto: “são inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos”.[20] Para os absolutamente inelegíveis não há previsão de cessação do impedimento: enquanto presente o situação geradora do impedimento, não estará apto ao exercício do ius honorum.
3.2.2. Inelegibilidades relativas
Por outro lado, em se tratando de limitação específica para algum cargo, como ocorre com o chefe do executivo que não poderá ser eleito para um terceiro mandato, teremos inelegibilidade relativa, restrita, parcial ou especial. Nas precisas palavras de José Afonso, “constituem restrições à elegibilidade para determinados mandatos em razão de situações especiais em que, no momento da eleição, se encontre o cidadão.”[21]
A inelegibilidade relativa subdivide-se em funcional e por parentesco ou reflexa e, por fim, por motivo de domicílio. A primeira dá-se na hipótese de a restrição ter por fundamento o desempenho de função pelo pretenso candidato, conforme exemplo acima citado, referente à pretensão ao terceiro mandato. A outra hipótese decorre da relação de parentesco, conforme previsão constitucional exposta no art. 14, § 7º.[22]
Baseado nas lições de José Afonso da Silva, podemos afirmar que há uma terceira subdivisão da inelegibilidade relativa, qual seja, a por motivo de domicílio. Isto porque, como “o domicílio eleitoral na circunscrição é uma das condições de elegibilidade”, conclui-se que “é inelegível para mandato ou cargo eletivo em circunscrição em que não seja domiciliado pelo tempo exigido em lei”.[23]
3.3. Quanto à duração
Como terceiro critério de diferenciação, Conegllian destaca o tempo de duração da causa de inelegibilidade, podendo ser temporária ou transitória, cuja limitação ocorre por tempo determinado; ou permanente, que se relaciona a uma situação fática. Convém advertir, como bem o faz o supracitado autor, que é exatamente nesta terceira classificação que reside um ponto tormentoso no qual há muito equívoco na doutrina, visto que são confundidos conceitos básicos do direito eleitoral.
“A presente classificação merece atenção, pois, em alguns casos, quando são apresentados exemplos, geralmente aparecem misturadas causas de inelegibilidade com a perda de direitos políticos (estrangeiro, interdição), ou seja, coloca-se na mesma classificação exemplos que pertencem a institutos diferentes. A perda de direitos políticos tem o caráter de definitividade, enquanto uma das características da inelegibilidade e justamente a temporariedade. Assim, como limitador ao exercício de um direito político, ela não pode ser permanente, devendo ser pensada para cada eleição.”[24]
Não se pode confundir estes institutos tão distintos. A perda e suspensão dos direitos políticos, embora seus efeitos se assemelhem aos efeitos da inelegibilidade, possuem distinções estanques, e, se analisados adequadamente, não se pode conceber a persistência de qualquer conflito entre os termos. Em poucas palavras, buscando apenas elencar a distinção básica, consta anotar que a suspensão e a perda dos direitos políticos são disciplinadas no artigo 15 da CF/88, enquanto a disciplina da elegibilidade e inelegibilidade está no artigo 14 da Carta Magna. Soma-se também o fato de que em caso de perda e suspensão é afastada a capacidade eleitoral ativa (ius singulii, ou seja, o direito de votar), bem como a capacidade eleitoral passiva (ius honorum, consubstanciado no direito de ser votado). No entanto, nas hipóteses de inelegibilidade, não é afetada a capacidade eleitoral ativa, mas apenas a capacidade de ser votado. Por outro recorte, temos que destacar que enquanto a perda é a privação definitiva dos direitos políticos, a suspensão os atinge temporariamente.[25]
3.4. Quanto ao conteúdo ou à natureza
3.4.1. Inelegibilidade de natureza eleitoral
O quarto critério apresentado por Olivar Coneglian é obtido a partir do conteúdo ou natureza da causa.
3.4.1.1. Própria e imprópria
Para entendermos esta distinção, partamos da hipótese de o sujeito não poder concorrer a um cargo eletivo porque incidente alguma causa de inelegibilidade. Afirma-se, neste caso, que ele está diante de uma inelegibilidade própria. Por outro lado, caso tal impossibilidade decorra de qualquer outra hipótese que não seja de uma causa de inelegibilidade, teremos uma inelegibilidade imprópria. Para exemplificarmos as impróprias, pode-se citar o não preenchimento das condições de elegibilidade que, embora não sejam propriamente causa de inelegibilidade, terminam por tornar inelegível o pretenso candidato que não atenda a todas as condições.
Para ilustrar, Jorge Miranda, citado por Olivar Coneglian, afirma que:
“Em sentido amplo, considera-se, pois, inelegível aquele que não pode ser eleito, aquele que não tem capacidade eleitoral passiva. Costuma, no entanto, distinguir-se entre a falta de requisitos gerais que habilitam à eleição e a ocorrência de algum facto ou posse de algum atributo que em especial impedem o aceder à qualidade de destinatário do acto electivo. Aqueles requisitos gerais chamam-se requisitos ou condições de elegibilidade, estas situações dizem-se inelegibilidade em sentido estrito”.[26]
3.4.1.2. Inelegibilidade Inata
A inelegibilidade imprópria é definida na classificação de Adriano Costa como inata. Embora a espécie imprópria já tenha sido referida, convém destacar a existência desta nomenclatura para a mesma espécie pelo fato de ser muito utilizada esta expressão pela doutrina, de forma que o conhecimento dessa variação nominal pode nos conduzir a um melhor entendimento do tema ora abordado.
Pedro Niess, sinteticamente, destaca que:
“Entretanto, forçoso é convir que quem não preenche as condições de elegibilidade acaba sendo, em última analise, inelegível, razão pela qual, buscando harmonizar as idéias com a legislação, optamos por chamar a falta dessas condições de causas de inelegibilidade impróprias. É o caso do alistável que não se alista.”[27]
Com efeito, impende concluir que se classifica como inelegibilidade inata a falta de condições de elegibilidade previstas no art. 14, § 3º da Constituição Federal, podendo ensejar uma Ação de Impugnação de Registro de Candidatura.[28]
Ao classificar este instituto, Costa opta pela nomenclatura inelegibilidade inata e cominada. A inata, já devidamente explicada, configura a ausência das condições de elegibilidade, razão pela qual também é denominada “inelegibilidade-ausência”; a cominada, passaremos a estudá-la no tópico que se segue.
3.4.1.3. Inelegibilidade Cominada
Quanto à inelegibilidade cominada pode-se entender que “significa um corte na elegibilidade para a eleição que está se realizando, de modo a obstruir a participação do candidato no prélio, ou os efeitos de uma possível vitória nas urnas”. Chama-se, pois, “inelegibilidade-perda”, uma vez que suprimi o direito de ser votado.[29]
A espécie cominada é subdividida segundo sua natureza. De natureza eleitoral e as de natureza não eleitoral. A primeira subespécie, aquela que possui natureza eleitoral, apresenta dois grupos: cominada simples e a cominada potenciada.[30]
Por cominada simples entende-se a inelegibilidade que ocorre para determinada eleição, como, por exemplo, a decorrente da cassação do registro ou diploma. Conforme nos esclarece Adriano Soares de Castro:
“A inelegibilidade cominada simples é a sanção de perda da elegibilidade para ‘essa eleição’, vale dizer, para a eleição na qual foi declarada a prática do ato reprochado como injurídico. Sua decretação tem por escopo mondar o ius honorum do candidato, impedindo a sua candidatura, ou a sua diplomação, ou exercício do seu mandato eletivo obtido por meio ilícito.”[31] (grifo nosso)
A inelegibilidade cominada potenciada seria aquela aplicável às eleições futuras[32]. Seria aplicada ao nacional que pratica algum “ato ilícito, quer seja de natureza eleitoral, quer de outra natureza, ao qual a lei atribua efeitos eleitorais”. Esta espécie, afirma Adriano Costa, é “uma sanção com efeito na área eleitoral, nada obstante não seja necessariamente aplicada a atos ilícitos eleitorais.”[33]
Chama-se potenciada porque será aplicada após o cumprimento do período de suspensão dos direitos políticos decorrente de sentença penal transitado em julgado. Como já foi afirmado, o art. 15, inciso III da CF/88 deixa positivado que terá seus direitos políticos suspensos nos casos de sentença criminal transitado em julgado, enquanto durarem seus efeitos (esta é uma hipótese de inelegibilidade de natureza não eleitoral que será examinada no próximo item). Deste modo, durante o tempo em que estiverem presentes os efeitos da sentença, estarão suspensos os direitos políticos do condenado. No entanto, após o cumprimento da pena, será imposta ao infrator a inelegibilidade por mais oito anos, conforme se abstrai da leitura do artigo primeiro, inciso I, alínea “e” da Lei Complementar 64/90, com redação dada pela Lei Complementar 135/2010:
“Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo:
(...)
e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)” (grifo nosso)[34]
Percebemos que o texto da lei é bastante claro, deixando estipulado o impedimento aos que forem condenados de concorrerem a mandato eletivo pelo período de oito anos, contados a partir do cumprimento da pena. De igual modo, o inciso “i” da referida lei estipula outra hipótese em que se potencializa a inelegibilidade cominada, entretanto, neste caso, trata-se de inelegibilidade de natureza eleitoral, como se vê:
I - para qualquer cargo:
(...)
j) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, por corrupção eleitoral, por captação ilícita de sufrágio, por doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem cassação do registro ou do diploma, pelo prazo de 8 (oito) anos a contar da eleição; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)”[35]
Outra conclusão a que chegamos da simples leitura do artigo acima aposto, é que o inciso I descreve circunstâncias de inelegibilidade absoluta, uma vez que, havendo possibilidade de subsunção da situação fática ao texto de uma de suas alíneas, será declarada a inelegibilidade para qualquer cargo, não podendo o indivíduo (nacional ou estrangeiro) concorrer a nenhum mandato eletivo.
Portanto, demonstra-se que é possível a classificação de uma inelegibilidade tomando como referência mais de um critério. Nos dois exemplos supramencionados temos inelegibilidades infraconstitucionais (pois previstas na Lei Complementar 64/90) temporárias (têm prazo definido) absolutas (para qualquer cargo) cominadas potenciadas (têm efeitos aplicáveis a eleições futuras). Ressalta-se que, como fora afirmado, diferem ao serem classificadas quanto à natureza, conquanto uma tem natureza eleitoral ao passo que a outra na a tem.
3.4.2. Inelegibilidade de natureza não eleitoral
A segunda subespécie de inelegibilidade cominada possui natureza não eleitoral, como nos ensina Francisco Dirceu Barros[36]. Para esta subespécie, temos como exemplo os efeitos extrapenais da condenação criminal transitado em julgado, conforme previsto na CF/88, em seu artigo 15, inciso III. Vemos que não se refere o artigo a qualquer infração eleitoral, mas a uma condenação criminal transitada em julgado.
Cabe alertar que a doutrina deixa clara a distinção entre inelegibilidade e as hipóteses do artigo 15 da CF, perda ou suspensão dos direitos políticos. Como assegurou o Ministro do TSE, Arnaldo Versiani, ao responder a Consulta nº 1147-09.2010.6.00.0000, deixando expresso em seu voto que “a inelegibilidade não se confunde com a perda dos direitos políticos, pois essa perda tem consequências muito mais abrangentes do que a inelegibilidade, que há de ser entendida como restrição temporária ao exercício de mandato”.[37]
Por outro lado, quanto à perda ou suspensão, ocorrerá, por conseguinte, a impossibilidade de se exercer tanto os direitos políticos positivos, quanto os negativos, logo, não poderá votar nem ser votado. Percebe-se, então, a maior amplitude destes institutos previstos no artigo 15 da CF em relação àquele previsto no artigo 14 da CF.
Com efeito, embora a suspensão prevista no inciso III, art. 15 da CF gere a inelegibilidade, a doutrina diverge quanto a esta classificação, uma vez que não constitui propriamente uma inelegibilidade, mas sim uma das conseqüências da condenação, de natureza criminal. São, em verdade, efeitos extrapenais da sentença penal condenatória. A lógica desta análise está no pressuposto que se um nacional tem seus direitos políticos suspensos, não há que se cogitar o preenchimento das condições de elegibilidade. Não preenchendo as condições de elegibilidade não poderá ser candidato, portanto, inelegível. Trata-se, concluímos, de ausência da condição prevista no inciso II, do § 3º, art. 14 da CF:
“Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
§ 3º - São condições de elegibilidade, na forma da lei:
I - a nacionalidade brasileira;
II - o pleno exercício dos direitos políticos;
III - o alistamento eleitoral;
IV - o domicílio eleitoral na circunscrição;
a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador;
b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal;
c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz;
d) dezoito anos para Vereador.”[38]
Nesse aspecto, se confundiria com a inelegibilidade imprópria ou inata. Entretanto, não se pode olvidar que mesmo após a reaquisição dos direitos em tela, ou seja, após cessarem os efeitos da condenação, estará aquele que for condenado impedido de candidatar-se a mandato eletivo pelo prazo de oito anos. Assim ocorrendo, estaremos diante de uma inelegibilidade que poderá ser classificada como cominada potenciada. Por esta razão, alguns doutrinadores discordam desta classificação que aponta como inelegibilidade a hipótese do art. 15, III, da CF.
Quanto à expressão “enquanto durarem seus efeitos”, devem-se aduzir algumas considerações a fim de nos conduzirmos a uma interpretação sistemática do dispositivo constitucional e de seu equivalente inserto na Lei Complementar 64/90.
Como principal efeito da condenação criminal pode-se apontar o cumprimento da pena imposta, como assevera Rogério Greco[39]. Existem, contudo, outros efeitos que derivam da condenação, denominados extrapenais, os quais se encontram previstos no Código Penal, nos artigos 91 (efeitos genéricos, que não necessitam de constarem expressamente na sentença) e 92 (efeitos específicos, não automáticos e devem constar da sentença). Fernando Capez inclui no rol dos efeitos genéricos da sentença penal condenatória:
“Enquanto não extinta a pena, o condenado fica privado de seus direitos políticos, não podendo sequer exercer o direito de voto. Não importa o regime de pena privativa de liberdade imposto, tampouco se a pena aplicada foi restritiva de direitos ou de multa, pois, até que seja determinada a sua extinção (pelo pagamento da multa ou pelo integral cumprimento da privativa de liberdade ou da restritiva, ou ainda por qualquer outra causa), permanece a suspensão dos direitos políticos. Nem mesmo o sursis e o livramento condicional impedem a suspensão, visto que em nenhum desses casos a pena é extinta.”[40] (grifado)
A LC 135/2010, ao alterar a LC 64/90, traz a expressão “cumprimento da pena”, porém não se pode imaginar que tal locução se restringe unicamente à possibilidade de ser a pena efetivamente cumprida, pois devemos considerar, também, as hipóteses de extinção da pena. Neste sentido, Luis Carlos dos Santos Gonçalves corrobora:
“Embora a lei fale em “cumprimento da pena”, como procedia a LC n 64/1990, é razoável dar a expressão o significado de “extinção da pena”, que pode ocorrer também por outra causa, como a prescrição executória ou o indulto. Se a causa extintiva for hábil para desconstituir o título penal condenatório, como a prescrição da pretensão punitiva e a abolitio criminis, não persistirá a inelegibilidade.”[41]
O Tribunal Superior Eleitoral sumulou a questão, Súmula 9, deixando expresso que a suspensão dos direitos políticos decorrentes de condenação criminal transitada em julgado cessa com o cumprimento ou a extinção da pena, independendo de reabilitação ou prova de reparação dos danos.
Pelo exposto, o tempo em que o condenado ficará inelegível variará de acordo com a pena aplicada, pois, após extinta a punibilidade ainda lhes restarão oito anos de restrição de direitos políticos negativos. Salienta-se que este período de oito anos constitui-se inelegibilidade absoluta, visto que não poderá o paciente candidatar-se a qualquer cargo eletivo.[42]
4. CONCLUSÃO
Diante do exposto, é possível concluir que a inelegibilidade não pode ser conceituada como oposto de elegibilidade, uma vez que mesmo que um cidadão preencha as condições de elegibilidade, poderá ter uma causa inelegibilidade que o impeça de exercer o seu direito de ser votado.
O não preenchimento das condições de elegibilidade acarreta na inelegibilidade inata. No entanto, mesmo que preenchidas as referidas condições, é possível que o cidadão seja inelegível, hipótese em que se verificará a espécie que a doutrina classifica como inelegibilidade cominada.
5. REFERÊNCIAS
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BRASIL. Lei Complementar 64, de 18 de mai de 1990. Estabelece casos de inelegibilidade, prazos de cessação, e determina outras providências. Redação dada pela Lei Complementar 135/2010. Brasília, 1990.
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Consulta 1147-09.2010.6.00.0000 – CLASSE 10 – BRASÍLIA – DF. Rel. Ministro Arnaldo Versiani.
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[1] COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 27
[2] COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000 p. 27
[4] CONEGLIAN, Olivar Augusto Roberti. Inelegibilidade e proporcionalidade, inelegibilidade e abuso de poder. Curitiba: Juruá, 2008. p. 71
[5] BARROS, Francisco Dirceu. Direito Eleitoral: teoria, jurisprudência e mais de 1000 questões comentadas. 8.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 250.
[6] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Art. 14.
[7] COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 37
[8] Idem p. 75
[9] BARROS, Francisco Dirceu. Direito Eleitoral: teoria, jurisprudência e mais de 1000 questões comentadas. 8.ed. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 253.
[10] Art. 11 da Lei 9504/97.
[11] MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 5. ed. - São Paulo: Editora Atlas, 2003, p. 220.
[12] NIESS, Pedro Henrique Távora. Direitos Políticos: Condições de elegibilidade e inelegibilidade. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 5-9.
[13] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30. ed. , São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2008, p. 388
[14] COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 155
[15] CONEGLIAN, Olivar Augusto Roberti. Inelegibilidade e proporcionalidade, inelegibilidade e abuso de poder. Curitiba: Juruá, 2008. p. 75
[16] Idem. p. 75
[17] SILVA, José Afonso da. Curso de direito Constitucional Positivo. 30. ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2008, p. 390.
[18] Idem. p. 390.
[19] CONEGLIAN, Olivar Augusto Roberti. Inelegibilidade e proporcionalidade, inelegibilidade e abuso de poder. Curitiba: Juruá, 2008. p. 75
[20] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
[21] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30. ed. , São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2008, p. 390.
[22] CONEGLIAN, Olivar Augusto Roberti. Inelegibilidade e proporcionalidade, inelegibilidade e abuso de poder. Curitiba: Juruá, 2008. p. 75-76.
[23] SILVA, José Afonso da. Curso de direito Constitucional Positivo. 30. ed. , São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2008, p. 392.
[24] CONEGLIAN, Olivar Augusto Roberti. Inelegibilidade e proporcionalidade, inelegibilidade e abuso de poder. Curitiba: Juruá, 2008. p. 76.
[25] SILVA, José Afonso da. Curso de direito Constitucional Positivo. 30. ed. , São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2008, p. 382
[26] MIRANDA, Jorge. Ciência Política: formas de governo. Rio de Mouro: Pedro Ferreira, 1996. p. 61
[27] NIESS, Pedro Henrique Távora. Direitos Políticos: condições de elegibilidade e inelegibilidade. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 8.
[28] BARROS, Francisco Dirceu. Direito Eleitoral: teoria, jurisprudência e mais de 1000 questões comentadas. 8.ed. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 252.
[29] COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 161-162
[30] BARROS, Francisco Dirceu. Direito Eleitoral: teoria, jurisprudência e mais de 1000 questões comentadas. 8.ed. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 253.
[31] COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 163
[32] BARROS, Francisco Dirceu. Direito Eleitoral: teoria, jurisprudência e mais de 1000 questões comentadas. 8.ed. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 253.
[33] COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 163.
[34] BRASIL. Lei Complementar 64, de 18 de mai de 1990. Estabelece casos de inelegibilidade, prazos de cessação, e determina outras providências. Redação dada pela Lei Complementar 135/2010. Brasília, 1990.
[35] Idem.
[36] BARROS, Francisco Dirceu. Direito Eleitoral: teoria, jurisprudência e mais de 1000 questões comentadas. 8.ed. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 253.
[37] BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Consulta 1147-09.2010.6.00.0000 – CLASSE 10 – BRASÍLIA – DF. Rel. Ministro Arnaldo Versiani.
[38] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
[39] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009. p. 661.
[40] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. vol. 1: parte geral (arts. 1 a 120). 11. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 499.
[41] REIS, Márlon et al. Ficha Limpa: lei complementar n 135 de 4 de junho de 2010 interpretada por juristas e responsáveis pela iniciativa popular. São Paulo: Edipro, 2010. p. 68-69.
[42] REIS, Márlon et al. Ficha Limpa: lei complementar n 135 de 4 de junho de 2010 interpretada por juristas e responsáveis pela iniciativa popular. São Paulo: Edipro, 2010. p. 69.
Doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestre em Segurança Pública, Justiça e Cidadania (UFBA). Bacharel em Direito (UFBA). Especialização em Direito Penal e Processo Penal pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci. Pesquisador do Grupo de Pesquisa de Direitos Humanos e Cidadania da Universidade Federal da Bahia. Promotor de Justiça do estado da Bahia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, JAIR ANTÔNIO SILVA DE. Inelegibilidade: conceito e classificação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 dez 2011, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/27416/inelegibilidade-conceito-e-classificacao. Acesso em: 23 dez 2024.
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